Como você se voltou para o jornalismo turístico?
Tive um percurso inverso ao de muitos jornalistas. Depois de iniciar minha carreira na área de comunicação corporativa, onde passei bons anos editando publicações empresariais, tive a oportunidade de trabalhar na Ícaro, revista de bordo da Varig. Isso aconteceu em 1995 e desde então não parei mais de atuar nesse segmento. Sem dúvida, a Ícaro foi a minha escola, não só do ponto de vista do jornalismo de viagem, mas também na edição de revistas, graças sobretudo ao talento e generosidade de seu editor-chefe, Carlos Moraes. Mas também devo lembrar que já tinha incubado o vírus que ataca o jornalista-viajante. Ele só esperava a hora certa de se manifestar.
A Internet mudou muito o setor de turismo?
Sem dúvida, mudou e facilitou muito o planejamento e a aquisição de uma viagem. Imagine que hoje mais de 30 milhões de brasileiros têm acesso à Internet – em 2000, eram cerca de 2 milhões. Esse movimento faz com que a cadeia dos negócios de turismo se reorganize e pense em novas estratégias para o atendimento dos clientes.
O turismo já esta sendo encarado como merece, no Brasil?
O turismo considerado como força econômica e motor de desenvolvimento, gerador de oportunidades de crescimento e de inclusão social, é enfoque recente no Brasil.
Basta lembrar que foi só no governo Lula que a atividade deixou de ser apêndice da indústria e do comércio e ganhou representação de fato junto ao governo com a criação de um ministério próprio, políticas e planos específicos e dotação orçamentária. Nesses últimos seis, sete anos, muito foi feito, especialmente para que a atividade passasse ser articulada com outros movimentos e atores e ganhasse qualidade e escala.
Mas é evidente que ainda falta muito para atingirmos o patamar de países que descobriram nesse segmento uma alternativa de valorização nacional em diversos aspectos. Para citar dois exemplos fora do circuito tradicional, Costa Rica e África do Sul.
O que falta para a profissionalização do setor do ponto vista da qualidade da prestação dos serviços?
É preciso apostar com mais ênfase na formação de mão de obra qualificada fora do eixo turístico tradicional – São Paulo, Rio, alguns pontos do Nordeste.
Simpatia, acolhimento, bom humor temos de sobra e com isso encanta-se o turista. Mas é preciso um pouco mais de agilidade e algum conhecimento específico para que o turista, especialmente o viajante freqüente, possa se considerar bem atendido.
No entanto, temos algumas instituições, como o Sebrae e o Instituto de Hospitalidade, cujo trabalho permanente de formação de pessoal e de planejamento e desenvolvimento de negócios vale a pena ser acompanhado.
Como vai a profissionalização do jornalismo turístico?
O crescimento e a importância das atividades do setor, inclusive do ponto de vista econômico, vem estimulando a cobertura do turismo pelos veículos tradicionais e de grande circulação. O assunto ganhou presença do ponto de vista jornalístico, mas ainda restrita à divulgação de números e resultados de desempenho. Ficam faltando análises e coberturas mais amplas, mesmo porque o segmento tem conectividade com dezenas de outros setores e atividades, da alimentação e transporte ao comércio. Do ponto de vista das publicações especializadas, elas ganharam novos leitores – graças também ao aumento do poder aquisitivo da população, que criou espaço para o item viagem no orçamento familiar – e acompanham os movimentos do mercado. Atualmente, com o dólar mais acessível, é grande o interesse por viagens internacionais. Basta ver nas bancas as capas das principais publicações e a disponibilidade de guias de viagens para destinos internacionais. E boa parte das matérias oferecem boas informações e dicas de serviço, principalmente para um público que não viaja com freqüência.
Dos lugares que o trabalho com turismo a levou quais forma os mais incríveis?
Foram muitos, mas tenho muito prazer em recordar duas viagens em especial, realizadas no final dos anos 1990. Uma ao Vietnã, sonho antigo que misturava o cenário de filmes como Indochina e a curiosidade pela reconstrução de um país valente que começava a se abrir para o turismo.
As surpresas foram muitas: da gentileza com que eu e a fotógrafa Iara Venanzi éramos tratadas o tempo todo, à emoção de belíssimas paisagens, como na baía de Ha Long, passando pelo fato de verificar nas livrarias a popularidade de manuais para o aprendizado do inglês.
Na visita à África do Sul, realizada um ano após a posse do presidente Nelson Mandela, a energia e a esperança eram tão fortes que davam ao país e suas muitas atrações um clima especial. Acho que até os animais do Kruger Park sentiam isso (risos).
O que alguém que viaja pelo mundo inteiro faz quando está de férias?
Gosto mesmo é de viajar. De preferência com alguém que se incumba de pensar no roteiro. Quero ir de acompanhante, sem grandes preocupações, para viver experiências sob outro ponto de vista. Minhas duas últimas viagens mais relaxadas foram para o sul do Chile e para Montreal, no Canadá, com meu filho e minha nora. Ele é muito bom de roteiro e de planejamento, sem rigidez. Nos três temos gostos em comum e nos divertimos muito, até com eventuais imprevistos.
Por exemplo, no Chile, durante a travessia do lago Esmeralda, rumo a Bariloche, a chuva e a névoa eram tão pesadas que praticamente escondiam a paisagem. Mas nos divertimos com as paradas e os desembarques imaginando que fazíamos parte de um grupo de refugiados em busca de um porto seguro. Enfim, acho que a imaginação e o humor são essenciais na bagagem do viajante.
E as maiores roubadas, que podem ser ditas?
Difícil dizer. É claro que já passei por algumas. Mas acho que são coisas muito mais circunstanciais – um hotel que não deu certo; uma taxa cobrada a mais; ou uma refeição mal sucedida; – do que características de determinado destino. No universo geral das viagens, roubada mesmo é o tempo gasto nos aeroportos e certos inconvenientes das viagens aéreas. Mas disso ninguém escapa.
O que seduz mais o viajante: arquitetura, paisagem natural, praia & sol, exotismo ou história?
Vai depender do que o turista potencial tem em mente como seu ideal de viagem naquele momento. Mas, no meu ponto de vista, toda viagem encerra descobertas e é esse desejo de saber um pouco mais do mundo e das pessoas que o habitam, de nos surpreendermos com alguma coisa que nos leva ao movimento da viagem. Um movimento que pode ter início nas páginas de um guia, na internet, ou lendo uma reportagem.
sobre o entrevistado
Liana Amaral é editora da revista Host desde sua criação, em 2004. Foi editora adjunta da revista Ícaro, publicação de bordo da Varig (1993-1996) e editora-chefe da revista Viaje Bem (1997-1999) e editora assistente de Viagem do caderno Fim de Semana da Gazeta Mercantil (2000-2001). Autora do livro Panorama Cultural Brasileiro – Região Sul, para a Editora Terceiro Nome (2002). Em 2005, recebeu a medalha de Ouro do Ministério do Turismo da França, em reconhecimento pelo trabalho de divulgação jornalística do turismo francês