Land Art às avessas. Modo de operar antropológico. Artista, andarilha, turista. Crônica, documentário, obra. Fotografia. Para se compreender a série Objeto capturado – New York as possibilidades de abordagem são várias.
É da natureza da obra de arte ser multifacetada, mas aqui, o que mais intriga é a alternância de modos de operar da artista. Esses modos de operar, que são, é claro, próprias da personalidade da Renata Soldato, se manifestam na obra em dissonâncias que a aprofundam e enriquecem.
Todas as imagens fotográficas da série mostram recortes da paisagem nova-iorquina pontuadas por caixas d’água, o tal "objeto capturado". As caixas são interessantes do ponto de vista plástico e a presença delas imersas na paisagem urbana faz pensar nas interferências que os artistas da Land Art operam na natureza e, depois deles, nos artistas que criam para site specifics. A Renata "coloca" as caixas d’água no enquadramento das fotografias que tira de New York e comenta dessa maneira o entorno, alterando a percepção que temos da cidade.
Estabeleço relações entre a vocação capitalista do site (aqui entendido como espaço físico) com a permanência silenciosa daquele objeto atemporal e desprendido... (caixas d’água de madeira que, em caso de incêndio, se desmancham para derramar sobre o prédio o seu conteúdo salvador). Ou entre o burburinho a rés do chão com o movimento ascendente do objeto que aponta o céu. Ou, tentando ser menos simbólica, entre as formas cambiantes dos prédios e essa outra que instaura uma cadência ao todo.
Conversando com ela me vem outra imagem, ela se descreve caminhando sozinha pelas ruas e andando de trem à espreita daquele objeto de formato tão peculiar. Ocorre a mim que a artista aqui tem um tanto de antropólogo e procura, através da observação de um elemento específico e entretecido à malha urbana, conhecer a cidade e o nova-iorquino que a habita. Ou mesmo a história da cidade, já que essas caixas são "de época". Pela parte entender o todo. Então pergunto, por quê as caixas d’água? A resposta enfatiza ainda a outra via pelo qual é possível acessar seu trabalho e lança luz sobre a face cronista da Renata Soldato.
As caixas parecem foguetes de antigos filmes B de ficção científica. Enquanto me volto mais uma vez para as fotografias mentalmente desenvolvo uma narrativa, imagino a cidade pós-terrorismo mantendo antigos foguetes de madeira em suas bases prontos para serem lançados para o espaço.
Pensando no contexto da produção plástica da Renata encontro um denominador comum entre as suas cerâmicas, os desenhos espaciais feito em arame, as charges para jornais, as pinturas e as fotografias: em toda sua produção encontro o comentário sutil que ironiza a vida levada a sério e a aproxima do absurdo. E essa constatação vai dar sentido pleno à prática que resultou nas imagens dessa exposição.
São frutos de um olhar que privilegia o comentário e aponta insistentemente para a tremenda fragilidade das nossas convicções.
[Patrícia Furlong, curadora]
sobre a autora
Renata Soldato nasceu no Rio de Janeiro e em 1977 foi morar dois anos nos EUA, onde estudou fotografia. Morou também em Moscou em dois períodos: na era Breznev e depois na era Gorbachev quando juntou grande acervo fotográfico. Mudou-se para Londres em 1981 voltando um ano depois para o Brasil, São Paulo, onde terminou a faculdade de Artes Plásticas. Atualmente trabalha em seu ateliê, no bairro de Pinheiros.