O Xoro Roxo foi um grupo musical surgido em 1977, na famosa onda do choro, quando ressurgiram vários conjuntos tradicionais esquecidos. Era formado pelo Joel Timoner, Swami Jr, Zé Fernando, João Panizza, Kiko Farkas, Alberto Lauletta e André Popovic. Existiu no Brasil até fins de 1979 e na França de 1980 a 1982, e no começo tocava choros tradicionais, evoluindo progressivamente graças a enorme criatividade principalmente do Joel e Swami Jr.
O descobrimento da Europa
Em dezembro de 1979 o Xoro Roxo fez uma última apresentação aqui em São Paulo, no Lira Paulistana. Foi a despedida do Joel que zarpou para a França um mês antes do resto da turma, para ir abrindo caminho e fazendo contatos para o grupo. Embarcamos em 16 de janeiro num DC10 da Iberia, eu pela primeira vez num vôo daqueles. Tudo era novidade, a descida vagarosa quando a Espanha foi aparecendo, as estradas e os carros europeus podendo ser identificados.
Estava em Madrid com o João, o Swami, o Alberto, Adriano e o Skowa, chuva e um frio de 3º. Era para a gente ficar uns dias, mas as coisas foram ficando difíceis e resolvemos picar a mula para Paris. Lá pelo menos já haveria uma “base” estabelecida, pois já lá estavam o Joel e a Zita, que se tornou nossa empresária. E foi assim que nos vimos instalados no Hotel Des Allies, no Quartier Latin, dois em cada quarto. Começava ali uma experiência que me marcaria para o resto da vida, quase um ano de concertos, gravações, ensaios, viagens e muitas histórias.
O Xoro Roxo tocou no Discophage, na Chapelle des Lombards, nas ruas, na praça em frente ao Beaubourg, no Forum Les Halles, na Citè U, fez concertos na Holanda, Bélgica, mês de julho em Montpellier, uma semana no Marrocos e terminou essa temporada com dois discos, um ao vivo no festival folk de Ris Orangis e outro, branco e preto, gravado em estúdio. Começamos ensaiando num studio, onde moravam Joel e Zita e de onde se avistava Montmartre ao longe.
Tudo era novidade e seria preciso muito mais para contar as coisas e coisas que são o seu dia a dia vivendo numa cidade como aquela, começando lógico com a língua, o café da manhã, roupa suja que vai se acumulando, metrô, dica “praisso” e “praquilo”, cheiros, isso mesmo, cheiros porque a gente nunca mais esquece o cheiro do metrô de Paris (o daqui de São Paulo é diferente). No inverno, quando se entra num caffé para tomar un balon de rouge e comer um sanduíche de patê naqueles impecáveis balcões de latão, os cheiros são inesquecíveis. É comum, no inverno, você olhar os prédios e notar sacolinhas penduradas nas janelas. São coisas de geladeira que o pessoal deixa para fora, como se estivessem guardando na própria. Adotamos o método e o nosso café da manhã passou a ficar incrementado, principalmente depois que me ocorreu arrumar um ferro elétrico e virá-lo ao contrário sobre um suporte de madeira. Passamos a ter um fogãozinho da hora. Ovos cozidos, leite quente, baguete esquentada, presunto, queijo, geléias, tudo isso no quarto do nosso querido dés alliés. A temporada no Discophage, em junho, rendeu um contrato para julho, férias na Europa, onde tocamos em um restaurante no sul, La Grande Motte, no Mediterrâneo. A França inteira desce para as praias e é uma beleza.
Fora muitas passagens engraçadas. Uma vez fomos convidados para tocar num casamento na campagne, a 300 km de Paris. Era um belo domingo e eu fui dirigindo o nosso valente Peugeot 204, levando bateria e demais instrumentos; o pessoal foi de trem. É claro que eu me perdi naquele emaranhado de estradas, nisso resolvi pedir informação e vinha vindo uma turma de ciclistas – na França é muito comum eles saírem pedalando nos fins de semana – quando eu falei “por favor” o da frente brecou e daí prá frente foi um monte de tombo – uns dez caíram, os caras olhando feio, eu agradeci e saí de fininho. De agosto em diante, de volta a Paris, ficamos morando em um apartamento alugado, num quarteirão onde havia de tudo. Com o passar do tempo a gente vai se incorporando ao lugar, a língua já não era mais problema e eu me sentia perfeitamente a vontade. Tocávamos regularmente, finanças equilibradas, porém foi batendo uma saudade do Brasil, misturada com uma vontade de começar aqui um atelier de construção de móveis, nos moldes dos muito que eu vi por lá, e em novembro eu encerrei a temporada. Já retornei a Paris por quatro vezes depois disso e é sempre muito gostoso, mas nada se compara àquela primeira vez, onde tudo era novidade.
sobre o autor
José Fernando Amaral, paulistano, arquiteto pelo Mackenzie, músico do grupo Xoro Roxo que atuou no Brasil e França no final dos anos 1970 e começo da década seguinte. Em abril de 2000, durante a construção de um telhado, sofreu uma queda e fraturou duas vértebras cervicais. Como tetraplégico, começou a mais estranha das viagens...