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PORTAL VITRUVIUS. Habitação Popular – Concurso Público Nacional de Anteprojetos no Estado do Amazonas. Projetos, São Paulo, ano 05, n. 054.04, Vitruvius, jul. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/05.054/2502>.


Apresentação do projeto

O Projeto de habitação de interesse social ora proposto objetiva atender a parcela da população manauara, especialmente aquele segmento com renda familiar mensal de até três salários mínimos, como parte das políticas e ações públicas governamentais e em parceria com a iniciativa privada, voltadas ao atendimento das demandas habitacionais locais.]

Procuramos expressar o respeito ao meio ambiente natural, patrimônio de toda a Humanidade, e aos processos histórico-culturais da urbanização do município de Manaus.

Reconhecendo o rico potencial dos assentamentos edificados pelos variados segmentos sociais, o projeto proposto ressalta a possibilidade de diálogo e a comunhão entre o meio antrópico, no qual a sociedade traça as suas necessidades e desejos, e o meio natural, biótico, este tão singular e generosamente manifestado pela exuberante floresta e pelas águas serpenteantes do Rio Negro.

Conceitos

O conceito de sustentabilidade, marco referencial básico para as complexas e diversificadas atividades humanas, abriga a perspectiva estratégica de realização coletiva de um desenvolvimento que satisfaça as necessidades das gerações presentes, sem comprometer a possibilidade de satisfação das gerações futuras, o que significa focar a satisfação de tais necessidades humanas básicas, a equidade inter e intragerações, o desenvolvimento econômico e a conservação do capital ambiental.

O projeto baseia-se filosoficamente nos princípios geradores da cultura local, combinados com concepções de sustentabilidade, oferecendo aos moradores um habitat saudável, como direito fundamental de todos, preconizado pela nossa Constituição Federal.

Partiu-se do pressuposto de que a expressão da vontade do morador será tanto mais efetiva quanto mais diversas forem as opções de apropriação dos espaços e ambientes no interior das unidades, no terreno individual e no entorno.

Buscaram-se soluções inovadoras objetivando a qualidade ambiental da habitação, um menor impacto no seu entorno e na comunidade, e a racionalização do projeto através de um sistema flexível, garantindo a valorização dos aspectos  estéticos, a socialização dos espaços e a preservação da individualidade de cada unidade.

A racionalização do sistema construtivo manifesta-se com a conjugação de materiais convencionais ofertados pelo mercado local, de técnicas construtivas tradicionais e de custo compatível com as características da habitação popular.

A conjugação e articulação do potencial das tipologias habitacionais e o sistema construtivo propostos permitem estabelecer diferentes plantas internas, de maneira a participação dos usuários no desenho e redesenho de suas habitações de acordo com suas necessidades e vontades, expressando sua individualidade, no interior e no exterior, especialmente na volumetria e nas fachadas e na ocupação e apropriação das áreas remanescentes do lote, sem comprometimento da qualidade do ambiente resultante.

O projeto baseou-se nos elementos constitutivos do desenho sustentável nas categorias de desenvolvimento urbano bioclimático, na ventilação natural, nas condições de insolação, nas características e peculiaridades dos regimes de chuvas e em uma geometria que garanta a permeabilidade da estrutura de urbana.

A unidade interage com o meio e intensifica a ventilação natural através de uma implantação com afastamento lateral de 2 metros a cada 2 casas. Diante da possibilidade de implantação em orientações diversas, apresenta aberturas variáveis, proteções solares e especificação criteriosa de materiais especialmente no envelope da edificação.

Buscou-se ainda tirar o máximo proveito do potencial climático da região obtendo as maiores contribuições no uso eficiente e na racionalização da energia, sem deixar de garantir conforto aos usuários. Assim como na arquitetura, este processo compõe-se de diversos outros mecanismos, também determinantes, como o uso racional da energia na edificação entre eles estão: o aquecimento solar da água, a captação e utilização da água das chuvas.

O reuso do esgoto secundário, as águas do chuveiro, lavatório e tanque, poderia ser promovido por meio de sistema integrando um conjunto de unidades habitacionais, visando o barateamento nos processos de instalação e manutenção, ao invés de sistemas domésticos individuais, mais caros e de difícil controle sanitário.

A implantação e incentivo aos procedimentos de armazenagem seletiva dos resíduos domésticos seriam articulados ao sistema público de coleta e disposição final. No lote, unidade básica do sistema, além disso, seria realizado o aproveitamento de parte do material orgânico, como do material de varrição, podas, etc., e parte de resíduos orgânicos domésticos produzidos na preparação e consumo de alimentos, com a utilização de processos domésticos de biocompostagem para a produção de adubo orgânico destinado ao jardim e/ou horta caseiros. Tal sugestão requer atenção especial com o controle sanitário, face aos riscos de contaminação dos lençóis freáticos e do solo e subsolo, em face das características de urbanização (como lotes de dimensões reduzidas), o elevado índice pluviométrico e a conformação dos núcleos de vizinhança.

Na garantia da funcionalidade e utilização da habitação pautou-se pelos princípios do desenho universal, objetivando a acessibilidade dos futuros moradores no seu direito de ir, vir e utilizar o meio construído, com autonomia, conforto e segurança.

Respeitando-se a diversidade e as diferenças como atributos humanos, buscou-se na simplicidade das soluções arquitetônicas valorizar a dimensão humana de todos os elementos do ambiente construído, como preconiza o Estatuto do Idoso e a Lei de Acessibilidade.

A geometria e dimensionamento de todos as dependências, especialmente daquelas situadas no pavimento térreo, estão condicionados aos requerimentos dos usuários, considerando-se a ampla e diversificadas características antropométricas, sensoriais e de mobilidade, seja nos campos psicológico e emocional, dos usuários.

Tecnologia da construção

Respeitando-se as características sócio-culturais da população-alvo, com renda familiar mensal de até três salários mínimos e os aspectos econômico-financeiros inerentes, optou-se por soluções construtivas que aliam à garantia das condições básicas de conforto, segurança e acessibilidade aos padrões de uma habitação economicamente viável tanto na sua produção (construção em economia de escala), quanto na sua utilização e manutenção por parte dos futuros usuários.

Os materiais empregados também são adequados às condições objetivas e subjetivas geradas pela vida cotidiana das famílias usuárias.

As fundações são em radier de concreto armado com laje dupla.

A estrutura e todas as paredes são em blocos cerâmicos de fabricação local, nas dimensões de 29 x 14 x 19, garantindo estabilidade e segurança, além de comprovado desempenho térmico.

Os tetos no pavimento térreo são em laje mista pré-fabricada (vigotas em concreto e tijolo cerâmico com recobrimento em concreto). No pavimento superior, optou-se pela instalação de forro ventilado em lambris de madeira com estrutura em peças do mesmo material e da colocação de tela de nylon tipo mosquiteiro (prevenção a insetos e pequenos animais nocivos).

A cobertura do corpo principal (quartos) é em telha cerâmica tipo duplan (italiana), sobre estrutura em madeira tratada, garantindo excelente desempenho térmico e redução dos custos da construção e manutenção. Em toda a extensão das empenas do telhado são aplicados cobogós tipo veneziana em concreto, garantindo a eliminação da massa de ar quente em seu interior e, conjugado ao forro ventilado, permite a exaustão de ar dos quartos.

Na caixa de escada optou-se pela execução de laje mista pré-fabricada, já que a mesma, a ser utilizada como suporte das placas do sistema de aquecimento solar, ficam protegidas dos raios solares, garantindo eficiente conforto térmico e simplificando e barateando os custos de construção. A aplicação de cobogós em concreto tipo veneziana na parte superior das paredes externas do corpo da escada permite a exaustão (efeito chaminé) do ar quente deste e dos demais compartimentos da habitação.

Os pisos são em cimentado desempenado liso e coloridos, com juntas fundidas na execução.

Todas as esquadrias são em madeira e obedecem a um padrão modular.

As janelas na sala e nos quartos possuem na sua porção principal duas folhas de abrir em veneziana (externas) e duas vidro (internas). Na parte inferior possuem duas folhas de venezianas fixas (externas) e duas chapas em madeira prensada de abrir (interna) que também são utilizadas nas bandeiras basculantes, possibilitando o pleno controle da iluminação e ventilação naturais.

No banheiro e cozinha-copa adotou-se o sistema de basculantes com vidro.

A porta da sala é de duas folhas, externa em veneziana e interna em vidro, com bandeira basculante de madeira prensada. A cozinha-copa possui para o interior da casa uma porta em veneziana com basculante em vidro, o mesmo ocorrendo com o banheiro, e para o exterior porta com veneziana na parte inferior e vidro na porção superior, com bandeira basculante em vidro. Nos quartos as portas são de veneziana e bandeira basculante em madeira prensada.

Todas as venezianas e basculantes voltadas para o exterior são providas de tela de nylon tipo mosquiteiro em suporte de madeira.

As duas caixas d’água são em fibra de polietileno, uma como reservatório de água potável e outra que armazena a água das chuvas, após filtragem.

A concepção

As condições climáticas do local exigem do projeto o uso intenso da ventilação, sendo trabalhada a ventilação cruzada em todos os ambientes. A forma da cobertura produz um colchão de ar, diminuindo a incidência de calor nas unidades, além de possibilitar uma volumetria marcante. O telhado foi estruturado com o uso de cobertura leve refletora, através do emprego de telha cerâmica não-esmaltada sobre forro de madeira ventilado em toda a extensão e nas duas fachadas opostas, gerando proteção eficiente para a radiação solar incidente na cobertura.

A intensidade e características do regime de chuvas impõem cuidados específicos, seja quanto às características das coberturas, proteção das esquadrias e vãos, seja quanto às instalações do sistema de aproveitamento das águas pluviais.

O programa

A unidade habitacional básica é composta por 2 tipologias, casa térrea e casa em dois pavimentos.

O módulo básico e comum é composto por sala, cozinha e banheiro.

A partir deste módulo temos as possibilidades de ampliação horizontal e vertical, evoluindo de 1, 2, 3 ou 4 quartos, com inúmeras combinações, garantindo diversidade de planta e volumetria, conforme a necessidade, anseios e disponibilidades econômico-financeiras de seus usuários e dos agentes financiadores.

A implantação

O projeto foi desenvolvido para um terreno de 8 metros de testada por 20 metros de fundos, permitindo a implantação das unidades habitacionais, orientadas de forma a contemplar as diversas orientações solares.

Na proposta de agrupamento das unidades procurou-se uma implantação que valorizasse o espaço e a iluminação natural, não impedisse o acesso de eventuais ventos incidentes, associada a uma organização em fita, (vila ou rua) com todas as frentes voltadas para este espaço de uso coletivo e público.

As residências possuem jardins e área destinada a uma possível guarda de veículo.

O espaço da rua cria um ambiente que valoriza o contato social a convivência comunitária. A vila cria espaços protegidos para as crianças brincarem, impõe restrições ao tráfego de veículo e garante segurança através do domínio e controle espacial.

A unidade habitacional

Os ambientes da unidade habitacional foram dimensionados e articulados entre si no sentido de obter uma planta compacta, otimizando as circulações verticais e horizontais e garantindo os espaços mínimos necessários para a localização e utilização do mobiliário e dos equipamentos e básicos.

Os vãos de portas e janelas foram posicionados e dimensionados de modo a permitir que os moradores idosos, crianças, portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida, temporária ou permanente, possam acessar e utilizar todas as dependências do pavimento térreo, sem a necessidade de uma tipologia ou resolução projetual específica para atender aos ditames jurídico-legais e normativos no que tange à acessibilidade.

O deslocamento do eixo da escada formando um ângulo de 45° com a fachada lateral possibilitou a redução da área construída, redirecionando os ventos e potencializando a ventilação natural das unidades vizinhas, assim como a acomodação, em um mesmo bloco, do sistema de placas de aquecimento solar, de sistema de ventilação cruzada e efeito chaminé, de implantação de cisterna de água das chuvas e sistemas de recalques e a utilização de parte da área sob o segundo lanço da escada como copa.

Sustentabilidade arquitetônica

A utilização da sustentabilidade arquitetônica tem como maior finalidade a racionalização do uso de energia e recurso naturais.

Projetou-se um sistema de ventilação com vãos compatíveis aos ambientes, aberturas na caixa da escada e a colocação de forro ventilado no segundo pavimento, afastado das paredes, facilitando desta forma a circulação e renovação do ar no interior da moradia.

O alto índice pluviométrico da região possibilitou a captação da água da chuva. O carneiro hidráulico foi o dispositivo suplementar, conjugado a uma bomba elétrica, para bombear a água até o reservatório superior. Tal dispositivo é prático, barato e de pouca manutenção, além de não necessitar energia elétrica para o seu funcionamento.

Os reservatórios estão localizados sob o telhado do corpo principal, acima do forro ventilado, juntamente com o boiler do sistema de água quente, racionalizando e simplificando as instalações, além de aproximas tanto das placas quanto aos pontos finais de consumo: banheiro e cozinha.

Aspectos jurídicos e institucionais

A base jurídica e institucional do projeto compreende os seguinte diplomas: Plano Diretor do Município de Manaus, legislação edilícia municipal, Estatuto da Cidade, Estatuto do Idoso, Lei de Acessibilidade, Normas técnicas como a ISO 1400, demais normas edilícias e urbanísticas, além da NBR 15220-3/2005 desempenho térmico de edificações (Parte 3: zoneamento bioclimático brasileiro e diretrizes construtivas para habitações unifamiliares de interesse social).

Soluções de sustentabilidades / quadro resumo

  • Obtenção de ambiente compatível com as necessidades dos usuários na maior parte dos dias do ano sem necessidade de uso de complementos artificiais, e altura de cômodos permitindo seu uso com eficiência (ventiladores de teto) ou localização adequada para os aparelhos de AC (prescritos pelo diagnóstico climático e Norma BNT NBR 15220) se, quando desejados;
  • Redução da carga térmica incidente sobre as empenas laterais, através do processo de “geminação” e conseqüente aumento dos corredores de ventilação interlotes;
  • Uso de paredes leves refletoras.
  • Dimensionamento e sombreamento externo das aberturas, permitindo nos quartos a entrada de Sol seletivo higiênico até às 10 horas (depois das 16h), necessário em clima tropical úmido;
  • Complementação com o uso de venezianas, para permitir a co-existência de obscuridade e ventilação (uso noturno);
  • Uso de cobertura leve refletora, através do emprego de telhas cerâmicas não esmaltadas (benefício suplementar de redução, por evaporação, da energia solar incidente) sobre forro de madeira ventilado em toda a extensão e nas duas fachadas opostas; gerando proteção eficiente para a Radiação solar incidente na cobertura;
  • Incremento do acesso aos ventos externos para ventilação cruzada pela geometria da escada, quando em condições não favoráveis de ventilação;
  • Boa ventilação permanente em toda a edificação – através das bandeiras superiores, com possibilidade de ajuste da ventilação ao nível do usuário nas janelas e bandeiras inferiores;
  • Favorecimento da ventilação cruzada permanente através da existência de portas-venezianas e saídas para o forro dos principais ambientes;
  • Escoamento do ar quente pelo incremento do processo de termo-sifão gerado pela existência de escada com saída superior;
  • Aumento do nível de iluminação no fundo dos quartos, atendendo as condições normativas para leitura e escrita na maior parte dos dias do ano;
  • Redução do número de horas de iluminação artificial nos quartos, através do uso do beiral luminoso/ prateleira luminosa/light shelf; associado à refletância das paredes e teto;
  • Redução do ofuscamento em ambientes de leitura/estudo próximo à janela através do uso do beiral e do deslocamento do pavimento superior;
  • Redução da energia utilizada para cocção e lavagem de pratos na cozinha, através do uso de aquecimento solar ;
  • Não-utilização de chuveiro elétrico ou aquecedor a gás, através do uso de aquecimento solar;
  • Redução do consumo de energia elétrica para bombeamento de água, através do uso do sistema de carneiro hidráulico para abastecimento de caixa suplementar para consumo parcial da edificação (descarga sanitária e torneira de jardim e lavagem geral)
  • Redução do uso de água potável tratada, pelo re-uso das águas pluviais;
  • Redução do impacto da chuva sobre o sistema de esgotamento pluvial urbano pela re-utilização das mesmas e uso de cisterna auxiliar.

ficha técnica

Projeto
Concurso Público de Anteprojetos de Habitação Popular

Local
Manaus AM

Data do projeto
2005

Área do terreno
160 m²

Arquitetura
Mauro César de Oliveira Santos (coordenador); Ubiratan de Souza, Luiz Fernando Freitas, Ana Carolina Martins, Luciana Beck (arquitetos); Luciene Gomes, Ludmila Correia e Diogo Caprio (estagiários)

Conforto Ambiental
Claudia Barroso-Krause

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Equipe premiada
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original: português

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IAB-AM
Manaus AM Brasil

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