Solução modular para habitação de interesse socialÉ indispensável construir idéias que originem objetivos comuns e na prática da arquitetura é necessário manter um compromisso com um elemento essencial da cidade, ou seja, com suas populações. Sermos conscientes de que uma grande maioria de pessoas habita zonas degradadas e que merecem a mesma qualidade de vida que qualquer de nós. Portanto, recorrer, indagar por estas zonas é indispensável para qualquer arquiteto.
Uma cidade não se constrói com casas de praia espetaculares, edifícios imponentes, grandes centros comerciais que comprovem nossas destrezas funcional, artística ou estrutural. As cidades se constroem no momento em que dialogamos como cidadãos, sem interesses pessoais, quando somos capazes de desenhar a cidade começando justamente por aquelas zonas degradadas. Deixar os individualismos e trabalhar em equipe, permitir que o antropólogo, o sociólogo, o agricultor, o engenheiro, etc. ocupem seus lugares. Porque uma habitação não é melhor do que outra por sua composição de fachada, mas por sua capacidade de garantir aos seus habitantes o necessário para seu bem estar. Ou seja, deixemos de nos preocupar com o “que dirão“ as outras pessoas. Entendamos que ser arquiteto atualmente é assumir um desinteresse total pela estética imposta. Então caminhemos, conversemos, vivamos na cidade atual. Uma cidade como a minha, com enormes zonas degradadas… Então, por quê não fazer algo por elas?
Memorial descritivo
É fácil entender uma cidade como Lima. Basta usar o transporte público e observar. Observar como alguma área descampada é invadida por um novo conjunto de habitações improvisadas, ou então como alguma zona de urbanização precária continua crescendo, ou então deter o olhar naqueles caminhões repletos de sacos de cimento e de blocos de tijolos que sempre usamos para construir, perceber o mau cheiro da sujeira nas supostas áreas verdes, intuir como muitas das remodelações ou ampliações que sofrem as habitações são comandadas por seus habitantes e não por arquitetos, escutar pelo rádio que farão racionamento de água, pois esta anda escassa.
E quando alguém se põe a projetar uma habitação social em Lima a realidade é o ponto de partida. E enquanto alguém pensa e imagina idéias em sua cabeça, as comunidades dão suas próprias soluções.Para estes é primordial encontrar dentro da cidade um lugar aonde viver (descampados, terrenos vazios, casa de familiares, etc.). E quando dispõem deste, a primeira coisa que fazem é levantar quatro colunas e distribuir sua habitação dentro deste espaço. Cobrem o espaço com os materiais acessíveis, tais como tijolos, arbustos, esteiras, papel, plástico, etc. Freqüentemente estes espaços são multiusos (dormitório, cozinha, sala, etc.) e em alguns casos agregam um espaço idêntico ao anterior, quando o consideram necessário.Talvez não seja a forma mais cômoda de se viver, mas é a mais sincera em relação aos recursos de seus habitantes e de suas prioridades.A nossa proposta, a princípio, é uma recopilação de algumas soluções dadas pelos próprios moradores. Trata-se, pois, de estabelecer como primeira prioridade a estrutura do módulo, de tal maneira que gere uma planta livre para poder ter maior liberdade no uso do espaço interno. Isto ficou solucionado dispondo 4 colunas e 2 lajes que delimitam o módulo, podendo ser a estrutura feita em aço ou concreto, dando conta da necessidade de temporalidade ou permanência, respectivamente. Ou seja, de fácil montagem ou completamente estática.Portanto era necessário organizar o espaço interior de tal forma que pudesse dar conta de múltiplas funções. Para as quais se criaram os móveis que geram as funções básicas de uma habitação (dormir, comer, cozinhar, higiene, trabalho) e de forma paralela se elege a implantação mais adequada do núcleo de higiene (água, ducha, pia) e de seus respectivos canos ou áreas de instalações sanitárias, elétricas e de gás. Ao se sobrepor um módulo sobre outro, estes dutos devem se ajustar perfeitamente.Nesta etapa foi importante elaborar um desenho muito compacto dos móveis de apoio, para que pudessem ser econômicos, de fácil montagem, capazes de serem produzidos em série e de substituis os móveis comuns de uma habitação, conseguindo assim economizar espaço.A segunda prioridade era criar uma analogia entre a capacidade de regeneração da pele humana com a capacidade que deveriam ter estes módulos para regenerar seus próprios recursos. Por esta razão se fez um estudo das formas de reutilizar a água, gerar algum tipo de alimento, gerar gás e de poder regenerar os muros de fechamento de cada módulo. Para a criação dos muros de fechamento se pensou a colocação de cilindros fabricados com bolsas plásticas comumente usadas para o armazenamento de arroz (0.95 x 0.60metros) e que agora armazenariam sucatas que possam ser recicladas (plástico, papel e papelão, agregados, madeira) e desta maneira possam ser reutilizadas para a construção de painéis de quincha (entrançado de bambus revestido com barro, gesso ou outro material), blocos de adobe, placas de argila, pranchas de papel corrugado, painéis de madeira, etc.Também se criam tanques de tratamento de deságüe, cuja função é reutilizar a água para rega e gerar gás metano mediante um processo muito parecido ao dos biodigestores. Sobre a produção de alimentos, é indispensável gerar espaços comuns entre módulos de habitação, que sirvam como áreas de cultivo e que são alimentadas com a água de rega produzida pelos tanques de tratamento de deságüe. Estas áreas anexas também cumprem a função de gerar espaços de comunicação e reunião entre os habitantes, pois uma vez tendo coberto as necessidades básicas dentro de cada módulo, será indispensável gerar lugares de lazer ou de cultivo, uma espécie de anexo entre módulos compartilhados.Este projeto teve sempre como objetivo expressar aquelas soluções que de maneira espontânea produzem os próprios moradores, porque durante estes meses um aprende a reconhecer que são eles mesmos que desenham e constroem. Basta caminhar pelas atuais invasões que existem em Lima e observar como são construídas as moradias, os materiais que servem como fechamento e cobertura, e se ter o prazer pessoal de ver como se edificam muros de papel, de papelão, de retalhos de madeira, de verificar como as construções são mais sinceras, pois ali nada é falso, tudo se mostra à primeira vista, tudo cumpre uma função, transformando o panorama caótico em algo melhor resolvido.
Pensando como conjunto
Porque nenhum projeto pode sustentar-se sem um prévio processo reflexivo e porque nenhum objeto arquitetônico é um ente isolado… Porque, talvez, tudo aquilo que em aparência é um objeto, na realidade é parte de algo maior. Em conseqüência, criar um objeto de caráter individualista termina sendo absurdo.
Segundo Sharif S. Kahatt, “parece inevitável que as grandes cidades sejam fragmentadas e contraditórias. Nas cidades contemporâneas nos encontramos com a convivência de várias ‘cidades’ paralelas, com níveis de vida notoriamente separadas e contrastadas, aonde a imagem de uma das partes se vende e se mostra orgulhosamente à vista de todos, e a outra fica relegada e escondida nas periferias ou nos centros degradados, aonde ninguém quer se fazer presente. A formação de grupos de elite, a segregação social, racial e cultural, dentre outras características das grandes metrópoles, não podem ser fomentadas pelo novidadeiro produto do marketing urbano: ‘o urbanismo a la carte’. Dos planos de desenvolvimento formulado dentro das estratégias de marketing das cidades surgem os projetos urbanos que acabam promovendo cidades com guetos blindados e autopistas. E é justamente ali aonde mais se necessita propor urgentemente novas políticas de desenvolvimento e reequilíbrio social, que possam oferecer um meio ambiente natural e seguro a todos seus habitantes. O urbanismo deve costurar as fraturas sociais entre cidadania e os projetos urbanos, através de seus espaços públicos. O urbanismo deve integrar as classes sociais e brindar a todos com a possibilidade de desfrutar de um melhor nível de vida…
ficha técnica
Universidad Ricardo Palma / Lima Perú Orientador: Arq. Alberto Reynaga da Silva