Meu interesse pela expressão fotográfica data dos tempos de colégio, mas foi na faculdade, em São José dos Campos, que tive a oportunidade efetiva de desenvolvê-la.
A proposta pedagógica, ao transformar a estrutura convencional da FAU-SJC em Instituto de Projeto e Comunicação – IPC, onde se desenvolveria a produção integrada de projetos em diversas áreas da criação foi determinante para minha formação.
Tornou-se também uma referência fundamental para a compreensão da atuação profissional e da diversificação de atividades ao longo de toda a minha carreira, assim como a de muitos outros colegas que partilharam desta experiência. Nosso primeiro trabalho curricular envolvia todas as disciplinas e as direcionavam a área de urbanismo.
A apresentação final, através de montagem áudio-visual significava, especialmente para mim, a ocasião de refinar a percepção da linguagem fotográfica, objeto e expressão estética, meio e fim, ferramenta e obra de criação. Além de adquirir grande domínio técnico e artístico, revelávamos o processo dos trabalhos, exposto à crítica de mestres e colegas. Era praticamente impossível não crescer em tal ambiente.
Assim, tenho na fotografia, ora como expressão autônoma, ora como apoio a outras atividades, uma espécie de companheira com quem convivo ao longo de quase toda a minha existência. Nas experiências vividas no exterior, num momento em que pensar segundo a estrutura de línguas estrangeiras ainda consistia grave limitação, agradecia sempre às possibilidades da expressão fotográfica e sua ajuda no encaminhamento e conclusão de meus estudos. Foi contudo, durante os anos passados no Recife que tive a oportunidade de agregar novas posturas ao meu trabalho fotográfico, novas maneiras no tratamento dessa expressão.
Em meados dos anos oitenta eu vivia no bairro da Boa Vista, nas proximidades da FIDEM, a agência de planejamento metropolitano local, onde trabalhava. Para interagir melhor com a cidade que me recebia passei a fazer-me acompanhar de minha câmera fotográfica em pequenas caminhadas pelos bairros centrais.
Começava logo com as primeiras luzes da manhã, antes de assumir meus compromissos, hora em que compreendi a razão de se chamar àquela via pública de Rua da Aurora.
Depois, vinha o horário do almoço, gulosamente saboreado com novas imagens captadas no centro da cidade ensolarada. À noite voltava àqueles percursos, então tomados por novos personagens.
Era meu modo de apoderar-me de momentos e espaços ainda incógnitos. Se coube à fotografia, em seus primórdios, o poder de expandir as primeiras fronteiras do mundo visível, cabia-lhe também a criação da mais rápida técnica de anotação, de apropriação de imagens fugidias, um outro mundo, quase invisível, roubado das ruas do Recife – mirrors and windows como perguntou John Szarkowski. Não tardou para que tivesse em mãos minha crônica visual da cidade em seus momentos de folga do trabalho formal.
Além do mais, pela primeira vez eu assumia o projeto de um trabalho fotográfico a cores, sobre papel, revelado no pequeno laboratório de Sebastião, bem ali no beco dos fotógrafos como era conhecida a galeria que une a Avenida Conde da Boa Vista com a Praça Machado de Assis.
A luz intensa dos trópicos, com sombras escuras em contrastes caravaggianos, somadas aos reflexos das noites úmidas havia me arrebatado.
Através dessas fotos conheci Manoel Novaes, repórter fotográfico da sucursal no Recife da revista Veja, e que se tornaria meu grande amigo naquela cidade.
Com férias agendadas, Maneco convidou-me a substituí-lo e, coincidentemente, eu também entraria em férias na FIDEM. De um mês como fotógrafo substituto na revista para dois anos como free-lancer para as demais publicações do grupo Abril, foi apenas um passo.
Fotografava nos fins de semana, à noite, feriados, enfim, sempre que possível. Trabalhei muito em um nordeste que até então desconhecia. Cobria os territórios de Alagoas até o Rio Grande do Norte. Litoral, Zona da Mata, Agreste e Sertão.
Ampliei meu conhecimento técnico, aprendi o uso de iluminação artificial e, principalmente, perdi a inibição que caracterizava minha produção fotográfica.
Até então, minhas imagens eram excessivamente formais, marcadas pela composição, a organização do espaço, requintes de luz e sombra, sensações volumétricas, porém, tomadas à distância, qualidades que eu classificava como fotografias de arquitetos.
As necessidades do foto-jornalista são outras. Como tais, temos que mostrar fatos e personagens, nem sempre sob as melhores condições de luz e, muitas vezes, pessoas que não têm a menor disposição de colaborar com o fotógrafo. Este, por sua vez, tem a obrigação profissional de trazer a imagem na volta à redação. Não se admite falha nem hesitação.
Se minha formação de arquiteto conferia-me destreza em analisar o ambiente, sua geometria, as fontes de luz, a refletância, a cena a ser montada e saber me posicionar no melhor ponto de vista, agora, como repórter, precisava aprender a dirigir (no sentido teatral) personagens e posicioná-las em cena, somar pessoas à geometria, a postura do arquiteto à do jornalista.
Era um momento especial também para a própria cidade, pouco antes das transformações que mudariam definitivamente as faces de seu núcleo histórico. Naquelas imagens ainda se jogava bilhar nas tardes sonolentas, as barracas de comida – e bebida – barata se inseriam na paisagem rude que repelia o turismo convencional aos morros de Olinda e as praias do sul. O Bairro do Recife era dos recifenses.
Esta antiga série foi meu rito de passagem do amador ao profissional, do fotógrafo amarrado a temas e construções ao outro, livre para tantas interações – com pessoas, climas, ambientes e espaços – quanto, mais tarde, pude usufruir. Dava-me conta enfim, da percepção ingênua de minha mente jovem a imaginar conflitos entre duas posturas que agora se revelavam unidas e complementares, fases de uma formação que se tornava profissional e necessariamente multidisciplinar.
sobre o autor
Pedro Ribeiro Moreira Neto é arquiteto (1974); mestre em Analyse Régionale et Aménagement de l’Espace (1980), doutor em Géographie Humaine et Organisation de l'Espace (1982) e História Social (USP-2002) com Fotografia e Histórias de Vida: Famílias caipiras do Alto Vale do Paraíba. Publicou o livro Maracatu de Baque Solto (1998) com a antropóloga Maria Lucia Montes e inúmeros trabalhos em livros e revistas. Atualmente é produtor cultural e consultor de urbanismo, planejamento urbano e regional