Minha melhor lembrança de infância são os domingos de futebol em que ia com meu pai e com meus irmãos ao estádio. Eu tive o privilégio de ver o time da democracia corintiana de 82 e 83.
Claro que o time era incrível, com Sócrates, Casagrande, Wladimir e Biro-Biro (que eu adorava pois era o único que eu reconhecia, pela cabeleira). E mais incrível ainda eram as idéias democráticas que defendiam no tempo em que nem se votava para presidente, ainda antes do movimento Diretas-Já.
Mas o que realmente marcou foi que nesses domingos surgiu a relação que tenho com a cidade até hoje. Ir ao estádio era uma experiência muito rica para um menino de oito anos. Havia o deslocamento para o estádio, a briga por ingressos, o contato com as diferentes classes sociais. Nunca vou me esquecer de meu pai, nos momentos de gol, abraçando o desconhecido mais próximo.
Fui recuperar essa alegria quando me tornei fotógrafo e passei a fotografar jogos de futebol, o que nunca foi minha especialidade. Desde pequeno invejava os fotógrafos de campo, tão perto que ficam dos jogadores, com aquelas lentes enormes (e pesadas). E uma das coisas mais incríveis de fotografar no campo é ouvir os sons do jogo: palavrões, gritos, suspiros e a pancada na bola.
Foto boa de futebol tem que ter a bola. E fazer foco na bola, imaginem, é muito difícil. Admiro muito o trabalho dos “boleiros”, como são chamados os fotógrafos de futebol. É um tipo de fotografia onde não dá pra inventar muito. O ponte de vista é único (em geral junto à bandeira de escanteio,) a luz é a que existe e nunca se sabe o que vai acontecer. A arte consiste em ficar atento o tempo todo, mesmo que a bola esteja do outro lado do campo. Quando se menos espera, surge o lance, clique, e torcida para estar em foco, com a bola. É arte de extrema velocidade. O trabalho do fotógrafo é parecido com o do atacante que espera o cruzamento. E a alegria de uma boa foto é próxima do êxtase de um gol.
sobre o autor
Tuca Vieira é formado em Letras (USP, 1998). Estudou fotografia com Cláudio Feijó, Eduardo Castanho, André Douek, Nair Benedicto e Eder Chiodetto. Ganhou o Prêmio Folha de jornalismo (categoria fotografia, 2003) e o Prêmio Grupo Nordeste de Fotografia (categoria profissional, 2005). Faz parte da equipe de fotografia da Folha de S. Paulo desde 2002. É autor, em parceria com o jornalista Marcelo Coelho, do livro As Cidades do Brasil - São Paulo.