Projeto Urbano no Pari
História + geografia
O Pátio do Pari, antiga área de manobras da São Paulo Railway, hoje desativada e subutilizada, tem sua porção sul (tomando a estrada de ferro como divisora) constituindo a Zona Cerealista, que se desenvolve de forma desorganizada e sem planejamento. Nos galpões remanescentes, degradados, há um comércio eminentemente atacadista, que serve principalmente a restaurantes, comerciantes e feirantes. Ali também há um grande galpão que serve de depósito ao efervescente comércio da região. Já na porção norte, uma extensa área se encontra vazia onde, durante o dia, é utilizada como estacionamento dos ônibus dos “sacoleiros” que vão fazer compras na área central da cidade de São Paulo, principalmente no bairro do Brás; e à noite acontece a Feira da Madrugada, caracterizada pelo comércio informal de ambulantes, que se desenvolve, como o próprio nome diz, durante a madrugada.
A área da proposta se localiza na várzea do Rio Tamanduateí, à leste da colina histórica da cidade, onde São Paulo se iniciou, e ao norte do Parque Dom Pedro.
Assim, evidenciam-se dois eixos fundamentais para o polígono de intervenção: um no sentido leste-oeste demarcado pela linha férrea e outro no sentido norte-sul, determinado pelo Rio Tamanduateí e pela Avenida do Estado. Tais eixos são barreiras que dificultam a transposição, o acesso e o uso da área pela população de forma mais proveitosa.
Localizada numa ZM-3a - zona de uso misto de alta densidade – o Pátio configura um “terrain vague”, onde existe uma ausência, um vácuo, “no sentido de promessa, como espaço de possibilidades” (Solá Morales, Territórios). Contudo, há nesta imprecisão de seu uso, uma forte atração devido às expectativas geradas ante a sua ocupação, já que é um espaço vago numa cidade sufocada.
Compreendendo a importância dos rios, em especial do Rio Tamanduateí, tomamos como referência os estudos do arquiteto Alexandre Delijaicov que em sua tese escreve:
“A geografia é desenhada pelas águas dos rios que esculpem o padrão básico de colinas e vales. A água é um elemento simbólico, referencial na paisagem urbana. A água do rio é fundamental para a existência da cidade, do agrupamento humano: abastecimento, irrigação, força hidráulica, comunicação, etc.” (Delijaicov, Alexandre. Os rios e o desenho da cidade, proposta para a orla fluvial da grande São Paulo. FAUUSP. São Paulo, 1998.)
A proposta urbana
O Rio Tamanduateí, que ainda é tratado como mero dreno expresso das águas pluviais e esgotos da cidade, é unidade referencial de projeto e reestruturador da circulação de pedestres, aqui superestimada, resgatando a ligação entre a região central da cidade e os bairros da zona leste, hoje segregados tanto pela Avenida do Estado, como pelo rio abandonado.
Partindo de uma reestruturação ambiental, a proposta tem a finalidade de melhorar a fluência dos transportes, tanto automobilístico e ferroviário como fluvial e de pedestres.
O alargamento do Rio e o desvio da Avenida do Estado são propostas que permitem a ocupação da orla fluvial com áreas de lazer e parques permeáveis às águas da chuva, auxiliam na distribuição e comercialização de bens de consumo não duráveis através do transporte fluvial, estabelecidos no famigerado Mercado Municipal de um lado do rio e nos Galpões da antiga São Paulo Railway localizadas no Pátio do Pari, do outro.
Tal proposta remete à construção do rodo-anel, em andamento, que desafogará o tráfego da Avenida do Estado, permitindo seu desvio e enterro parciais. A execução de um anel fluvial de transportes também é pretendida, mediante construção de diques e eclusas, como Alexandre Delijaicov propõe.
O rio será o mediador entre as zonas central e leste, o conector, elemento transformador da ocupação de sua orla, com as transposições para pedestres e sua necessária “limpeza”. Os edifícios propostos ao longo da linha férrea, de ambos os lados, constituídos de escritórios, comércio e uma estação ferroviária, farão a conexão sobre os trens. Os escritórios atraem grande fluxo de pessoas durante o dia, o comércio atende aos compradores que chegam durante a madrugada, as habitações permitem tráfego permanente e o mezanino da estação conecta as duas áreas do pátio, 24 horas por dia. Previu-se também edifícios destinados à hospedagem, para atender a demanda tanto dos centros de convenções como dos visitantes e consumidores da área.
Para o intenso comércio estabelecido nos galpões, a reestruturação dos transportes organizará seus diversos sentidos de fluxos: chegada das mercadorias, saída de mercadorias e comercialização local a varejo e atacado. Os galpões serão restaurados, de forma a preservá-los como bens históricos.
Acreditamos na relevância de se abordar os espaços de forma cuidadosa, a fim de preservar seu papel no tecido urbano no ato de “incorporá-lo” aos usos e atividades do entorno. Trazer o espaço ao convívio cotidiano na cidade não necessariamente implica em ocupá-lo descontroladamente. Portanto, mesmo sendo esta uma área de alta densidade prevista, preservamos sua permeabilidade no térreo e sua particular amplitude e liberdade, esta no sentido de seu uso. Procuramos adensar pela passagem, permanência e utilização em detrimento da efetiva e total ocupação de seu espaço físico.
O uso habitacional é instigado pela infra-estrutura consolidada, fácil acessibilidade, oferta de empregos (em comparação às outras regiões da cidade), grande demanda por moradia e o êxodo de moradores do centro paulistano.
Os edifícios pré-fabricados
A utilização do sistema de construção pré-fabricado de concreto foi adotada em todos os edifícios habitacionais, galerias comerciais e blocos de escritório e veio ao encontro das necessidades do programa, permitindo a flexibilidade e a diversidade de usos propostas no projeto. A escala do projeto deixa evidente a necessidade da pré-fabricação.
Há a possibilidade, inclusive, de instalação de indústrias produtoras dos elementos pré-fabricados de concreto ao longo das ferrovias paulistas, buscando uma possível demanda de empreendimentos nos antigos bairros industriais lindeiros à linha férrea (Pari, Brás, Móoca, Barra Funda) que se caracterizam como grandes vazios urbanos com grande potencial de ocupação, explorando o transporte ferroviário dessas peças.
A região do Pari se insere nesse contexto e apresenta, hoje, uma densidade aproximada de 50 hab./ha.
A proposta consiste em uma ocupação de uso misto, com destaque para a habitação que foi esmiuçada nessa apresentação.
A habitação se desenvolve em diversos edifícios, cujas modulações são de 6,00 x 6,45m, excetuado-se as circulações, que estão em um balanço de 1,60m. Seguindo essa modulação as tipologias são constituídas.
O balanço é sustentado por uma viga transversal contínua bí-apoiada, sendo que o pilar do balanço é “furado” pela viga, com topo em forma de “U”.
A utilização de pilares seccionados pela dimensão dos andares visa à facilidade de transporte e a solidarização com o restante da estrutura, tornando a estrutura hiperestática.
Longitudinalmente, as vigas de travamento completam a estrutura, ora em seção retangular, ora em seção “U” conformando jardineiras e proporcionando ritmo à fachada.
Nessas vigas apóiam-se os painéis de vedação de GFRC que configuram aberturas contínuas na fachada e são vedadas por caixilhos de madeira ou PVC. As folhas das janelas correm livremente na fachada e são fixadas nos próprios painéis. Quando ocorrem divisões internas, há painéis fixos de caixilharia, que também se localizam sobre a corrediça, permitindo, em uma eventual reforma, sua relocação e, portanto, maior flexibilidade.
Internamente, as divisórias são em dry-wall, conferindo a mesma flexibilidade para as unidades.
ficha técnica
Equipe
Daniel de F. Saorim
Daniel Horigoshi Maeda
Guilherme Gambier Ortenblad
Mariana Beraldi Andersen
Renata Caldeira Gouveia
Orientador
Arq. Cristiane Gallinaro
Instituição de Ensino
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade Presbiteriana Mackenzie