Para quem faz das malas e das estradas uma forma prazerosa de conhecer o Brasil, são muitas as possibilidades. De norte a sul do país existem vestígios de nossa história marcada pela conquista territorial de inúmeros povos. Cidades e paisagens testemunham heranças, roteiros exuberantes para quem se dispuser a desbravar caminhos não convencionais, cheios de surpresas.
Sempre há o que descobrir: um novo percurso, um parque longínquo, um lugar especial anunciado boca-a-boca. E assim se descortinam roteiros de beleza, de histórias e memórias, herdadas e conquistadas. Lugares à espreita e à espera de outros viajantes que irão, com certeza, reverenciá-los e resguardá-los. Roteiros que escondem segredos de gente e paisagens, como guardiões respeitosos do tempo, do insólito e do espetacular. Viajantes seguem dicas e mapas, campos e serras, estradas e caminhos... Nunca se decepcionam na aventura de conhecer, além das construções humanas, outras arquiteturas.
Os tesouros da Serra Geral, no sul do Brasil guardam algumas das arquiteturas da natureza, recortes suspensos no ar, visíveis para os que chegam ao ponto mais alto, lá onde a terra e o céu parecem se encontrar. Pasmos, os viajantes suspendem a respiração ante aquilo que lhes é revelado: os Aparados da Serra. Do alto, nos imensos platôs, avistam-se as esculturas de rochas e, na beira dos cânions tem-se que tomar cuidado para não despencar de sopetão, num susto, de alturas de até 800 m. O vento gelado pode soprar sem aviso e ondular os campos quase dourados da vegetação nativa predominante que estão a mais de 1000m de altitude.
Para se chegar aos campos de cima da serra, onde se avistam gloriosos, os Aparados da Serra, dentro ou fora de parques nacionais, pode-se, entre outros, seguir por dois caminhos especiais a partir do estado de Santa Catarina. Ambos valem a pena, pois são únicos e singulares: a Serra do rio do Rastro ou a Serra da Rocinha.
Quem vem para o sul pelo litoral, toma o caminho de Orleans, na altura da cidade de Criciúma, em direção à sinuosa e estreita, porém asfaltada, estrada da Serra do Rio do Rastro. A cada curva fechada se tem a impressão de que a estrada não foi feita para carros.
Aliás, muitos viajantes sobem e descem por ali, a pé, admirando com calma a vista que é arrasadora. Já no planalto, chega-se a cidade de São Joaquim, sendo o inverno a melhor época para se visitar. Com sorte pode estar nevando, já que é um dos poucos lugares do Brasil onde isso acontece com alguma freqüência.
Também se pode optar por outro caminho. Segue-se mais à frente pela BR 101 e, na altura de Araranguá, entra-se à direita até o município de Turvo. Toma-se a estrada rumo aos interiores, apreciando os inúmeros pequenos vilarejos rurais, como Rodeio da Areia, Linha Contesse, Nova Vicença, até se atingir a cidade de Timbé do Sul, onde começa a subida da Serra da Rocinha.
Ao subir a serra é preciso parar, vez ou outra, para admirar a paisagem. Se o tempo estiver bom e sem neblina, a visão panorâmica é deslumbrante. Por esse caminho tortuoso, de terra e pedras, segue-se subindo, devagar, encontrando poucos carros e caminhões.
Uma parada obrigatória é o topo da serra de onde se avista, ao longe, os pequenos vilarejos e, com sorte, o mar. Já no planalto, é necessário percorrer mais alguns quilômetros para atingir a pequena cidade de São José dos Ausentes, que vive do cultivo da batata, do reflorestamento comercial e mais recentemente, do turismo rural.
Ali se inicia o Roteiro dos Campos de Cima da Serra, onde na estiagem do inverno os campos gerais dão o tom e a cor da paisagem.
De São José dos Ausentes, já no Rio Grande do Sul, sempre em estrada de terra, o viajante escolhe uma entre as pousadas rurais existentes. São sedes de antigas fazendas, transformadas em hospedagem para acolher o ainda incipiente turismo rural. Rochas vulcânicas escarpadas, nascentes e cachoeiras de águas cristalinas, capões de araucárias e mata atlântica no meio dos campos são os tesouros dos Aparados da Serra.
São geralmente os próprios donos e suas famílias que gerem as pousadas e as fazendas, recebendo os visitantes nas casas e chalés confortáveis e aconchegantes. Tudo simples, quase rústico. Uma delícia! Esse tem sido o caminho encontrado pelos proprietários de terra para preservar belezas e manter a sobrevivência da gente valente que habita e protege os Aparados.
O frio, o mosaico deslumbrante das vegetações existentes, os rios encachoeirados, a hospitalidade e as histórias regadas a um bom mate na beira do fogo - esperando a hora de saciar a fome com churrascos e iguarias como a lingüiça com pinhão - são os prazeres dos confins e alturas da serra.
Dali pode-se seguir para Cambará do Sul, cidade que congrega uma rede de pousadas e hotéis para receber os visitantes que procuram as trilhas para conhecer as cachoeiras e cânions dos dois parques nacionais próximos: o da Serra Geral e o dos Aparados da Serra, ambos com boa infra-estrutura. Neste último se encontra o mais conhecido deles – o Itaimbezinho – que em tupi guarani, quer dizer Pedra Cortada. Nos interiores, menos visitados, os moradores das fazendas/pousadas nos fazem compreender a beleza da vida e o tamanho do mundo – esse é o lugar onde estão, há gerações e tradições, longe da velocidade dos fatos e transformações de cidades e de outras paisagens.
Os Aparados da Serra testemunharam o tempo – das guerras de outrora, da organização da nação, dos “domadores da terra xucra”, dos índios e dos escravos. O viajante não tem como não se curvar à força e imponência da natureza esculpida por tempos geológicos, obra maior do que a daqueles que chegaram e idealizaram, num projeto, o novo mundo.
Dele restaram, naquelas plagas distantes, importantes resquícios: são as taipas, corredores de muros baixos de pedras sobrepostas que dividiam as propriedades dos primeiros sesmeiros nos idos dos Setecentos. Como um museu ao ar livre, as mangueiras de pedra ou mangueirões também serviram para cercar as tropas nas paradas durante o longo percurso de transpor as serras a caminho de Sorocaba. Descobrimos essas preciosidades, marcas deixadas pelos pioneiros desbravadores, que estão à espera do tombamento.
Vida campeira – como se diz no sul –, coxilhas a perder de vista e que mudam de cor a cada estação, descendentes que continuam construindo, tal como seus antepassados em pedra e madeira, seus abrigos do vento e do frio, emolduram essas extraordinárias arquiteturas da natureza que são as escarpas dos Aparados da. Serra. Conhecê-las e conhecer aqueles que as preservam são as sustentáveis formas de desenvolvimento abertas pelo turismo rural.
sobre o autor
Maria Helena Ferreira Machado, socióloga, doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela FAU/USP é professora e pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas. Atua na área de Planejamento Regional, Metropolização e Gestão Ambiental. Atualmente desenvolve pesquisa sobre as Unidades de Conservação da Região Metropolitana de Campinas e pesquisa sobre Patrimônio Rural junto à rede de universidades do Fórum UNESCO - Patrimônio e Universidade.