A partir dos anos 90, e hoje já integrado ao paradigma do desenvolvimento sustentável, as grandes cidades passaram a buscar o renascimento dos centros urbanos, através da revitalização de suas áreas centrais através da reutilização dos patrimônios (físico, social e econômico) instalados e da sua melhor utilização possível, viabilizando o sistema econômico através das melhores respostas socioculturais. Os novos modelos urbanísticos de revitalização urbana invertem a lógica modernista e seus modelos positivistas, onde a busca pelo ideal racional-tecnicista gerava a renovação urbana indiscriminada e construía ambientes simplórios, assépticos e desprovidos da riqueza socio-cultural típica dos centros urbanos tradicionais.
Integrador e abrangente, o modelo da revitalização distancia-se tanto dos projetos traumáticos de renovação quanto das atitudes exageradamente conservacionistas, mas incorpora e excede as práticas urbanísticas anteriores na busca pelo renascimento econômico, social e cultural das áreas centrais esvaziadas, decadentes e sub-utilizadas. Pressupõe-se agora um processo, onde ações conjuntas e integradas voltam-se para dar-lhes uma nova vida.
Para tanto, através de um planejamento estratégico entre poder público (viabilizadores), poder privado (investidores) e comunidades (usuários), identifica-se planos e programas que maximizem e compatibilizem os esforços e investimentos, e norteia-se a implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e longo prazos. Os resultados positivos, por sua vez, realimentam o processo atraindo novos investidores, novos moradores e novos consumidores, e gerando novos projetos.
Adotado em maior ou menor grau em diversas cidades no mundo inteiro, o movimento na direção deste novo modelo destacou-se a partir das experiências bem sucedidas de diversas cidades norte-americanas e européias, em particular das pioneiras Boston, Baltimore e São Francisco, nos EUA, e Londres e Glasgow, na Grã-Bretanha. No caso do Brasil, depois de uma experiência ainda em pequena escala no centro histórico de Curitiba, em meados dos anos 70, o modelo se consolidou com o sucesso do Projeto Corredor Cultural do Rio Janeiro, que hoje abrange mais de 3.500 imóveis e diversos centros culturais, e das mais recentes experiências no Pelourinho de Salvador e no centro de Recife.
O estudo das experiências bem sucedidas aponta para cinco aspectos fundamentais dos projetos: a) complexos processos de planejamento, monitoramento, gestão e marketing, b) mix estudado de diversos usos do solo, com a presença de "âncoras" sólidas; c) respeito à memória coletiva e ao contexto pré-existente (físico-espacial e socio-cultural); d) atenção ao poder das imagens e da qualidade projetual; e) implantação através de processos colaborativos entre os grupos envolvidos (governo, comunidade e empresários).
É importante frisar que, em geral, a revitalização de áreas centrais depende da promoção de novas imagens para locais tidos como decadentes ou de má fama. Portanto, por um lado, é vital a construção da confiança no processo e no lugar, o que sempre é dependente de ações integradas, contínuas e constantes, monitoradas pelo poder público. Por outro lado, essas estratégias são dependentes de agentes catalisadores da revitalização, dinâmicos e de forte apelo, constituindo-se num "diferencial" e no "gancho" inicial (não diferentemente do conceito de âncora no shopping center), contribuindo ativa e intensamente na construção da nova imagem e na atração de novos usuários e investimentos (2).
Embora, evidentemente, esses catalisadores não possam garantir o sucesso da revitalização como um todo, eles têm se mostrado essenciais para dar partida e, muitas vêzes, sustentam todo o processo. Os exemplos bem sucedidos incluem a promoção de grandes equipamentos públicos e de lazer, a valorização de conjuntos históricos e da frente marítima, com: construção de novas áreas de lazer, museus, marinas, aquários, lojas, mercados, hotéis e habitação. A presença da água, especialmente, tem servido como potente catalisador através do aproveitamento de suas conotações simbólicas e possibilidades lúdicas, tal como em Boston, São Francisco e no Inner Harbor de Baltimore. As marinas, por exemplo, públicas ou privadas, passarem a compor um diferencial importante nos novos lançamentos comerciais e residenciais nas antigas áreas portuárias.
Finalmente, deve-se notar que o turismo recreativo, cultural e de compras, tem se mostrado importante dinamizador econômico e social na revitalização das áreas centrais. No caso pioneiro de Boston, o antigo mercado e a área adjacente foram transformados, em 1977, num novo conjunto comercial com lojas, mercado, restaurantes e bares, num esforço conjunto entre a prefeitura e a iniciativa privada. No seu primeiro ano de funcionamento, esse conjunto já atraía dez milhões de visitantes (um total equivalente ao registrado para a Disneylândia no mesmo periodo) e, em meados dos anos 80, este número atingia 16 milhões/ano, três vezes mais que o total de turistas que entravam no México e no Havaí (estimou-se que os verdadeiros turistas no complexo chegavam à metade deste total) (3).
Mais recentemente, a Espanha nos proporciona dois importantes exemplos. Em Barcelona, a realização dos Jogos Olímpicos de 1992 - e os investimentos conexos - serviram como pano de fundo de programas e projetos urbanísticos para a requalificação dos espaços da cidade e a revitalização de inúmeras áreas, inclusive do centro histórico e da frente marítima, num processo que fez da cidade um dos mais importantes pólos culturais e econômicos da Europa. Em Bilbao, a estratégia para recuperação econômica da cidade – antes mundialmente conhecida apenas por abrigar o grupo separatista basco – baseou-se na decisão de construir um polêmico projeto arquitetônico para o novo museu Guggenheim, que acabou tornando-se referência mundial e razão principal das visitas turísticas à cidade, tendo recebido mais de 2,5 milhões de visitantes nos seus dois primeiros anos (4). E, nesta linha, não esqueçamos da experiência recente bem sucedida de reconstrução da imagem de Niterói – cidade vizinha ao Rio de Janeiro – através da forte imagem proporcionada pelo Museu de Arte Contemporânea de Niemeyer, um exemplar edifício-ícone que se projeta na Baía de Guanabara.
No último mês, o Rio de Janeiro também tem corrido atrás de oportunidade semelhante, brigando para receber o Museu Guggenheim brasileiro, como acompanhamos em todos os noticiários. Ter um "gehry" - ou, quem sabe, um "koolhaas", de modo a participar de uma paradigma globalizado e globalizante, em muito contribuiría na re-construção da imagem da cidade em nível internacional. Parece que, nos últimos anos, a cidade se deu conta da importância do city marketing, não sem haver perdido diversas oportunidades quando optou por contratos ou concursos locais para projetos de grande visibilidade (rio-orla na ECO-92, novo terminal do aeroporto internacional, monumento ao holocausto, etc).
Portanto, neste fim de século em que a sociedade está plenamente consciente da propriedade e do alcance social do paradigma do desenvolvimento sustentado, e dos modelos urbanísticos que lhe podem dar corpo, as metrópoles devem se convencer da importância da revitalização urbana consciente, num processo democrático, flexível, contínuo e integrado. Por outro lado, a globalização da economia tem acirrado a competição entre cidades na atração de novos mercados e investimentos, o que aponta para a importância dos diferenciais entre as cidades e, conseqüentemente, um cuidado cada vez maior na busca da qualidade destes modelos e processos. Finalmente, é mister admitir que, nessa busca pelo tempo perdido com tantos modelos e projetos equivocados ou incompletos, a implementação dos novos processos e modelos deverão ser, sempre, mais lentos do que geralmente admite a ação técnica tradicional ou tempos políticos a que estamos acostumados.
notas
1
Artigo originado na conferência de abertura do curso Intervenções em Áreas Centrais Litorâneas – O Caso de Vitória, coordenado pelo professor Tarcisio Bahia de Andrade numa iniciativa conjunta da Universidade Federal do Espírito Santo, através do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, e da Prefeitura Municipal de Vitória, de 08 a 12/1999.
2
KOTLER, Philip et al. Marketing Público: Atraindo Investimento, Indústria e Turismo para as Cidades, Estados e Países. Rio de Janeiro, Makron / Free Press, 1995.
3
In FRIEDEN, B. & SAGALYN, L. Downtown, Inc.: How America Rebuilds Cities. Cambridge MA, MIT Press, 1990.
4
BORDOLON, E. "Maravilha Arquitetônica". In Revisa Check, ano 3, n. 31, 1999.
sobre o autor
Vicente del Rio é arquiteto e urbanista, mestre em Desenho Urbano (Oxford) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (USP). Atualmente é professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.