Ao longo dos últimos anos tenho reparado, até por vício profissional, a deficiência que as grandes cidades têm em relação à sinalização e orientação dos diversos caminhos e descaminhos que o meio urbano propicia.
No Brasil, esta complicada questão toma dimensões que são proporcionais ao desleixo a que nossas cidades estão relegadas.
Observando o assunto com o devido cuidado, é fácil perceber, que não é o caso de simplesmente colocarmos mais elementos (placas, postes e outros) nos nossos já conturbados e poluídos espaços urbanos.
Então, que atitude tomar? O primeiro passo é definir sinalização como o instrumento que nos orienta entre pontos já identificados e/ou identificáveis. Isto quer dizer que devemos identificar e/ou entender o objeto de nossa busca e orientação.
Bem, aí é onde está o cerne da questão e da discussão.
As grandes cidades brasileiras, com São Paulo em destaque, não possuem traçado geométrico inteligível (exceções a Brasília, Belo Horizonte e Goiânia) e também, há muito vêm perdendo, escondendo, demolindo e construindo em cima de suas referências urbanas. As referências geográficas tais como morros, vales, beira-mares e beira-rios, ou já foram destruídas, ou então, as que persistem sem cuidado, em breve estarão solapadas por esgoto, terra, asfalto e anúncio.Tomemos como (mau) exemplo São Paulo – sempre ela! – e coloquemo-nos na situação de um visitante de outra cidade que procura se orientar tentando ir para um determinado bairro da área central, como por exemplo: Pinheiros, Bela Vista, Cambuci ou outro qualquer. Este indivíduo, sem conhecer, ou sem um mapa à mão, dificilmente localizará o bairro de “Pinheiros”, o qual não possui pinheiros em suas principais vias, ou o que se chama “Bela Vista”, que não tem um mirante, belvedere, ou sequer uma bela vista.
O que depreendemos, é que os bairros e seus nomes perderam em boa parte seu significado. Isto é, nome não é mais o lugar.
O que restou foi a ação dos dinheiros (públicos e privados) que com suas leis, ações e seu conservadorismo mercadológico construíram esta paisagem que aqui gorjeia.
Tentando me fazer entender, no caso das leis, como as de zoneamento, que tal qual uma colcha de retalhos maluca, cria usos e densidades que condenam o cidadão ao inferno ou purgatório – Paraíso só se for o bairro! – pela visão maniqueísta e monetarista que propicia. Exemplos: áreas de média densidade cujo valor atingido pelos terrenos, inviabiliza qualquer coisa que não seja uma incorporação. Assim sendo, os bairros e as zonas homogeneizados pelo uso e controle do zoneamento, assumiram um aspecto uniforme e pasteurizado.
Diante desta situação, a única providência do Poder Público são as obras de caráter utilitário-operacional, tais como alargamento e extensão de vias, criação de corredores de transporte coletivo e canalização de córregos. Não que isto não seja importante, mas não contempla toda a importância.
Estas equações só têm um resultado, e nós sabemos que essa álgebra é simples e estarrecedora.
A não utilização do ferramental básico que o desenho urbano dispõe, acaba gerando ausência de praças, fontes – tenho particular admiração pela composição da Via delle 4 Fontane em Roma, que formam um delicado conjunto de 4 fontes nos 4 cantos do cruzamento de 2 ruas. Estátuas – adoro as equestres dos heróis mortos em combate – o cavalo empinado com as 2 patas da frente no ar –, esculturas, monumentos, geografia e topografia e, significativamente, arquitetura dentre outros, fazem parte desse vocabulário, muito falado, mas pouco usado.
Estas referências fazem com que além do deleite (existem inúmeras que não causam deleite algum), haja uma leitura dos signos da composição humana, espacia1, morfológica daquela comunidade.
Afora isto existem as cidades anônimas, onde pouco há além da praça, do coreto e dos bancos patrocinados – “Este banco é uma doação da Casa de Ferragens do Zóca” – pouco há, aparentemente!
Cidades dormitório, bairros insalubres e outros sítios quetais têm inúmeras vezes em seus recônditos (isso é quase erótico) comércios, botequins, casas, onde o gênero humano mostra suas facetas mais singulares. Sinceramente a maioria das vezes, as pessoas com algum discernimento, estão mais interessadas em conhecer forró da Dona Zuzu, provar a esfiha da Januária, a loja de miudezas do Seu Juca, o terreiro do Pai Gilmar, um jogão entre o XV de Varjão com o Robledão jogando no centro da zaga, contra o glorioso Jaguaritubense... do que conhecer os restos mortais daquilo que foi o altar – Século XIX – da Igreja da Matriz!
Alguns entendem que as visitas à autenticidades e singularidades chama-se geoturismo.
Como vemos, o problema de sinalização e orientação urbana não é somente um problema técnico de orientação, é também um problema onde o imaterial pode comparecer, como parte ou como o todo(?!) da solução.
Idéias existem muitas, mas a busca do método de atuação deve passar, necessariamente, por um olhar e uma ação democráticos, holísticos e constantes. Sem falar nos corações, mentes e vísceras.
sobre o autor
Rogerio Batagliesi é arquiteto.