“O futuro não é um tempo longo, porque ele não existe: o futuro longo é apenas a longa expectação do futuro. Nem é longo o tempo passado porque não existe, mas o pretérito longo outra coisa não é senão a longa lembrança do passado”.
Santo Agostinho, “O tempo e o espírito”, Confissões XI
O presente é uma ilusão da consciência, que se ampara na tensão entre a prospecção do futuro e a memória do passado, nos ensina Santo Agostinho. Nos milênios onde a experiência humana era fundada na árdua vivência rotineira, as lembranças que se cristalizavam resultavam da fusão de fatos extraordinários excepcionais e ocorrências corriqueiras cotidianas registradas pela retina e retidas pela memória humana. A expectativa de futuro oriunda desta experiência de vida oscilava entre os extremos da angústia diante do tempo que consome todas as coisas e a esperança de um tempo paradisíaco onde a fruição do tempo estaria suspensa.
No mundo contemporâneo, a rarefação da experiência não nos permite mais distinguir com clareza entre a banalidade e a excepcionalidade, que se tornaram intercambiáveis. A multiplicidade infinita de imagens incessantemente produzidas por equipamentos digitais – máquinas fotográficas, câmeras de vídeos, celulares etc. –, ao não dependerem mais da capacidade humana de registrar e perpetuar, embotam a consciência e borram a fixação de uma memória estável do vivido. Se a montagem cinematográfica tradicional, com suas câmeras fixas a partir de pontos de vista transcendentes, obliterava o ato de filmar em prol de uma objetividade da evolução do enredo, a profusão contemporânea de imagens “amadoras” nos coloca de forma crua e cruel diante do sujeito – o “documentarista” – e do objeto – a fruição irrecorrível do tempo. Com isso, as imagens trêmulas e desfocadas do passado – produzidas por aparelhos toscos – nos apresentam uma surpreendente surpresa: ao invés de nos emocionarmos com imagens que fixaram as ricas experiências passadas, ficamos desamparados com o retorno de uma verdade recalcada: a passagem inexorável do tempo.
sobre a autora
Helena Guerra é estudante de cinema na FAAP.