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architectourism ISSN 1982-9930

Fotografia de um cipreste / Representação de um cipreste por Ana Paula Spolon / O cipreste de Van Gogh. Cypresses, 1889, óleo sobre tela. The Metropolitan Museum of Art, New York

abstracts


how to quote

SPOLON, Ana Paula. Dilema de turista. Arquiteturismo, São Paulo, ano 02, n. 016.07, Vitruvius, jun. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/02.016/1434>.


Daniel Piza, no delicioso blog Cultura, futebol e, vá lá, política, chama de amadora a arte de viajar. Diz que “ler e caminhar, ambos sem muita ‘objetividade’, fazem a diferença entre o bom e o mau turista. É com olhos livres e sapatos gastos que se faz uma viagem marcante. Não basta visitar os lugares manjados e comer os pratos típicos; é preciso estar aberto ao novo, correr os riscos, ter a paciência de não sair catalogando o que vê como ‘maravilhoso’ ou ‘decepcionante’ e nada mais”.

Da janela do avião, a Cordilheira dos Andes
Foto Caio Romano Guerra

que – e quero – concordar. Não é fácil ser turista. Para sê-lo com propriedade, é preciso despir-se corajosamente de medos, preconceitos e até de certas idéias que, bem de dentro, surgem como verdades absolutas.

O turista é uma figura muito peculiar. Tem hábitos previsíveis, usa roupas que o delatam e ele mesmo, ao abrir a boca, entrega-se sem que ninguém possa duvidar da sua tão particular identidade. Em seu íntimo, entretanto, há uma complexidade sem fim. Bem difícil compreendê-lo e quase impossível satisfazê-lo, em todo tempo e lugar.

Alain de Botton, misto de historiador e filósofo com uma roupagem contemporânea, tenta fazê-lo. Dizem muitos que sua linguagem é simplista e que seu grande erro é tentar transformar a filosofia em uma popular forma de auto-ajuda. Bem, de minha parte, acho sempre mais adequado um texto simples que alcance o maior número possível de pessoas, do que um tratado vernacular que não seja apreendido por ninguém. Sim, a linguagem de Botton é muito simples e direta. E em sua clareza e limpidez, segue arrebatando fãs no mundo inteiro.

Da janela do avião, a Cordilheira dos Andes
Foto Caio Romano Guerra


Suíço radicado em Londres desde os oito anos, Botton é um jovem e talentoso filósofo da contemporaneidade. Com oito livros publicados em pouco mais de 13 anos, cinco deles transformados em produções para a TV, Botton colabora assiduamente com revistas e jornais, em vários países. É um autor difícil de classificar. Não é um acadêmico, mas também não pode simplesmente ser rotulado de cronista. Escreve ficção e não ficção. É ao mesmo tempo um terapeuta do cotidiano e um observador arguto do dia-a-dia das pessoas e dos cenários, em especial o das grandes cidades.

O website Contemporary Writers, editado pelo British Council e especializado na disponibilização de dados sobre autores britânicos vivos o descreve como um autor “com uma habilidade brilhante de avaliar as razões das pessoas para fazerem determinadas coisas e de descrevê-las através de uma linguagem bastante acessível. Ele sempre leva o leitor, de uma forma implícita, a pensar: você não se reconhece nesta situação?”

É o que acontece em A arte de viajar, publicado em 2002 e traduzido para o português pela Rocco em 2003 (em excelente trabalho de Waldéa Barcellos). O livro parte de uma premissa geral: se viajar é uma idéia tão empolgante, por que a realidade concreta das viagens é em geral responsável por tantos turistas insatisfeitos? Por que os lugares de trânsito – aviões, aeroportos, estações de metrô, hotéis e a própria rua – podem ser tão enfadonhos? Esta dicotomia entre satisfação e decepção permeia os nove capítulos, melhor classificados de crônicas. E, sim, nós todos nos reconhecemos nelas.

Placas de sinalização de endereços de interesse turístico
Foto Ana Paula Spolon


Em pinceladas, o autor nos apresenta o dizer ou o expressar-se de escritores, artistas e pensadores, em uma busca agradável do que pode ser considerado um esboço de receita para a viagem perfeita.

Divididas em cinco seções – Partida, Motivos, Paisagens, Arte e Retorno – as crônicas de Botton exploram as expectativas que envolvem a prática do ir e vir, a forma como o turista acaba por projetar estas expectativas nos lugares que visita, as razões pelas quais se escolhe um destino, a dinâmica que orienta a maneira pela qual se absorve e depreende as paisagens, a arte de ver um mundo diferente do habitual e a satisfação da volta para casa, para o encontro com o cotidiano tão opressor e ao mesmo tempo tão tranqüilizador.

Nesta viagem, o autor passa por lugares tão variados quanto as docas de Londres e Barbados, Madri e o Deserto do Sinai, Amsterdã e a Provença. Saindo e voltando para o seu habitat, o distrito de Hammersmith, na zona oeste de Londres.

Em meio aos seus pensamentos, registrados sob a magistral forma de um bom e velho relato de viagem, mas em linguagem contemporânea, pedaços da filosofia e da arte de Pascal, Von Humboldt, Ruskin, Van Gogh, Jó, Burke, Wordsworth, Nietzsche, Flaubert, Eliot, Baudelaire, Hopper e muitos outros.

Na viagem à Provença, convidado para a casa de campo de uns amigos, Botton se encontra com o passado vivido por Van Gogh. Em uma viagem que poderia ser considerada comum (muitos de nós já passou uns dias na casa de amigos, no campo), ele nos conta que Van Gogh foi um homem comum, que fracassou algumas vezes e que pintou algumas de suas mais valiosas obras quando ainda poderia ser considerado, por assim dizer, inexperiente (bom momento para pensarmos no que costumamos fazer com os nossos fracassos e inexperiência!): “Vincent van Gogh chegou à Provença no final de fevereiro de 1888. Estava com trinta e cinco anos de idade e passara a se dedicar à pintura somente oito anos antes, depois de fracassar em tentativas de tornar-se de início professor e mais tarde padre”
Na Provença, segundo Botton, Van Gogh pintou 200 quadros e fez 100 desenhos, entre eles os dos ciprestes. O autor de A arte de viajar diz, parodiando Oscar Wilde, que “sem dúvida havia menos ciprestes na Provença antes que Van Gogh os pintasse”.

Quarto de hotel
Foto Ana Paula Spolon


As cenas transformaram-se inclusive na “trilha de Van Gogh”, comercializada pelo escritório de turismo da Provença. Por esta vertente, Botton fala da relação entre a arte e o desejo de viajar. Mais além, fala também dos mecanismos pelos quais os turistas tentam se apropriar destas cenas e das formas pelas quais tentam apreender (e prender) a beleza:

“Quando nos deparamos com a beleza, um impulso incontrolável é o de fazer com que ela permaneça: possuí-la e atribuir-lhe alguma importância em nossa vida. Surge a vontade de dizer: Eu estive aqui. Vi isso e isso fez diferença para mim."

"A beleza é, porém, fugidia. Costuma ser encontrada em lugares aos quais podemos nunca mais voltar, ou pode ainda resultar de uma rara conjunção da estação do ano, da luz e do clima. Como então possuí-la, como fazer permanecer o trem flutuante, os tijolos semelhantes a halawe ou o vale inglês?"

"A fotografia fornece uma opção. Tirar fotografias pode amenizar a sofreguidão pela posse detonada pela beleza de um lugar (...). Ou, ainda, poderíamos tentar gravar a nós mesmos num local belo (...). Um passo mais modesto poderia consistir em comprar um objeto (...) para servir de lembrança do que foi perdido, como uma madeixa que cortamos da cabeleira de uma amante que parte.”

E Botton então despeja a idéia de John Ruskin, escritor e crítico de arte britânico, que “lamentava a cegueira e a pressa dos turistas modernos” e defendia que, entre as várias formas que permitem que nos apropriemos da beleza dos lugares, as mais eficazes são a escrita e o desenho (uma proposta ousada de uma “arquitetura – junto com uma literatura – da viagem”?), independente do talento que se tenha (ou não) para isso:

“No processo de recriar com nossa própria mão o que está diante de nossos olhos, parece que passamos naturalmente de uma posição de observar a beleza de modo informal para outra na qual adquirimos profunda compreensão das partes que a constituem e, por aí, temos dela recordação mais firme”.

Vamos lá ver se entendi: a pintura é a interpretação dos ciprestes pelo talento de Van Gogh, pela qual me sinto atraída antes da viagem e que desperta meu desejo de visitar, por exemplo, a região da Provença. A fotografia do cipreste é registro, pelo turista comum, de uma experiência – ou a tentativa de levar um pouco que seja do que aquela viagem pode significar.

O desenho (ou o relato escrito), é a emoção registrada da visão do cipreste, é o que o cipreste – e tudo o que há em volta dele – diz ao coração do turista sensível, que se deixa emocionar pela viagem... Então, usando a expressão pelo desenho, fica assim:

O livro de Botton virou também série de TV, apresentada em cinco programas, que foi posteriormente editada em DVD. O conteúdo está disponível, em inglês, no You Tube – procure por Alain de Botton´s The Art of Travel. Em um dos episódios, Botton desafia um grupo de turistas japoneses em visita a Londres a deixar de lado as máquinas fotográficas e, sentados em cadeirinhas, desenhar a catedral que, minutos atrás, posava inerte para os flashes insanos do grupo. Fizeram desenhos lindos. E achei que, se eles conseguiram, eu poderia conseguir também.

É certo que a dimensão do significado da minha experiência ao visitar a região dos ciprestes só pode mesmo ser dada por mim. Mas, segundo Botton, a própria experiência da viagem não seria, ela mesma, única? Em tempo: eventuais críticas ao meu desenho devem ser encaminhadas aos editores de Arquiteturismo.

livro resenhado


BOTTON, Alain de. A arte de viajar. Rio de Janeiro, Rocco, 2003.

sobre o autor

Ana Paula Garcia Spolon é consultora hoteleira, tradutora e professora universitária. Formada em Hotelaria pelo SENAC, é doutoranda e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela USP, onde desenvolve pesquisas sobre turismo, estética arquitetônica e valorização imobiliária. Atua na área de planejamento e desenvolvimento de projetos turísticos e hoteleiros há 15 anos

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