Leitura da Área
Histórico da Ocupação
O conjunto de casas destinado ao projeto situa-se no centro histórico de Salvador, no Pilar/Taboão, trecho de ocupação das mais antigas na cidade, entre a encosta do altiplano, lugar fundacional da parte administrativa, e o mar, na estreita faixa de terra que nos primeiros séculos abrigava o porto da cidade. A paisagem deste trecho constitui um patrimônio natural/cultural/paisagístico de Salvador.
Historicamente vinculada ao Porto, a área do Pilar/Taboão teve sua ocupação inicial concentrada em uma única rua paralela à encosta, conectada aos caminhos de acesso à cidade alta. Foi lugar de trapiches, entrepostos, armazéns, lojas e bazares; lugar de portuários, mas principalmente de comerciantes, prestadores de serviços, vendedores ambulantes e escravos “de ganho”. Até o fim do século XIX esses mercados da cidade baixa foram os verdadeiros centros comerciais.
Mais tarde vieram os aterros, a modernização do porto e um traçado de ruas ortogonais. Ao início do século XX, estas modificações ampliaram territórios e diversificaram a ocupação com novas tipologias. Perdendo a proximidade do porto e suas funções correlatas, a área antiga perde também o interesse econômico, sofrendo um processo de deterioração física e social. As conseqüências desse processo refletem-se em toda a área central.
A caracterização dos primeiros habitantes baianos indica uma população que ocupava a área para comércio e moradia. As famílias mostravam alto percentual de agregados e escravos, que tendem à diminuição ao final do século XIX, quando essa população de comerciantes enriquecidos já transferia sua moradia do centro da cidade para a Vitória ou para Itapagipe. Com isso, os espaços sofrem transformações do uso original, principalmente nos pavimentos superiores, que passaram a ser ocupados por moradias de menor nível de renda, invasões e depósitos, em um progressivo esvaziamento e deterioro físico.
Tipologias Predominantes na Habitação
A descrição das casas desses comerciantes abastados indica a existência, no térreo, do empório, onde se empilhavam mercadorias, no segundo andar, dos aposentos da família, no terceiro dos caixeiros, no quarto andar dos escravos e no quinto e sexto, novamente mercadorias estocadas. Estas casas, de 4, 5 e até seis pavimentos, hoje deterioradas, configuravam pequenos impérios burgueses. Ao lado dos casarões, edificações assobradadas e também térreas, onde os pequenos comerciantes viviam ao fundo das lojas.
Vegetação
A ocupação do período colonial em ruas estreitas e casario agregado sempre confinaram a vegetação aos quintais que formavam o miolo das quadras – inexistentes na rua do Pilar e no Caminho Novo do Taboão onde, no lado das edificações da proposta, o construído avança sobre a encosta. É essa superfície inclinada que preserva a vegetação primitiva, apesar dos avanços e das adequações a novos usos das construções no Santo Antônio e de algumas invasões, e constitui a maior área verde do Comércio. No Pilar/Taboão e nas proximidades dos casarões somente a Praça Mal. Deodoro (antigo Largo do Cais do Ouro) mostra outro ponto de vegetação considerável, com os antigos e expressivos oitis preservados pela recente reformulação. É praça urbana de área comercial e central, tem alguns equipamentos e pode ser apropriada pela população residente para algumas opções de lazer.
Infra-Estrutura
A área apresenta rede de abastecimento de água na sua totalidade, com abastecimento descontínuo e ligações irregulares nas invasões da encosta e nos imóveis deteriorados. há rede de esgoto implantada, excetuando-se o Caminho Novo do Taboão e parte da Rua do Pilar, mas a maioria do imóveis não está ligada à rede por opção dos moradores e o sistema adotado ainda é de fossa séptica.
Apesar da cota baixa, no sopé da encosta não são grandes os problemas de drenagem, exceto pelos efeitos do lixo jogado na encosta, que dificultam o escoamento das águas pluviais, provocando deslizamentos de terra. A rede de energia elétrica instalada em sistema aéreo, com posteamento, interfere na paisagem e compromete a segurança dos edifícios históricos.
Acessibilidade
O Pilar Taboão conta com boa acessibilidade, através da Avenida Jequitaia, principal eixo viário da cidade baixa no sentido N-S e, no sentido oposto, através da Avenida da França, ambas vias arteriais que recebem o sistema de transporte coletivo, conectando a área aos demais setores urbanos. Ao grande número de linhas de transporte associam-se os sistemas verticais – Elevador e planos – garantindo a acessibilidade à parte alta – Sé, Pelourinho, Carmo, Santo Antônio - onde se encontram concentrações de usos e equipamentos turísticos, de comércio, de recreação e cultura, que podem ser atingidos a pé.
A acessibilidade ao carro, fácil pelos traçados, enfrenta alguns problemas de acúmulo de tráfego próprios das áreas centrais. A área apresenta diversos espaços para estacionamento, abertos, em vazios, ao longo das ruas (regulares e explorados pelo setor público e/ou privado) e em edifícios garagem. A demanda por vagas é menor que a oferta e alguns espaços apresentam capacidade ociosa.
Características Socio-Econômicas
Segundo pesquisa censitária realizada pela CONDER, a área do Pilar/Taboão abriga uma população residente equilibrada em termos de gênero, com predominância das faixas etárias iniciais – de 0 a 19 anos – e mostrando uma expectativa de vida próxima aos 70 anos.
A população possui renda muito baixa (um e dois salários mínimos, em sua maioria) e um índice de 30% sem ocupação e emprego. O nível de escolaridade limita-se quase sempre às séries iniciais. As principais ocupações estão no comércio formal e principalmente informal, onde o ambulante predomina. Encontram-se também atividades intermitentes na construção civil, na reciclagem de papel, no atendimento aos estacionamentos informais e o trabalho feminino como doméstica. Também têm sido incrementadas as atividades artesanais, costura e fabricação de sorvetes.
Em direção ao altiplano, os dados mudam um pouco: a Ladeira do Taboão mantém um comércio especializado ainda bastante ativo, relacionado a couros e sapataria – uma antiga atividade da área.
A área abriga edificações importantes tanto por sua arquitetura, como a Igreja de N. Sra. do Pilar (tombada pelo IPHAN), quanto por seu caráter de memória de usos passados, como o Trapiche Barnabé e o Mercado do Ouro, e ainda por usos atuais que atraem grande fluxo, como a Receita Federal. Essa condição e os aspectos documentais de uma ambiência ainda preservada, apesar do crescente deterioro, têm atraído a atenção de investimentos e planos de recuperação. A implantação das atividades culturais previstas para o Trapiche Barnabé (centro áudiovisual), demandando serviços de apoio e, principalmente, o centro gastronômico no Mercado do Ouro.
Mercado Imobiliário
Em Salvador, o mercado imobiliário relativo a essa faixa de renda situa-se basicamente em duas frentes: a ação dos órgãos oficiais e o mercado informal da auto-construção e posterior locação e/ou venda.
A ação oficial acontece na construção da habitação de baixa renda e na melhoria da infra-estrutura: erradicação de favelas, construção de novos domicílios para relocação dos moradores, conjuntos habitacionais em áreas periféricas e mais recentemente, ações de reutilização de imóveis antigos. A própria área do Pilar/Taboão, através de convênio UFBA/CONDER, se encontra em processo de requalificação, que inclui projetos de re-alojamento das populações locais (invasão da encosta e de imóveis) vinculados aos programas de financiamento da Caixa Econômica Federal. As propostas incorporam os programas Pró-moradia para as habitações de nível de renda mais baixo, localizadas nos dois extremos da área considerada, e o PAR como instrumento de viabilização da reforma e reutilização do casario ao longo da Rua do Julião e do Pilar.
Legislação
A área em que se situam as edificações em projeto é das mais antigas na ocupação da cidade e, tombada pelo IPHAN e declarada “Área de Proteção Cultural e Paisagística” pela lei municipal nº 3289/83, está sujeita a legislação específica.
Possibilidades de Intervenção
As quatro edificações estão situadas na ladeira do Caminho Novo do Taboão e encravadas na encosta. Destas quatro, apenas três se encontram ocupadas, ainda que de forma precária. Da quarta casa restam apenas os muros externos. O conjunto mantém as fachadas, a caixa mural externa, com modificações e acréscimos, e as paredes divisórias entre as casas.
Na busca da solução que melhor atendesse aos objetivos propostos foram consideradas inicialmente algumas hipóteses de solução:
A primeira, mantendo as paredes externas, as paredes internas divisoras das antigas unidades e as lajes remanescentes, e resolvendo nos espaços assim delimitados as novas unidades habitacionais. Desta hipótese resultava um pé direito muito alto, limitando o número de unidades e desproporcionando os espaços interiores, de pequena área. Neste caso os acessos a cada uma das casas do conjunto seria feito de forma individual.
Nesta simulação verificou-se que este tipo de adaptação poderia proporcionar 44 apartamentos com uma área total de 2.672m², sendo 1.522m² de áreas privativas, 1.150m² de vazios e circulações e 43% de áreas coletivas.
Uma segunda hipótese considerou manter a caixa mural externa e preservar as alturas existentes nos apartamentos situados no plano da fachada, desenvolvendo na parte posterior uma estrutura nova e independente.
Os apartamentos ligados à fachada possuíam alturas verticais que procuravam respeitar as aberturas dos vãos das fachadas existentes.
O acesso ao conjunto se faria pela casa situada na cota máxima.
Nesta simulação verificou-se que este tipo de adaptação poderia proporcionar 55 apartamentos, sendo 23 apartamentos de um dormitório e 32 apartamentos de dois dormitórios. Neste caso foi obtida uma área total de 3.400m², sendo 1.900m² de áreas privativas, 1.507m² de vazios e circulações e 45% de áreas coletivas.
A terceira hipótese – que foi adotada para a proposta – parte de um princípio de leitura da ambiência da rua (e do lugar) e da identificação do conjunto edificado. Nesse sentido, foi mantida a caixa mural externa, as fachadas e suas envasaduras como se mostram atualmente, exceto pela recuperação de alguns vãos, e as paredes internas que configuram os limites de cada uma das casas. Preserva-se, portanto, a identificação, no exterior e no interior do conjunto, das quatro unidades que o compõem e que testemunham a divisão fundiária original, geradora da tipologia predominante na área.
Nesta simulação verificou-se que este tipo de adaptação poderia proporcionar 61 apartamentos, sendo 31 apartamentos de um dormitório e 30 apartamentos de dois dormitórios. Neste caso foi obtida uma área total de 4.356m², sendo 2.294m² de áreas privativas, 2.062m² de vazios e circulações e 52% de áreas coletivas. Esta opção demonstrou ser a mais eficiente por varias razões. Ela proporciona aos habitantes do conjunto uma maior área comum, fundamental para populações de renda mais baixa.
O investimento proposto beneficia um maior número de unidades, promovendo alojamento para 182 pessoas.
Proposta
A preservação das paredes internas determinou, no plano horizontal, a divisão das novas unidades habitacionais, desenvolvidas em blocos paralelos, intercalados por poços de iluminação e ventilação natural, o que permite obter, na maioria dos novos apartamentos, uma ventilação cruzada – fundamental em clima quente e úmido, especialmente na área em que esta localizado o conjunto. As paredes internas preservadas mantêm-se contínuas mesmo nos espaços de ventilação, sendo apenas rasgadas para a passagem das passarelas de circulação, executadas em estrutura metálica leve e permeável à luminosidade e à aeração. Tais rasgos permitem ainda uma comunicação visual entre os pátios internos, favorecendo a iluminação natural.
Verticalmente, a proposta rompe as lajes de concreto ainda existentes (que não constituem o entrepiso original e mostram necessidade de recuperação) e se estrutura em oito pavimentos com pé direito condizente com os atuais padrões de habitabilidade. Com isso obtém-se um número maior de unidades, atendendo melhor à viabilidade econômica do empreendimento.
As condições climáticas também direcionaram o partido adotado quanto à criação de um espaço vertical de ventilação e amenização do calor: os muros das antigas fachadas formam uma espécie de segunda pele protetora, um paramento cujos grandes trechos fechados procuram proteger os apartamentos da excessiva exposição ao sol poente, e as envasaduras – sem esquadrias – ampliam o deslocamento do ar interno pela possibilidade de exaustão.
Nos pavimentos superiores, nesse espaço vazio entre fachadas preservadas e novos paramentos, as passarelas de acesso compensam as diferenças de nível entre o novo e o antigo e se desenvolvem junto às antigas aberturas, que recebem acabamento em chapas de aço e elementos de proteção também em aço, nos casos em que se comportem como janelas rasgadas. Nos pavimentos inferiores, estes espaços/passarelas pertencem às unidades, como uma espécie de varanda, ou simplesmente desaparecem quando as diferenças de altura entre as novas lajes e as aberturas existentes não permitem condições de uso.
Considerando as tipologias de uso existentes na área, o pavimento térreo permanece com utilização comercial na parte fronteira, com habitações na parte posterior. Nesse nível térreo, assim como na cobertura, as diferentes cotas de implantação das casas existentes e as diferentes alturas que elas atingem fizeram surgir pavimentos intermediários.
Reserva-se a edificação implantada no nível mais alto do Caminho Novo do Taboão para acesso ao conjunto das habitações, cujo sistema de circulação vertical se faz prioritariamente por escadas. No entanto, como a altura total atinge sete pavimentos a partir do nível de acesso, o projeto prevê, como alternativa, a possibilidade de uso de elevador.
O conjunto conta com 61 novos apartamentos, o que pressupõe um número de moradores relativamente grande, em lugar que na sua origem não dispõe de pátios e áreas abertas livres. Nesse sentido, a proposta define um sistema de espaços comuns, procurando atender, dentro das possibilidades, a um uso coletivo. Fazem parte desse sistema o grande espaço (salão) de entrada, as pequenas áreas dispostas ao lado da circulação vertical em cada pavimento e a cobertura, onde foram utilizadas as diferentes alturas dos casarões para criar uma área de uso comum, descoberta. Os pátios internos da segunda e terceira linhas de áreas de ventilação, ao nível do chão e no trecho que avança na encosta, também se integram a esse uso, embora com caráter diverso.
Viabilidade Econômica do Empreendimento
A avaliação orçamentária foi realizada a partir dos dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal e da tabela de orçamentos fornecidos pelo Guia de Construção – outubro 2006.
Verificou-se que o projeto é viável do ponto de vista financeiro, dado que o PAR – Programa de Arrendamento Familiar financia, no caso de edifícios revitalizados, um valor de até R$ 38.000,00 por unidade habitacional, enquanto o custo de construção do conjunto proposto não ultrapassaria a R$ 31.147,00 por unidade habitacional.
Dado que a legislação urbanística em vigor prevê a implantação de elevador para apartamentos localizados a partir de 11,00 m acima da cota do acesso ao imóvel, este projeto prevê a possibilidade de instalação de um elevador cujo custo atual de construção incide de forma muito reduzida no valor total da obra. A decisão da sua implantação decorrerá do modelo de gestão a ser utilizado no conjunto e de eventuais entendimentos com a Prefeitura Municipal de Salvador, uma vez que os imóveis integram a área do Centro Histórico de Salvador.
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR) contemplará a construção das unidades habitacionais, enquanto as lojas localizadas no térreo poderão ser financiadas através de outras linhas de financiamento. No que se refere à recuperação da caixa murária e das coberturas, o financiamento poderá ser contemplado pelo Programa Monumenta do Ministério da Cultura.
Quadro Resumo do Projeto
área de apartamentos |
30 un.de 1dorm 31 un. de 2 dorm. |
1.882,23 m2 |
área de lojas |
3 unidades |
103,68 m2 |
área de circulação |
escadas e passarelas |
305,53 m2 |
áreas de uso coletivo |
pátios internos, espaço de acesso, terraço |
328,50 m2 |
Área total |
2.619,94 m2 |
Especificações Mínimas
Estrutura mista |
Caixa murária existente – autoportante Pilares, vigas e Lajes – concreto armado passarelas e escadas – aço |
Paredes/Revestimento |
Bloco cerâmico Pintura – paredes internas e externas Azulejos – Sanitários, cozinhas (atrás dos equipamentos) |
Pisos |
Ardósia – apartamentos Cerâmico – sanitários Cimento – áreas comuns |
Esquadrias |
Madeira e Vidro – apartamentos |
Cobertura |
Telhas coloniais com estrutura em madeira |
Estimativa de Orçamento
Discriminação |
Custo (R$) |
Peso (%) |
|
serviços preliminares |
165.300,00 |
8,70 |
|
infra-estrutura |
154.850,00 |
8,15 |
|
superestrutura |
concreto armado aço (circulações horizontais e escadas) |
364.990,00 |
19,21 |
paredes e vedações |
alvenaria esquadrias |
426.170,00 |
22,43 |
coberturas |
telhados impermeabilização |
90.440,00 |
4,76 |
revestimentos internos e externos |
reboco, azulejos, pintura, forros |
318.250,00 |
16,75 |
pisos |
ardósia, cerâmica, cimento |
85.120,00 |
4,48 |
instalações e aparelhos |
eletricidade hidráulica esgotamento sanitário |
241.680,00 |
12,72 |
elevador |
50.000,00 |
2,60 |
|
complementações |
3.800,00 |
0,20 |
|
custo total |
1.900.000,00 |
100,00 |
|
custo por unidade |
31.147,00 |
||
custo máximo previsto pelo PAR |
38.000,00 |
ficha técnica
Autores
Alexandre Prisco Paraíso Barreto – Arquiteto e Urbanista
Esterzilda Berenstein de Azevedo – Arquiteta e Urbanista
Nivaldo Vieira de Andrade Junior – Arquiteto e Urbanista
Vânia Hemb Magalhães Andrade – Arquiteta e Urbanista
Colaboradores
Maria Branco – estimativa de orçamento
Elisa Furian Dias – Graduando do curso de Arquitetura e Urbanismo FAUFBA
Vinícius Gonçalves dos Santos – Graduando do curso de Arquitetura e Urbanismo FAUFBA
Danilo Silva Farias – Graduando do curso de Arquitetura e Urbanismo FAUFBA