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architexts ISSN 1809-6298


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MELO, Chico Homem de. Niemeyer gráfico. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 006.09, Vitruvius, nov. 2000 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.006/962>.

Poucas linhas, firmes – um leve tremor – nenhum detalhamento, grandes vazios, pequenas silhuetas povoando os espaços: o traço de Niemeyer é inconfundível. Em quase toda página de publicação em que o arquiteto é assunto, seu traço comparece. Seu desenho é tão conhecido quanto sua obra. E não é uma obra qualquer: edifícios majestosos, endereços respeitáveis nos cinco continentes, fotografias impactantes. Mas, ali do lado, junto às fotos, sempre presente, sempre registrado, seu desenho, sua maneira peculiar de riscar o papel.

Essa singeleza de recursos gráficos é na verdade a depuração de uma especial capacidade de traduzir as intenções de seus projetos. Niemeyer sabe disso muito bem. Em seu livro de memórias As curvas do tempo, lançado no ano passado, ele lembra com certo orgulho de uma frase de Le Corbusier, solta no calor das discussões a respeito do projeto da sede da ONU em Nova York, a qual deixava entrever uma ponta de inveja do mestre em relação a seu desenho.

Na virada de 1998 para 1999, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, foi montada a exposição Niemeyer 90 anos, como forma de homenagear aquele que está no topo da lista de artistas brasileiros com maior reconhecimento no exterior. Um dos segmentos dessa exposição, dedicado a publicações de e sobre o arquiteto, lembrava suas incursões esporádicas pelo território do design gráfico. Entre as peças reproduzidas, apareciam tanto a célebre revista Módulo, quanto ilustrações realizadas para uma ou outra capa de livro. Mas haviam também alguns tesouros escondidos, entre os quais destacava-se Rio, livro publicado em 1980, escrito e desenhado por ele, contando, a partir de sua ótica particular, a história da cidade do Rio de Janeiro – Da Província à Metrópole, como informa o subtítulo.

Você está achando que desenhado por ele quer dizer projetado por ele? Não só. Desenho aqui quer dizer também risco no papel: do começo ao fim, todas as páginas são ocupadas por manuscritos e desenhos de Niemeyer. Isso mesmo, o texto não foi composto por nenhum equipamento mecânico, tampouco por uma hipotética fonte Niemeyer Script. O texto inteiro foi .manuscrito por ele, página a página, com rasuras e emendas aqui e ali, frases apertadas, pequenos erros de grafia, e complementado por desenhos que ora ocupam páginas inteiras, ora ocupam pequenas clareiras abertas entre as palavras.

Na capa, reina absoluta a palavra RIO, desenhada em letras grandes e legíveis, com a leve irregularidade que caracteriza seu traço, exuberante em sua simplicidade. Uma ilustração ao pé da página completa a cena, e reforça a marca deixada pela mão do arquiteto em tudo que faz. Abrindo o livro, nos deparamos com as páginas iniciais manuscritas. Imaginamos que logo em seguida virá o texto composto. Engano. A escrita à mão não é interrompida, atravessa o Iivro do começo ao fim, um longo trajeto de quase 80 páginas. Quantidade vira qualidade. Se um pequeno texto introdutório manuscrito daria "um toque, pessoal" à publicação, o livro inteiro escrito à mão nos deixa desconcertados.

Qual é o efeito? Falar em intimidade com o leitor é dar uma pálida idéia da atmosfera criada. O fato de o texto estar manuscrito atesta que o arquiteto debruçou-se sobre cada uma daquelas páginas, num esforço e numa disciplina que oferece a nós, leitores, para que com ele possamos compartilhar seu percurso pelos cenários rememorados. Nos tornamos de certa forma cúmplices de sua ótica, por aqueles momentos respiramos o mesmo ar que ele respira. É como se o tempo do autor estivesse sendo dividido conosco, generosamente.

Durante séculos, o livro era manuscrito, e sua hegemonia só foi interrompida por Gutenberg (que não o eliminou, é bom que se diga). O significado do texto escrito à mão mudou de lá para cá, mas sua aura permanece – o autógrafo é um eco longínquo dele. O manuscrito carrega um tempo condensado, aprisionado ao longo de suas linhas, ele se torna a materialização de uma vivência. Um texto composto em caracteres mecânicos ou eletrônicos como que apaga o .esforço da escritura, anula esse rastro do trabalho da mão deixado pela tinta da caneta.

Em nosso cotidiano profissional, quando elegemos um tipo script para um logotipo, um título de livro ou o nome de um produto em uma embalagem, sabemos a natureza de nossa operação: estamos querendo dar uma atmosfera pessoal à mensagem, reforçar a cumplicidade com o leitor, esquentar o discurso com o calor do gesto.

Ao nos defrontarmos com um livro como esse, em que o lastro de vida do qual ele está investido está ligado à maneira pela qual foi produzido graficamente, é difícil não colocarmos em dúvida alguns de nossos procedimentos cotidianos. Além de lições de arquitetura e desenho, Niemeyer nos coloca também questões de design gráfico para refletir.

sobre o autor

Chico Homem de Melo é design gráfico e professor da FAU-USP.

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