Percursos mágicos. Percursos por histórias e tempos que se alternam por paisagens construídas na América de todos nós. O México é fonte viva de culturas sobrepostas e admiráveis por sua força e cores. Visitar a capital e suas adjacências significa pisar solos onde a história e o futuro estão presentes, lado a lado, nas construções e obras de arte.
No extremo Norte, a duas horas do centro histórico, o sítio arqueológico da grande metrópole entre os anos 200 a.C. e 500: Teotihuacán. Erguida num vale extenso, teve sua população dissipada por volta do ano 650, quando foi atacada e tomada por outros povos locais. Resquícios de canais e de reservatórios destinados a banhos públicos de caráter cerimonial demonstram a importância dos recursos hídricos, hoje escassos nesta região árida da área metropolitana, dominada por explorações minerais e pelo artesanato em pedras, como a obsidiana. A marca secular das escavações em busca de ouro, prata e minerais está presente nas paisagens rumo ao Norte, na metrópole.
Em Teotihuacán as pirâmides do Sol e da Lua dominam a esplanada, marcada por um grande eixo que segue em direção à Praça da Lua. O diálogo que se estabelece entre as configurações da natureza, montanhas e inclinações das duas pirâmides é notável. A base da pirâmide do Sol, uma das maiores do mundo, tem dimensões similares à de Queóps, entre 220 e 235 metros de lado. No entanto, os habitantes de Teotihuacán construíram a sua em patamares, com altura total de 65 metros, enquanto a egípcia alcançou 144 metros.
A casa dos sacerdotes, dotada de murais avermelhados e desenhos geométricos, com seus pátios internos e colunatas só se compara ao templo de Quetzalcoatl (serpente emplumada), que está situado no outro extremo em relação à pirâmide da Lua. Este templo apresenta afrescos de seres mitológicos, como os murais das onças emplumadas. Pássaros, conchas e flores em cores embotadas pelo tempo saltam de murais e relevos admiráveis por sua plasticidade.
Essa cosmovisão mexicana, de culto à natureza e seus elementos, que sintetiza uma idéia pré-colombiana dos opostos complementares presente nas culturas dos primeiros povos pode ser visitada no museu e ruínas do Templo Mayor, situado no coração do centro histórico da capital mexicana, fundada como Tenochtitlán pelos astecas, sobre uma ilha no lago Texcoco, em 1325.
Em pleno coração da cidade, marcado pelo Zócalo e pela presença do Palácio Nacional, nas proximidades da grande catedral construída pelos espanhóis entre 1525 e 1813, estão sobrepostas construções coloniais e escavadas as construções astecas, como a do Templo Mayor, que se acreditava estar abaixo da Igreja e que foi descoberto em fins da década de setenta, quase por acaso, devido a obras infra-estruturais da cidade.
A partir do aparecimento da enorme pedra circular entalhada que representa a deusa Coyolxauhqui, hoje também exposta no local, aprofundaram-se os estudos e escavações, que trouxeram à tona todas as etapas sucessivas de construções do grande templo asteca, que está representado em maquetes reconstitutivas.
O Centro histórico se desenvolve num plano que facilita o percurso a pé, favorecendo a apreciação das grandes avenidas arborizadas e das arquiteturas de vários tempos, que dialogam entre si. Saindo do Zócalo e seguindo pela Avenida 5 de Mayo, em direção à Alameda Central encontramos o antigo palácio dos condes de Orizaba, construído no século XVI, chamada “Casa dos azulejos” pelos revestimentos azuis e brancos originais. Hoje é uma loja de departamentos da rede Sarborn’s, onde se compra pilhas, artigos eletroeletrônicos, bombons e também tem livraria e belo café. A restauração realizada manteve suas feições mouriscas associadas a elementos da reforma empreendida no século XVIII, os espelhos e molduras douradas do pavimento superior.
O ecletismo e as edificações monumentais se fazem presentes ao longo do percurso, que segue pela Rua Tacuba, e chegando à Alameda Central encontra o Palácio de Bellas Artes.
O parque, passeio público fundado no final do século XVI, ampliou-se no século XVIII e recebeu esculturas e monumentos neoclássicos no século XIX. De certa forma “primo” do paulistano Jardim da Luz é um jardim público bastante popular e sempre repleto de manifestações, atividades e exposições ao ar livre.
O monumental Palácio de Bellas Artes foi concebido em 1905 como Teatro Nacional pelo arquiteto italiano Adamo Boari, que uniu elementos neoclássicos de seu tempo a referências pré-colombianas em detalhes decorativos. Com a Revolução de 1910 as obras, suspensas, retornam em 1934 com outras feições, art-decó adicionadas ao interior.
Os murais revolucionários de Rufino Tamayo, David Alfaro Siqueiros, José Clemente e Diego Rivera trazem significados sociais para este espaço em seu último piso, onde aos domingos podemos ver o povo admirando as obras, como num museu.
Atravessando o parque, encontra-se o Museu Mural Diego Rivera, instalado numa pequena galeria de dois andares e jeito modernista, que cumpre o papel educativo de reconstituir a história do país com um áudio que vai aos poucos exibindo e desvendando o emblemático mural “Sonho de uma tarde de domingo na Alameda Central”, pintado em 1947.
Os interessados no muralismo mexicano podem visitar diariamente o Palácio do Governo, onde se fazem visitas monitoradas ao significativo acervo.
Ainda nas imediações da Alameda Central a surpresa ao encontro do edifício projetado por Pedro Ramirez Vazquez e Rafael Mijares em 1965. Espaço semi-público, abrindo generosamente seu pátio aos pedestres da rua, onde se unem as simbologias e referências da cultura primitiva no espelho d’água – obra de arte, adicionado recentemente.
A maestria deste arquiteto Pedro Ramirez está presente também no Museu Nacional de Antropologia, de 1964. Este conjunto, como outros equipamentos culturais da cidade, já está localizado no antigo Bosque de Chapultepec, que se alcança através de um grande eixo, que se distancia do centro histórico, o Paseo de La Reforma, ligando-o ao enorme Parque que está no setor Oeste da cidade.
Recentemente muitos investimentos privados foram realizados nesta área, onde se concentram hotéis, bancos, shoppings-centers, monumentos atuais e estratos populacionais de mais alta renda.
Chapultepec, origem da ocupação asteca no vale datada de 1116, foi um dos grandes jardins construídos pelo rei asteca Montezuma no séc. XIV, com os progressos de Tenochtitlan. Era uma grande reserva de águas limpas e caça para a cidade. Lá o rei situou seu palácio e construiu jardins descritos por admiração pelos espanhóis invasores que o derrotaram, Hernan Cortez e Bernal del Castillo. Na paisagem urbano-lacustre da época anterior aos aterros que transformaram tudo em terras, circulavam barcos, havia muitos canais, pontes e aquedutos e também muitos jardins. Este parque público de grande extensão está hoje conservado e sofrendo inúmeras restaurações e reformas.
A casa onde nasceu Frida Kahlo é outra atração, de interesse não só arquitetônico, conjugando a tradição das cores locais e as cosmovisões primitivas em singulares espaços internos e externos, ocupados por objetos e anotações que registram as memórias dos tempos em que a artista plástica conviveu com o muralista revolucionário Diego Rivera, até o fim de seus dias.
Também acessível pelo metropolitano, a UNAM, Universidade Autônoma do México, fundada em 1783, sob a nomeação “Academia de San Carlos de la Nueva” fica na porção sul da cidade, abrigando o mais antigo curso de Arquitetura e Urbanismo das Américas.
O campus atual situa-se desde 1954 numa área conhecida como Pedregal de San Angel, de paisagem marcada pela presença de rochas vulcânicas e vegetação rupestre. O Campus reúne edifícios de feição modernista, grandes murais e obras de arte expressivos do México contemporâneo, que mescla a história, as tradições, a preocupação social e as vanguardas de forma.
sobre o autor
Saide Kahtouni é arquiteta e urbanista, mestre na área de Paisagem e Ambiente e doutora na área de História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP, respectivamente em 1986, 1994 e 2003). É docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu desde 1991 e orientadora de seu mestrado Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. Esteve no México como palestrante no Encontro Regional das Américas promovido pela IFLA – International Federation of Landscape Architects (viagem com apoio FAPESP)