Este trabalho tem como objeto uma dissertação referente a tópicos relacionados ao Direito Urbanístico, sendo escolhido como tema, o Urbanismo como Ciência, Técnica e Arte: sua Política e sua Proteção Legal.
A ênfase dada aos aspectos técnico-científicos e artísticos deve-se a abordagem estético-formal do Urbanismo como atividade humana que, a exemplo da Arquitetura e do Design, dita as formas e as composições estéticas do mundo concreto, quer na composição de uma cidade como um todo, quer apenas em sua “microarquitetura”.
Assim, este ensaio procura mostrar a origem da urbanização e os conceitos de urbanismo, incluindo também seus componentes, quais sejam, o traçado urbano, as áreas verdes, as fachadas arquitetônicas e o mobiliário urbano.
Todavia, procurou-se a não limitação apenas aos aspetos formais, buscando também, como referido no tema, enfocar a sua política e a sua proteção legal, onde a primeira diz respeito aos aspectos de planejamento urbano e a última ao repertório jurídico a ele relacionado, buscando também situar o Direito Urbanístico quanto aos seus conceitos, objetos e natureza.
Desta forma, o presente texto fora dividido em quatro partes principais: 1. Origem das Cidades e Conceito de Urbanismo, onde há uma maior foco nos dados históricos; 2. Conceito, Objeto e Natureza do Direito Urbanístico, com referência direta aos aspectos jurídicos do urbanismo, chamados de “sua proteção legal”, podendo ser entendido também com “seus dispositivos legais”; 3. Componentes da Paisagem Urbana; e 4. Política de Urbanização, ou planejamento urbano.
Origem das cidades
O surgimento dos conglomerados urbanos é um fato histórico, geográfico e, acima de tudo, social. Tem-se, como seu aparecimento, o fim da pré-história, já que no início a sociedade primitiva não desenvolveu a cidade, mas apenas aldeias rurais (as chamadas “proto-cidades”), que não eram fixas e mudavam de lugar com a exaustão do solo, época que compreendeu especialmente os períodos paleolítico, mesolítico.
No paleolítico e mesolítico o homem vivia em estado de selvageria, caracterizado por uma economia de caça, pesca e coleta de alimentos in natura e por um artesanato rudimentar com fabricação de instrumentos de pedra lascada e ossos.
Mais adiante, no período neolítico, o homem passou a cultivar o solo, a domesticar os animais, a polir a pedra e a fabricar objetos de cerâmica, deixando a selvageria e ingressando na barbárie. Aqui aconteceram duas revoluções bastante importantes, caracterizadas por dois movimentos culturais que provocaram mudanças sociais muito significativas. Foram elas:
1. A Revolução Agrícola, na qual o homem começou a aplicar processos racionais de agricultura: irrigando, arando, selecionando sementes, observando épocas propícias ao plantio de alguns vegetais e conhecendo as estações do ano. A partir daí, as sociedades passam a colher excedente agrícola, propiciando, com isso, a sua sedentarização; e
2. A Revolução Urbana, surgida com a incompatibilidade, na mesma área, entre as atividades agrícolas e a criação de gado (que já estava presente na sociedade).
Ocorre, então, o surgimento da separação entre a agricultura e o pastoreio e, conseqüentemente, a primeira divisão social do trabalho, entre o agricultor e o pastor.
Notemos que sociedade de classes precedeu, assim, a origem da cidade.
O pastor precisava dos produtos agrícolas do agricultor e este, por outro lado, precisava os produtos animais daquele. Começa então a aparecer postos de troca, onde pastores e agricultores permutavam seus produtos.
Junto com as trocas, foram se criando aglomerações de pessoas e com elas as primeiras especializações profissionais, como sacerdotes, soldados e artesãos, o que, para alguns historiadores, seria uma das principais hipóteses para o surgimento das cidades. A segunda é que a cidade surgiu com a “idade dos metais”. Para esta, os povos que descobriram o uso do metal, possuindo armas mais poderosas que as de pedra, dominavam as populações agrícolas, que ainda as usavam. Para proteger essas populações obreiras, construíram cidades fortificadas em sítios elevados. Em troca da proteção militar recebiam tributos e subserviência do povo agricultor.
Em suma, e qualquer que seja o fato originário das cidades, é sabido que o homem havia emergido de um estado de selvageria e barbárie para a civilização, e que no nascente da cidade estavam as raízes do próprio Estado.
A cidade de Ombos no Egito, é tida como a mais antiga cidade do mundo, construída em, aproximadamente, 4.000 a.C. Outras cidades antigas conhecidas são: Tebas, Mênfis e Hieracompolis no Vale do Nilo; Harapá, Moenjo-Daro e Laore na Bacia do Indus (contemporâneas das grandes pirâmides egípcias); Jericó, Tiro e Jerusalém na Palestina; e Pequim na China
Conceito de urbanismo
Os termos “urbanização” e “urbanismo”, com o sentido de planejamento urbano, foram usados pela primeira vez na segunda metade do século XIX por Ildefonso Cerdá, em sua obra Teoria Geral da Urbanização.
Leopoldo Mazzaroli, citado por Mukai, definiu o urbanismo como “a ciência que se preocupa com a sistematização e desenvolvimento da cidade, buscando determinar a melhor posição das ruas, dos edifícios e obras públicas, de habitação privada, de modo que a população possa gozar de uma situação sã, cômoda e estimada” (1).
Com a revolução industrial surge o chamado “urbanismo moderno”, baseado em quatro objetivos fundamentais:
1. Descongestionar o centro das cidades para cumprir as exigências de fácil circulação;
2. Aumentar a densidade do centro das cidades para realizar o contato exigido pelos negócios oriundos no crescente mundo capitalista;
3. Aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar as dimensões das ruas, que se encontravam sem efeito diante dos novos meios de transporte; e
4. Aumentar as chamadas “áreas verdes” visando gerar maior lazer e menor estresse aos novos trabalhadores urbanos.
Com a urbanização nasce a necessidade de regulamentar e ordenar o crescente e interminável processo de edificação, gerando a criação de regras e normas disciplinadoras que se tornaram o embrião de um novo ramo jurídico.
Conceito, objeto e natureza do direito urbanístico
O Direito Urbanístico é um conjunto de preceitos ou normas das quais a administração se vale na coordenação e no ordenamento do território (urbano ou não), em nome do interesse coletivo e dos titulares dos direitos de propriedade.
“Sua formação, ainda em processo de afirmação, decorre da nova função do Direito, consistente em oferecer instrumentos normativos ao poder público, a fim de que possa, com respeito ao princípio da legalidade, atuar no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade” (2).
Em 1909, a Inglaterra já tinha efetivado a sua primeira legislação sobre planejamento urbano, The Town Planning Act, autorizando os governos locais a elaborarem planos de ordenação do solo, de saneamento básico e de proteção da estética urbana.
Entre nós, lembra Silva, as normas urbanísticas “ainda não adquiriram unidade substancial” (3). Elas aparecem de maneira dispersa em diversas instituições, guardando entre si, aspectos relacionados apenas em função do objeto regulado.
Identificando este objeto, identificar-se-ia o próprio objeto do Direito Urbanístico, sabendo, contudo, que o objeto deste como norma não é o mesmo deste como ciência.
O Direito Urbanístico como norma, tem como objeto à atividade urbanística, visando a ordenação do território, tanto urbano como também rural, no campo da ecologia e do meio ambiente, e como ciência, tem como objeto o estudo e a formulação dos princípios ou normas regentes do uso do espaço habitável, no seu conjunto cidade-campo.
Por fim, o mesmo autor ensina-nos que a conexão entre os “Direitos Urbanísticos” como norma e como ciência está no fato do primeiro constituir o objeto de conhecimento deste último.
Quanto à natureza, ainda existe controvérsia no que tange à colocação do Direito Urbanístico frente às demais áreas da Ciência Jurídica.
Há quem defenda que o Direito Urbanístico não passa de um ramo especial do Direito Administrativo, enquanto outros autores o vêm como uma especialização do Direito Econômico. O fato é que, em geral, tem-se evitado conceber o Direito Urbanístico como ramo autônomo do mundo jurídico.
Pode-se afirmar, seguramente, que a falta de autonomia do Direito Urbanístico moderno deve-se a sua recente normalização.
Talvez por isso, complementa Silva, “boa parte dos autores não falam em Direito Urbanístico, mas em Direito do Urbanismo, decorrendo com isto que não se trata de um ramo do direito, mas de aspectos jurídicos, ou regime jurídico, ou disciplina jurídica, do urbanismo” (4).
Componentes da paisagem urbana
A composição urbana corresponde ao campo profissional mais antigo do urbanista. Sua finalidade é definir fisicamente a organização do espaço da cidade ou do bairro a ser ordenado, correspondendo a dois objetivos principais:
1. fornecer uma imagem global da cidade (ou outro elemento) que sirva de identidade para a mesma; e
2. estabelecer as regras relativas à localização, à implantação e à elaboração de projetos sucessivos de construção.
Ela situa-se, portanto, acima do trabalho dos chamados arquitetos de operação, que aparecem como encarregados do estudo de tais projetos. Além disso, tem a responsabilidade de definição do papel e da disposição dos espaços livres da cidade.
O objeto da composição urbana é a ordenação de sua paisagem, bem definida, novamente, por Silva: “Paisagem Urbana é a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes. (...) Se revela nos elementos formais da cidade, espalhando-se nas superfícies constituídas das edificações a dos logradouros da cidade. Seus componentes fundamentais se exteriorizam no traçado urbano, nas áreas verdes e outras formas de arvoredos, nas fachadas arquitetônicas e no mobiliário urbana com suas várias espécies” (5).
1. O Traçado Urbano é o desenho geral da cidade, resultante da disposição de vias públicas e de outros logradouros no plano geral da cidade. É composto de elementos como pontes, viadutos, arcos etc.;
2. As Áreas Verdes dão o colorido e a plasticidade ao ambiente urbano, quer na arborização de vias públicas, quer na configuração estética de praças;
3. As Fachadas Arquitetônicas são as faces externas das edificações, estando geralmente relacionadas à história da cidade; e
4. O Mobiliário Urbano são os elementos complementares, ditos de escala “microarquitetônica”, que integram o espaço urbano. São os monumentos, os anúncios, os elementos de infra-estrutura etc..
Política de urbanização
Uma Política de Urbanização, em sua essência, visa resolver os problemas de uma sociedade em determinada área ou espaço e numa época específica, levando-se sempre em consideração que a sociedade e seu espaço se transformam continuamente no tempo, sem que seja observado, entretanto, um mínimo de sincronismo entre eles.
Assim, a necessidade do planejamento físico territorial, ou seja, a ordenação dos espaços em que o homem exerce suas atividades, é imperativo nos dias atuais, devendo ser também preocupação do Direito Urbanístico.
A cidade deve ser considerada como um local econômico privilegiado, com seu patrimônio, suas funções e finalidades econômicas, poder de decisão etc.. É um mercado de bens, serviços e produtos, que interagem entre si.
A economia urbana deveria ter, dentre outros objetivos, o estudo e a previsão do crescimento eficaz das cidades, estudando os custos econômicos, financeiros e sociais deste crescimento, bem como a relação entre a urbanização ordenada e a produtividade econômica em seu conjunto.
No campo social o desenvolvimento também deve ser planejado. Educação, saúde pública, habitação, alimentação devem ser encaradas como investimentos (e não custos) econômicos dentro de uma política de urbanização.
A ausência de um planejamento no desenvolvimento urbano, gera as duras realidades por nós testemunhadas diariamente, ou seja, as péssimas condições de habitação nas favelas e na periferia das grandes cidades, o baixíssimo nível de saneamento básico dos grandes centros, os constantes congestionamentos de transito e principalmente, e infelizmente, o crescente aumento da violência urbana.
Sobre este tema, dispões Lira que: “a Constituição de 1988 avançou muito e pela primeira vez a Cidade foi alcançada ao patamar constitucional, prevendo-se que as cidades com mais de vinde mil habitantes tenham um plano diretor obrigatório, aprovado pela Câmara municipal” (6).
O mesmo autor, porém, reforça que o planejamento urbano é algo mais complexo, precisando de instrumentos jurídicos específicos, tais como o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, o direito de superfície, o direito de perempção, os instrumentos conducentes à regularização fundiária etc..
Por fim, vale a pena citar a proposta de Ferrari (7) sobre quais seriam os principais instrumentos de planejamento a serem constituídos numa política urbana:
a) Política de urbanização;b) Política de localização industrial;c) Política de habitação;d) Política de transportes urbanos, especialmente transportes coletivos;e) Política de saúde pública;f) Política assistência social;g) Política de lazer;h) Política de combate à poluição;i) Política educativa e de capacitação profissional;j) Política de combate à especulação imobiliária, pela substituição da propriedade privada do solo urbano pelo direito de uso; el) Política de obras públicas.
Considerações finais
Estudar o Urbanismo e o Direito Urbanístico significa correlacionar duas atividades, ou dois ramos de conhecimento, aparentemente antagônicos, e aceitar que, a despeito do que se imagina, a necessidade de se entender as características principais de cada uma dessas atividades é imperativo para a compreensão completa do ordenamento jurídico que as envolve.
O Direito Urbanístico é, pois, um ramo jurídico de crescente importância no mundo moderno, uma vez que a urbanização desenfreada é um fenômeno mundial e, diferentemente do que se podia desejar, trás consigo diversos problemas sociais, restando à política urbana e aos preceitos legais a ele dependentes, a modificação e reorganização de tal situação.
Através deste ramo do direito, o poder público poderá, e deverá, intervir nos processos de edificação, saneamento, transportes etc., visando sempre minimizar as parcas condições de vida de boa parte da nossa sociedade.
notas
1
MUKAI, Toshio. Direito e legislação urbanística no Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 1988.
2
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1995.
3
Idem, ibidem
4
Idem, ibidem
5
Idem, ibidem
6
LIRA, Ricardo Pereira. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
7
FERRARI, Célson. Curso de planejamento municipal integrado. São Paulo: Pioneira Editora, 1977.
bibliografia complementar
CORBUSIER, Le. Planejamento urbano. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
FUNDAÇÃO MILTON CAMPOS. O homem e a cidade; simpósio sobre política urbana. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1985.
LACAZE, Jean-Paul. Os métodos do urbanismo. Campinas: Papirus Editora, 1993.
MOYNIHAN, Daniel P. (org). Desafio urbano. São Paulo: Cultrix, 1980.
sobre o autor
João Ademar de Andrade Lima é graduado em Direito e Desenho Industrial. Possui artigos publicados em congressos de Engenharia e Design é autor do livro “Curso de Propriedade Intelectual para Designers”, Editora Idéia, 2001