Marco da arquitetura moderna em Campo Grande, o Colégio Estadual é a única obra projetada por Oscar Niemeyer na cidade. Originalmente a escola foi projetada para ser construída na cidade de Corumbá, fronteira com a Bolívia. Mas, por determinação do Governador Fernando Correa da Costa, a obra foi edificada em Campo Grande, simultaneamente.
A primeira publicação deste edifício, com croqui da planta, fotos e dados do projeto, ocorreu no livro "Oscar Niemeyer: works in progress", de Stamo Papadaki (p.178-179), de 1956; foi posteriormente publicado no ano de 1982, no livro Oscar Niemeyer: Selbstdarstellung, Kritiken, Oeuvre, de Alexander Fils e em 1999, em Arquitetura em Campo Grande de Ângelo Marcos Arruda (org.). É uma obra pouco conhecida pela crítica da arquitetura moderna brasileira.
O lote, a implantaçao e o entorno
O lote onde o edifício foi implantado é um quarteirão de 12.000 m² de formato retangular (100,00 x 120,00m). Enquanto que o terreno em Corumbá era plano, o de Campo Grande possuía uma inclinação em torno de 4 metros, tirado do ponto mais alto, na Rua Perseverança até seu ponto mais baixo, na entrada principal pela Rua Cândido Mariano Rondon. Tal situação altimétrica contribuiu para uma implantação usando platôs de construção para cada um dos blocos que compõe o edifício educacional.
Os elementos de composição e as idéias geradoras
O projeto de Niemeyer optou por uma composição multivolumétrica, com diversas partes que, unidas por elementos de arquitetura – passarelas cobertas, circulações, pisos –, formam um todo arquitetônico.
Na composição há uma pluralidade volumétrica bem definida. Essa pluralidade pode ter sido resultado do programa. Os prismas resultam sempre de uma função que está contribuindo com a sua forma, senão vejamos:
– um prisma trapezoidal, com um dos lados paralelos de forma levemente circular e caimento inclinado da cobertura, forma o auditório;
– uma abóbada de base retangular , forma o pátio coberto do recreio;
– 3 prismas retangulares, de formato inclinado na cobertura forma a guarita, o bloco de salas (este mais delgado) de aula e o bloco de apoio.
O conceito formal multivolumétrico, na maioria prismática, enfatiza as suas interdependências funcionais. Os elementos de composição, expressos através das figuras geométricas, estão justapostos e interligados por passarelas e circulações cobertas. Além da multivolumetria, a solução modular estrutural foi também, certamente, grande condicionante formal da composição.
O ângulo reto predominante na volumetria é quebrado no plano bidimensional com os balcões da secretaria e do refeitório e as placas protetoras de iluminação do auditório; no plano tridimensional, a curvatura da viga da cobertura do pátio é o mais forte dos elementos do edifício. Em toda a composição verifica-se, como regra, o princípio da planta livre, com a estrutura independente. Os elementos de vedação (paredes, caixilhos, etc) apenas dão conformação aos espaços. As figuras geométricas utilizadas na composição são, na suas maiorias, retangulares. São utilizadas formas trapezoidais na guarita e no auditório.
A natureza programática e o sistema espacial
O programa está subdividido em partes independentes e interligadas. Cada parte corresponde a um volume geométrico de acordo com a unidade programática do edifício e os espaços estão interligados de forma linear.
As funções se interligam através de passarelas cobertas ou descobertas, abertas ou semifechadas, havendo sempre uma interligação do espaço interior-exterior.
O acesso ao edifício se dá através de uma guarita coberta, de formato trapezoidal e cobertura de laje inclinada para o lado direito. O portão da guarita se abre para um passeio de 10 metros de largura, piso seco em aclive, até atingir uma área coberta que funciona como um "foyer" do auditório, mas que, na realidade, marca a entrada e é o início da cobertura da passarela que conduz ao corpo principal do edifício. Este "foyer" articula o acesso ao auditório (à direita) a ao recreio coberto (à esquerda).
O auditório possui formato trapezoidal, com a face paralela maior levemente curva, com escada de acesso pelos fundos; o recreio coberto, possui base retangular, com cobertura em laje curva abobadada. Duas das faces do pátio se abrem para um pátio e um jardim; a face sul está protegida por uma seqüência de grandes brises-soleil de concreto posicionados na diagonal. Este corpo composto do recreio e auditório se interliga com o bloco de salas de aula através de uma passarela coberta, em aclive, com laje apoiada em colunas de seção circular, espaçadas em módulo de 6 x 6 metros.
O bloco de salas de aula e administração, com formato retangular bastante linear – 10 x 100 metros –, possui empenas cegas em suas extremidades. Uma circulação de 3 metros de largura, fechada na parte sul por uma parede de tijolos intercalados (como cobogós), comunica as salas de aula e os demais compartimentos do bloco e do edifício. Neste bloco há um zoneamento das funções: na parte leste, o setor administrativo – salas de professores, diretoria, reunião, sanitários, secretaria e depósito; as salas de aula, posicionadas para o oeste, em número de nove, possuem formato retangular quase quadrado, de 8 x 7 metros.
O bloco de salas de aula e administração se comunica com o bloco de apoio através de uma laje inclinada bi-apoiada, sem fechamentos laterais, por onde se tem acesso aos espaços de recreação e lazer do edifício – quadras de esporte, pátios livres, etc.
O bloco de apoio é composto de sanitários para ambos os sexos, refeitório, cozinha e depósito, além de salas especiais.
O sistema construtivo e estrutural
O sistema construtivo utilizou paredes como vedação, com predominância da alvenaria de tijolos cerâmicos rebocados e pintados. Na parede que separa a circulação das salas de aula do pátio-jardim, a solução utilizada foi uma parede de vedação de tijolo cerâmico maciço, intercalado com perfurações tipo-janela com moldura sem caixilho, possibilitando a aeração e integração interior-exterior. Esta solução foi muito usada nas obras cariocas de Lúcio Costa, Afonso Reidy, dentre outros.
O sistema estrutural utilizado é composto de pilares, vigas e lajes em concreto armado, adotado deforma diferenciado em cada um dos blocos (partes) do edifício. Todo o vigamento foi invertido deixando o fundo das lajes sempre liso, sem a presença de forro. No auditório, a laje é inclinada, impermeabilizada e depois coberta com telha de fibro-cimento de 6mm.
No recreio coberto, uma estrutura de laje impermeabilizada em arco abobadado, com vão livre de 30 metros, apoiada em duas vigas de seção retangular que se apoiam diretamente no solo. No bloco de salas de aula e de apoio, a solução estrutural adotada é em malha modulada de 1 x 1 m. formando uma grelha visível de 8 x 9 m., com pilares estruturais de seção circular, sendo que na circulação das salas, o pilar encontra-se recuado do alinhamento da parede de tijolos intercalados e em relação ao alinhamento da cobertura, deixando o fechamento externo sem marcação estrutural aparente.
As elevações
Uma característica forte e marcante deste edifício está nas suas fachadas. Elas são diferentes, ao serem vistas de todos os ângulos. A elevação sul , que é a frontal e principal, é marcada pelos elementos de arquitetura primários – a abóbada e a laje inclinada (fig.7) – usadas por Niemeyer em Pampulha, na casa de Oswald de Andrade ou por Afonso Reidy, em Pedregulho RJ, nos anos 40 –, com uma entrada central, formada pela platibanda da laje de cobertura da passarela.
Na parede frontal do auditório, ainda na elevação sul, os rasgos seqüenciais das janelas, com aberturas em vidro e panos de alvenaria de topo, dão uma dinâmica especial. Os brises-soleil marcam ainda mais essa elevação principal, pela altura e pelo assentamento inclinado que impede a visibilidade do interior do pátio coberto.
Na elevação leste, os elementos importantes são as empenas inclinadas cegas do bloco de apoio – este com uma grande abertura de caixilho – e a grande e alta parede do auditório que marca com volumetria única. As passarelas visíveis desta elevação, confirmam a continuidade visual do espaço interior-exterior, percebida desde a entrada principal (fig.8).
A elevação norte, a presença de um volume criado pela vedação exterior do bloco de apoio, contendo pequenas aberturas necessárias à complementação da iluminação do refeitório. A elevação oeste é bem similar à leste, com exceção da presença do volume em caimento da cobertura do recreio.
Já as perfurações existentes na elevação sul do bloco de salas de aula, surgem janelas sem vidros, emolduradas por tijolos.
Todas as paredes do edifício foram pintadas de branco, quando inauguradas e há até poucos anos atrás, como convinha ao movimento moderno.
ficha técnica
Projeto
Colégio Estadual Maria Constança de Barros Machado
Local
Rua Cândido Mariano Rondon 451 – Bairro Amambaí, Campo Grande MS
Arquiteto
Oscar Niemeyer Soares Filho
Ano de Elaboração do Projeto
1952
Construção
Construtora Comércio – Engenheiros Hélio Baís Martins e José Garcia Netto
Estrutura
Engenheiro J. Alvariz
sobre o autor
Ângelo Marcos Arruda é arquiteto, professor e pesquisador da Uniderp. Campo Grande-MS.