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architexts ISSN 1809-6298


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OLIVEIRA, Lêda Brandão de. Caixa de contrastes. Casa de Blas em Sevilha la Nueva, Madrid, de Alberto Campo Baeza. Arquitextos, São Paulo, ano 01, n. 009.08, Vitruvius, fev. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.009/922>.

"Colocada no topo de um morro voltado para o norte, com vistas para as montanhas próximas de Madrid, a casa, mais que tudo, é uma resposta à sua localização estabelecendo uma plataforma". Assim, Alberto Campo Baeza descreve seu projeto para a casa de Blas. De fato, ela compreende o sítio em que está, mas não se contenta apenas, em harmonizar-se com ele, pretende fundar um lugar.

O lugar não é um dado anterior à arquitetura, ele surge quando esta dele toma posse, emprestando-lhe sentido. Todas as faces deste morro são plenas de vistas, plenas de possibilidades, mas indeterminadas, ainda não são lugares. É fácil nelas encontrar muitas locações que poderiam receber uma construção, qualquer construção, qualquer casa. Somente quando se encontram, a locação escolhida com a arquitetura precisa de uma casa específica, surge o lugar definido, único.

A casa de Blas é um marco que se destaca na paisagem, mas ao mesmo tempo deixa-se impregnar por ela, com suas amplas vistas, mostrando-se como um belvedere elevado sobre um pódio. Como se vê, a escolha do local de implantação já é parte das decisões arquitetônicas. E a escolha foi a de postá-la na face norte do morro, que tem como horizonte a serra de Gredos perto de Madrid. Foi escolhido o ponto mais alto para aí assentar uma base de concreto armado sólida, sobre ela, uma caixa de vidro que flutua delicada, leve, transparente.

Nesta casa Baeza trabalha contrastes entre linguagens, materiais e conceitos. Assim, a base em concreto mostra-se como um pedra que aflora do terreno como se fizesse parte do próprio morro. Já a caixa de vidro, como os projetos de Mies van der Rohe, sequer toca no solo, colocada sobre a base de concreto eleva-se sobre o terreno reafirmando sua artificialidade. O conjunto fica congelado em um meio termo, um híbrido que ao mesmo tempo se funde à natureza e dela se destaca.

Baeza expõe o âmago das questões arquitetônicas que pretende enfatizar através dessas oposições: "Essa casa pretende ser a tradução literal das questões estereotômicas e tectônicas: uma construção tectônica sobre uma caixa estereotômica. A distilação do que é essencial para a arquitetura". Os contrastes iniciados na implantação, ecoam em todos os aspectos desse prédio bipartido. O bloco que forma o pódio embora moldado em concreto, remete-se à arte de dividir e cortar com rigor os materiais de construção enquanto que a caixa de vidro com sua estrutura metálica refere-se à arte de construir pela montagem de partes como um jogo de armar.

A divergência de concepções se verifica, também, na definição mais essencial dos espaços ressaltando o desacordo entre aqueles criados de maneira mais tradicional, claramente limitados e o da caixa de vidro fluido e infinito como queriam os modernistas. A base de concreto tem seus espaços definidos e delimitados por paredes grossas. Semi-enterrada como uma caverna, deixa-se penetrar pela luz natural através de janelas que são como que perfurações em suas paredes abrindo vistas calculadas para o exterior. O ambiente é tépido, definido pelo desenho recortado da luz forte das janelas contra as sombras densas das paredes, aludindo ao abrigo seguro, primitivo em que o dentro e o fora não se confundem. Mas sua aproximação com o vernáculo não passa de uma partícula do conceito de cabana primeva, pois sua planta fala mesmo é da racionalidade matemática. É absolutamente simétrica. O dimensionamento unitário e preciso, é amarrado por uma malha isotrópica miesiana de 50x50 cm, conformando uma caixa de 9x27 m com 2,80 m de pé-direito.

A caixa de vidro é o exato oposto. Transparente e ilimitada tem sua estrutura em aço pintado de branco formando um prisma de 4,5x9 m com 2,26 m de pé-direito, ainda dentro da modulação miesiana. Pretende ser apenas um abrigo com seu teto baixo logo acima da cabeça, uma sombra como a das árvores aberta para a luminosidade plena da paisagem que procura não interromper, mantendo o horizonte a perder de vista.

Nas relações entre os espaços e seus usos, o diálogo dialético aprofunda-se, aqui os espaços são funcionalmente definidos, ali são abertos e indeterminados. A base faz uma referência distante ao encaminhamento das plantas de Louis Kahn. Organiza-se em uma faixa estreita de espaços de serviços contendo sanitários, closets e cozinha e outra mais larga de espaços servidos, abrigando salas e quartos. O arranjo formal é, portanto, rígido e as funções mais comezinhas conformam-se aos espaços que lhes foram determinados. Já a caixa de vidro abre-se em um espaço único que se oferece como um estar com a amplitude dos homens, sem uma função óbvia, apropriado para a contemplação, de onde tudo se vê e tudo é visto.

Essas duas caixas tão singelas, assim contrapostas, percorrem sinteticamente um largo passo da história. Numa ponta encontram o primitivo, o básico; em outra avizinham-se do moderno, do sofisticado. Mas é interessante verificar que neste percurso elas nos fazem atentar para nossa condição pós-moderna. Pós-moderna, não do ponto de vista estético-estilístico é claro, uma vez que o projeto de Baeza, um arquiteto sem dúvida talentoso, não possui nenhum cacoete dessa estirpe. Mas no sentido de que de uns tempos para cá a arquitetura, e de resto arquitetos e teóricos, têm tido grandes dificuldades de se afastar da predominância de parâmetros e referências preexistentes tanto no ato de projetar quanto no momento em que se descreve a realidade e o projeto.

Assim, Baeza cita Mies van der Rohe com sua caixa de vidro, cita Kahn em sua caixa de concreto e ainda remete à caverna e à cabana primitiva. E nós, de nossa parte, lemos todas essas referências, como quem domina os códigos. O difícil é evitar uma incômoda sensação de matéria dominada. Talvez estejamos ainda, fugindo da audácia modernista que caminhava pela negação da história em busca de uma arquitetura compatível com um mundo inteiramente novo.

Se é possível apontar erros na radicalidade moderna que impunha como condição a necessidade de se desvencilhar das raízes do passado para poder renascer, de outro lado é perigoso demais se deixar esmagar pelo peso da história. Não é preciso, como se diz, reinventar a roda a todo momento, mas há que se reconhecer que nem tudo o que passou continua válido. Que novas invenções requerem novos enfoques, novas representações. O que se pretende aqui não é criticar o projeto de Baeza justamente porque ele tem entre suas qualidades a invejável capacidade de ensejar as discussões maiores da arquitetura. Aliás, o projeto tem o mérito especial de provar, pela coexistência justaposta de presente e passado, que ambos são compatíveis e têm com que contribuir. Pretende-se apenas lembrar que descrever a realidade de outra maneira é uma forma de começar a projetá-la. Talvez já seja tempo de se ter uma visão mais otimista do futuro que não procure suas justificativas unicamente no passado, mas se projete à frente correndo os riscos do desconhecido.

Memorial do arquiteto

Belvedere da Casa Blas, Sevilla de la Nueva, Madrid. 2000

Implantada no cume da face norte de um monte, com vistas para as montanhas próximas a Madri, a casa, mais do que qualquer coisa, é uma resposta para esta localização para ocupar a plataforma.

Uma caixa de concreto foi construída, uma espécie de plataforma para se assentar algo. Uma caixa transparente de vidro, coberta por uma delicada e clara estrutura de aço, pintada de branco, foi colocada sobre o podium.

A caixa de concreto está encravada na terra como uma caverna, com o programa de uma casa tradicional, com um diagrama claro de espaços servidos para a frente e espaços de serviço para trás.

A caixa de vidro está depositada sobre a plataforma, como uma cabana, e surge como um belvedere que se eleva de dentro da casa..

Abaixo, a caixa opaca é um refúgio. Acima, a cabana, uma urna, é um espaço de onde se contempla a natureza.

O projeto inteiro é conformado com a precisão de suas dimensões. A caixa de concreto é de 9 por 27 metros. A estrutura metálica é 6 x 15 metros. A caixa de vidro mede 4.5 x 9 metros, com 2.26 metros de altura.

Esta casa tenta ser tradução literal das questões tectônica e estereotômica: uma peça tectônica sobre uma caixa estereotomica. A destilação do que é essencial em arquitetura. Mais uma vez, "more with less".

ficha técnica

Alberto Campo Baeza, arquiteto
Raúl del Valle González, colaborador
Mª Concepción Pérez Gutiérrez, estrutura
Francisco Melchor, gerenciamento
Juan Sáinz, construtor
Francisco de Blas, proprietário

sobre o autor

Lêda Brandão de Oliveira, arquiteta formada na FAU-USP, é titular do escritório Oficina de Arquitetura. Foi redatora das revistas Projeto e Design e Interiores e escreve regularmente para a Gazeta Mercantil sobre arquitetura e design.

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