No dia 8 de novembro passado, o jornal O Estado de São Paulo publicou no caderno "Cidades" a matéria "Estação São Bento ganhará centro comercial", assinada por Marisa Folgato. Dando o primeiro passo concreto na busca de rendimentos extras, o Metrô de São Paulo acertou uma concessão de 15 anos com uma empresa privada da área construída acima da estação e que passará por uma reforma para abrigar um pequeno centro comercial e uma grande praça de alimentação, que se abrirá para o Vale do Anhangabaú com a construção de um enorme deck. O consórcio Boulevard São Bento, ganhador da concorrência, investirá de início cerca de R$ 700 mil na adequação da área às novas atividades de comércio e lazer.
A iniciativa vem de encontro a diversas experimentações acadêmicas que vem sendo desenvolvidas nos últimos anos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade de Campinas por equipes formadas por alunos quintoanistas e alguns professores. Tal grupo de TGI – Trabalho de Graduação Interdisciplinar – sempre funciona às quartas-feiras e já estudou e propôs intervenções em áreas contíguas às estações "Largo da Batata" da linha 4, ainda não construída, em 1995; "Brigadeiro", "Trianon-Masp" e "Consolação" na avenida Paulista em 1996; "Sumaré" no cruzamento do espigão da Paulista com o corte da avenida Sumaré em 1997; "Barra Funda" junto ao Memorial da América Latina em 1998; "D. Pedro" no meio do Parque Don Pedro II em 1999; e, finalmente, "Marechal Deodoro" e "Santa Cecília" junto ao Minhocão, neste ano de 2000. Ao longo destes anos todos sempre houve a preocupação em integrar urbanisticamente as estações ao entorno, prevendo novos usos para acessos e mezaninos, permitindo que o usuário do metrô tivesse possibilidade de contato imediato à diversos tipos de ofertas urbanas nas mais diversas áreas de atividade – cultura, serviço, comércio, lazer...
O que permeia tal preocupação acadêmica ao longo destes anos todos é a convicção que o principal fator de uma possível melhoria da qualidade de vida de uma megalópole como São Paulo passa pela equação do problema do translado de seus habitantes. A quantidade absurda e irracional de horas humanas desperdiçadas em congestionamentos monstruosos, o desgaste emocional recorrente e acumulativo que incide no microcosmo familiar, desgastando os relacionamentos e agravando as situações tensas preexistentes, as toneladas de gases que se acumulam na atmosfera gerando uma gravíssima incidência de doenças respiratórias na população, principalmente entre as crianças, a degradação arquitetônico-urbanística de quilômetros de avenidas e arredores, o custo econômico altíssimo da queima indiscriminada de combustível fóssil que inevitavelmente vai ser rateado pela população. Além desse problemas facilmente detectáveis, um sem número de outros, decorrentes da falta de infra-estrutura de transporte coletivo minimamente adequada aos milhões de habitantes.
Além da ampliação quantitativa de linhas e quilômetros extras nas já existentes, a política metroviária deveria dar conta – segundo o pensamento do grupo de trabalho universitário – de uma relação mais adequada do equipamento urbano com a cidade, principalmente suas estações, já que são os pontos de conexão entre os dois mundos. Tal como o flaneur de Baudelaire espelhava a nova realidade do anonimato nas novas metrópoles, o homem transitando por dutos subterrâneos é o símbolo da megalópole complexa e articulada, onde os fluxos de coisas e de gentes é seu sangue vital.
Metrô de São Paulo, 23 de outubro "2° Bienal Iberoamericana de Arquitetura e Engenharia Civil"
Numa segunda-feira aconteceu no Colegio de Caminos, Canales y Puertos a entrega dos prêmios outorgados pela organização da bienal às obras de engenharia – as de arquitetura foram premiadas na cidade do México algumas semanas antes – com o seguinte resultado: primeiro prêmio para Ponte Vasco de Gama sobre o rio Tajo em Lisboa, Portugal (GATELL Gavinetada Travessia do Tejo em Lisboa y LUSOPONTE, Concessionária para o Travessia do Tejo, SA); um acesso ao Metrô de São Paulo pela ampliação da linha norte-sul, extensão norte: Santana-Tucuruvi, Brasil (THEMAG Engenharia Ltda., MAUBERTEG, Engenharia Projetos Ltda. e FIGUEIREDO FERRAZ, Consultora e Engenharia de Projetos Ltda); e finalmente, outro acesso à Ponte Euskalduna em Bilbao, Espanha, obra de Carlos Fernández Casado. O tramo norte premiado do metrô de São Paulo, que vai de Santana a Tucuruvi, objeto de uma ampliação de 3,5 km, compreende as novas estações Jardim São Paulo, Paulicéia e Tucuruvi que, por sua vez, ampliam a área de estacionamento de trens. A primeira das estações enumeradas tem um caráter menos telúrico e mais líquido no acesso dos jardins a diferentes níveis, criando lugares ventilados e luminosos, porque a estação está situada no fundo de um vale e as plataformas de embarque alcançam uma cota de 10 metros abaixo da terra. Foi necessário, portanto, canalizar as águas pluviais e a contenção se realizou através de um espetacular tubo de concreto armado pretendido que, como um canal elevado, cruza transversalmente a estação. Determinados pontos organizam a cidade em torno deles, empreendem decisões técnicas que satisfazem uma estrutura, uma instalação humana em sua mais ampla concepção, sem reduzir sua ação apenas aos desenhos virtuosos de guichês, corrimões e outros objetos industrializados do mercado. A lógica das estações é também a lógica da superfície e projetam uma idéia na horizontal e na vertical. Uma detalhada análise da imagem dos sistemas de metrô, ou dos sistemas de trânsito em geral, pode chegar a ser útil e fascinante porque começar a descrever algumas estações é praticamente narrar algumas partes da cidade; ambas as histórias são inseparáveis. [CJ]
Metrô de Madri, a semana de 23 a 29 de outubro "Metrocinemad"
Rostos que não enxergam outra coisa que seu reflexo veloz no vidro, a corrida desesperada até chocar com as portas fechadas do último trem da noite, a angustia de andar desorientado seguindo as vias abandonadas de um caminho traçado para o trânsito dos vagões: estas são algumas das imagens rodadas no metrô, cenário onde os três amigos e companheiros de escola, Rai, Javi y Manu, passam as horas no filme "Barrio" – projetada no Festival Rio 99 – do diretor Fernando León de Aranoa. Estes fotogramas de curtas ou de longa-metragens magicamente se transformam em vagões de um trem dentro da montagem fotográfica do folheto informativo do cine estúdio Círculo de Bellas Artes que anuncia o slogan publicitário da cidade de Madri: "o cinema também viaja no Metrô". Tanto um como outro trasladam situações, porque o metrô também viaja no cinema e é ocupado pelos protagonistas que dentro de seus vagões, de suas plataformas, de seus túneis constróem habitações, locais onde acontecem histórias. O metrô de Madri é cenário também da película do cineasta Fernando Trueba, «Ópera prima» (1980), nome da estação onde Matías e sua prima, protagonistas da história, se encontram pela primeira vez e é o motivo de uma seqüência de acontecimentos que ocorrem ao redor da entrada do metrô. Outra projeção intitulada «La noche de los bastones blancos» (1979) de Javier Elorrieta relata a amizade de duas pessoas que culminará com os dois personagens dentro de um comboio do metrô que se dirige já fora de serviço a gares desertas, é um exemplo da luta por sair do vagão, da desorientação dentro dos túneis escuros e da esperada saída à luz do dia. Integram o ciclo outras nacionalidades com os títulos: «Moebius» (1996) Dir: Gustavo Mosquera, Argentina; «Mimic» (1997) Dir: Guillermo del Toro, Estados Unidos; «Metroland» (1997) Dir: Philip Saville, Alemanha; «Los amantes de Pont-Neuf» (1990) Dir: Leós Carax, França; «Próxima estação: Wonderland» (1998), Estados Unidos. Uma série de curta-metragens realizados na Espanha desde os anos setenta até hoje, que se foram projetados antes do filme principal, completaram as sessões centradas no movimento. [CJ]
Na Plaza de España foi desenhada uma estrutura translúcida como centro de exposições para a nova realidade econômica portuguesa e para assegurar a nacionalidade do acontecimento construíram duas alas paralelas com as respectivas cores da bandeira. As atividades continham o seguinte: a semana de cinema português contemporâneo, algumas apresentações de livros, vários concertos, uma feira gastronômica, cinco eventos desportivos, um novo perfil de moda, as plataformas geradoras de I+D e múltiplas exposições. Coincidindo com os outros eventos, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura foram convidados pelo Círculo de Bellas Artes para dar uma conferência no dia 26 sobre o panorama atual da arquitetura portuguesa. A cidade do Porto –capital cultural 2001– já está preparando os planos e os recintos vallados por donde está previsto o projeto do metropolitano com suas estações correspondentes, sendo que alguns destes traçados se encontram em discussão, paralisadas pelas intervenções que Álvaro Siza realizou a propósito de determinadas áreas integradas atualmente por árvores que deveriam ser desalojadas para permitir a passagem do túnel. Por sua vez, Lisboa já possui uma rede de metrô instalada e recentemente reformada como mostram os numerosos painéis expostos durante o verão no hall do aeroporto com o título «A arte no metrô» – modelo incorporado também nas propostas do metrô de São Paulo – e o slogan «Um museu na sua viagem». Através das intervenções de artistas como Keil do Amaral ou María Keil para sua primeira geração de estações até 1959 e de outras obras de artistas como Maria Helena Vieira da Silva, Júlio Pomar ou Rolando Sá Nogueira dentro da segunda geração que surgiu a partir de 1988, o metrô realiza fundamentalmente uma obra de gestão e rentabilização da empresa, criando um intercâmbio cultural entre redes metropolitanas e várias ofertas de obras de arte à cidade. Precisamente nesse ano, depois do incêndio do bairro do Chiado, surgiu numa posição estratégica uma nova estação de metrô que levava diretamente a alguns grandes armazéns e através de um túnel se ligava com outra via importante. Esta estação – "Baixa-Chiado" da linha C Caravela e da linha A Gaviota –, revestida de azulejos brancos e dourados, obra de Ângelo de Sousa, que aproveitam os modernos sistemas de iluminação indireta para repartir e disseminar a luz, incorpora fatores de bem-estar notáveis à inevitável sensação de mover-se subterraneamente e emergir justamente abaixo dos sótãos de um velho edifício. Siza, neste projeto viu que não havia nada que pudesse substituir o trabalho do tempo: "o que o tempo cria, nós não podemos projetar". Agora o tempo pertence ao metrô. [CJ]
sobre o autor
Abílio Guerra é professor da FAU PUC-Campinas, editor de Arquitextos e ex-editor da Óculum.
Cristina Jorge Camacho é arquiteta de Madri, Espanha, e fez parte do grupo de TGI 4ª feira da FAU PUC-Campinas em 1999.