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architectourism ISSN 1982-9930

Central Park, Nova York
Foto Victor Hugo Mori

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MOREIRA, Angela. A impossível viagem de Marc Auge. Arquiteturismo, São Paulo, ano 02, n. 017.07, Vitruvius, jul. 2008 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/02.017/1443>.


Este trabalho tem como objetivo chamar a atenção para o livro de Marc Augé – L'impossible voyage – Le tourisme et ses images (“A impossível viagem – o turismo e suas imagens”, não traduzido e ainda não lançado no Brasil), indispensável para quem pretende refletir acerca da relação lugar–turismo.

Augé define seus conceitos e organiza seu livro a partir de diversos textos, que foram agrupados em partes conceitualmente lógicas:

Uma primeira série, que toma o nome de reportagens, compreende três artigos publicados no Le Monde Diplomatique, mostrando suas reflexões e suas perambulações na Disneylândia, no Central Park em Nova York e na praia de Saint-Marc-sur-Mer. Tais textos são considerados relatos de suas viagens a esses lugares, porém, vistos sob uma lente que contem conceitos retirados da sociologia e da etnologia contemporâneas.

Uma segunda série comporta três textos que derivam da experiência na Disneylândia e comportam um jogo: uma série de pequenos filmes onde o autor penetra na pele do visitante e percorre, com uma visão crítica e aguçada, três altos lugares do turismo: o Monte Saint-Michel, Waterloo, e os Castelos do Rei Luis II da Baviera.

Uma terceira e última parte – denominada Passeios na cidade – abarca dois textos.

O primeiro – Viagem a Aulnay-sur-Bois – fala de sua visita a Aulnay-sur-Bois, mais especificadamente à Fábrica da L’Oreal, que abriu suas portas aos visitantes, incrementando o turismo industrial nesta comunidade. Augé apresenta, com perspicácia, os conceitos que reúnem a relação da arquitetura com os visitantes e analisa algumas destas relações (conceitos projetuais, percepção, relação trabalhador-visitante). Este texto é subdividido em três análises acerca da relação entre: a) matéria e metáfora dentro deste projeto; b) espaços e símbolos (desejados e/ou concretizados); c) imagens e os olhares (dos visitantes).

O segundo texto – A cidade entre o imaginário e a ficção – trata-se de uma clara exposição de suas idéias acerca da cidade. Nele, o autor apresenta uma interrogação constante: Podemos ainda imaginar a cidade onde nós vivemos, fazendo-a suporte de nossos sonhos e de nossas esperanças?

Augé inicia uma resposta, tentando confrontar a cidade às formas do imaginário individual e coletivo, evocando três aspectos da mesma: a cidade-memória, a cidade-encontro e a cidade-ficção. Assim:

A cidade-memória é aquela onde se inscrevem tanto os traços da grande história coletiva quanto os das milhares de Histórias Individuais dos homens.

A cidade memória é onde memória e história se acumulam. A densidade histórica de uma cidade aparenta-se, muitas vezes, a um ideal de modernidade, uma modernidade que acumula e concilia.

Este ideal se traduz em todas as empresas que objetivam misturar pessoas dentro de formas recompostas no processo de elaboração das cidades: Augé aponta, em particular, todas as grandes obras realizadas em Paris no período em que François Mitterrand era presidente, tais como a pirâmide do Louvre, que responde bem a este ideal.

Outras obras contribuíram para a edificação de novos quarteirões – cidades dentro da cidade: La Défense ou Bercy. Através dessas obras se esboça algo além e sob o ideal de modernidade, numa contribuição ao duplo movimento de segregação local e de comunicação global característico desta época. Esse duplo movimento apaga a Memória Presente, e não se tem certeza se ele abre o caminho para uma Memória Futura...

Central Park, Nova York
Foto Victor Hugo Mori


A cidade-encontro é a cidade na qual os homens e as mulheres podem ainda esperar se encontrarem; aquela que se descobre e se aprende a conhecer como se fosse uma pessoa.

Reencontrar uma cidade é, muitas vezes, descobrir que ali existe todo um dispositivo sensorial: os sons, os movimentos, as luzes são opostos ao silêncio, à calma e às noites obscuras ou à luz da lua das áreas rurais.

O choque do reencontro dentro da cidade nem sempre tem como causa somente as ideologias ou os hábitos. Aqui se podem encontrar momentos de descoberta, momentos que convidam a pensar, a refletir... Assim, a cidade evoca o homem, o homem cria uma obra e a obra parece com a cidade.

O que importa aqui é sublinhar que, através da solicitação dos sentidos e da emoção estética, é a cidade como pessoa que é evocada e que esta evocação se faz através de sua vida social, aquela onde as pessoas podem se cruzar e se encontrar.

Isso é possível porque a cidade tem uma existência duplamente simbólica: ela simboliza aqueles que aí vivem, trabalham e que acreditam nela, constituindo uma coletividade – eles se encontram, se falam, têm uma existência simbólica, pois eles se completam, já que suas relações têm um sentido.

Esse sentido social é a condição mínima e necessária para que possam se desenvolver os processos ligados ao imaginário de forma metafórica e metonímica da arte, do romance, da poesia, ou mais ainda, para que eles sejam apreciados por todos, reconhecidos ao mesmo tempo como sedutores e, então, não destituídos de sentido.

O tema do encontro da cidade está, assim, ligado ao do encontro na cidade...

A cidade-ficção é aquela que faz desaparecer as duas primeiras – cidade planetária que parece como tantas outras, cidade feita de imagens e de telas, onde o olhar se perde como num jogo de espelhos, ou ainda aquela que tenta ter uma forma, virtualidade inacabada, nas periferias da cidade mais antiga.

A relação com a imagem e com o espaço se apresenta sob um duplo aspecto: recebem-se as imagens (fixas ou móveis) e elas são fabricadas. Fabricar imagens é, ao mesmo tempo, se apropriar do espaço, transformá-lo e, de certa maneira, consumi-lo.

Essa maneira de vivenciar o lugar tem por fim olhar o espaço e a história que se desenvolve no local. Assim, tal como em um espetáculo, esses elementos fornecem a matéria-prima, mas impõem mudanças na natureza do lugar e em sua temporalidade.

Pirâmide do Louvre, Paris. Arquiteto I. M. Pei
Foto Victor Hugo Mori


O espaço começa a perder suas fronteiras, de certa maneira, sua forma...

Urbanistas, arquitetos, turismólogos, artistas e poetas devem se conscientizar do fato de que sua sorte está ligada e de que a sua matéria prima é a mesma: sem imaginário, não haverá mais cidades e vice-versa. Deste ponto de vista, a sociedade e a utopia estão ligadas em parte. O imaginário mede a intensidade da vida social: estejamos atentos ao menor sinal de vida, não o deixemos passar – recusemos a morte...

A impossível viagem é uma crítica ao turismo, segundo Augé, é, talvez, aquela que nós nunca mais faremos, aquela onde poderíamos descobrir paisagens novas e outros homens, sobretudo aquela onde abriríamos um espaço de encontros.

Entenda-se bem que devemos viajar, mas, sobretudo não devemos fazer turismo, em sua opinião, pois a maior parte do que é oferecido não passa de um produto a mais, sendo estes responsáveis pela transformação do espaço em espaço de ficção, de sua desrealização, de sua conversão em mero espetáculo.

Beaubourg, Paris. Arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers
Foto Victor Hugo Mori


Sua afirmação principal é a de que, talvez, uma das nossas principais tarefas seja reaprender a viajar, começar o mais próximo possível de nossa casa e indo, aos poucos, para outros destinos mais afastados, para aprender realmente a ver o real que nos cerca, dando a todos a oportunidade de encontrar, conhecer e, sobretudo, amar as pessoas e suas cidades.

livro resenhado

AUGE, Marc. l'impossible voyage – Le tourisme et ses images. Rivages Poche Petite Bibliotheque. Paris, Éditions Payot & Rivages, 1997. ISBN: 2-7436-0214-7. ISSN: 1158-5609.

sobre o autor

Angela Maria Moreira Martins. Professora e pesquisadora do PROARQ FAU-UFRJ. Dra em Planejamento Urbano pela Université de Paris X e Pós-Doutora em Turismo e Desenvolvimento pela Université de Paris I - Panthéon-Sorbonne.

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