Implantação
A proposta de implantação se formula com dois principais significados.
Uma urbanidade interna ao terreno, articulando uma certa independência dos edifícios e a diversidade de lugares criados: arquiteturas, circulações, níveis, jardins, praça. O segundo é a escolha dos eixos existentes de circulação que organizam os espaços em dois níveis: plataforma da antiga estação e rua interna. Apropriados por indiciar usos consolidados de acessos urbanos e na distribuição dos caminhos internos.
A praça surge como oportunidade do entroncamento de caminhos e um vazio urbano, feita para a escala de bairro. O arcabouço desse vazio se dará pelo auditório e seu foyer "aberto", pela biblioteca, cyber café (vagão) e marquise e edifício principal da antiga estação agora como museu permanente. O vazio frontal junto ao museu permanente será considerado por ocasionar a visibilidade da antiga estação conformando, também, um espaço para shows ao ar livre na concha acústica.
As arquiteturas procuram se abrir em todas situações de implantação: para a avenida Angelo Franzini através da plataforma e vagões ou, junto à rua interna, através da escadaria. Na primeira condição, aproveita-se da visualidade da massa de vegetação da Chambourcy. No segundo caso, a escadaria se abre à rua interna e aos jardins. Estes são feitos com diferenças de materiais, criam espaços reservados, expõem esculturas ao ar livre, procuram uma diversidade de vegetação em cores e texturas... No intuito de hiperbolizar o repertório plástico-visual-tátil do ocupante (que é um possível usuário dos ateliês de artes). Os jardins proporcionam momentos interruptos para a linearidade da rua interna. Parte destes jardins formam um pequeno palco onde a escadaria se torna platéia/anfiteatro ou uma ante sala para a biblioteca, com bancos para leitura. Ainda nesta ante sala, a empena de proteção acústica se transforma numa tela de projeções para o uso da imagem de divulgação cultural.
Este valor midiático pode, então, questionar o uso de imagens no espaço urbano ao se comparar a um grande monitor televisivo ou um outdoor de propaganda comercial. De outra maneira, esta mídia pode promover a confecção de material imagético de teor cultural-histórico onde a memória é armazenada em bytes eletrônicos, num possível museu digital.
O vagão cyber café se expõe tanto para a praça como para a avenida Angelo Franzini, integrando um programa de diversões noturnas que esta via já comporta.
É a partir desta avenida que o Centro se produz visível para a cidade.
Um quintal pomar é lindeiro à habitação existente (esta, agora, como museu da história privada), compondo o espaço lúdico das brincadeiras infantis e do imaginário de crianças do interior paulista. Árvores frutíferas ali colocadas atraem pássaros e podem ser o mote para o descanso, ao sabor de mangas, bananas, laranjas, abacates, caquis, entre outras.
Em toda a implantação, junto à rua interna, a água será o elemento de unidade espacial do conjunto ao mesmo tempo que fornece equilíbrio térmico através dos espelhos d´água. Os lugares propostos podem possibilitar elementos de apreensão plástico-icônica: lâminas d´água para refração, reflexão da luz; níveis, escadarias, rampas para a noção de gravidade; praça e simultaneidade... Fatos espaciais que se propõem como dados oportunos de percepção para os trabalhos de um centro cultural.
Grande parte da vegetação de porte existente será mantida; caso necessário, haverá o replantio no próprio terreno de projeto.
Arquiteturas
As arquiteturas, seus lugares e seus significados procuram assim se construir:
A habitação existente no terreno terá agora, como programa, um museu da história privada. A própria arquitetura de moradia, seus cômodos, mobiliários, objetos do cotidiano, fotografias de época, podem assumir um papel didático-pedagógico de museologia na história social e material de uma cidade que se constituiu, em grande parte, a partir dos trilhos do trem:
- "Quando a Nestlé apitava, voltávamos para casa. O
- largo da igrejinha era quase do tamanho do
- mundo." (VICTORELLO, J. C.. O menino do
- triângulo. São Paulo, Gráfica OESP, 1996, p. 18.)
O intuito deste museu, a partir de sua iconografia, documentos escritos, músicas regionais, é revelar "seus personagens, grandezas e misérias (...) a simplicidade maliciosa, típica do interior." (ANDRADE, Carolina. In VICTORELLO, J.C.. "O menino do triângulo". São Paulo, Gráfica OESP, 1996, p. XI.) E, daí, a possibilidade deste acervo ganhar um valor histórico para a formação de parte do território do interior de São Paulo. Junto à "casa museu", encontra-se o quintal pomar como memória espacial, parte integrante deste tipo de habitação.
Os galpões existentes receberão os ateliês com divisórias flexíveis e a administração (com possibilidade de expansão através de mezanino). Na cobertura destes galpões haverá a recuperação das tesouras de madeira, de seus travamentos em ferro fundido e das telhas de zinco. Pode-se ocasionar aberturas zenitais nos ateliês de artes plásticas e tratamento acústico com forros e em paredes para ateliês de música, dança e teatro.
O auditório, feito em seu exterior de aço cortem, procura metaforizar uma grande "caixa de ferro" hermética, guardando porções isoladas de imagens e sons, criados como universos únicos. Este auditório se localiza junto aos ateliês de teatro, dança e música e, a partir deles, pode se flexibilizar em dois auditórios ou teatro de arena: uma oportunidade de incremento para o ateliê de teatro ou para companhias teatrais locais com mais esta opção. De outra maneira, esta flexibilidade do auditório se estabelece pela demanda de eventos em empresas, treinamento de funcionários e congressos; dadas as características da economia local e a presença de faculdades.
A biblioteca se constrói transparente. A visibilidade da pilha dos livros simbolizam a estrutura da arquitetura; um "desafio" ao ocupante ao se defrontar com tal quantidade de conhecimento reunido nesta construção.
Sua espacialidade linear ampara a contigüidade de catalogações. A estrutura independente e modulada da biblioteca pode ocasionar o crescimento, vertical ou lateralmente, em caso de aumento do acervo.
O museu permanente se apropria da edificação principal da antiga estação pelo fato de ser ainda e se manter pouco alterada. O signo de "permanência", neste caso, está na própria arquitetura e se formula pelo fato de que o documento espacial fornece índices para sua preservação. A exposição permanente de arquitetura é a própria arquitetura. Para tanto, esta arquitetura se propõe a recuperar cobertura e forros, ladrilhos, azulejos, pintura de paredes. A marquise lindeira também deverá recuperar a cobertura em telha de zinco, tesouras e pilares em ferro fundido.
O cyber café é um vagão restaurante adaptado, podendo se deslocar com auxílio de locotrator.
Vagões itinerantes junto à plataforma da estação prolongam os usos e significados culturais dos ateliês do Centro Cultural ou ao longo dos bairros da linha férrea (caso o Parque da calha ferroviária venha se efetivar). Estes vagões assumem espaços de experimentação urbana, como também, percursos de experimentação. O deslocamento se dará com locotrator.
A proposta parte da leitura da mecanicidade e sincronia de cargas, descargas da ferrovia e seu signo de deslocamento. Um sistema de peças móveis possibilita inúmeras montagens de acordo com possíveis usos: peças de teatro mambembe, teatro de mamulengos, espetáculos circenses, exposições que se abrem para a cidade, encenações, jogos, festas, anúncios de eventos do Centro, performances... De outra forma, estas construções de montagem, remontagem e desmontagem, compondo espaços diferenciados, caracterizam um contínuo exercício do pensar o espaço através de sucessivas reordenações que surpreenderiam os usuários, estimulando-os no jogo lúdico de descobertas espácio-temporais. O sistema possui na sua concepção a categoria do efêmero – eis a "praça" em seu grau zero como possibilidade capaz de gerar inúmeros espaços e atos.
Banheiros junto ao auditório, localizados na porção central de todo o conjunto, procuram atender o uso eficaz, até mesmo em vários turnos das funções de cada programa.
Obras civis de muros e arrimos utilizam cantaria de pedra como dado de reminiscências construtivas.
A empena da fábrica da Nestlé, junto ao estacionamento, pode ser utilizada para grafitagem temática, alterando-se no decorrer do tempo.
ficha técnica
Arquitetos
Emilio Yasunaga, Luciano Tricárico e Fabio Nunes
Consultor ambiental
Paulo Evangelista do Nascimento