Revirando as memórias da família, descobri que meu avô Clovis e minha avó Naydina foram à Suécia em 1958, ele como enviado especial do jornal “O Estado de São Paulo” e ela como acompanhante. Descobri ainda que minha avó possui o álbum de fotos e recordações da viagem e também um diário onde relata o dia a dia com os acontecimentos da viagem. Quando li o diário percebi a riqueza e graça do olhar feminino sobre a primeira grande conquista do esporte tanto nos orgulha e resolvi que esta história deveria ser contada, apesar da resistência da protagonista. Abaixo segue trecho do diário de viagem de Naydina Aranha de Freitas. [Diogo Figueiredo de Freitas]
Estocolmo, 28 de Junho de 1958
Sábado! Véspera do grande jogo. Todos já se sentem um pouco nervosos, mas com grandes esperanças. Saí com Clovis e fomos a Panair cuidar da passagem de volta. Ficamos na mesma, sem conseguir nada. Estou começando a ficar preocupada sem saber como iremos sair da Suécia. Os vôos estão todos tomados e só nos resta a esperança de ir com os jogadores.
Andamos fazendo algumas compras e fomos almoçar num restaurante muito simpático que nós apelidamos de ovos estalados pela maneira curiosa do toldo da frente feito de tela de avião parecendo um ovo... Gosto de sueco!
Enquanto comíamos desabou uma chuvarada e ficamos preocupados com o estado do campo para amanhã... Saímos às 16 horas de lá e andamos pisando pela grama dos parques para calcular a profundidade do enxarcamento... Parecemos uns tontos.
Chegamos ao hotel e foi só o tempo de trocar de roupa para irmos ao cocktail da Embaixada Brasileira. Celina e Fraga (o embaixador) reasolveram homenagear os brasileiros todos e eu ajudei-a a fazer os convites. Encontramos todos os amigos e foi uma recepção muito simpática e amiga.
Voltamos ao hotel às 20 horas e fomos para o bar tomar um drink com a turma de São Paulo e resolver onde iríamos jantar.
Afinal resolvemos ir a um lugar onde Lily Zvedelius tinha nos indicado chamado Den Gyldene Freden – Paz de Ouro (em português, está claro!). Como éramos um grupo enorme, foi preciso dividir em várias mesas. O lugar é uma beleza, pois era uma caverna, cavada na rocha com vários planos. Muito bem decorada. Comida excelente e saímos de lá à meia noite e fomos para o hotel. Está claro que as conversas só giravam em torno da partida de amanhã.
Estocolmo, 29 de Junho de 1958
Domingo. Dia do jogo!... Amanheceu Stockholm sob uma chuva torrencial, cheguei mesmo a acordar durante a madrugada e chamar Clovis para que visse o tempo que nos eratão pouco propício. Fui à missa das 11 horas com Dea, Dona Yara e as meninas.
Mudaram o horário da partida para as 15 horas e resolvemos almoçar muito cedo. Comemos no próprio hotel em Smorsgnbord na companhia do Luiz Mesquita, sua mulher Maria Alice e Pedrinho Leardi. Ainda ficamos no Hall a espera do Erik Zvedelius e turma para sairmos para o campo.
Desde ontem chegam brasileiros de todos os cantos da Europa para assitir ao maior jogo do ano. Todos empunhavam bandeiras, distintivos, flâmulas, tudo que poderia nos qualificar como bons patriotas.
Às 14 horas saímos do hotel em 3 automóveis. Fomos, confesso, nervosos e apreensivos.
A chuva tinha parado, mas o campo deveria estar ainda encharcado. Tomamos os nossos lugares e as pernas começaram a tremer na expectativa. A torcida sueca era impressionante, aos gritos e aos hurros cantavam o hino sueco. Isso foi nos enervando, cada vez mais e quando os nossos jogadores entraram em campo estavamos super excitados.
Ao som do hino nacional a emoção era tal que chorei feito uma louca. Levava comigo o papelzinho que tem me acompanhado em todas as partidas uma espécie de talsiman que tem dado muita sorte.
A presença do Rei Gustavo deu uma certa importancia a peleja e foram executados os hinos da Suécia e do Brasil.
Iniciado o jogo, logo nos primeiros minutos os Suecos marcam o primeiro goal, o que fez a torcida delirar. Fiquei até atordoada... Clovis e Luiz Mesquita pareciam uns leões na jaula. Não paravam quietos nas cadeiras. Logo depois, no entanto, marcamos o goal do empate. Foi a nossa vez de gritar, pular, fazer sinais com as bandeiras, imediatamente de vários pontos das arquibancadas ouviam-se vozes pedindo “mais um”, “mais um”, eram os brasileiros que se uniam engrossando cada vez mais a torcida. Daí a pouco, como que coroando o desejo desses corações que batiam em uníssono, os rapazes marcaram o goal da vitória. Crescemos em campo, dominamos os nervos, firmamos o pé e ninguém mais nos segurou. Nem torcida contrária, nem campo molhado, nem Lindholm, Gunar Gun ou outros fantasmas que há minutos antes nos assustavam. Queríamos voltar ao Brasil triunfantes levando a taça há tanto tempo almejada. E conseguimos nosso intento. 5x2 foi a sonora contagem. Delírio dos brasileiros ao término da partida. Choro convulsivo de jogadores, emoção geral. Ficamos eufóricos, abraçávamos-nos, ríamos parecíamos uns doidos. O Rei desceu ao gramado para comprimentar os vitoriosos.
Podiamos voltar a nossa terra de cabeça erguida, pois tínhamos sabido defender as nossas cores dentro de uma perfeita harmonia, debaixo de exemplar comportamento.
Saímos pelas ruas radiantes, empunhando as bandeiras. Nos dirigimos diretamente à Embaixada, onde fomos tomar a taça da champagne bem merecida. Cada um que entrava pelo apartamento de Celina era aquela algazarra. A horas tantas chegaram os jogadores e a delegação. Vivas ecoaram de todos os cantos, hip-hip-hurras, uma bela acolhida. O Embaixador fez um pequeno discurso que foi agradecido por Paulo de Carvalho. Leram-se os telegramas de congratulações e convidaram a Embaixatriz como representante da mulher brasileira para beber em 1º lugar na “Coupe du Monde”. Em seguida o Paulo de Carvalho, o Embaixador, o Bellini como capitão do team e o Feola como técnico. Foi uma cerimônia comovente. Abracei a todos os jogadores e estávamos quase sem fôlego e roucos. Às 20 horas todos se retiraram.
Nós fomos ao hotel trocar de roupa, pois combinamos a comemoração num restaurante Hassel Becker aonde iam todos os torcedores. Tinham nos reservado uma sala e foi uma festa maravilhosa. Champagne a rodo, hurras, vivas, cantoria, fogos de artifício, sendo que os suecos que nos rodeavam aderiram plenamente, demonstrando que são verdadeiros sportsman, sabendo perder com dignidade. Chegamos a puxar cordão, pular, cantar, todos alucinados de alegria.
Quando terminou o jantar resolvemos assistir a festa dos jogadores que estava sendo realizada no Press Club no Hotel Malmen. Nunca vi tanta promiscuidade de raça. Ficamos lá mais ou menos 1 hora e nos divertimos de ver nossos heróis sendo assaltados por loiras infernais!
Chegamos ao hotel às 3 horas, mortos de canceira de tantas emoções passadas.
sobre a autora
Naydina Aranha de Freitas, 84 anos, esteve em Estocolmo, Suécia, no ano de 1958, acompanhando seu marido Clovis Glycerio Gracie de Freitas (in memorian), enviado especial do jornal O Estado de São Paulo para acompanhar a delegação brasileira de futebol e cobrir os jogos da Copa do Mundo de Futebol.