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MENDONÇA, Adalton da Motta. Vazios e ruínas industriais. Ensaio sobre friches urbaines. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 014.06, Vitruvius, jul. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.014/869>.

Para discutir as alterações econômicas num determinado espaço, como o aparecimento de ruínas e vazios industriais, optamos por um caminho teórico ainda pouco difundido, mas vinculado ao planejamento urbano. São as teorias francesas que tratam das "friches industrielles" e "friches urbaines" (1).

Em nossa língua, não temos uma denominação que traduza completamente esse fenômeno que se encontra hoje em diferentes cidades do mundo - as indústrias e vazios urbanos em abandono que constituem espaços que podem ser transformados, revitalizados, e ter novos usos sociais. Desta forma, empregaremos a terminologia estrangeira friches urbaines.

Algumas cidades como Paris e Londres possuem grande quantidade dessas friches ou vazios industriais. São vários os relatos de novos usos desses espaços por alojamentos, escritórios, estacionamentos, áreas de lazer, parques, armazéns e por outras indústrias.

Muitas vezes, esses novos usos não conseguem disfarçar a imagem de degradação da paisagem urbana, encontrada principalmente nos subúrbios industriais, exceto quando são grandes operações como a construção do Grande Estádio De France em la Plaine Voyageurs em Saint-Denis, subúrbio de Paris, ou as Docklands em Londres, que visam mudar a imagem e a economia na região, mas sobretudo conseguem interferir na identidade social desses antigos espaços que foram zonas portuárias, vilas operárias, banlieue rouge etc.

No Brasil, alguns casos de fábricas, ruínas e espaços vazios reanimados foram estudados. Alguns exemplos são a antiga Fábrica de Tecidos Nova América no subúrbio carioca de Del Castilho, transformada no Nova América Outlet Shopping e, o Moinho Santo Antônio na região da Mooca em São Paulo transformado em centro de entretenimento.

Damos preferência a esta abordagem, por acreditarmos que medidas de revitalização urbana na orla oriental da Baia de Guanabara (Niterói e São Gonçalo/RJ) podem iniciar-se pela reanimação de atividades econômicas em declínio ou pela reutilização de espaços construídos com infra-estrutura disponível, já que ruínas e vazios industriais estão ligados a um dos mais importantes traços da identidade cultural local, formada pela classe trabalhadora dos municípios citados.

Origem dos conceitos

O geógrafo francês Jean Labasse foi, em 1966, um dos primeiros autores a introduzir na França o conceito de vazios sociais, "friches sociales", associado aos conceitos de "ciclos industriais", e de "descentralização industrial". Outro ponto importante é sua análise sobre "mutações", movimentos e estabilidade da localização industrial, no qual a desindustrialização é abordada nas suas dimensões sociais, econômicas e espaciais.

Geógrafos alemães, reunidos com Wolfgang Hartke, iniciaram a análise do conceito de vazio social - "die sozialbrache". Segundo Labasse, esta expressão apareceu em 1952, aplicada às "terres arables restées sans utilisation pour des raisons économiques et sociales" (2). O primeiro uso da expressão em alemão, "sozialbrache" apareceu na definição metodológica de K. Ruppert (3). Hartke apenas desenvolveu esse conceito, vinculando-o ao estudo da "evolução da paisagem".

Segundo a definição do Service Technique de l’Urbanisme (STU), o conceito "friches", mais precisamente de "friches industrielles," é utilizado geralmente para designar "um espaço, construído ou não, desocupado ou muito sem utilização; antes ocupado por atividades industriais ou outras atividades ligadas à indústria. A reinserção deste espaço no mercado imobiliário, independente do seu uso, implicará num novo planejamento, salvo a utilização precária ou provisória" (4). Esta definição necessita da devida separação entre a palavra "friche", que de uma forma geral pode significar simplesmente terras abandonadas, e o conceito "friche" que pode ser relacionado aos terrenos liberados pelas indústrias.

O conceito "friche" também foi utilizado para a análise da diferenciação espacial e temporal entre a nova atividade industrial e os vazios decorrentes da velha atividade agrícola. Este conceito, porém, não é o conceito de "friche" tal qual usamos aqui, mas um antecessor "flurwüstung", onde os vazios são entendidos como de origem direta da industrialização do espaço rural, ou por causa das migrações em direção às cidades que causaram o abandono de vilas inteiras nos campos no período da industrialização.

De fato, cidades afetadas por crises econômicas, principalmente velhas regiões e subúrbios industriais, precisavam revitalizar suas economias. Na França, esta situação demandou estudos de planejamento e ações governamentais para reverter tais problemas, não só econômicos, mas sociais e espaciais, que se agravaram no fim dos anos 70 e início da década de 80 (5). Já na década de 80 algumas ações foram realizadas pelo Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région Ile-de-France IAURIF (6), nessa região.

Processos de reanimação alteraram o perfil e o "funcionamento" de cidades e regiões desindustrializadas, sobretudo onde a crise se agravava. Grande quantidade de material teórico e empírico pode ser encontrado a partir das primeiras experiências com "friches" industriais. Neste sentido, nos sentimos à vontade para justificar a preferência pela escolha deste conjunto conceitual nas experiências francesas, uma vez que as consideramos como as mais bem estudadas, e com casos que tivemos maior possibilidade de analisar, visto o grande material produzido.

A expressão "friche industrielle" sugere uma homogeneidade que não existe, e pode indicar apenas uma das causas do fenômeno: o desaparecimento da vocação inicial das empresas industriais antigas. Contudo, a constituição de friches industriais em regiões antes industrializadas induz a uma grande variedade, tanto sobre plano das características espaciais dos terrenos abandonados quanto sobre seu potencial de revitalização.

Gatineau & Gaudriault (1981), se preocupam em integrar as friches industriais ao meio para proporcionar uma melhor "qualidade urbana e restaurar a atratividade por uma política voluntarista". Este estudo de 1981, feito basicamente sobre a região de Ile-de-France, utiliza outras experiências tais como Anonary, Lille e Grenoble na França, e Rochdale na Grã-Bretanha. Para o caso de Ile-de-France, o objetivo mais visado era o de reconstruir indústrias, mas a proposta que recebeu maior apoio foi a de "utilizar estes terrenos de maneira mais racional, a fim de diminuir a depauperação, e melhorar a qualidade de vida na zona central".

Bibliografias publicadas pelo Serviço Técnico de Urbanismo da França (STU) a partir de 1987, a base de dados do Instituto urbamet (7), ou mesmo textos de Malezieux e Deluc, nos fazem constatar que as referências mais antigas sobre o conceito remetem às publicações estrangeiras, entre as quais, os textos britânicos que trataram a fundo o conceito de "vazios industriais". No que se refere à Alemanha, Itália, Países Baixos e Estados Unidos, todas as referências são posteriores a 1978.

O primeiro estudo básico francês sobre as vazios industriais publicado foi Beture: Les Friches Industrielles Dans La Région Nord-Pas de Calais, Dossier de Travail, Lille, Beture, 1978. Apesar de existirem artigos sobre a reconversão de prédios e construções antigas, entre as quais as usinas, a França teve que esperar até 1978 para que aparecesse um primeiro texto específico. O estudo de caso sobre a região de Ile de France, feito quase no mesmo momento que este primeiro estudo básico, foi relatado no texto Les Friches Industrilles en Ile de France: Définition, Inventaire, Espériences de Réaffectation, publicado pelo IAURIF em 1980.

A partir desta publicação, novos estudos na França apontaram a importância do fenômeno, das possibilidades de revitalização e da tomada de consciência sobre as políticas de intervenção no espaço. Multiplicaram-se os estudos de reutilização e de execução de operações em algumas áreas, e paralelamente aumentou o número de textos publicados, começando a formar uma bibliografia relativa ao assunto. Houve, também, um movimento que favoreceu a difusão de informação sobre as reutilizações e revitalizações dos vazios urbanos em outros países.

A busca pela "evolução do conceito" nos mostra que os primeiros "approches" foram sobre as técnicas operacionais, aspectos jurídicos e fiscais, e o interesse sobre o patrimônio arquitetônico. Neste caso, o conceito interessava mais aos planejadores, empreendedores e construtores em potencial do que às comunidades locais.

Na França, revistas de arquitetura, como Technique et Architecture; Architecture D’Aujourd’hui; et AMC, abordaram freqüentemente algumas operações de reabilitação, assinalando novas práticas e novas formas arquitetônicas de modificação de patrimônios construídos ou vazios existentes. Pesquisadores também se interessam pela questão, seja em arquitetura, em planejamento ou em geografia, com abordagens sob diferentes ângulos. Devido ao fato deste tema ser discutido no meio técnico (acadêmico ou profissional), não encontramos relatos de estudos de caso que fizessem a análise à partir do ponto de vista da cultura e identidades locais (habitantes e suas relações com o objeto).

A reconquista dos espaços

Algumas empresas privadas na França realizaram programas de revitalização denominados polivalentes, com atividades comerciais, habitações e equipamentos urbanos, uma vez que a maioria das friches, nestes casos estavam geograficamente concentradas. Para as friches não concentradas, a ação pública seria a mais indicada.

Exemplos britânicos indicam que as ações públicas podem ser simples e provocar a "reconquista" do espaço, quando são criadas as primeiras condições de urbanização. A reutilização das friches necessita, portanto, de uma série de estudos de urbanismo, mas uma "politique de polyvalence" é uma forma coerente de reconquista deste espaços.

Eric Deroche (1981), aponta dois novos exemplos: a revitalização de uma área com indústrias do século XIX, onde foi construído um hotel, e outro sobre um loteamento industrial.

Rietbergen (1989), por sua vez, nos mostra a importância da "preservação dos monumentos industriais". Ele cita exemplos nos Países Baixos e na Grã-Bretanha, pioneiros neste tipo de "arqueologia industrial". Para ele, a reutilização de construções industriais é uma medida de conservação mais concreta que a proteção oficial por aspectos culturais e históricos ou a restauração destes bens. "Conservando apenas pelo valor industrial, corremos o risco, no melhor dos casos, de ter um espaço com a função de museu". Como bem sabemos, nos países em desenvolvimento, a maioria dos casos, as friches se transformam em ruínas ou são demolidas, uma vez que geralmente não há uma política de preservação para este tipo de patrimônio em particular.

Mas, nem sempre a solução dos problemas das construções industriais está na busca de novas utilizações e novos usos. Existem, ainda, outras possibilidades segundo o autor: o edifício pode ser restaurado recobrando seu estado original; pode-se dar prioridade aos aspectos arquitetônicos, conservando os desenvolvimentos sucessivos ou, pode-se adotar um enfoque pragmático com uma adaptação moderna que leve em conta a construção original. Neste último caso, citaria os exemplos do Centro Cultural do Gasômetro em Porto Alegre, o Porto Madero em Buenos Aires, e a Fundição Progresso no Rio de Janeiro, entre outros.

Rietbergen (8) também diz que as propostas são individualizadas, sendo necessário soluções "sur mesure". Desta forma, "quanto mais proteção recebe uma construção, maiores serão as probabilidades de conservá-la".

Alguns trabalhos advertem em relação aos impactos urbanos do modo como as operações de reanimação de friches são feitas, e sobre os métodos e técnicas de intervenção. Muito interessantes são os artigos que dão conta da reutilização de áreas industriais na região de Saint-Denis para a construção do Grande Estádio De France para a Copa do Mundo de 1998.

Comparando experiências

Na França, o aumento do número das friches assinala mudanças na economia e na tecnologia, bem como a necessidade de se pensar em novas políticas urbanas. As soluções aplicadas na França para o tratamento das friches possuem características próprias e são relevantes para o conjunto das práticas sociais de reconversão para regiões de industrialização antigas.

As práticas iniciam-se pela identificação das friches, e pela elaboração de propostas específicas para cada bairro ou região, que se apoiam na intervenção do setor público, parcial ou exclusiva para o restabelecimento das condições necessárias à reabsorção dos locais abandonados no conjunto do tecido urbano. Nas regiões parisiense e norte de Pas de Calais, esses procedimentos foram adotados quase simultaneamente para ordenar as friches industriais, tornando o fenômeno de grande visibilidade.

Em São Gonçalo/RJ, as primeiras intervenções foram feitas pelo setor de serviços, (supermercados). Até hoje, nem um caso de intervenção foi feita para criar áreas de lazer, por exemplo. A carência destas áreas pode ser melhor compreendida através de uma breve comparação com os Municípios de Niterói e Rio de Janeiro.

Como fator de revitalizações bem sucedidas, podemos citar a atratividade, uma vez que na França, 13% dos investimentos realizados com capital estrangeiro (belga, americano) têm sido efetuados na região norte Pas de Calais. A atração de empresas para a região deve-se, em parte, por seu passado, por sua "herança industrial", suas usinas siderúrgicas, construção ferroviária, onde trens, metrôs, e o conhecido TGV (Train à Grande Vitesse), são construídos e exportados.

Outro fator importante é o envolvimento dos atores locais e regionais com o meio ambiente e com a reconquista dos espaços. Em áreas onde havia muitas friches e pequena quantidade de áreas verdes, foi criado um programa de reflorestamento, sendo plantados cerca de 10.000 hectares de vegetação.

A acessibilidade às áreas em que se encontram as friches também é muito importante. Desta forma, deve-se levar em conta o aproveitamento das estruturas e redes existentes, bem como a complementaridade dos meios de transportes. Somando os transportes, novas tecnologias e o Eurotéléport da cidade de Roubaix, equipamento destinado às empresas para a recepção, transmissão de emissões e de comunicações mundiais por satélite e por cabo, temos uma nova centralidade que ultrapassa o urbano, o metropolitano e o nacional. Uma outra inovação foi a criação de fundos de ajuda, conselhos para a "economia social" e um fundo para a cultura, idéias que poderiam ser discutidas em nossas cidades.

O city marketing também pode ser um fator de valorização local. Na região norte Pas de Calais, desde o lançamento do filme "Germinal", o museu da mineração da cidade de Lewarde é muito visitado. Isto vem demonstrar que a região está sintonizada com o marketing urbano e em paz com sua identidade cultural ligada à indústria. Além deste museu, nessa região existe o "Arquivo do Mundo do Trabalho", na cidade de Roubaix, em um antigo château de uma indústria têxtil (l'usine Motte Bossut). Único na França, no gênero, é também um exemplo de revitalização de uma friche para a preservação da identidade cultural, tombamento e patrimônio.

O pequeno número de obras publicadas sobre este tema no Brasil mostra uma tomada de consciência recente. Nos casos de São Gonçalo e Niterói/RJ, foram os empresários que descobriram as possibilidades de investimento a partir das friches, e só mais tarde, atores do planejamento ligados ao poder local tomaram conhecimento da problemática. Mesmo assim, as administrações municipais ainda não se detiveram nestes espaços, conforme nos mostram os Planos Diretores locais.

A orla oriental da Baia de Guanabara – RJ

Um ensaio sobre as friches ultrapassa a delimitação geográfica de um objeto de pesquisa. Uma abordagem mais ampla torna-se necessário sobretudo quando falamos de Niterói e São Gonçalo/RJ, principais elementos da nossa pesquisa inicial que originou este artigo.

A conceituação "friche urbaine", aplicada em nosso estudo, trata de um ex-distrito industrial que representa ora uma conurbação em municípios vizinhos, ora um conjunto de bairros de um mesmo município, constituídos por habitações e outras atividades. Para o nosso estudo, nos limitamos apenas à definição mais ampla que abrange espaços construídos ou não, desocupados ou muito subutilizados, antigamente ligados a atividades industriais ou cuja reinserção no mercado imobiliário, independente do uso, implica num novo planejamento, salvo os casos de utilização precária ou provisória que observamos, como estacionamentos, favelas ou oficinas clandestinas.

A ampliação da conceituação facilitou o contato com a diversidade de terrenos, empresas industriais abandonadas ou usadas para outros fins como equipamentos urbanos, campos de futebol, habitação irregulares, supermercados etc.

Em alguns casos específicos, notamos que a demora ou mesmo o não reaproveitamento de terrenos ou edificações não ocupados resultou no desaparecimento das condições necessárias para a criação de novas atividades nessa área, e o aparecimento de elementos que podem proibir a continuação de atividades afetadas, como as invasões e a favelização. Como exemplo, vale citar a resistência dos ocupantes do terreno em que hoje se encontra o Supermercado Carrefour, onde havia um aglomerado de barracos de papelão e madeira atrás de um outdoor.

De fato, vários fatores concorrem para a existência das friches no local estudado - fatores políticos e econômicos, a ausência de planejamento urbano local, a redução da procura de terrenos para as atividades industriais, como é o caso da reestruturação da Siderúrgica Gerdau, a diminuição das áreas ocupadas por empresas que necessitavam de portos ou grandes pátios, e também a redefinição das atividades, devido à concorrência.

No caso da área estudada, vemos ,nitidamente, a preocupação com a redução dos custos de transporte, e concentração das atividades das empresas numa mesma área. Não podemos deixar de citar, principalmente, o Bairro do Barreto em Niterói, onde se encontram estaleiros fechados desde a década de 1980, devido à ausência de políticas públicas que favoreçam a continuidade de atividades de construção naval.

Consecutivas crises econômicas acentuaram o número de processos de relocalização geográfica, e afetaram novas reorganizações econômicas e urbanas. Em São Gonçalo, por exemplo, o número de terrenos livres não é grande, e estes ainda se encontram marcados por atividades anteriores.

O caso das indústrias Gerdau é ideal para exemplificarmos esta questão: no mesmo terreno antes foi uma Aciaria, depois a Siderúrgica Hime, comprada posteriormente pela Cosigua (9) e finalmente a Gerdau. Podemos encontrar ainda, a vila de operários da Hime, a fachada da Fábrica, o campo de futebol do time dos metalúrgicos, referência da identidade local, os prédios da Usina da Gerdau e o próprio nome do bairro operário Vila Lage, em homenagem ao industrial Henrique Lage. Pode-se notar que o modo de organização espacial local ainda hoje é muito influenciado pelo período industrial.

As friches em São Gonçalo e Niterói são caracterizadas pela sua grande diversidade, tanto em termos de suas dimensões e suas localizações, quanto sobre suas "funções" originais, estas determinadas quase sempre por ocupações ligadas às atividades industriais ou comerciais. Neste sentido, ao planejarmos o futuro destas áreas, devemos considerar os laços locais com esse passado, e com a identidade operária.

De fato, esses laços são muito importantes. Notamos no discurso dos moradores destas regiões o receio das áreas abandonadas, possíveis locais para o uso de drogas ou atividades ilícitas, até mesmo porque, em geral, a iluminação pública e a segurança destes bairros são precárias.

Não citamos ,também, oficinas (mecânicas, esquadrias, móveis etc), cujas atividades se situam às vezes no limite do artesanato, e realçam, freqüentemente, a tradição anterior ao período de industrialização propriamente dito. Por serem de pequeno porte, elas ocupam ou ocuparam uma pequena parte neste trabalho, mas é importante ressaltar que seus operários outrora trabalhavam nas indústrias.

No caso estudado, algumas friches possuem boa localização, menor custo na reutilização, infra-estrutura e grandes áreas o que facilita a implantação de novas atividades. Os Supermercados Carrefour e o Sam’s Club (Wal Mart) são bons exemplos. A área ainda possui a capacidade de absorver a implantação de grandes empreendimentos, mas até que ponto os novos usos marcam a identidade local ligada a indústria?

Essas mudanças podem modificar a visão de mundo local e se difundir para o espectador exterior a idéia de ser uma área urbanizada constituída por signos modernos e globais como o Bob’s, o MacDonalds, o Carrefour, e o Wal Mart, que podem sobrepor os signos anteriores, vinculados à identidade fabril, que por sua vez também não tiveram origem local. Por outro lado, pode haver um efeito dominó de abandono na assimilação das novas atividades comerciais e de serviço, afetando não só a vida econômica, mas também a vida cultural e social.

Algumas atividades industriais no meio urbano deram origem à diferenciação e à solidariedade entre diferentes comunidades da cidade, e contribuíram para criar antagonismos com outras cidades vizinhas. A organização de alguns bairros também está ligada aos diversos tipos de estabelecimentos outrora envolvidos na produção. A degradação de outras partes do tecido urbano, como por exemplo terrenos próximos a uma friche, apresenta à primeira vista ao visitante relações diretas com essa friche industrial, que chamamos de efeitos da degradação de uma friche urbana.

Conclusão: efeitos sociais e revitalização urbana

Os efeitos sociais constituem apenas alguns dos efeitos possíveis sobre o tecido urbano. Dentre estes, podemos citar os efeitos da degradação urbana ligados às friches: efeitos visuais, espaciais, econômicos, sociais e culturais. A aparência de degradação dos locais com friches, seja devido ao tipo de uso ou pela falta de manutenção que sofrem os terrenos e prédios ainda existentes, produz sobre a paisagem urbana um efeito bastante depreciador.

Alguns efeitos também podem favorecer o aparecimento da insegurança, e em alguns casos o surgimento da violência nas áreas próximas. Influenciando as práticas sociais, alterando hábitos da vida dos habitantes, costumes e visões de mundo relacionados aos espaços. Alguns locais degradados são associados, ainda, ao "vandalismo, tráfico de drogas, assaltos e até assassinatos".

Outros efeitos sociais e econômicos associados às friches por alguns habitantes, são os relacionados com o aumento da taxa de desemprego e à "vida cultural" pouco atraente: fechamento e redução do número de cinemas e teatros, abandono de praças e áreas de lazer.

O aparecimento do jargão "cidade dormitório" para demonstrar o esvaziamento econômico local e a crítica às administrações municipais, aponta, ao menos, o desequilíbrio entre comércio local e os centros vizinhos de Niterói e do Rio de Janeiro. "Quando o centro do rio e de Niterói estão cheios (horário comercial) São Gonçalo está vazio. Mas no fim de semana é o contrário".

O desaparecimento de algumas atividades também significa a diminuição de receitas. A perda de recursos, em alguns casos, pode tornar-se fonte de despesas com a manutenção e vigilância dessas áreas. Há, também, um efeito de desestimulação sobre as empresas que buscam implantar atividades em locais próximos, implicando na sub-utilização das infra-estruturas, das redes e dos equipamentos existentes, sinal da desvalorização de todo um patrimônio social. Mesmo uma pequena friche urbana pode implicar na desvalorização de uma cidade, outrora classificada como local de concentrações de trabalhadores das industriais de Niterói a São Gonçalo.

Alguns operários que se mantém no local podem encontrar-se numa situação de marginalização e exclusão, não só dos novos mercados de trabalho, mas principalmente dos benefícios que possuíam. A mudança de atividade força essa classe local a adquirir sua autonomia e flexibilidade, num contexto onde, além do choque econômico, são as culturas e as práticas operárias que podem transformar-se ou até desaparecer.

Em uma das ruas principais da área, há uma concentração de pequenas e médias empresas de metalurgia e oficinas, de esquadrias de ferro e alumínio, muitas ocupadas por ex-operários das indústrias locais, que continuam no mesmo ambiente, e com as antigas atividades.

Para que seus espaços possam ser reutilizados, sem prejudicar seu metiê é preciso que se faça uma análise sobre as modificações que poderão ocorrer no zoneamento após a reutilização de um terreno ou construção, já que a liberação de terrenos de grande porte, ou de vários terrenos de tamanho médio, mas contíguos, poderia resultar numa política pública, municipal ou estadual que valorizasse, em parte, o potencial desse espaço urbano, com a construção de empreendimentos e o alargamento de vias públicas, sempre preservando a identidade local.

Isso possibilitaria a revitalização da área, com empreendimentos que poderiam servir como operações-piloto, implicando na manutenção das identidades do distrito. O que observamos, entretanto, é a modificação das vocações e a rápida transformação da imagem de uma cidade.

Algumas áreas têm sua vocação alterada para favorecer as empresas dos ramos de serviço e comércio. Para a razão econômica, certas espacialidades são desvalorizadas com a implantação de outros usos ou para atividades culturais e de lazer. A recuperação ou revitalização de friches poderia, assim, assumir formas diversas: novas atividades, habitações populares, equipamentos urbanos, espaços verdes etc.

De fato, a revitalização destas áreas pode tanto remediar uma série de carências urbanas, como a falta de equipamentos urbanos e habitações, ausência de vida econômica local e áreas de lazer, quanto contribuir para a preservação das identidades locais, ao mesmo tempo que se modifica o tecido urbano. Uma utopia, no verdadeiro sentido da palavra

notas

1
Friches urbanas: "Terras livres e abandonadas no meio urbano e na periferia por não terem sido cultivadas ou construídas, onde há demolições de edifícios, fábricas ou instalações provisórias. Os antigos quarteirões de fábricas e vilas operárias". Friches industriais: "terrenos abandonados pelas indústrias, por estas terem sido relocalizadas ou cessado suas atividades. Esta expressão é indicada aos terrenos ainda ocupados por construções de indústrias, não demolidos, mas inutilizados". MERLIN; CHOAY. Dictionnaire de l’Urbanisme et de l’Aménagement, 1985, p. 312.

2
LABASSE, Jean. L’organisation de L’espace: Éléments de Géographie Voluntaire. Hermann, Paris, 1966, p. 457- 458.

3
RUPPERT, K. Zur Definition des Begriffes Sozialbrache, dans Erdkund, t. XII, 1958, p. 226, 231, apud LABASSE, p 457, nota 62.

4
SEPROREP/STU: L’Enjeu Friche Industrielle, Paris, STU, 1984, p. 6, apud DELUC, Isabelle. 1989, p. 11.

5
MALEZIEUX, Jacques. "Politique et pratique du développement économique dans les communes anciennement industrialisées de l’agglomération parisienne", Revista Hommes et Terres du Nord, 1989, p. 299-303.

6
MALEZIEUX, Jacques. "Réanimation de Friches Industrielles en Banlieue Parisienne, Congrès national de sociétés savantes", Geographie, Lyon, 1987, p. 179-194.

7
Urbamet: Instituto francês de urbanismo e planejamento urbano.

8
Este autor descreve uma Lei recente nos Países Baixos sobre a proteção das construções industriais: The Monument and Historic Buildings Act e o Monumenten Inventarisatie Project.

9
Companhia Siderúrgica da Guanabara

sobre o autor

Adalton da Motta Mendonça é sociólogo, mestre em planejamento urbano e regional, e professor da graduação em Sociologia da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro

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