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MEHRTENS, Cristina. O aeroporto Nacional de Washington: um conto sobre aeroportos e arquitetos. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 014.02, Vitruvius, jul. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.014/865>.

Em 1991, a revista Architectural Record abriu a década com uma edição especial sobre preservação, colocando em dia e inventariando a produção arquitetônica norte-americana desse início e meio de século. As obras foram agrupadas em três categorias principais. A primeira privilegiava trabalhos voltados à preservação em seu mais restrito senso, isto é, às estratégias de restauração baseadas em profunda pesquisa arqueológica. A segunda categoria voltava-se aos projetos de renovação que possuíam seus usos totalmente alterados, como por exemplo, hospitais transformados em habitação popular ou residências tornadas instituições de ensino. A terceira categoria envolvia trabalhos que embora tenham mantido sempre o mesmo uso, sofreram diversas intervenções (expansões e modificações) ao projeto original em diferentes momentos de sua existência. Nesta última categoria se enquadra o foco desse artigo: o novo aeroporto Nacional de Washington D.C. (WNA) (1). O estudo do projeto de renovação de aeroportos revela uma nova e distinta apreciação de um programa arquitetônico que, inventado nesse século, tornou-se obsoleto e tem passado por uma série de transformações. Essas transformações refletem-se nos títulos sobre o tema que retratam o aeroporto como um "ente velho", um "equipamento idoso" que necessita uma "nova vida", um "uplifting". O processo de envelhecimento das estruturas construídas nesse século permite reflexão para uma avaliação crítica das concepções contemporâneas voltadas ao assunto e sua relação com o espaço urbano.

A invenção do aeroporto

No início desse século, o programa de terminal de aviões cujos condicionantes e intenções nunca tinham se colocado antes propiciou aos arquitetos um novo campo para o exercício de sua criatividade. Ilustrando esse momento, em 1928, a Companhia Lehigh Portland Cement da cidade de Allentown na Pennsylvania, patrocinou um concurso de projetos para aeroportos a nível nacional. Tais projetos apresentaram soluções arquitetônicas que buscavam fugir às formas convencionais. Neste sentido, tanto o projeto vencedor que retratava um edifício art-deco quanto uma das menções honrosas prevendo o campo de pouso no topo dos edifícios são exemplos da gama de criatividade do período. Voar tornara-se a metáfora dos tempos modernos. Representando o modo de transporte por excelência do século 20, o aeroporto expressava o ideal de uma era cujo espírito e futuro refletiam-se na forma que encerraria os desafios da tecnologia de ponta. Projetar esse espaço provou-se uma tarefa que ia muito além das pistas de vôo, tal tarefa envolveria pensar as relações entre o campo de pouso e seus edifícios e também entre eles e a malha urbana que os conteria. Muito pouco se tem escrito sobre esta ultima conecção, e a história do aeroporto e seus elos com a cidade, o país e o mundo ainda está para ser escrita.

Na primeira metade do século, o avião tornou-se popularmente aceito como meio de transporte, arma de defesa nacional, e meio de esporte e laser. Todas estas atribuições provocaram efeito decisivo nos hábitos das pessoas, desde o jeito de morar e trabalhar até a vida nacional. A indústria da aviação desenvolveu-se em ritmos acelerado depois da segunda guerra mundial.

Nos anos 50, o primeiro terminal internacional, o aeroporto londrino Hearthrow (1950-1969), projetado por Sir Frederick Gibberd (1908-1984), foi construído seguindo novo estilo mas apresentando o antigo programa que misturava em uma mesma ala as funções ligadas à partida e à chegada de passageiros. No início dos anos 70, entretanto, apesar das contínuas adaptações ligadas à evolução técnica, tornou-se evidente que terminais deveriam ser reconstruídos ou significativamente alterados a fim de suportar o contínuo crescimento do tráfego aéreo e de passageiros. A fim de não se perder passageiros durante esse processo, tornou-se necessária uma operação multifásica. Durante estas etapas, a antiga construção deveria ser renovada e, ao mesmo tempo, deveria manter toda a capacidade de funcionamento do terminal. Os desafios e exigências desse processo definiram novos condicionantes no projeto e construção de aeroportos. Renovação passou a significar grandes expansões e reconstruções em um terreno limitado, superposição de funções, e reutilização de técnicas construtivas.

O projeto de reforma do WNA foi parte de um abrangente programa federal aprovado em 1996 que destinou bilhões de dólares à melhoria e desenvolvimento das instalações americanas de transporte aéreo incluindo entre outras a região de Washington D.C. (interessante notar que as bases desse programa encontravam-se em um plano de 1948) (2).

O aeroporto Nacional de Washington nos anos 30 e 40 e seu projeto histórico original: um grande parque público

Nos anos 30, o aeroporto oficial para a área de Washington D.C., o aeroporto Washington-Hoover ou Campo de Hoover, localizava-se em um terreno muito valorizado (onde o Pentágono encontra-se hoje) e tinha que mudar. Em setembro de 1936, o presidente Franklin D. Roosevelt lançou a pedra angular para um novo terminal em Gravelly Point. Construído como parte do programa que tirou o país da depressão, o Works Progress Administration (WPA) de Roosevelt, o WNA revelou-se um raro e esplêndido exemplo do projeto de aeroportos americanos dos anos 30.

O WNA original foi um projeto da agência governamental Civil Aeronautics Authority (CAA) iniciado em novembro de 1938. O arquiteto consultor diretamente responsável pelo planejamento e projeto foi Howard Lovewell Cheney. O objetivo foi construir "o mais belo terminal aéreo metropolitano do mundo, tanto técnica quanto esteticamente" (3). Foi concebido como espaço para passageiros, visitantes e sightseers. Nesse sentido, o WNA tornou-se um dos primeiros projetos, nesta categoria, no qual especialistas em planejamento urbano ("land use design") trabalharam em colaboração com arquitetos e engenheiros na adaptação do terreno a sua função. Desse modo, o aeroporto, concebido como serviço público à capital do país, serviria de modelo para outros terminais a serem construídos. A intenção final era que o projeto total viesse a se tornar um "enorme parque público" (4).

O Terminal

O edifício principal foi projetado considerando-se futuras ampliações, fossem horizontais ou verticais, que provocassem mínima alteração à unidades existentes. As principais características do edifício original art-deco apresentava símbolos da aviação estampados em suas janelas e portas, escadas encurvadas de aço stainless, uma extensa parede de vidro que se abria à rampa de operações, o teto encaixilhado, e a fachada repleta de colunas.

A edição da Architectural Record de 1941, que dedica páginas ao projeto, enfatiza a importância dos ornamentos no WNA terminal que propiciariam uma participação observadora e passiva do usuário. As principais destas características merecem uma descrição. Os terraços de observação da parte superior do terminal receberam em sua superfície ladrilhos cerâmicos cinza e marrom amarelado. O espaço interior das áreas públicas receberam mármore verde do tipo terrazzo antique, enquanto que a área de escritórios e serviços tiveram seu acabamento com cimento, linóleo, ou ladrilhos cerâmicos pretos. As paredes pré-moldadas de concreto apresentavam um receptivo tom cinza e marrom amarelado. Os tetos foram tratados acusticamente. É interessante notar o uso de iluminação indireta através de domos na sala de espera principal, enquanto que luminárias foram usadas nos lobbies de entrada, nos corredores e em outros espaços púbicos. Fluxos contínuos fluorescentes foram locados nos balcões de passagem e no café shop. O restaurante principal recebeu tanto luz indireta via unidades tubulares fluorescentes escondidas em elementos decorativos quanto direta. A loggia de entrada foi inundada por luminárias envoltas nas colunas. As atividades do terminal centralizavam-se na sala de espera principal que apresentava a extensa janela de vidro com 61 metros de comprimento e comandava a livre exposição do campo de pouso e do céu. Uma área balaustrada recuada fornecia assentos para a visão deste show espetacular.

A "domesticação" do Washington National Airport e a criação do aeroporto internacional Dulles

A separação entre vôos domésticos e internacionais espalhou-se pelo mundo a partir da segunda metade dos anos 50 em diante. Os aeroportos originais e históricos, agora completamente integrados à malha urbana, voltaram-se aos serviços nacionais. Com o aumento do tráfego aéreo, os novos e modernos aeroportos internacionais foram projetados em locais mais afastados dos novos centros urbanos.

O Aeroporto Internacional Dulles, construído entre 1958 e 1963, foi projetado pelo arquiteto finlandês Eero Saarinen (1910-1961). Filho do arquiteto Gottlieb Eliel Saarinen (Finland 1873-1950), que mudou-se para os Estados Unidos em 1923, Eero estudou arquitetura em Yale (1930-1934) e associou-se ao pai em 1941 – ano da finalização do WNA (5). Ficou no escritório até 1950 quando, a partir da morte do pai, continua por conta própria. Durante os anos 50, Saarinen & Associates responsabilizou-se pelos projetos do terminal TWA no Aeroporto Internacional John Fitzgerald Kennedy (JFK) de Nova York (1956-1958 e 1956-1969) e do Aeroporto Internacional Dulles em Washington D.C. Valeria registrar que o jovem arquiteto Cesar Pelli trabalhava no escritório de Saarinen durante a construção dos dois terminais.

Dulles ficou conhecido pela crítica como "o aeroporto mais bonito do mundo" (6) e como a obra prima de Saarinen. Sobre a concepção do projeto Saarinen escreveu que a arquitetura oficial era tradicionalmente estática e que o aeroporto de jatos, opostamente a essa postura, expressaria o movimento e a agitação inerentes às modernas viagens aéreas. A essa altura, o WNA era visto como um pesadelo de obscuros e tentaculares portões de embarque e desembarque acostados a um terminal antiquado e espremido entre, por um lado, um incompreensível nó de ruas de acesso e estacionamentos, e por outro, de apertadas passarelas. Mesmo assim, o Nacional (forma como o WNA é conhecido) sempre lidou com muito mais demanda que o Dulles. Tal popularidade atribui-se, em parte, a sua proximidade da área central da cidade de Washington. O aeroporto fica a dez minutos de taxi da Casa Branca e recebe os serviços do Metro. Dulles, ao contrário, está a 40 minutos da cidade e uma conexão de Metro deverá ainda levar anos. Apesar de ser o favorito dos viajantes, o WNA virou uma grande dor de cabeça para aqueles que vivem nas densamente povoadas redondezas do aeroporto, incluindo os residentes de Georgetown. Era preciso que algo fosse feito e um projeto de renovação tornou-se premente. O projeto de revitalização e renovação do WNA foi entregue a Cesar Pelli & Associates.

Cesar Pelli

Nascido em 1926 e educado na Argentina, Cesar Pelli veio aos Estados Unidos e realizou seu curso de mestrado em arquitetura na Universidade de Illinois. De 1954 a 1964, trabalhou com Saarinen & Associates. No fim dos anos 60 e início dos anos 70, trabalhou na Califórnia com Gruen Associates. Em 1972, Pelli tornou-se decano da Escola de Arquitetura de Yale em New Haven, Connecticut, para onde mudou-se e abriu seu escritório próprio. Nos anos que se seguiram, Pelli produziu impressionantemente, numa proporção e qualidade dificilmente igualada por outro arquiteto contemporâneo. Entre esses trabalhos podemos citar:

1974 O centro jurídico de Indiana

1976 O centro Pacific Design em Los Angeles, California

1977 Rainbow Mall e Winter Garden em Niagara Falls, New York

1984 A torre residencial e o projeto de expansão de galerias do Museu de Arte Moderna (MOMA) de Nova York

1988 O Herring Hall da Universidade de Rice em Houston, Texas

1988 O primeiro arranha-céu no distrito de Docklands em Londres

1990 O World Financial Center em Battery Park, Manhattan

1991 O campus da Universidade de Washington em Seattle

1991 Edifícios de escritórios em Chicago e Los Angeles

1991 O Centro de Matemática, Computação, e Engenharia da Faculdade de Trinity em Hartford, Connecticut

1992 Hotel Fukuoka no Japão

1995 A sede da NTT (Nippon Telephone and Telegraph) em Tokio, Japão

1992 O Centro Boyer de Medicina Molecular na Universidade de Yale em New Haven, Connecticut

1992 Edifício Plaza em Costa Mesa, California

1992 Edifício Canary Wharf em Londres

1994 O novo museu de arte na Faculdade Vassar

1993 As torres gêmeas em Kuala Lampur, Malaysia

1993 Edifício Society em Cleveland, OH

Pelli serviu-se de um refinado foco técnico ao esculpir com suas obras dramáticos e poéticos skylines através de torres que abrigavam serviços públicos e escritórios comerciais por todo os Estados Unidos. Alguns desses impressionantes edifícios tornaram-se conhecidos marcos urbanos históricos e regionais como no caso do primeiro arranha-céu construído no distrito de Docklands em Londres, a mais alta torre em Cleveland (46 metros maior que qualquer outra construção na cidade), e, na Malásia, os atuais edifícios mais altos do mundo. O projeto de suas obras combinam alto refinamento artístico à tecnologia de ponta. É digno de nota que o arquiteto transferiu esta linguagem também a suas estruturas em escala mais "comum", como nos edifícios resultantes das expansões do MOMA e da Faculdade Trinity. O primeiro caso resultou no que alguns críticos denominaram de "modernismo preservado" e no segundo de "modernismo sincrético", onde a linguagem moderna se funde com outro estilo, como o gótico vitoriano do campus original em Trinity.

Pelli relevou a cor, a textura e a reflexividade dos painéis exteriores de um edifício, e identificou tais conceitos partes constituintes da obra. A instrumentalização desses conceitos permitiu a intervenção artística. Em seus primeiros arranha-céus, Pelli adicionou cor ao vidro cuja reflexividade tornara-se comum a maioria dessas etéreas edificações; o resultado foi um vasto azul de forma extruded, como no centro Pacific Design. Do final da década de 70 em diante, Pelli desenvolveu sutis fachadas de vidro policromático (em geral, a torre de apartamentos do MOMA em Manhattan). Tais fachadas tornaram-se precursoras dos projetos que passaram a explorar o uso de materiais como o tijolo e a pedra. Tais componentes aplicados às paredes dos edifícios funcionaram como requintada confecção, que eliminou a sensação de massividade, endêmica à maioria dos contemporâneos edifícios de escritórios. Pelli também desenvolveu padrões para os interiores das edificações (edifício da Universidade de Rice em Houston e o Centro World Financial em Nova York), com distintivas adaptações de temas ornamentais.

Nesse fim de século 20, oportunidades de trabalho em projetos de larga escala são patrocinadas por grandes corporações. Pelli soube desenvolver seus trabalhos tanto patrocinado pelo setor privado quanto o público. Desde seus grandiosos edifícios até o refinados museus e construções oficiais e acadêmicas, Pelli exemplificou os vários níveis em que a arquitetura contemporânea participa do desenvolvimento urbano. Em vez se assumir uma posição inatingível, esse utópico e ao mesmo tempo pragmático arquiteto, oferece com seus trabalhos projetos que liricamente expressam o casamento misto das artes. Segundo Paul Goldberger, o editor cultural e crítico de arquitetura do New York Times, Pelli é "um dos poucos arquitetos de nossos tempos – ou de qualquer outro, para esse assunto – cuja retórica completamente reflete sua obra" (7). A paixão e seriedade com que Pelli encara a arquitetura encontram-se também sintetizadas em seu trabalho no WNA.

O projeto de Cesar Pelli para o aeroporto Nacional de Washington

Devido ao crescimento da cidade e ao processo de suburbanização, o WNA passou a ser funcionalmente considerado como parte da cidade de Washington D.C. Tal localização impôs que o projeto de renovação se adaptasse a seletivas formas de uso espelhadas em diferentes fases de implementação – desde a fase de concepção em 1992, passando pela construção de instalações temporárias até sua finalização em 1997. O terminal, o 25º mais movimentado aeroporto americano, atendeu 15,5 milhões de passageiros em 1995, e foi reconstruído servindo 45.000 pessoas por dia. Operado pelo Metropolitan Washington Airports Authority (8), o novo, reluzente e espaçoso terminal de um milhão de dólares por pé quadrado possuía forma de "E" e ocupa uma área de um quarto de milha de uma ponta a outra e apresenta três níveis:

1. O nível superior ou de admissão, onde os passageiros podem ser deixados pelos veículos em uma via de cinco faixas protegida do tempo por altos canopys de vidro. A área de compra de guichets, admissão e outros serviços concentram-se na parede oeste do edifício a esse nível;

2. O nível central ou das alas de distribuição dos passageiros, exibe espaço aberto e claro que reúne toda a atividade comercial (9);

3. O nível inferior ou de saída, onde as bagagens são recuperadas através de 12 carrosséis ocupa espaçosa área para ampla circulação.

O aeroporto foi projetado tendo em mente o usuário que utiliza o transporte público. Nesse sentido, ao chegar de metro o passageiro encontra-se a cem passos do terminal. O acesso fácil aos portões de embarque elimina a conhecida sensação de caminhada interminável. Os usuários do terminal circulam pelos três níveis por escadas convencionais, 26 escadas rolantes e 32 elevadores. Ainda nesse edifício do terminal eleva-se a nova torre de controle de tráfego aéreo, 64 metros acima do chão, aproximadamente 16 andares de altura, substituindo a torre original do terminal antigo. Abaixo, a descrição das principais características do projeto que incluem a extensa parede de vidro, o teto de domos sobre as alas, a estrutura exposta de aço e o piso em terrazzo ao nível das alas. Todo esse trabalho cuidadoso é coroado por um programa de aperfeiçoamento arquitetônico pelas artes, que incorpora diferentes obras artísticas.

Extensa janela para a capital da nação

• Uma extensa janela de vidro (do piso ao teto) de 18 metros de altura por 536,5 metros de comprimento

• Vistas excepcionais da atividade no campo de pouso e para, além do rio Potomac, os familiares monumentos de Washington (como o domo do Capitólio e o Obelisco).

• Vidro transparente e tratado, com linhas cerâmicas permanentemente fundidas no vidro evitam ofuscamento.

Teto abobadado e como domos sob as alas

• 54 domos, 20 metros acima do piso das alas, cada domo com um óculum na clarabóia de 5 metros. A estrutura repetitiva de 4,2 m2 fornece escala, flexibilidade e proporção

• O domo, um dos mais antigos símbolos de abrigo, estabelece a conexão entre o aeroporto e a arquitetura cívica de Washington D.C. As unidades espaciais e modulares retratam escala humanamente reconhecível e a multiplicidade de pequenos espaços possibilita esse tamanho compreensível, o tamanho de uma espaçosa sala de estar (10).

Estrutura

• Estrutura exposta de aço em azul e amarelo com brancos dos componentes dos painéis de absorção de som

• Amarelo e branco são cores que animam e suavizam o peso do cinza depressivo tão comum a terminais.

Piso

• A superfície das alas é de terrazzo carvão (quase preto).

• 10 mosaicos redondos de 5,5 metros incrustados no terrazzo, a fim de prover arte dinâmica (o sol incindindo sobre eles permite formação de claro/escuro no piso que sofre mudança ao longo do dia).

Trabalhos de arte

• Onze balaustradas – de painéis de aço porcelanizado – no nível de acesso que dá para as alas

• Cinco murais – quatro deles nas entradas do terminal a partir das pontes de pedestres do sistema de Metro

• Dois frisos na parede de vidro que dá para o campo de pouso

• Uma grande escultura de cobre, alumínio e aço no centro do terminal

• Uma escultura entreliçada de 139 m2 feita de alumínio, aço e madeira, que ajuda a filtrar o sol das janelas ao sul no final do terminal no nível de entrada.

Atividade comercial

• 25 estabelecimentos de alimentações e bebidas e quase 40 lojas de varejo

Através do programa de aperfeiçoamento da arquitetura pelas artes, a arte foi integrada à arquitetura. Trinta artistas de todo o país foram comissionados para criarem trabalhos de arte em lugares específicos do terminal como parte integrante do projeto do edifício. A colaboração entre pintores, artesãos, escultores, e arquitetos trouxe de volta uma associação existente nos projetos de edifícios públicos no passado, como foi o caso do WNA original. Os artistas americanos (jovens e velhos, homens e mulheres) provêm de diferentes backgrounds étnicos e artísticos (escolas representativa, figurativa e abstrata) percorrendo uma gama desde aqueles reconhecidos no panorama artístico, como um Frank Stella, a outros menos conhecidos ou em início de carreira. Pelli também fez questão de incluir uma boa parte dos artistas da área de Washington.

Os tempos mudaram. Se para um viajante, o melhor aeroporto era aquele que uma pessoa não percebia ter passado por ele (querendo dizer um caminho tranqüilo entre o aeroporto e o destino), esse programa de aperfeiçoamento da arquitetura através das artes e da circulação provocou novas intenções nesse espaço. Hoje em dia, o melhor aeroporto passa a ser aquele que ofereça não apenas conveniência mas acima de tudo "senso de lugar" e "senso de vida", vibração e entusiasmo. A atividade comercial ocupa um lugar importante nesse processo (11). De fato, o terminal doméstico de Washington, o terminal de todos os dias, recebe mais "visitantes" que um museu. O processo de renovação também lembrou os arquitetos que aeroportos deveriam ser considerados – assim como eram no início do século – como locais de laser. Pelli buscou criar no novo WNA um espaço de deleite e que, ao mesmo tempo, identificasse o National como um aeroporto aberto, democrata, e plural.

De aeroportos e arquitetura

O envelhecimento de estruturas como o WNA e Dulles criaram oportunidade para a apreciação de um processo de evolução e avaliação no pensar aeroportos e arquitetura. Pelli, mestre no tratamento das superfícies e hábil planejador de construções em grande escala, criou espaços memoráveis no novo WNA. Espaços que refletem tanto intimidade quanto grandiosidade, características que de certa forma, mantiveram as intenções primárias do projeto original. O terminal art-deco de 1941 – que também privilegiava uma janela para a capital – continha embelezamentos como gravuras nos painéis de vidro, motivos no piso em mármore terrazzo verde e talhas na fachada principal. A partir da década de 50, a linguagem do estilo internacional aplicada a aeroportos foi nitidamente anti-decorativa, e arquitetos dissociaram-se de tudo que dissesse respeito a embelezamentos supérfluos. Na maioria dos projetos, a forma decorria das necessidades da estrutura tão somente sacrificando qualquer consideração externa. A preocupação centrava-se exclusivamente em uma realidade interior que ignorava o entorno – pessoas, calçadas, e outros componentes que fazem uma cidade. Era questão de construir e excluir qualquer outro tipo de experiência.

No aeroporto, assim como na cidade, a principal razão de ser situa-se na necessidade das pessoas estarem juntas a fim de orientar suas vidas. As cidades podem parecer irracionais, caóticas e desordenadas, mas são estas as características que permitem a certos lugares tornarem-se locais de interações comunitárias e expontâneas. Como poderia a arquitetura de aeroportos reforçar o melhor de nossa sociedade e retirar a ênfase de seu pior?

Aeroportos são marcos que carregam memória, identidade e história que também permitem celebrações expontâneas da vida em comunidade. Para Pelli, monumentos são essenciais para esta vida comunitária, são algo a que devemos nos dedicar, imagens que podemos compartilhar (12). Segundo ele, um dos maiores erros dos planejadores urbanos no século XX foi pensar que eles poderiam criar locais utilitários que não necessitassem monumentos. O tipo de monumentalidade que seria aceita dizia respeito apenas à estrutura rítmica de uma obra e seu uso funcional. Porém, mesmo locais utilitários necessitariam do caráter externo da monumentalidade. Nesse sentido, o aeroporto torna-se um local privilegiado pois é um lugar utilitário por excelência que possui qualidades monumentais. Analogamente, Pelli explica que "[a] cidade não resulta da somatória dos locais de trabalho, de morar e de viver. A cidade resulta dos elementos que são comuns a seus cidadãos ... – sejam eles locais de compras, de oração ou de casamento – de todas as coisas que atraem as pessoas" (13).

O novo WNA buscou juntar e trazer de volta os conceitos de embelezamento, monumentalidade, e vida em comunidade. O terminal, em sua elementar arquitetura de espaços largos, claros e abertos usando o vidro e o aço, expressam a qualidade monumental da arquitetura moderna. No entanto, diferentemente dos tempos modernistas, a monumentalidade leva em consideração as proporções humanas. Contra o processo contemporâneo de homogeneidade, Pelli acredita que apenas a diversidade pode nutrir a essência do core de uma cidade. Com isto, ele desenvolveu e usou a linguagem moderna, tecnicamente homogênea, para criar diversidade através das artes no sábio e lúdico arranjo dos espaços interiores.

Não há dúvida que os aspectos técnico tiveram um significativo papel nas mudanças ocorridas em aeroportos desde os anos 40. Nos anos 60, a adição dos requisitos de segurança foi uma destas importantes éreas de mudança. Desde então, arquitetos e preservacionistas vem questionando a natureza destas alterações. Serão os aeroportos o monumento por excelência a serem preservados enquanto representações do século 20?

Nos anos 70, o Dulles foi seriamente considerado para ser nomeado patrimônio histórico no National Register of Historic Places. Tal atribuição daria ao Dulles o reconhecimento da importância de sua estrutura arquitetônica e proveria uma revisão e estudo das antigas e futuras intervenções pelo conselho de patrimônio histórico, o Advisory Council on Historic Preservation (14). Levando em consideração esta problemática, o abrangente programa de reforma dos aeroportos americanos foi deslanchado nos anos 90. Edifícios como o Centro Rockfeller em Nova York (com seus murais dos anos 30 e rica decoração em seus lobbies), a sede da Johnson Wax em Racine, Wisconsin, e o terminal TWA do aeroporto JFK em Nova York – com seus interiores originais – podem ser chamados de exemplos de modernismo preservado (15). Esses edifícios encerrariam as características de uma identidade americana que seriam pragmatismo, vigor, otimismo e autoconfiança. O WNA, assim como os arranha-céus levantando-se em Manhattan, também provocariam a identificação de tais qualidades.

Nos anos 90, Pelli e outros arquitetos tentam suplantar a antiga ideologia moderna com novos valores e buscam um estilo arquitetônico que concentre-se menos na homogeneização de elementos e mais na identificação dos interesses e expectativas humanas. Nesta fase livre para experimentar de tudo, com certeza, os pré-fabricados tornaram-se coisas do passado enquanto que a eclética mistura das cores, formas, e elementos afins acaba de decolar. Finalmente, o aeroporto nacional de Washington assume sua identidade e caráter através do criativo trabalho de orquestração de Cesar Pelli. Nesse sentido, o WNA pode ser considerado um centro cívico vital que ensina uma lição, a narrativa de um tipo de construção, sua trajetória nesse século e de uma nova fase na arquitetura baseada em sua relação fundamental com o tecido urbano.

Agradecimentos

Janet Kagan e Mig Halpine (Cesar Pelli & Associates Inc.)

notas

1
Desde abril de 1998 o nome completo é aeroporto Nacional de Washington Ronald Reagan. Por razões de simplificação, eu mantenho, neste ensaio, o nome original do terminal e suas iniciais.

2
Dos seis bilhões alocados pelo governo federal para a construção de aeroportos, em 1996, dois milhões foram destinados aos aeroportos da região de D.C., que incluíam o aeroporto internacional Dulles e o projeto de renovação do Nacional

3
STUART, J. "Washington National Airport" in Pencil Points. vol 21, n. 10, out. 1940, p. 603.

4
Idem, ibidem, p. 613.

5
Ao folhear a volume que reúne as Architectural Record de 1941 (onde se encontra a apresentação do projeto do WNA) é interessante notar os primeiros trabalhos realizados por pai e filho juntos numa transição sentida não apenas na mudança de nome do escritório mas também nas obras que lembram o charme escultórico dos trabalhos do jovem Eero.

6
AIA Journal (Special Edition), vol 69, nov. 1986, p. 46.

7
HINE, Thomas. "A builder of our time", in: The New York Review of Books, Nova York, jun. 1991.

8
A Metropolitan Washington Airports Authority é uma agencia interestadual criada em 1986 pelo estado de Virgínia e o distrito de Columbia sob o consentimento do congresso norte-americano.

9
Neste nível, o terminal introduz uma réplica miniaturada de Main Street, incluindo uma loja do Museu Smithsonian, do Zoo Nacional, e da National Geographic a fim de reafirmarem aos usuários que eles já/ainda estão em Washington. Os restaurantes e lanchonetes oferecem, além do fast-food, serviço completo e requintado.

10
Citação de Cesar Pelli, apud: SHIFRIN, Carole. "Washington National's Design for 21st century", in: Aviation Week and Space Technology. vol 145, n. 8, ago. 1996, p. 60.

11
Sobre esse tema inovador veja os recentes artigos de Karrie Jacobs (1997) e Jennifer Steinhauer (1998). Segundo Jacobs, o aeroporto JFK, em Nova York, estará construindo um novo e elegante shopping mall em seu terminal enquanto estratégia de renovação urbana.

12
Cesar Pelli vê a cidade do futuro como uma extensão da metrópole de hoje, e visualiza o ambiente urbano como uma área central de monumentos, centros cívicos e parques. O arquiteto valoriza o passado e concebe uma cidade cujos monumentos prevaleceriam. Sobre este assunto veja a engajada entrevista de Pelli, "Cesar Pelli talks about the past, present and promise of architecture and interiors", in: Interior Design. vol 53, abr. 1982, p. 224.

13
DUNLAP, David W. "Future Metropolis", in: Omni. vol 7, out. 1984, p. 121.

14
Nos anos 70, o crítico de arquitetura do Washington Post, Wolf von Eckardt, denominou a sala de espera do Dulles de espaço fantasmagórico onde as pessoas pareciam se arrastar e que revelava "todo o charme arquitetônico de uma pista de boliche" (KNIGHT, Carleton. "Whither Dulles? Cold war landmark" Progressive Architecture. vol 59, mar. 1978, p. 28). Nesta década, o projeto foi aumentado dos 183m originais para 378m, o tamanho pretendido no original (Cf SHIFRIN, Carole. Washington National's Design for 21st Century). Atualmente o Dulles está sob uma expansão multifásica sendo realizada pelo escritório SOM – Skidmore, Owings, and Merrill – a fim de reforçar as características modernas do projeto criado por Eero Saarinen (Cf FREEMAN, Allen. "SOM’s addition to Dulles International Airport respects Eero Saarinen’s modern masterpiece", in: Architectural Record, vol 185, n. 3, mar. 1997, p. 62-66).

15
Estes edifícios são também as obras de arquitetura favoritas de Cesar Pelli segundo entrevista já referida à revista Interior Design em 1982.

sobre o autor

Cristina Mehrtens é arquiteta pela FAU-USP, mestre em Antropologia pela UNICAMP e doutora pela Universidade de Miami. De 1987 a 1991 foi professora da FAU PUC-Campinas e arquiteta da CDHU tendo realizado estágio na França sobre o aluguel social, patrocinada pela Caisse des Depots et Consignations, em 1989.

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