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O livro Cidades em transformação, organizado pelos arquitetos Ephim Shluger e Miriam Danowski, traz artigos que avaliam os processos de transformação urbana em seis capitais de países diferentes.

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CARNEIRO, Fernando. As experiências de revitalização em seis cidades. Nova York, Londres, Havana, Buenos Aires, Cidade do Cabo e Rio de Janeiro em questão. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 157.05, Vitruvius, jan. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.157/5399>.


O livro Cidades em transformação – Rio de Janeiro, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Nova York, Londres, Havana, organizado pelos arquitetos Ephim Shluger e Miriam Danowski, lançado no fim do ano passado – parece confirmar a tese de clusters de Michael Porter. Enquanto que no estudo do guru de business vemos que a criação de “pólos” costuma atrair os fornecedores de partes do produto final – criando um circulo virtuoso de multiplicação de atividade econômica –o livro nos sugere que a revitalização de áreas portuárias decadentes em grandes cidades atinge objetivos sócio-econômicos muito parecidos. E, acrescentaria, antes impensáveis. Alavanca-se a vantagem competitiva e comparativa de ser uma cidade litorânea.

As experiências de revitalização portuária de seis cidades, Nova York (EUA), Londres (Inglaterra), Havana (Cuba), Buenos Aires (Argentina), Cidade do Cabo (África do Sul) e Rio de Janeiro (Brasil) compõem o livro. Como passamos da fase embrionária da nossa revitalização, aqui no Rio de Janeiro, ainda estamos com muito tempo para domar a besta, e aparar as arestas do processo, tentando atingir uma sintonia fina. Ainda dá tempo de encarar o que talvez não esteja dando certo, ou possa não sair a contento. Mais sobre isso um pouco adiante.

A introdução e prefacio primam pela clareza. Fiquei feliz de ver que os organizadores mencionam de cara no texto introdutório o caso da cidade de Baltimore (este com boas sugestões de leitura complementar), São Francisco e Boston. Aqui vale um outro preâmbulo. Quando do lançamento do livro, conversei muito com Ephim Shluger sobre Baltimore. Nós dois tivemos uma experiência similar de morarmos por mais de uma duzia de anos na região metropolitana de Washington D.C., que engloba e abarca Baltimore de certa forma. Eu me lembro muito bem nos Anos 80, quando botaram o antigo Baltimore Harbor abaixo e – muitos anos depois, já reconstruído – ele ainda é o maior chamariz turístico da cidade, contando com um belo aquário, museus, estádio de beisebol moderno (mas com linhas clássicas), gigantes de gestão de recursos (T. Rowe Price), outros do setor de serviços etc... Se não me falhava a memória então, comentava com Ephim (que tem uma prodigiosa), sabendo do caso de Baltimore, bem como o de São Francisco em detalhes – falamos da participação de James Rouse, que também projetou a comunidade de Columbia em Maryland. Um dado curioso é que ele era avô do ator Edward Norton. Rouse morreu em 1996 e já foi capa da revista Time. Portanto vi, in loco, como uma revitalização portuária pode ter um impacto descomunal na vida de uma cidade. Isso ao constatar o processo desde a degradação total, reconstrução, e apogeu e maturidade do projeto.

No livro, Shluger e Danowski publicaram artigos de Jorge Wilheim, Hugo Barreto, Rodolfo Torres, Luciane Gorgulho, Jorge Arraes, Alberto Silva, Whashington Fajardo, Ana Carmem Alvarenga, Cézar Vasquez, Miguel Jurado, Alfredo Garay, Fernando Cavallieri, Laurine Platzky, Lance Jay Brown, Shawn Amsler, Achva B. Stein, Dan Epstein e Eduardo Gonzalez.

Planejamento urbano não é para amadores. Em muitas cidades, a mão (e a mente) humana pode ser deletéria. Cria-se um hub em uma área de uma metrópole, ou mesmo em seu contorno suburbano, e temos a derrocada de outras áreas com esvaziamento e fuga. Agora o termo “gentrificação” já foi incorporado ao nosso léxico. Certas áreas degradadas tornam-se desejáveis e observamos uma maior valorização imobiliária e melhor qualidade de vida e serviços no entorno. Mas cada país tem sua peculiaridade cultural. E alguns movimentos são inversos.

Porém uma constante é a questão portuária em grandes metrópoles costeiras. O planejamento e implementação de uma política de revitalização independe de um certo momento econômico da cidade – como lembram Shluger e Danowski. A intervenção no caso, vai gerar dividendos tanto nas vacas magras quanto em tempos de bonança. Outro ponto positivo é que os artigos perfilados pelos organizadores não estão coalhados de jargão academicista. Ou seja, não são papers chatos para serem lidos na diagonal, nem tampouco matérias jornalísticas sem fôlego, tangenciando o tópico de forma superficial e rasteira. O leitor pode selecionar uns casos, e ao ler sobre este ou aquele, ainda assim aprender sobre outras experiências.

Ainda outro dado interessante. Os artigos não se restringem aos tópicos de analisar cada caso “portuário” das cidades mencionadas. Por exemplo, o artigo de Achva B. Stein (“Ecologia e Paisagem Cultural: A Eficácia dos Serviços Ecossistêmicos”) é multidisciplinar e não se restringe a falar de apenas uma cidade, apesar do foco no Rio de Janeiro e em Nova York. O artigo de Shawn Amsler, que o precede, trata apenas do caso do High Line, e aproveitamento de um equipamento urbano que teve um impacto magnético na atração de humanos para um outrora degradado Chelsea. Do mesmo jeito, Washington Fajardo descreve o processo de revitalização da nossa Praça Tiradentes. A Cidade do Cabo mereceu dois artigos comparativos. O caso de Puerto Madero, escrito por Alfredo Garay, é palpável e visível, dada a proximidade de nossos países. Todo o sedimento da Bacia do Paraná, vista de viagens aéreas, é algo que impossibilitaria um porto de calado fundo naquela região. Mas do limão podemos fazer uma bela e saborosa limonada.

Esses projetos trazem consigo um caráter “restaurador”, onde muito do que é novo terá que conviver com o “patrimônio histórico e arquitetônico preexistente”. Já vemos que no Rio de Janeiro temos o MAR, teremos o Museu do Amanhã, e manteremos e conseguiremos resgatar áreas tombadas e de grande importância. Como cada experiência é singular, observamos que um dos componentes cruciais na renovação do nosso Marco Zero, seria a despoluição da Baía de Guanabara, atualmente com milhões de habitantes residindo em bairros e comunidades no entorno, sem nenhum tipo de saneamento básico. O mau cheiro chama atenção e impede muitos subprojetos dentro da própria ideia de revitalização. Ou seja, os contrastes no Rio de Janeiro são um pouco mais gritantes, frutos talvez de administrações questionáveis e degradantes condições de habitação e educação. Não obstante o mencionado, a poluição na Baía, louvados ainda os esforços recentes, é uma falha gritante de política pública e nos remete a ideia de um puxão do freio de mão em plena jornada ou empreitada para se analisar prioridades. Ou seja, um projeto de revitalização serve para desmascarar e escancarar deficiências e empecilhos ao desenvolvimento de uma área ou outra. A nossa cultura é tão tacanha e mesquinha, que até a remoção e degredo de humanos já foi utilizada anteriormente. Mas uma política específica para a salubridade de um corpo d’água não recebe o carimbo de prioridade. O cheiro que emana da Baía de Guanabara é algo metafísico, e, como tal, não faz parte da equação de algo que é visto na essência como um projeto de “materialidade”.

Divago, porém Richard Feynman, Prêmio Nobel de Física em 1965, nos conta em sua autobiografia que foi perguntado –em um seminário com filósofos e professores da cátedra – se ele achava que o eléctron era um “objeto essencial”. Ele respondeu com outra pergunta. Se os filósofos achavam que o tijolo era um objeto essencial. (As possibilidades são inúmeras apenas na semântica). Após uma grande celeuma e caótico debate entre os filósofos, Feynman mencionou que o eléctron é apenas um “conceito” muito útil para explicar como a natureza funciona. Parte de uma teoria, já percebida como realidade. No caso do tijolo, Feynman perguntou sobre o “interior” de um tijolo. Nunca foi visto. Se quebrarmos ou espatifarmos um, teremos outro objeto. Moral da estória. O odor exalado e emanado pelas águas da Baía não parece ser um “objeto essencial” para os formadores de política. Ou pelo menos não o atacam com o ímpeto que merece, pois – sob tal prisma – não é “essencial”. Mas na verdade, é caso de polícia, exército e de segurança nacional. Seria caso para um mutirão maoísta conclamando todos para uma solução. Uma verdadeira vergonha e talvez o que fique como a grande e aparente (porém invisível) mancha pairando no nosso projeto de revitalização. Pois todos os esforços serão paliativos.

Talvez até impulsionado pela catalização da Copa e a vindoura Olimpíada, foi tomada a coragem para fazer o que teria de ser feito há um tempo. Ephim acredita que “o projeto da área portuária no Rio deixará claramente vários legados, boa parte positiva para o nosso centro histórico da cidade. Museus, biblioteca, shoppings, aquário, VLTs e BRTs”. O que na realidade faltou elaborar é uma estratégia de desenvolvimento urbano (software) e como estes investimentos se relacionarão com os demais bairros deste nosso downtown. Temos um formidável leque de obras públicas em andamento que atraem consideráveis investimentos privados e institucionais, mas não temos muito claro que relação este conjunto guarda entre si e com o resto dos bairros adjacentes (São Cristovão, Leopoldina, Estácio etc.) e suas favelas, bem como o tratamento dos espaços públicos destes bairros que devem ser concebidos não como pequenos retalhos de sobra, mas planejados, animados e bem mantidos.

Em suma, conclui Schluger, falta um projeto de cidade bem definido e sobretudo acordado entre as partes. Hoje se fala muito da necessidade de planejamento urbano como instrumento não somente essencial ao desenvolvimento socioeconômico, mas também para salvaguardar a cidade dos episódios climáticos cada vez mais agressivos. Falta a compreensão desta dimensão. Não estamos organizados ainda para encarar com seriedade os problemas de escassez de água nas metrópoles, de urgente plantio de árvores frondosas para nos proteger da inclemência climática (porosidade para a drenagem natural do solo durante as chuvas torrenciais e temperaturas elevadíssimas) e alternativas para caso de catástrofes climáticas pois é mais que provável que o metrô e os muitos dos túneis profundos estarão inundados. Segundo Shluger, esta é uma prioridade atual e vem sendo discutida em pequenos círculos profissionais, mas sem chegar com força aos formadores de política. O ciclo político é curto, e a visão de longo prazo, ou estratégica, não fica na placa de bronze ao lado da obra. Temos somente a vacuidade de dólares arredios ou malas abarrotadas de dinheiro em Cessnas.

Miriam Danowski frisa algo muito interessante. “Acrescento uma observação apenas para ampliar a reflexão. Parto de uma afirmativa do Jorge Wilheim, na palestra que proferiu na abertura do Simpósio Transformações Urbanas e Patrimônio Cultural, que organizamos em 2012 e que deu origem ao livro, mais adiante incrementado com textos atualizados e complementado com outras assertivas, inclusive as nossas. Disse Wilheim que o legado só existirá se for construído socialmente. No caso do Rio, foi decidido pela Prefeitura que o legado das Olimpíadas serão os BRTs, VLTs e BRSs, que eles resumem como mobilidade urbana. No entanto, não houve planejamento integrado – o que o Ephim chama de projeto de cidade –, relacionando, por exemplo, uso do solo com mobilidade urbana, desenvolvimento econômico e social com inserção territorial. Em lugar dessas decisões de cima para baixo e circunstanciais, caberia um processo democrático de construção de políticas públicas, com canais efetivos de participação. Na verdade, esse seria um legado de peso – mais do que obras, o desencadeamento de um processo de aprimoramento da cidadania e de participação comunitária”.

Todo cidadão carioca deveria ler este livro. O debate atual, no qual alguns de nós somos importunados momentaneamente com obras, desvios no trânsito, caos na zona portuária, tem precedente. Tudo que está sendo feito, teria que ser feito uma hora ou outra. Melhor que seja agora. Aproveitar o mote das Olimpíadas, onde se acha funding com maior facilidade, tampouco é pecado. Mas devemos nos munir de informações sobre tais experiências alhures. O importante é saber que estaremos melhor do que estamos, e que toda a cidade vai ganhar. Isso através de um projeto que conta com diferentes setores. A ideia agregadora de Ephim Shluger e Miriam Danowski não poderia ser mais presciente.

nota

1
Publicação original do texto: CARNEIRO, Fernando. Cidade em transformação. Blog Sociedade Anônima, Rio de Janeiro, O Globo, 12 jan. 2015 <http://oglobo.globo.com/blogs/sociedadeanonima/>.

sobre o autor

Fernando Carneiro é cientista político, mestre em International Management pela Universidade de Maryland e especializado em governança corporativa.

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resenha do livro

Cidades em transformação

Cidades em transformação

Rio de Janeiro, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Nova York, Londres, Havana

Ephim Shluger and Miriam Danowski (Orgs.)

2014

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