Com a presente conferência apresenta-se um conjunto de obras de arquitetos das novas gerações que expressa uma condição, uma herança e um fazer da Arquitetura do meu País.
Este fazer, este modus operandi, não é o único da Arquitetura portuguesa atual, mas é aquele que, abrindo novos caminhos, melhor continua e renova a tradição de uma modernidade particular que foi e é razão para o respectivo reconhecimento nacional e internacional.
É um fazer inseparável do saber geográfico e topológico, sempre sensível às lógicas, matrizes, modelos e temas dos territórios em que opera. E é um fazer em e de Projeto, processual e contextual na procura de sínteses simples, precisas e possíveis, em que o novo não é frivolidade nem qualquer obsessão e em que a “linguagem” é menos pretexto e mais resultado.
A. Ponto de partida 1
Portugal é hoje conhecido pela Arquitetura dos seus melhores arquitetos.
Entre todos, Álvaro Siza (1933–) permanece incontornável e paradigmático. Continua a ser um dos grandes protagonistas da Arquitetura contemporânea, sempre surpreendendo com as suas sínteses Projetuais e o risco da sua inquietação, como no Pavilhão Serpentine de Londres (2005, com Eduardo Souto de Moura), no futuro Museu Iberê Camargo de Porto Alegre no Brasil (2) ou no Pavilhão Anyang na Coreia do Sul (2006). É inimitável e solitário no seu poderoso universo criativo, entre a erudição arquitetônica e artística, a capacidade relacional de coisas distintas e a complexa e por vezes insólita simplicidade.
Com ele, três outros arquitetos condicionam o atual universo de referência da nossa Arquitetura:
– Gonçalo Byrne (1941–), com a sua pedagogia de Projeto entre as geografias vivas dos territórios e a otimização programática das suas sínteses, como na Torre de Operações Marítimas de Lisboa (1997-2001) ou no Edifício do Governo da Província de Vlaams-Brabant, em Lovaina, Bélgica (1998-2003);
– Eduardo Souto de Moura (1952–), com a racionalidade e precisão dos seus sistemas Projetuais agora readequados em nova experimentação formal e dramatizados em novas escalas, como na Casa de Cinema Manoel de Oliveira, no Metropolitano do Porto ou no Estádio de Futebol de Braga (2001-2004) (3);
– e João Luís Carrilho da Graça (1952–) (4), com a sua subtileza conceptual e temática, precisão cerebral e delicada sofisticação, como no Centro de Operações de Auto-estradas em Oeiras (2005), na recente Biblioteca de Tavira (2006) ou no Centro de Documentação da Presidência da República Portuguesa em Lisboa (1997-2003);
Todos, com os seus gestos, estarão presentes nas obras que hoje serão apresentadas. E em todos permanece presente um fazer Projetual e humanizado entre as razões estruturantes dos territórios em que operam – um fazer local desde a globalidade –, origem fundacional da nossa distinta tradição arquitetônica.
B. Ponto de partida 2
Durante o século XX, esta tradição arquitetônica construiu-se a partir de duas raízes distintas:
– A tradição das belas-artes das Escolas de Arquitetura de Lisboa e Porto, de origem francesa e parisiense, com as suas retóricas formais cristalizadas, forte isolamento dos edifícios dos respectivos contextos, e nova experimentação programática e material, como na obra de Miguel Ventura Terra (1866-1919);
– E a tradição romântica, de influência inglesa e nórdica, defendendo a possibilidade de uma Arquitetura nacional, ancorada na dimensão cultural dos territórios, no artesanato popular e numa espacialidade contextual, como na obra inicial de Raul Lino (1879-1974);
A estas duas raízes adicionam-se depois outras quatro, sucessivas e/ou complementares:
– A suave experimentação do Moderno desde os anos 20 até aos 40 (4), com forte influência Art-Déco, entre nova manipulação programática, e novas formas e materialidade, como nas obras, entre outros, de Viriato Cassiano Branco (1897-1970) ou de Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957);
– O imperativo ético da habitação universal, sobretudo depois do congresso dos arquitetos portugueses em 1948, de forte oposição ao regime fascista nacional, com distinta experimentação urbana, paisagística e tipológica, como no Bairro das Estacas e em Olivais Norte e Sul, em Lisboa;
– A vontade cosmopolita e global, mais lisboeta, com influências do moderno brasileiro, de Alvar Aalto, do neo-realismo italiano e de Aldo Rossi, do brutalismo inglês e americano, do regionalismo moderno e do Team X, e da Pop de Robert Venturi, como nas obras, entre outros, de Ruy Athouguia (1917-2006); Manuel Tainha (1922–), Nuno Teotónio Pereira (1922–), Francisco Conceição Silva (1922-1982) ou de Pancho Guedes (1925–).
– e a confirmação da Escola de Arquitetura do Porto até aos anos 80, desde a obra fundacional de Fernando Távora (1923-2005), muito ancorada na paisagem, no contextualismo cultural e regional, na Arquitetura e artesanato populares e no moderno heróico, unindo, no final, a tradição das belas-artes com a romântica.
Estas raízes da nossa tradição arquitetônica são inseparáveis do território português.
C. Ponto de partida 3
Portugal é um pequeno País marítimo.
Porém, o seu território possui grande diversidade paisagística, do sul ao norte, e do norte às ilhas atlânticas. É um território com mais de dois mil anos de história de construção entre a terra e o mundo, entre a natureza e o homem, entre a sua existência local e a contaminação global. A sua Arquitetura não existe sem este reconhecimento, sem as suas lógicas, matrizes, modelos e temas legitimadas pelo tempo e com o tempo.
Mas Portugal é também a destruição deste território cultural. Nos últimos 40 anos, como que por milagre ou maldição, muito do equilíbrio resultante do trabalho do homem sobre a terra e da terra sobre o homem foi sendo desfigurado pela especulação, pela construção informal resultante da pressão de novas populações e pela incapacidade de regulação espacial, sobretudo numa vasta porção litoral entre as suas cidades mais importantes, Lisboa e Porto. A Arquitetura portuguesa não existe também sem este reconhecimento, procurando agora equacionar e operar a desfiguracão territorial.
No entanto, muitas paisagens do meu País continuam e apresentam um patrimônio arquitetônico poderoso e inspirador, entre grandes cidades, cidades históricas, monumentos preciosos e Arquiteturas populares, hoje quase extintas, com a pedra escura das montanhas frias do norte e o branco da cal do sul plano e quente. Um País a branco e preto. Uma síntese de rusticidade, escassez e erudição.
A possibilidade de conciliar os territórios culturais com os novos territórios desfigurados está hoje presente na melhor Arquitetura portuguesa e no trabalho de muitos dos seus arquitetos.
D. Ponto de chegada 1
As catorze obras a apresentar pertencem a um conjunto de arquitetos mais ou menos desconhecidos. São obras que estão longe de ser as únicas no universo recente da Arquitetura em Portugal, pois há muitas outras que poderiam mencionar-se.
São obras decorrentes da natureza própria do Projeto, testemunhos de como continuam criticamente os nossos mestres e de como adicionam criticamente algo de novo à nossa tradição de fazer Arquitetura como paisagem e na paisagem.
01. Casa em Melides, Grândola (2000-2003), Manuel Aires Mateus (1963–) e Francisco Aires Mateus (1964–) (5)
De seu mestre Gonçalo Byrne, os irmãos-arquitetos Aires Mateus mantêm o propósito de otimização programática e especial atenção sobre as estruturas territoriais, desenvolvendo um dos mais originais campos de investigação da Arquitetura portuguesa contemporânea.
Assim, a otimização programática abre agora novas possibilidades a partir da densidade matérica, e a estruturação territorial questiona agora a natureza fundacional do próprio espaço arquitetônico. É um trabalho de grande radicalidade processual, investigando a espacialidade desde limites e muros, e investigando os programas a partir da concentração, escavação e desfiguração matérica. E, apesar de muito informado pelas experiências de alguma arte contemporânea, em particular da escultura, é um caminho fortemente disciplinar, em que ressoam as pedras de Arquiteturas legitimadas pelo tempo.
A Casa de Melides responde a um território rural sem limite e transforma o seu sitio em lugar. É um ato fundacional muito próximo às Arquiteturas rurais do sul.
Com a paisagem, a operação define-se pela máxima concentração, compactando matéria e nela escavando o programa doméstico. Os pátios, desde o interior e desde a paisagem, estruturam todas as funções e revelam a dimensão e sentido da operação. O Projeto contém a escala doméstica e a escala do território.
02. Centro Cultural de Sines (2001-2005), Manuel Aires Mateus (1963–) e Francisco Aires Mateus (1964–)
Também de matéria fala a obra seguinte dos irmãos Aires Mateus, agora numa pequena cidade no sul de Portugal.
O Projeto do Centro Cultural de Sines responde a um local no limite de um território cultural urbano, e escolhe o seu lugar como porta tradicional do centro histórico, onde começa a rua até ao mar. Com esta rua, a operação define-se pela máxima ocupação, compactando o programa extenso. A espacialidade transparente, desde a rua, relaciona todas as funções e revela a dimensão da intervenção. O Projeto constrói-se abaixo deste nível, marcando as funções no sítio e escavando o solo. Acima, as massas sólidas e compactas estão suspensas desde os muros periféricos. As diferentes funções dispõem-se em bandas paralelas à rua, interrompidas por pátios e unidas abaixo da linha de terra.
O Projeto tem a escala dos edifícios de excepção do centro histórico.
03. Centro de Artes na Calheta. Madeira (2001-2004), Paulo David (1959–)
Paulo David é outro herdeiro de Gonçalo Byrne. Conhecido pelas suas casas delicadas de modernidade anónima, procura nas suas últimas obras outro risco, outra escala, outra expressão material e outra dramatização espacial, talvez inspirado pela paisagem telúrica da sua terra, a ilha vulcânica da Madeira.
Com a casa preexistente, o Projeto do Centro de Artes na Calheta responde a um local no limite da terra, uma dramática arriba olhando o oceano, e escolhe o seu lugar como percurso desde a rua até ao Atlântico. Como nalgumas das fortalezas marítimas das ilhas, a operação define-se como reconstrução orográfica. Com o programa pesado, alheio à escala local, o Projeto constrói-se sob a plataforma superficial. Desde acima até abaixo, os pátios e percursos seccionam, escavam e relacionam todas as funções, revelando o sentido da intervenção no exterior e no seu contraposto interior, até à paisagem.
O Projeto tem latente a escala natural da sua envolvente.
04. Piscinas das Salinas. Madeira (2001-2004), Paulo David (1959–)
A obra seguinte, as Piscinas das Salinas, também de Paulo David, reconstrói um pedaço de paisagem telúrica da ilha da Madeira.
O Projeto responde a um local que é limite da terra, uma forte escarpa estratificada escorrendo até ao mar, resultado da atividade vulcânica. O seu lugar é o novo percurso na ancestral forma natural, uma promenade oceânica desde a terra até ao Atlântico, articulando níveis muito distintos.
Como na tradição territorial da ilha, a operação define-se em sucessivos muros e plataformas topográficas. O grande muro pétreo da plataforma baixa é fundacional, de geometria precisa diante da irregularidade natural das rochas oceânicas. Desde acima até abaixo, reconstruindo o antigo “caminho marítimo da trincheira”, as plataformas e percursos adequam e enlaçam todas as funções deste novo espaço público, desde o parking e jardim ao restaurante, e desde o restaurante às piscinas e ao Atlântico. A materialidade ajuda à forte contextualização.
O Projeto tem latente a intensidade de sua envolvente.
05. Casa num Palheiro. Cortegaça-Mortágua (2000-2004), João Mendes Ribeiro (1960–) (6)
João Mendes Ribeiro mantém com Eduardo Souto de Moura uma relação ambígua. Por um lado, em cada Projeto, procura a mesma racionalidade nos sistemas construtivos mas, por outro, a sua expressão material mantém uma economia antiga com ligações à Arquitetura popular, como na obra do grande mestre do Porto Fernando Távora. Porém, trata-se de um caminho também aberto pela sua experiência cenográfica para teatro e bailado, entre a precisão e a natureza do detalhe na expressão visual até à humanização espacial, fazendo coreografias de caixas sobre caixas e de peles sobre peles.
Nesta recuperação de um antigo palheiro no centro-norte rural de Portugal, o Projeto responde à ruína dentro do limite de uma quinta tradicional e começa pelo desejo de casa, mantendo a evocação rural do lugar. Com a ruína, de estrutura e volume elementares e proporcionados, a operação define-se na materialidade das superfícies.
O Projeto constrói-se com a intenção de manter as paredes em xisto e a cobertura, que condicionam todo o interior. A distribuição do programa é elementar e o seu coração a sala de duplo pé-direito. Não há preconceitos programáticos. Apenas o desejo de qualificação espacial, precisão material, mais comodidade e procura de relações com a envolvente. A intenção central é clara no duplo paramento de vidro e de réguas de madeira, ampliando as cenografias domésticas de dia e de noite.
A austeridade da caixa procura expressar a essencialidade do todo.
06. Casa em Chamusca da Beira (2000-2004), João Mendes Ribeiro (1960–)
Também de Mendes Ribeiro é esta ampliação de um conjunto rural.
O Projeto responde às preexistências edificadas e vegetais – casa, muros, forno, poço, laranjeiras – e reconstrói o caráter rural do lugar. A operação define-se, sobretudo, na transição entre os elementos construídos e a paisagem, estabelecendo uma nova intriga espacial.
O novo volume é o dispositivo central neste contexto, fundacional na sua verticalidade, fotografando distintas relações com a envolvente e precisando programa e comodidade domésticas. Algumas janelas resultam de elementos fixos, como a chaminé e as estantes. Paredes e madeiras pertencem ao mesmo sistema: a cofragem do betão é feita com as mesmas réguas de madeira das portadas.
A concentração da caixa procura cenografar a multiplicidade do todo.
07. Unidade Industrial Inapal Plásticos. Palmela (1996-2003), Menos é Mais. Francisco Vieira de Campos (1962–)
Herdeiro de Souto de Moura, Francisco Vieira de Campos mantém idêntica racionalidade espacial dos sistemas construtivos, desenvolvendo, no seu escritório com Cristina Guedes, investigação sobre esta sistematização construtiva em cada Projeto. Porém, falamos agora de low-tech, de uma busca a partir das condições e oferta locais. Ou seja, a aparência complexa, sofisticada e elegante dos seus Projetos revela-se, no final, muito elementar e humanizada, feita de materiais e detalhes comuns e de consumo corrente.
A Unidade Industrial Inapal Plásticos tem o seu local predeterminado no complexo industrial da Autoeuropa da Volkswagen. A operação define-se por concentrar os três distintos núcleos produtivos sob um grande coberto metálico que registra a delimitação e a topografia do programa. O Projeto constrói-se a partir de uma estandardização dimensional de 7mx7m, estabelecendo um limite retangular com uma relação proporcional de 2:1 e adotando materiais pré-fabricados que racionalizam as soluções construtivas.
Mas o Projeto responde também a um desejo humanizador, com o pátio central, a grande abertura de policarbonato e as pequenas caixas de entrada que registram a vida e diminuem o gigantismo fabril.
O caráter totêmico denuncia a sua territorialidade pública e os ambientes cálidos anunciam o secreto desejo de convivência serena.
08. Anfiteatros da Universidade dos Açores. Ponta Delgada (1997-2003), Inês Lobo (1966–) e Pedro Domingos (1967–)
De seu mestre João Luís Carrilho da Graça, Inês Lobo mantém a delicada sofisticação Projetual entre conceitos e temas estruturantes. No entanto, a sua atitude é mais instintiva no desenvolvimento do processo de Projeto e porventura mais aberta a distintas contaminações para cada situação, resultando nalgumas das sínteses mais originais e essenciais da atual Arquitetura portuguesa.
O Projeto, o edifício de Anfiteatros da Universidade das ilhas dos Açores (realizado com Pedro Domingos), na cidade de Ponta Delgada, responde a uma impressionante estrutura de jardim – conhecido por Relvão –, que é o atual campus universitário, e apresenta-se como espaço e percurso deste lugar. A operação define-se pela máxima transparência e revelação do jardim. O Projeto constrói-se com a manipulação do solo disponível, escavando o anfiteatro principal e permitindo, assim, uma praça pública na linha de terra. Define-se, também, com os dois túneis acima suspensos que contrastam e registram as grandes árvores exóticas e centenárias. Entre as diferenças topográficas, pode-se caminhar olhando o jardim, e tudo é a preto e branco como na ilha vulcânica.
O Projeto tem a economia, a escala natural e a ambição pública do Relvão.
09. Casa em Boliqueime. Loulé (2002), Ricardo Bak Gordon (1967–)
Dir-se-ia que Ricardo Bak Gordon, próximo a Carrilho da Graça, desenvolve hoje o seu trabalho a partir dos tempos humanizados dos territórios, muito sensível à mestiçagem dos espaços, à informação temporal dos materiais e à contaminação destes com os quotidianos anônimos. É um trabalho atento à investigação material de alguns dos caminhos da arte contemporânea, como, por exemplo, na obra de Pedro Cabrita Reis, mas precisado em cada situação.
Esta casa, situada em Boliqueime, no extremo sul de Portugal, é uma casa da terra olhando o horizonte, cercada pelo infeliz resultado da proliferação turística.
O Projeto responde a um local delimitado numa forte pendente e encontra o seu lugar na topografia mais favorável. A operação define-se por mediar e articular na sua concentração espacial o caráter ainda rural e o extenso horizonte. Desde a rua, o Projeto constrói-se com o programa doméstico e a frontalidade de um muro habitável, ancorado em volumes, pátios e plataformas distendidas sobre a paisagem. Superfícies, portas e escadas são precisadas em suaves diferenças e luzes distintas. O seu caráter táctil denuncia o sentido da intervenção.
O Projeto contém um tempo inamovível como que pertencendo desde sempre ao seu lugar e ao seu horizonte.
10. Casa em Romeirão. Mafra (2002-2003), ARX: Nuno Mateus (1961–) e José Mateus (1963–)
O escritório ARX, dos irmãos-arquitetos Nuno e José Mateus, procura legitimar um processo Projetual próximo à sua experiência com Peter Eisenmann e Daniel Libeskind. Porém, cada vez mais, fá-lo a partir dos registros cadastrais e matriciais dos territórios, enquanto suporte de sucessivas deformações formais.
A sua casa de Romeirão, na periferia de Lisboa, é uma casa olhando a terra, uma terra ainda rural mas infestada com outras casas recentes e suburbanas.
O Projeto responde à estrutura rural do sítio, com muros, caminhos, parcelas e perfis torcidos e ajustados à topografia. Esta estrutura é o seu lugar. A operação define-se por lapidar e dominar os volumes programáticos com a informação territorial.
Desde o limite topográfico mais favorável, o Projeto constrói-se com os volumes gêmeos e distintos, suspensos e projetados sobre a paisagem que organizam o programa e impregnam a estrutura territorial, como animais buscando a paisagem.
Um conjunto de caminhos e muros fortalece a relação com a terra.
O Projeto contém uma dupla terra, enquanto escala e registro.
11. Biblioteca de Ílhavo (2002-2005), ARX: Nuno Mateus (1961–) e José Mateus (1963–)
De José e Nuno Mateus é também a obra seguinte, a Biblioteca de Ílhavo, no norte de Portugal, num território de difícil e recente urbanidade.
O Projeto responde diretamente à ruína do Palácio Visconde de Almeida e indiretamente a um sítio desarticulado na periferia da cidade. Este local ambíguo é o seu lugar. A operação define-se em conjugar as distintas partes programáticas, procurando clarificar os fragmentos arquitetônicos e territoriais sem sentido de conjunto.
Desde a ruína do palácio, o Projeto constrói-se com os novos volumes que organizam o programa e manifestam relações morfológicas diretas com o contexto. O edifício é uma peça de fecho da sua envolvente, impregnado de novo sentido público e cívico.
O Projeto aceita e contém a ordem da ruína e os caprichos do seu contexto, enquanto escala e registro.
12. Quarteirão em Lisboa (1996-2004), Promontório: João Perloiro (1961–) + João Luís Ferreira (1962–) + Paulo Perloiro (1963–) + Paulo Martins Barata (1965–) + Pedro Appleton (1970–)
O escritório Promontório, próximo da escola de Zurique, na Suiça, desenvolve investigação a partir do mercado disponível de materiais, procurando estabelecer sistemas construtivos pré-fabricados, qualificados e acessíveis, com a convicção de reutilizar e procurar melhorar a massificação da Arquitetura corrente.
Este duplo quarteirão de habitação, escritórios e comércio procura razão no seu sistema material e no novo território oriental de Lisboa, resultante da Expo Mundial de 1998.
O Projeto responde a um território urbano prefigurado, com regras muito claras, e à ambição de aproximar-se do rio Tejo. Pré-escolhido o seu lugar, a operação precisa a delimitação e redefine a união dos dois quarteirões, procurando ampliar e qualificar os sistemas compositivos e construtivos, e o espaço público resultante. O embasamento comercial perimetral gera os diferentes blocos, a praça pública, o pátio residencial e a lógica vertical da montagem construtiva.
O Projeto tem a escala urbana adequada e o rigor da sua montagem construtiva amplia o sentido de lugar.
13. Museu e Cemitério da Luz. Mourão (1998-2004), Pedro Pacheco (1965–) e Marie Clément (1966–)
Pedro Pacheco e Marie Clément, conhecidos pelas suas obras simples e delicadas, reconceitualizam, de algum modo, a tradição da Escola do Porto.
No Museu e Cemitério da Luz, próximos da nova barragem do Alqueva, no sul interior de Portugal, respondem agora a outra escala de (e desde a) paisagem.
O Projeto responde a um local de dupla artificialidade, entre o novo lago da barragem e a nova aldeia da Luz, para onde se deslocaram os habitantes da anterior, entretanto submergida. O seu lugar é o limite entre estes dois novos territórios. Neste duplo processo de transformação da paisagem, a operação define-se como refundação estruturante, com igreja, cemitério e museu. O Projeto, com incisões precisas no solo, tenta absorver a situação topológica e geográfica, e aprofundar novas relações com a paisagem rural, entre percursos e muros. Xisto, a terra, no museu. Mármore, a luz, no cemitério.
O Projeto tem o poder evocativo e a escala do seu propósito.
14. Casa em Afife (2001-2004), Nuno Brandão Costa (1970–) (7)
As casas são quase sempre as primeiras oportunidades arquitetônicas dos mais jovens e, por outro lado, são pretextos de experimentação Projetual. As próximas duas casas, muito diferentes, são testemunhos laboratoriais de diferentes sensibilidades e situações espaciais que assinalam dois caminhos complementares.
A primeira é de Nuno Brandão Costa, uma das promessas da mais recente geração de arquitetos, misturando a tradição portuguesa com o resultado da sua experiência internacional com Herzog & de Meuron.
O Projeto, em território quase imaculado no extremo norte de Portugal, responde à escala rural do sítio, marcando o seu lugar com dois volumes algo insólitos que registram a forma cadastral e os limites de pedra existentes. A operação define-se em condensar o programa doméstico, abrindo-o na sua máxima largura para a paisagem, como se fora espaço único. Com a tensão das superfícies, contrapondo rusticidade e sofisticação, o Projeto constrói-se na sua materialidade precisa, organizando programa e percurso espacial. A intenção do Projeto está sempre presente em todos os detalhes: betão, estuque com óxido de ferro, sólidas caixilharias de madeira, pavimentos em madeira de riga, revestimentos, portões e escadas em aço inoxidável. Caminhos e muros em pedra de granito procuram a envolvente.
O Projeto pertence ao seu território conceptual e concreto.
15. Casa em Santa Vitória. Beja (2001-2003), Rui Mendes (1973–)
A segunda obra é de Rui Mendes, o mais jovem entre todos, reciclando a tradição portuguesa com escassez radical.
O Projeto é a extensão de uma casa num pequeno povoado perto de Beja, no interior sul de Portugal. Com orçamento mínimo, o Projeto responde a um local delimitado que é também lugar: a parcela cadastral murada, entre duas ruas, tradicional a estes povoados.
A operação, desde a casa original e intacta, entre muros, amplia a regularidade habitável. O Projeto constrói-se numa sucessão de casas, com o rigor da geometria do pátio, da estrutura de betão armado e do módulo do tijolo de betão localmente disponível. A permeabilidade revela a dimensão da resposta. Os acabamentos, quase inexistentes, estimulam o todo.
A força do Projeto é a evidência da sua desnudez.
E. Ponto de chegada 1
Estas obras recentes de arquitetos portugueses, entre ritos antigos e caminhos novos, são globalmente inspiradoras e permitem equacionar duas conclusões finais:
– A primeira tem a ver com a Arquitetura e o Arquiteto.
A Arquitetura é sempre Arquitetura – e o arquiteto é sempre arquiteto – em cada e qualquer situação e circunstância: em todos os distintos mundos e territórios, no norte ou no sul, entre a riqueza ou entre a escassez.
Falo de Arquitetura como Arquitetura: com a sua origem, os seus saberes, os seus conceitos, os seus temas, os seus instrumentos, o seu objeto e a sua história. Arquitetura, claro está, como construção de espaço sobre a terra em que o homem habita, estabelecendo e restabelecendo territórios culturais desde limites reconhecíveis e relacionáveis.
Falo de Arquitetos preocupados com o seu ofício, com a sua função cultural e social, que sabem trabalhar nas piores ou melhores condições, sensíveis à finitude dos recursos da terra e otimistas na obrigação de transformar e melhorar cada realidade encontrada, com a convicção de melhorar também, em cada Projeto, o habitar do homem.
– A segunda tem a ver com o Projeto de Arquitetura.
Cada Projeto responde e é ajustado a uma situação e condição específicas.
Por conseguinte, o Projeto de Arquitetura é sempre um fazer cultural que se faz local com o conhecimento global e que se faz mais global, mais capaz de responder a todas as condições e situações, com cada conhecimento local acrescentado.
Falo de Projeto como processo de resposta a um duplo problema. O problema resultante de uma situação concreta e o conseqüente problema conceptual que permite começar e regular um caminho de resposta arquitetônico, procurando uma síntese entre território, programa e materialidade. Cada Projeto é um percurso mental e material que, em geral, não é linear, que tem desenvolvimentos e retrocessos, sempre procurando compreender o que de mais fundamental surge no caminho de resposta, sempre procurando aclarar e concentrar a complexidade do Projetar na economia essencial do Projetado.
Falo de Projeto, assim sendo, como uma ação ou omissão críticas sobre uma realidade concreta, simulando e antecipando o que ainda não é, mas que tem a capacidade de poder suceder e permanecer.
Falo, para finalizar, do principal testemunho da minha apresentação:
– Por um lado, da possibilidade de continuar e renovar a tradição arquitetônica da localidade portuguesa no mundo global;
– Por outro, falo da sua vitalidade periférica a partir do Projeto, enquanto possibilidade e ambição específicas de ajuste, resistência e legitimação disciplinar da Arquitetura no mundo, ou melhor, no mercado global.
De Portugal é tudo.
notas
1
Texto da conferência proferida no dia 05 de dezembro de 2006 na Bienal Iberoamericana ocorrida em Montevideu, Uruguai
2
Ver "Nova sede da Fundação Iberê Camargo. Projeto de Álvaro Siza Vieira". Projeto Institucional, nº 2. São Paulo, Portal Vitruvius <www.vitruvius.com.br/institucional/inst02/inst02.asp>.
3
Sobre o Estádio de Futebol de Braga, ver MATEUS, José. "O Estádio de Braga, de Eduardo Souto de Moura". Entrevista com Eduardo Souto de Moura. Entre/vista. Portal Vitruvius, nov. 2003 <www.vitruvius.com.br/entrevista/soutomoura/soutomoura.asp>.
4
ver MATEUS, José. "A casa do artista plástico Julião Sarmento, de Carrilho da Graça". Entrevista com João Luis Carrilho da Graça. Entre/vista. Portal Vitruvius, 2004 <www.vitruvius.com.br/entrevista/carrilhograca/carrilhograca.asp>.
5
Sobre a Casa em Melides ver CARVALHO, Ricardo. "A casa elementar. Casa na costa alentejana de Manuel e Francisco Aires Mateus Arquitetos". Arquitextos, nº 052.2. São Paulo, Portal Vitruvius, set. 2004 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq052/arq052_02.asp>.
6
Sobre a Casa num Palheiro ver MATEUS, José. "O perene e o efêmero". Entrevista com Eduardo Souto de Moura. Entre/vista. Portal Vitruvius, nov. 2004 <www.vitruvius.com.br/entrevista/mendesribeiro/mendesribeiro.asp>.
7
Sobre a Casa em Afife ver FIGUEIRA, Jorge. "Uma arquitetura nômade. Casa em Afife, do arquiteto Nuno Brandão Costa". Arquitextos, nº 052.2. São Paulo, Portal Vitruvius, set. 2004 <www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq052/arq052_03.asp>.
sobre o autor
João Belo Rodeia, arquiteto pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, é diplomado em Estudos Avançados de Projeto de Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha. É professor auxiliar convidado da Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. É presidente do Conselho Nacional de Delegados da Ordem dos Arquitetos e, entre 2003 e 2005, foi presidente do Instituto Português do Patrimônio Arquitetônico. É Comissário Científico da 1ª Trienal Internacional de Arquitetura de Lisboa, a realizar entre Maio e Julho de 2007.