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architectourism ISSN 1982-9930


abstracts

português
Neste artigo, Ana Paula Medeiros relata sua rápida passagem turística pela capital espanhola, onde os novos espaços da Europa unificada, se intercalam tranquilamente com as tradições locais, infelizmente em Euros

english
In this article, Ana Paula Medeiros talks about her quick visit to the capital of Spain, where the new spaces of unified Europe are peacefully intertwined with local traditions, unfortunately in Euros

español
En este artículo, Ana Paula Medeiros relata su rápido pasaje turístico por la capital española, donde los nuevos espacios de la Europa unificada se intercalan tranquilamente con las tradiciones locales, desafortunadamente en Euros


how to quote

MEDEIROS, Ana Paula. Madri: história e modernidade. Arquiteturismo, São Paulo, ano 03, n. 028.02, Vitruvius, jun. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/03.028/1528>.


Estive em Madri em março deste ano, acompanhando meu marido, que foi passar uma semana a trabalho. Estava curiosa porque muita gente havia me dito que a entrada na União Européia tinha injetado muito dinheiro na Espanha, com visíveis resultados na urbanização. Eu não quis deixar escapar a oportunidade.

Madri é a capital mais alta da Europa, 646 metros acima do nível do mar, encravada no meio da Península Ibérica. Sua ocupação é antiga, por lá passaram romanos, visigodos e muçulmanos, até que ela foi conquistada pelos cristãos no século XV. O povoado que viria a ser Madri foi fundado pelos mouros às margens do rio Manzanares, chamado por eles de Al-Majrit, que em árabe significa "a fonte da água". Al-Majrit virou Majerit que depois virou Madri.

Cheguei em Madri num domingo, já quase meio-dia. Ficamos num hotel no Paseo del Prado, bem em frente ao Jardim Botânico e perto de importantes estações de trem e metrô. Do lado, descobri o Museo del Jamón, uma ótima lanchonete, onde se pode comer barato (para preços europeus, claro) e comprar pão, queijos diversos e um presunto cru maravilhoso para fazer sanduíches.

Peguei um final de inverno ameno, temperaturas em torno de 12 graus durante o dia.

Na segunda-feira, comprei um ticket para andar dois dias num desses ônibus turísticos, entrando e saindo a hora que eu quisesse. Há duas rotas circulares que se cruzam, uma que percorre a parte mais antiga, e outra que eles chamam Madrid Moderno, passando por áreas mais novas ao norte da cidade. Acabei optando por começar por aí.

As coisas só abrem depois das 9, então antes disso eu apenas tomei café e fui ao mercado para pequenas compras. No frigobar do quarto, a latinha de refrigerante custa 3,50 euros. No mercado era 85 cents. No geral, as coisas são mais caras do que no Brasil, e se a gente fica multiplicando tudo por 3 o tempo todo pra ver o equivalente, enlouquece. Mas algumas coisas são bem mais baratas, para meu deleite. Queijo, por exemplo. E presunto cru, o famoso jamón serrano. Cem gramas deliciosas saem por menos de dois euros no Museo del Jamón. Acho que comi pão com presunto todo dia!

No ônibus, a gente ganha fones de ouvido para plugar no encosto da cadeira da frente e escutar uma moça explicando tudo. Não só o básico "à direita podemos ver o palácio tal", mas também umas informações ótimas sobre a história da cidade, o estilo dos prédios, a economia local e os hábitos sociais dos moradores. Cada vez que passava por um local que eu queria conhecer melhor, descia, caminhava, fotografava, depois esperava o próximo ônibus, que passa a cada quinze minutos.

O trajeto começa ao lado do Museu do Prado e segue em direção norte até o Paseo de la Castellana, que é uma expansão rica da cidade, cheia de sedes de bancos, empresas e prédios públicos modernos. O ônibus só vai até o estádio de futebol do Real Madrid, mas dali eu peguei um outro ônibus, comum, e fui ver de perto as Torres Kio, duas torres inclinadas, também conhecidas como Puerta de Europa. Só não gostei do obelisco que está sendo construído entre elas. Além da plástica discutível, ele desequilibra o enquadramento proposto pelas torres, que emolduram a área de negócios que existe mais além, a Cuatro Torres Business Area, ou CTBA, como é chamada.

Uma coisa que chama a atenção em toda esta área é o cuidado extremo com os espaços públicos, especialmente à volta dos edifícios empresariais, tanto públicos como privados. São jardins, espelhos d’água, obras de arte, passeios largos e belos, explorando um repertório paisagístico que enriquece muito o percurso do pedestre e compõe um conjunto harmonioso com os edifícios. Praticamente não há grades ou obstáculos no trajeto, o que torna os acessos francos e convidativos. 

Outro aspecto que observei é a imensa quantidade de imigrantes que povoam a cidade. Segundo uma amiga espanhola, os equatorianos são os mais numerosos. Existem hoje, legalmente, 150 mil equatorianos na capital. Sem contar os peruanos, bolivianos e argentinos. Isso apenas em números oficiais. Eles trabalham nos balcões das lojas, moram em extensos conjuntos habitacionais na periferia e já se destacam como vendedores ambulantes de bijuterias, artesanato e até dvd pirata!

Próxima parada: Puerta de Alcalá. Desci de novo e fui andar o resto a pé. É um monumento grandioso, erguido pelo rei Carlos III na segunda metade do século XVIII. Aliás, eu fiquei encantada com as obras que ele mandou erigir. Foi ele que abriu as primeiras avenidas monumentais, reformou a Puerta del Sol, fez a Puerta de Toledo e de Alcalá, o Jardim Botânico, as fontes de Cibele e de Netuno e o Museu do Prado. Durante seu reinado, Goya vai para Madri e se torna o favorito da Corte. Andar pela Madri de Carlos III é uma aula de urbanismo barroco, o efeito de grandeza e majestade em cada canto. Fiquei ali extasiada, depois segui a pé até a Plaza de la Cibele, a fonte com a escultura da deusa frígia sobre uma carruagem, que é um dos símbolos da cidade, e confesso que me emocionei.

No dia seguinte eu ainda podia usar o ônibus de turismo, e fui fazer o circuito histórico. Foi um dia de fotografar menos e sorver mais a cidade. Apesar da chuvinha fina e do frio, andei toda a Gran Via a pé. Comprei bobagens e tomei o ônibus de novo, indo pros lados do Palácio Real. Vi um templo egípcio legítimo. Como?

É que no século XIX, arqueólogos espanhóis ajudaram numas escavações no Egito, e em agradecimento, o governo egípcio doou para a Espanha um templo inteirinho, ou pelo menos o que sobrou dele. Não sei como foi transportado, mas está lá, Templo de Debod. Independente de achar esquisito esse negócio de desenraizar uma coisa que só faz sentido no seu lugar de origem e reconstruí-la não mais como arquitetura, mas como cenário em outro lugar, achei que a intervenção atual (portas de vidro, climatização, câmeras, comunicação visual) foi muito cuidadosa, com a estrutura metálica independente e discreta, nem tocando a pedra.

O conjunto composto pelo Palácio Real, os Jardins de Sabatini e as praças ao redor é fantástico. Apesar do estilo francês do paisagismo, a escala não é excessivamente grandiosa. No local onde hoje se ergue o Palácio havia, no século IX, uma fortaleza árabe, centro de uma cidadela de ruas estreitas. Quando os cristãos tomaram Madri, demoliram a fortaleza e construíram no mesmo lugar o Real Alcázar (sede de governo), que foi destruído num incêndio em 1734. Só então foi erguido o Palácio Real que existe hoje.

O passeio histórico prosseguiu no dia seguinte, facilitado pela excelente rede de transportes coletivos da cidade. Peguei o metrô e desci no Centro, por onde andei a esmo, entrando e saindo de ruelas, admirando as várias portas de entrada da Plaza Mayor, projetada por Herrera, em 1581, a mando de Felipe II. No verão, toda a arcada em volta da praça, lotada de restaurantes e lojinhas de souvenirs, fica cheia de gente, com as mesinhas sob guarda-sóis colorindo a paisagem, mas nesse dia chuvoso e frio a praça estava praticamente vazia, ainda que igualmente imponente.

À tarde, visitei o Museu Reina Sofia, e sua bela coleção de arte moderna. Tive meu primeiro contato ao vivo com a Guernica, de Picasso, e pude ver que a guerra civil realmente é um trauma para eles. Várias fotos, recortes de jornais, manifestos, sempre havia uma maneira de fazer menção ao ocorrido, mostrar o que foi destruído, falar dos que lutaram e morreram.

Quinta-feira também foi um dia dedicado às artes, agora no Museu do Prado. Para quem se interessa por História da Arte, como eu, é um prazer indescritível.

Os espanhóis se orgulham de apresentá-lo como o segundo maior acervo de arte da Europa, só perdendo para o Louvre. São vários andares, com uma profusão de Fra Angelico, Rafael, Boticcelli, El Greco, Rubens, Rembrandt, Bosch, e, claro, Velázquez e Goya. Imperdível.

À noite, saímos para jantar com um casal de amigos de meu marido. Eles moram numa avenida sem trânsito de veículos, como um calçadão ou praça. Gostei imensamente do tratamento urbanístico, limpo e lúdico. Há umas placas de bronze no piso, esculpidas em alto-relevo, salpicadas no meio das placas de cimento que conformam o piso da praça. E frisos em vidro com luminárias embutidas, também no piso, que à noite são acesas, causando um efeito inusitado e interessante.

Foi um jantar delicioso, fecho de ouro para a minha experiência madrilenha. Nos dois dias seguintes, fui a Segóvia e Toledo, ambas altamente recomendáveis. E no domingo embarcamos de volta. Uma semana inesquecível.

sobre o autor

Ana Paula Medeiros é arquiteta formada pela FAU/UFRJ, com mestrado em Urbanismo pelo PROURB/UFRJ. É professora de Planejamento Urbano no curso de Gestão de Negócios Imobiliários da Universidade Veiga de Almeida. Participou da elaboração de Planos Diretores e de projetos urbanos, como consultora independente. Atualmente publica o blog Urbanamente e realiza levantamento fotográfico e pesquisa sobre sobrados ecléticos no Centro do Rio de Janeiro

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