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architexts ISSN 1809-6298


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português
Arquiteto responsável pelo projeto de restauro da Igreja do Carmo de Mariana comenta o trágico incêndio ocorrido em janeiro de 1999 que colocou abaixo o telhado e calcinou importantes peças de nosso barroco

english
Architect responsible for the restoration project of the Church of Carmo de Mariana said the tragic fire in January 1999 that put down the roof and important parts of our Baroque


how to quote

CALDEIRA, Altino Barbosa. A igreja do Carmo de Mariana. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 027.03, Vitruvius, ago. 2002 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.027/759>.

O acervo arquitetônico e paisagístico da cidade de Mariana foi tombado pelo IPHAN em 1938 e, em 1945, a cidade foi elevada à condição de Monumento Nacional, por ter sido o berço da história de Minas. Dentro do conjunto urbano tombado existem 14 monumentos considerados mais significativos que receberam tombamento isolado. Entre estes, destaca-se a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, cuja construção foi iniciada em 1762 e concluída em 1835. Trata-se de uma construção em pedra e cal, construída por decisão da Ordem Terceira, da qual se desconhece o autor do risco original.

Sua arquitetura revela parentescos e relações com o barroco e o rococó e seu partido já anunciava a chegada do neoclássico em alguns de seus elementos, pela harmonia de suas proporções que atende, ao mesmo tempo, uma exigência estrutural, reconhecida através da modenatura dos vãos, alterando a estética anteriormente adotada em edificações religiosas em benefício de uma melhor integração entre forma e função.  A forma construída dava lugar a espaços vazios preenchidos por elementos artísticos preciosos que compunham a natureza do conjunto, destacando-a entre os outros exemplares de sua época.  Neste contexto encontram-se as igrejas barrocas de Minas, com sua expressão genuína que nos remete `as considerações de ordem política, econômica e filosófica do século XVIII, dando margem aos estudos sobre as Irmandades, `a condição humana daquele período e ao espetáculo da criação artística que ocorre na região das Minas.

A descrição da arquitetura da Igreja de Nossa Senhora do Carmo tem a dimensão do movimento próprio do barroco e a plenitude desta relação se amplia na relação entre os bens artísticos agregados à edificação com a ambiência à qual esta edificação pertence, enquanto parte da cidade de Mariana. Tudo isto se completaria com a restauração do edifício, paredes, cobertura, elementos artísticos, incorporando a dimensão estética de seus altares entalhados, que se encontrava quase concluída, quando, em janeiro de 1999, esta igreja foi destruída por um incêndio.

A restauração de todo este esplendor, havia sido iniciada em 1988 e faltavam poucos dias para a inauguração. Fui o autor do projeto para esta restauração e no dia do incêndio estava de passagem por Mariana, quando vi uma movimentação estranha em torno dela ao enxergá-la do alto da entrada da cidade. Segundo dizem, o que aconteceu ali naquela tarde do dia 20 de janeiro foi o resultado de uma centelha de fogo que surgiu quando, irresponsavelmente, um operário lançou um jato de querosene sobre uma lâmpada enquanto fazia a imunização final das tesouras de madeira entre o forro e o telhado.

Quando o telhado veio abaixo, as pesadas peças de madeira da parte principal, corroídas pelo fogo desabaram, arrastando para o chão os altares laterais que estavam presos aos cantos frontais da nave, ladeando o arco- cruzeiro. As peças de madeira derrubaram também parte do púlpito de pedra cujo guarda-corpo de madeira entalhada desapareceu em meio `as chamas. Toda a estrutura do coro, incluindo o forro deste, bem como o piso, os guarda-corpos e o paravento também desapareceram. As madeiras em brasa, queimaram o piso de tabuado que havia sido recém-colocado e destruíram as balaustradas que dividiam a área central da nave, cujo piso alteado é arrematado por lajes de pedra. O fogo não chegou a atingir diretamente a Capela-mór pois o seu telhado, mais baixo que o da nave, ficou protegido. O calor das chamas, no entanto, provocou o deslocamento da superfície da pintura do altar-mór, tornando-as vulneráveis e pondo em risco a segurança da estrutura em barrete de clérigo da capela-mór, que havia ficado quase oito anos escorada e havia sido recentemente consolidada.

As imagens que estavam nos altares, o mobiliário da nave, e mesmo as paredes de pedra, cujos acabamentos literalmente explodiram, sofreram perdas irreversíveis. Sobre o piso da nave, de um monte de carvão em brasa continuou a sair fumaça por vários dias. Os bens móveis que puderam ser resgatados foram levados para a rua e guardados nas casas próximas por pessoas corajosas que socorreram a parte posterior do imóvel, onde o fogo não chegou. Uma multidão consternada, naquela tarde, vagava em torno da igreja incendiada.

A Igreja do Carmo vem sendo novamente restaurada estando, já refeita, a cobertura da nave. Sob a estrutura metálica que agora substitui os caibros armados de madeira do sistema construtivo original, encontra-se acoplado o forro de madeira arqueado que acompanha a curvatura do vão situado entre duas largas paredes de pedra que suportam esta cobertura.

O piso foi todo recuperado e os altares laterais estão sendo refeitos, de acordo com uma proposta discutida por uma comissão encarregada de orientar os novos projetos de restauração. Estes altares estão, no momento, sendo refeitos, embora não se conheça ainda a decisão sobre os elementos artísticos a serem incorporados aos mesmos. A obra vem contando com uma grande equipe de profissionais que concluíram a primeira fase da restauração em janeiro deste ano, estando em uma segunda fase, no momento. Artífices e artistas de Mariana colaboram na execução das novas imagens e nos detalhes em pedra que serão reaplicados aos bens integrados.

Para a pintura do forro, ainda não se chegou a uma definição. Pensou-se na reprodução da pintura que existia no teto da nave ou na contratação de artistas com novas propostas.

O altar-mór, que permaneceu intacto, está sendo restaurado com muita atenção e cuidado. Tendo permanecido em sua essência, sem ter sofrido perdas pelo fogo, está sendo renovado por um difícil trabalho de restauração. O fato de ter sido apenas tocado pelo calor, que agiu como se fizesse uma prospecção nas camadas de pintura existentes, permitiu aos restauradores atuais conhecer a sua camada mais profunda e dela tirar partido para reavivar as cores originais e descobrir marmorizados escondidos por repinturas. Dessa investigação resultará o trabalho mais realista de toda a obra. Os douramentos das talhas do altar, do forro e da peanha do teto, onde se apoiará o candelabro principal, está sendo cuidadosamente refeito para garantir a beleza e o reflexo ideal sem o ofuscamento do novo. O camarim do altar-mór, sua estrutura de apoio, a cúpula em barrete de clérigo e seus elementos artísticos, permanecerão como exemplos da riqueza da construção original.

sobre o autor

Altino Barbosa Caldeira é arquiteto do IPHAN, professor da PUC-Minas e doutor pela Universidade de Sheffield, Inglaterra

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