A vida é assim: às vezes a gente sai para fazer uma viagem maravilhosa pelas europas, passa 20 dias estressados, entrando e saindo de aeroportos, e volta ainda mais cansado do que quando saiu.
Ao contrário, tem viagens bem miudinhas, como esta para Curitiba, que pode ser feita um único dia e que é só alegria se você encontrar um jeito de contornar a encheção de saco que é se transportar até lá. De carro ainda não dá.
Na volta, dormimos em Registro, uma cidade marcada pela presença maciça da imigração japonesa, super banhada por um rio que bem podia ser bem melhor aproveitado para um programa turístico, do tipo “O Sena do Vale do Ribeira” ou “o Tâmisa que o Tâmisa sempre quis ser”.
Bastava implantar umas barcaças com bares nas beiras com um deck para que todos possam tomar sol, com mulheres fazendo top-less etc. e teríamos um evento turístico no meio do caminho...
Pois bem, saímos de Registro às 8h30 e chegamos a São Paulo em torno do meio-dia, por conta do trânsito infernal, das gambiarras que se faz naquela estrada sem fim.
Sugiro, portanto, reconstruir a ponte aérea SP-Curitiba, ao menos de sextas, sábados e domingos, para que o pessoal que está com milhas sobrando faça uma incursão assim, bate e volta.
Vamos então a Curitiba. Tirei umas fotos da exposição permanente de Frans Krajcberg e uma delas uso como página de descanso do meu computador. Agora mesmo estava admirando a obra sobre a obra – uma foto cuja felicidade está em realçar o contraste entre o branco dominante do espaço e a cor das esculturas, palidamente retratada quando não se opta pelo contraste, como a que retrata a exposição no Wikipédia.
A cidade é uma coisa meio mineira. Está certo, você fica sabendo da exposição inclusive pela Wikipédia, mas se entrar em algum curitiba.com.br.
Por exemplo, entrei no primeiro sitio que apareceu no meu Google, http://www.guiacuritiba.com.br, não só não cita, como quando fala do Jardim Botânico, onde se encontra a Exposição, nem sequer mostra uma fotografia, entre as primeiras três dúzias, ao menos.
Se bobear não se mostra em quase nada, fala apenas deste ou daquele parque, impressiona apenas com seu centro razoavelmente civilizado. Certamente, tivesse eu usado as ferramentas modernas da internet e teria aproveitado mais, pois é forçoso reconhecer a grandeza das informações que uma pesquisa bem feita pode nos trazer.
Saberia por lá o quanto os prefeitos e governadores do estado disputaram a primazia daquele que mais trouxe civilidade e cidadania a esta cidade que trouxe a idéia para o Brasil de transformar a grande cidade num lugar habitável até por aqueles que não estão dispostos a sair matando todo mundo, para garantir seu lugar ao sol.
E, no mínimo tão grave quanto, o mesmo sitio eletrônico sequer cita o Durski, a maravilha gastronômica do país, para quem curte vinho e comida da Europa Oriental ao mesmo tempo.
Você vai me dizer que ele está lá no Guia Quatro Rodas, portando no peito suas duas estrelas. Mas vá ler o texto... Ficarás sabendo da localização, da especialidade maior em comida ucraniana e que custa poucos dinheiros.
E quem sabe lá do que se trata a comida ucraniana? Será parente da de seus colonizadores poloneses, com goulash e borstch?
Eu que levo a Ucrânia no sobrenome, não tenho a menor idéia, talvez por ser meio de lá, meio da vizinha Moldávia/ Bessarabia, o que pode confundir um pouco (?!).
Começando pelo fim, antes de falar do Krajcberg, falo de Chateau Gilette (Sauterne) 1950, Chateau D’Yquem 1970, 82, 86 etc. para a sobremesa, talvez porque esteja chegando a hora do almoço.
Entre os tintos, além de 50 rótulos argentinos, encontram-se curiosidades chinesas, bolivianas, suíças e uruguaias, pousando com a mesma importância dos vinhos de países de maior prestígio, apresentados corretamente em suas regiões de origem, com alternativas para todas elas, na Itália e na França, na Espanha ou Portugal.
Entre os brancos menos fartura, mas igual apuro, com estrelas como Haut Brion, Graves 1989, Chassagne Montrachet, Mersault, Poully Fuissé etcaetra e tal. Álamos, Miolo, Pinot Grigio Montresor e outros tantos para os comuns dos mortais. Poucos restaurantes, além dos sabidos Fasano, Figueira e Fogo de Chão, podem se comparar.
A comida, o atendimento, o preço e a boa decoração fazem do Durski um local para se conhecer, tanto quanto a Exposição permanente do Krajcberg, que é permanente até o dia que tirarem ela de lá! Freqüentei até fechar restaurantes com gastronomia da região, como o Hungária, o Transilvânia, e um outro super simples, que ficava na Rego Freitas, quase na esquina do Largo do Arouche, cuja dona de meia idade, sentava-se à porta vestida como uma cigana, Fellini pura. Nada destes restaurantes, muito bons, se compararia. Os ensopados de carne, as massas, os assados, as composições dos pratos, tudo com muito esmero e bom gosto.
Com pretensões de alcançar uma terceira estrela, conforme nos declara explicitamente o sócio Ronaldo Bohnenstengel – que acaba de ingressar na sociedade por sua experiência em restaurantes admirados pela elite gastronômica do país – ele é surpreendentemente acessível e descontraído. Nem a rolha do vinho que levamos debaixo do braço eles cobraram!
Quanto à exposição do Krajcberg, ela fica dentro do Jardim Botânico e não está com nada, ao menos para quem fez a sinalização interna do Jardim, que praticamente não a considera. Ela não está em nenhum lugar, passa batido pelos folhetos mil, que te dão no balcão do hotel ou do Centro de Turismo. Ela está desde 2004 e se insere num projeto único da Fundação que leva seu nome, com três sedes, sendo as outras duas na França e na Bahia, onde está a sua famosa Casa na Árvore.
Seria compreensível em outras capitais, onde o nível cultura e urbanidade estão abaixo de Curitiba. Mas lá não dá para entender. É só vendo para crer. Evidentemente não vou ficar falando sobre o autor, um polonês que – graças aos céus – veio destilar seu mau humor com a civilização aqui entre nós e fincou pé, porque nosso governo e nossa educação “gentil” é e infelizmente sempre será um prato cheio para quem tem esperanças no ser humano.
E para que não precise completar o tempo com conversa, sugiro uma passagem pela bonita loja + restaurante Vino na hora do almoço, que é bom e conhecido por aqui e que pode ser acompanhado de um vinho a preço de importadora, sem qualquer acréscimo. É a loja de vinhos mais bem organizadinha que conheço, tem três endereços na cidade, um em Londrina e outro em São Paulo.
O que conheci é a do Batel, no finzinho da Rua Comendador Araújo, que fica sob a batuta de uma enóloga de bons predicados, amiga e colega de turma do prestigiado Orgalindo Bettù, o diretor técnico do império Vale Francioni, que fica em São Joaquim produzindo seu exército de vinhos bem feitos, que você nem acredita que possam ser brasileiros.
Almoce lá, passe a tarde fazendo a digestão no Krajcberg, e vá para o centro cívico jantar no Durki. Jante pantagruelicamente, vá para o hotel dormir e volte para São Paulo, curtir o nosso trânsito e nossa poluição infernais, porque afinal ninguém é de ferro.
sobre o autor
Breno Raigorodsky, graduado em filosofia, é publicitário e gourmet.Escreve regularmente sobre vinhos e comida.