O futebol é um espetáculo que segue sempre o mesmo ritual, com 90 minutos e 22 pessoas correndo atrás de uma bola, mas que muda muito em função de onde é jogado, por quais equipes e em quais circunstâncias. O espetáculo do futebol, de ir a um jogo de futebol, é cheio de detalhes que vão muito além dos 90 minutos de bola rolando.
São coisas simples como encontrar os amigos cheios de expectativa para ir a uma partida, avistar o estádio de longe durante o deslocamento até ele, comer um sanduíche de pernil antes de subir para a arquibancada, observar as torcidas (cantando, protestando ou calando), ter um “mala” ao seu lado que grita absurdos inacreditáveis e por aí vai. É muito comum arrepiar-se assistindo ao seu time jogar.
O fato é que quem gosta de futebol, gosta mesmo é de colecionar experiências futebolísticas. Sejam experiências ligadas ao time do coração, seja revendo partidas do passado e gols inesquecíveis ou mesmo conhecendo novos estádios, onde quer que eles estejam e independente das equipes que se confrontem.
Nessa vontade de acompanhar o espetáculo de perto, acabei indo em alguns estádios pelo Estado de São Paulo seguindo o meu time, o Tri-campeão mundial São Paulo Futebol Clube, e em outros pelo gosto de ver uma partida em um lugar diferente durante minhas andanças.
Aí foram duas idas ao Maracanã, uma num triste amistoso entre Brasil e Argentina vencido pelos hermanos e outra num jogo do Flamengo pela Libertadores, e duas idas ao Camp Nou para ver o Barcelona (de Ronaldinho Gaúcho no auge) num período em que vivi na capital catalã.
Mas a experiência maior ocorreu naquele período que é o ápice do calendário futebolístico mundial, a Copa do Mundo. Em fevereiro de 1998, meu pai me perguntou, hipoteticamente, se eu pudesse ver a um jogo do Brasil na Copa da França, qual seria este jogo: o da abertura ou o da final? Eu andava meio descrente com a seleção, então respondi a ele que preferia ver ao jogo de abertura, pois tinha minhas dúvidas se o Brasil chegaria à final.
O resultado desta enquete informal, é que alguns dias depois desta pergunta, num domingo em que acordei meio ressacado, encontro uma cartinha sob a porta do meu quarto. Resumindo em poucas palavras, era um convite para ir comemorar os meus 18 anos assistindo ao jogo de abertura da Copa, entre Brasil e Escócia, com meu pai, que não perderia a oportunidade de me levar!
Chegamos em Paris 2 dias antes do jogo. No dia anterior à partida fomos retirar nossos ingressos e vimos que o negócio não ia ser fácil. Tinha muita gente batalhando os mesmos ingressos, já comprados com antecedência. Ficamos uma tarde inteira na sede de uma agência de turismo aonde os ingressos seriam entregues.
Voltamos para o hotel sem os ingressos na mão, mas com uma promessa de que eles seriam entregues no hotel ainda naquele dia.
Lá pelas 2 horas da madrugada tocam no quarto do hotel dizendo que havia uma moto esperando por nós. Descemos meio dormidos e meio mal humorados e finalmente tivemos os ingressos em mãos.
Fomos olhar para os tais ingressos com maior atenção somente no dia seguinte, quando vimos que os números dos 2 ingressos que tínhamos em mãos não eram seqüenciais... ou seja, com estes ingressos não iríamos nos sentar juntos no Stade de France...
Já era o dia do jogo, que aconteceria no final da tarde. Tentamos ligar na tal agência aonde estivéramos para retirar os ingressos na véspera e nada. Já não atendiam mais o telefone. Pensando no caos que estava lá na véspera, entendemos que muita gente certamente havia ficado sem os ingressos já reservados e pagos desde o Brasil. Nos julgamos até um pouco sortudos, mas resolvemos ir pro estádio mais cedo para chegar com calma e na melhor das hipóteses trocar os ingressos.
Começamos a rumar para o estádio, iniciando nossa jornada com uma passagem pela Avenida Champs Elysées, aonde haviam dito que seria a concentração da torcida verde e amarela. De fato a avenida estava um caos! Era roda de samba, roda de capoeira, gente bebendo nos bares e na rua, cantorias, hinos. Muito bom para já ir ganhando mais ânimo e confiança para o jogo. Andamos um pouco por ali e começamos a nos dirigir ao metrô para ir ao estádio. Nos túneis do metrô, começamos a ouvir uns gritos entoados de forma um pouco diferente aos que estamos acostumados, como brasileiros, depois o som inconfundível das gaitas de foles.
Quando vimos havia uma horda de escoceses caminhando em sentido contrário ao nosso. Bateu um medo! Pensamos logo na imagem de hooligans destruindo tudo e abusando da violência gratuita. Aconteceu justamente o oposto, quando nos vimos cercados pelos habitantes do norte da ilha, sentimos que eles estavam a fim mesmo era de festa. Nos cercaram, fizeram chegar até o centro daquela roda improvisada num corredor de metrô alguns packs de cerveja e propuseram um grande brinde com a cerveja em temperatura ambiente (verão europeu...).
Bebemos felizes e o mote do brinde foi, politicamente, que vença o melhor! No caso, claramente, o Brasil. Mas eles iriam festejar e fazer barulho até o fim. Seguimos nosso caminho e chegamos ao monumental, lindo e absolutamente estético Stade de France. Foi lindo vê-lo de longe, sacar suas formas e dimensões e iniciar uma aproximação variando cada vez mais o grau de inclinação da cabeça conforme aquele estádio ia crescendo em nossas vistas.
Neste curto trajeto comemos um cachorro quente (chien chou!) e já começou a abordagem por brasileiros. Alguns festejando, mas a maioria querendo garantir um ingresso de ultimíssima hora! Um chegou e já disse na lata: me ferrei, comprei ingresso falso e não perco este jogo por nada. Pago 1000 dólares em cada ingresso de vocês! Na fase pré-euro esta proposta foi agressiva. Meu pai ainda me disse: “você que sabe!” Eu falei: “vamos pro jogo!” Como esta proposta, ainda recebemos algumas outras, mas não estávamos abertos a elas! Nosso objetivo era entrar e começar a curtir a festa, se possível, sentados lado a lado.
Entramos, não havia meios de trocar os ingressos e nos sentamos em lados exatamente opostos do campo. Nessa altura já era lucro. Mesmo sem ter com quem comentar tudo o que se passaria ali diante de nossos olhos, estávamos felizes!
Houve uma grande festa de abertura. Bandeiras de todos dos países e um espetáculo, coreográfico-circense-performático bem bonito.
Vimos com atenção, mas o que esperávamos mesmo era a nossa seleção surgir no túnel de acesso ao campo. Não tardou muito! E aí começou a festa!
O Brasil abriu o placar logo aos 4 minutos de jogo com um gol de César Sampaio e começou a desenvolver aquele estilo de jogo meio truncado do Zagallo, sem convencer muito. A esta altura, já tínhamos que engoli-lo, depois da Copa América de 97 na Bolívia.
Mas aos 37 minutos, a Escócia empatou com uma comemoração digna de seleção que vence a Copa. O jogo ficou mais tenso e foi pro intervalo. O time voltou e ainda não convencia, e o segundo gol foi contra, mas serviu para aliviar a todos os brasileiros que estavam lá dispostos a empurrar o Brasil para uma boa campanha.
Terminado o jogo, 2 a 1 pro Brasil, saímos felizes e esperançosos! O sonho do penta estava oficialmente inaugurado! E apesar do jogo não ter sido nada de excepcional, nos encheu de alegria ver o Brasil estrear e vencer.
Mal sabíamos que ia ser uma campanha dura e de garra da amarelinha, com jogos memoráveis como a semifinal com a Holanda e com uma final absolutamente incompreensível. Até hoje ainda fica a dúvida sobre o que aconteceu com Ronaldo e com aquela apática seleção derrotada na final pela França.
sobre o autor
Documentarista e fotógrafo amador, Pedro Gorski é graduado em Comunicação Social (ESPM, 2001), e se especializou no Curso Superior de Documentário Criativo, na escola Observatório de Cine, em Barcelona em 2005. Trabalha com cinema e documentários, desde 2000, e recentemente começou a dirigir projetos próprios.