As previsões acerca da distribuição espacial da população mundial nos próximos decênios indicam que as maiores aglomerações urbanas estarão nos países do hemisfério Sul, sendo que a metade da população desses países viverá em cidades. Essas previsões representam um grande desafio para os governantes desses países. Conforme o Relatório da Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento (“Nosso futuro comum”, também chamado de “Relatório Brundtland), no espaço de apenas 15 anos o mundo em desenvolvimento terá de aumentar em 65% a capacidade de produzir e administrar sua infra-estrutura, seus serviços e suas habitações urbanas, só para manter as condições atuais”. E em muitos países isso terá de se realizar num quadro de grandes provocações e incertezas econômicas, com recursos abaixo das crescentes necessidades e expectativas.
De acordo com Perlman (1), a medida que o ano 2000 se aproximava, víamos envolvidos por quatro dramáticas metamorfoses de caráter global que nos obrigavam (e continuam) a repensar a natureza dos assentamentos humanos:
Rural- urbano: o mundo vem se tornando predominantemente urbano. Em 1800 apenas 3% de seus habitantes viviam em áreas urbanas; em 1950 eram 29% e pouco depois do ano 2000 mais de 50% da população mundial viverá em cidades.
Norte – Sul: enquanto nos países industrializados a população das cidades se estabilizou ou até mesmo diminuiu, o crescimento populacional urbano nos países em desenvolvimento é dramático, três vezes maior que o dos países industrializados, sua população urbana no ano 2000 pode chegar a ser quase o dobro das nações desenvolvidas e quase o quádruplo desta no ano 2025.
Formal e informal: esse extraordinário crescimento não se distribui uniformemente pelo tecido urbano; metade da população vive em terrenos invadidos, favelas, subdivisões e cortiços em áreas decrépitas e periféricas. Assim, enquanto a “cidade formal” pode estar crescendo à média de 3% a 4% ao ano, a “informal” cresce a um ritmo duas vezes mais rápido.
Cidades-megalópoles: as cidades estão atingindo tamanhos jamais vistos na história da humanidade. Até a virada do século, 23 cidades serão habitadas por 10 milhões ou mais de pessoas, enquanto apenas uma o era há 50 anos. Dezoito delas se localizarão em países em desenvolvimento. Nessa faixa populacional, cada uma dessas megalópoles abrigará mais pessoas do que toda a população atual de alguns grupos de 100 países membros das Nações Unidas.
Entretanto, qualquer aproximação a uma teoria sobre o meio ambiente da cidade deve partir da consideração de que é um meio imensamente artificial, aglomerado e transformado. O meio urbano supõe uma modificação tão importante das condições naturais da região na que se insere, que seus habitantes ficam isolados da realidade natural, desconhecendo-a e freqüentemente, ignorando-a. Problemas ambientais como o efeito estufa, o deterioro da camada de ozono, a diminuição da biodiversidade, os enormes e indevidos consumos de energia operante e dos resíduos perigosos, estão relacionados com suas vidas, como o desenvolvimento da sociedade industrial e com as modernas estruturas urbanas. Desde faz poucas décadas, a importância como biotopo dos espaços urbanos tem sido reduzida devido a estas fortes tensões ambientais às que estão submetidos, e talvez seja a rapidez da mudança a que impede aos projetistas e administradores da paisagem urbana apreender pela experiência a forma de humanizar a matéria prima que tem a sua disposição.
Mas, a urbanização não é um mal em si; a questão é que nos países em desenvolvimento, como o Brasil, ele se conjuga com seus altas índices de pobreza e algumas limitações energéticas, as quais para serem superadas exigem, as vezes, políticas que deterioram o meio ambiente A ocupação de áreas urbanas ambientalmente mais frágeis (como mangues, várzeas, fundo de vale, aterros, lixões e áreas de mananciais), aliada a um aumento descontrolado das atividades comerciais financeiras e de construção, é a expressão mais contundente dos efeitos dessa conjugação (2).
Nos últimos anos as autoridades mundiais têm se conscientizado da gravidade da degradação ambiental urbana, de um lado, e da situação do consumo de energia elétrica, principalmente, e de suas conseqüências sobre o meio ambiente, de outro. Os relatórios oficiais elaborados mais recentemente ressaltam a necessidade de que se busquem estratégias que resultem numa nova forma de pensar a vida urbana, incluindo as políticas ambientais nos seus programas estratégicos de governo, as que só terão sucesso num ambiente democrático e solidário. Ressaltam, também, a importância de se criar soluções alternativas, que respeitem a diversidade local, capazes de modificar o atual padrão de desenvolvimento urbano, alcançando um padrão de desenvolvimento sócioambientalmente sustentável. Para isso, será necessário guiar-se por uma estratégia administrativa capaz de “encontrar formas concretas de harmonizar os critérios de equidade social, sustentabilidade ecológica, eficácia econômica, aceitabilidade cultural e distribuição espacial equilibrada das atividades e dos assentamentos humanos” (3).
A preservação do meio ambiente urbano pela densificação
Na última década, os estudos voltados para a qualificação do ambiente urbano têm sido incentivados como uma forma importante de alcançar o desenvolvimento sustentável. Até então, os problemas ambientais vinham sido tratados em escala relativamente pequena quando comparados ás suas conseqüências a nível global. A cidade, como resultado da ação antrópica sobre o meio, é um dos mais importantes objetos a ser estudados. Contradições sobre a forma da cidade mais compatível com a sustentabilidade ainda existem. A forma compacta é freqüentemente indicada como uma das mais apropriadas para o uso racional de energia e preservação dos recursos naturais, sendo apontadas como vantagens dessa forma a redução do número de viagens e conseqüente redução da emissão de poluentes, otimização da infra-estrutura, proteção das áreas agrícolas rururbanas e diversidade cultural e social. Porém, desvantagens como o aumento da poluição, a perda de qualidade de vida e a redução de áreas verdes são destacadas.
Não há dúvida que a discussão mais ampla (e na moda) é a relacionada com o enfoque do re-desenvolvimento urbano, cujas frases mais consagradas são as da consolidação urbana, densificação, densidade média ideal, todas elas associadas a um transporte público interno eficiente, maiores áreas urbanas para pedestres, intensificação do uso de bicicletas...
Esboçando um precedente histórico, este cenário proposto para o desenvolvimento urbano poderia concentrar-se naquelas formas urbanas que aparecem como exemplares de paisagens procuradas pelos usuários e turistas, como são Copenhague e Barcelona por exemplo, consideradas de alta densidade de ocupação do solo urbano, bons serviços de transporte público, menos consumo de energia per capita que as cidades estendidas, com baixa densidade, baseadas no transporte automotor privado. Nenhum comentário sobre o clima ou as condições sócio-econômicas locais, muito menos sobre o impacto no ambiente natural ou construído que essa forma urbana pode produzir implantada sem levar em consideração esses aspectos. Os que advogam por este cenário poderiam cometer o erro de querer modificar nossas formas urbanas, densificando-as com o apoio de um bom transporte público. Este não é um projeto de futuro fundamentado na experiência do passado para a região tropical; tem, sim, uma lógica persuasiva e não há dúvida que podem ser obtidos bons resultados em determinadas circunstâncias. É necessário ter presente que o cenário da densificação fundamenta-se em exemplos históricos, alguns dos quais foram projetados com alto grau de dependência energética e da mecanização. Esta estratégia, entretanto, deve ser cuidadosamente avaliada e aplicada no caso da cidade tropical e subtropical úmida, porque as conseqüências energéticas e ambientais são desfavoráveis. A título de exemplo, citamos o caso de Porto Alegre, que poderá densificar-se com a aplicação do novo Plano Diretor Urbano Ambiental aprovado em 2000. Simulamos – usando modelo computacional – as condições de ventilação natural urbana atuais, razoáveis, e as comparamos com os resultados obtidos nas simulações realizadas para o adensamento proposto, tomando como ano de referência o 2010 (Figura 1); verificamos que a perda de ventilação no novo tecido urbano resultante é mais do que significativa em alguns bairros da cidade, condenando-os ao desconforto térmico ou ao hoje caro e restrito consumo de energia elétrica, que impacta forte e negativamente o meio ambiente em geral. E isto acontece em, Porto Alegre, que foi credenciada entre as cidades do mundo que melhor vinham sabendo equacionar a participação popular nas decisões orçamentárias locais, por um lado, e esboçar algumas soluções para o binômio desenvolvimento urbano/meio ambiente. Indicada como a cidade brasileira de melhor qualidade de vida em 1998, recebeu a atenção da imprensa nacional e internacional, formadora da opinião pública, passando a ser considerada uma “cidade diferente” das demais cidades brasileiras. Negligenciando ou considerando superficialmente os fatores políticos, culturais e socioeconômicos que determinaram sua qualidade de vida, reportagens e ensaios de caráter opinativo preocuparam-se em explicar as razões dessa “diferença”, hoje em amplo questionamento por várias e diferentes motivos.
Espalhamento em cidades médias brasileiras
O espalhamento urbano tem seus problemas e tem sido questionado, como já mencionamos antes; pode ocorrer como conseqüência de dois processos: a) baixa densidade urbana resultante de lotes com áreas grandes; b) falta de continuidade da malha urbana, chamada de leapfrogging ou vazios urbanos. Nesses casos, enquanto o custo da terra tende a ser baixo, o padrão de desenvolvimento é economicamente insuficiente, tornando-o indesejável e sendo objeto de estudos freqüentes nas últimas décadas. Entretanto, as conclusões das pesquisas realizadas estão divididas entre cidades mais compactas com centros fortes e boas condições de transporte público e cidades multinucleares, teoricamente capazes de servir tanto ao transporte público como ao automotor privado; em todos os casos sem mencionar o tipo de clima, a situação sócio-econômica ou a cultura local.
Dentro os dois processos anteriormente identificados como causa do espalhamento urbano, as cidades brasileiras sofrem apenas de um: a falta de continuidade da malha urbana, resultante de um grande número de vazios urbanos dentro da área urbanizada. A outra razão para esse espalhamento – o grande número de lotes – é menos freqüente no Brasil. Geralmente são encontrados cerca de 30 lotes por hectare, o que representa 100 habitantes por hectare (se todos estivessem ocupados), mesmo com apenas uma edificação por lote. No entanto, devido aos vazios urbanos, a densidade média encontrada para as cidades de porte médio é de apenas 40 pessoas por hectare.
Os estudos que analisam o espalhamento urbano no Brasil trabalham com a hipótese de uma densidade mais econômica. Entre 1979 e 1996 desenvolvi estudos para as cidades de porte médio e para Porto Alegre, tendo como objetivo principal estimar quanto podiam se adensar sem aumentar a demanda para nova infra-estrutura. Considerando o padrão de moradia mais econômico, a densidade mais adequada variou entre 300 e 350 pessoas por hectare, sendo o mínimo de 40 pessoas por hectare. As Fig. 2 e 3 informam a relação existente entre a densidade e o custo de urbanização por hectare; note-se que os gráficos estão calculados em economias por hectare, pois são elas as que se ligam à infra-estrutura.
Essas densidades, pela sua vez, permitem ainda se ter uma boa qualidade ambiental da cidade – no caso da região subtropical úmida – ambiências urbanas agradáveis microclimaticamente quando associadas a perfis heterogêneos ou a afastamentos laterais entre edificações – no caso da região subtropical brasileira – pois favorecem a insolação de inverno e a ventilação permanente do recinto urbano e dos ambientes dos edifícios que a ele se abrem, contribuindo para retirar a poluição aérea. São, também, eficientes do ponto de vista energético ao aproveitar os aspectos favoráveis do clima local; o PREAMBE (2001) confirmou para a região subtropical os resultados dos estudos realizados para climas frios sobre a forte conexão existente entre a forma urbana e o uso racional de energia.
O resultado formal do uso das densidades recomendadas tanto do ponto de vista econômico como ambiental-energético talvez não seja o idealizado pelas teorias sobre o tema. O modelo de cidade compacta de centro densamente desenvolvido é, sem dúvida, uma grande atração não só para arquitetos e urbanistas mas também para turistas que, romanticamente, vêem nelas lugares ideais para viver e experimentar a vitalidade e variedade da vida urbana. Entretanto, a cidade compacta pode-se tornar super lotada e sofrer a perda da qualidade de vida, com menos espaços abertos e maior congestionamento e poluição, podendo chegar a ser o tipo de lugar onde a maioria das pessoas não gostaria de viver, principalmente nos climas tropical e subtropical úmidos. Este fato deve ser levado em conta na tomada de decisões e na comparação com modelos urbanos adotados na Europa, por exemplo. Nas últimas décadas tem havido uma redescoberta do valor da vida urbana e uma maior preocupação com a qualidade de vida das cidades européias, refletindo-se na falência da periferia. A falta de espaços públicos e a ausência de atividades culturais, a monotonia visual e a perda de tempo e de energia nos deslocamentos que caracteriza algumas periferias contrastam com as oportunidades que a cidade compacta oferece (quando se tem qualidade de vida, é claro): densidade e variedade, eficiência e economia de tempo, funções sociais atendidas e chance de restaurar a rica arquitetura dos séculos passados (quando ela existe, também). Unindo os aspectos climáticos aos culturais, econômicos e sociais locais, por citar alguns, é que será possível adotar a forma urbana adequada para o caso em estudo. Cada um desses aspectos se expressa no meio ambiente urbano; nem a cidade sustentável poupadora de energia nem a cidade compacta ou espalhada não são critérios (espaços) auto-suficientes que podem ser separados e estudados individualmente.
Por outro lado, é importante apontar aqui que as idéias que justificam a cidade compacta tiveram pouco impacto na Inglaterra onde, no pós-guerra, houveram inúmeros movimentos de saída da cidade em favor das periferias. Este fato questiona o princípio de que as pessoas sempre buscam coesão social (basta lembrar os bairros do sul de Porto Alegre, por exemplo), preferindo viver em subúrbios de baixa densidade onde o dia a dia é mais tranqüilo, considerando as facilidades tecnológicas e de mobilidade existentes (e ignorando o dano ao meio ambiente, em alguns casos, ao ocupar áreas agrícolas importantes para a cidade).
Se até o momento nenhuma teoria justifica a idéia de cidade compacta ou estendida, o que está disponível no sentido de se obter avanços em direção ao desenvolvimento sustentável? Existe todo um leque de opções e idéias sendo seguidas neste momento; entretanto, as respostas não são definitivas, sendo difícil propor soluções na base da convicção ou da generalização. Se procedermos dessa forma, seremos conduzidos a um lento avanço sem uma imagem clara do resultado final. É necessário criar uma nova linguagem, novos conceitos e mecanismos de implementação. As questões fundamentais a serem consideradas (pesquisada) são: como quantificar a densidade de ocupação do solo mais apropriada localmente; como intensificar o uso das áreas urbanas de forma aceitável ambiental, econômica e socialmente; como determinar os limites de sua capacidade de utilização. Os resultados podem ajudar no entendimento de como conduzir as áreas urbanas ao desenvolvimento sustentável, mesmo que isto não leve à cidade compacta como norma.
notas
1
PERLMAN, Janice. Uma estratégia de mão dupla para a mudança deliberada nas cidades. IN: Congresso cidades anos 90: Catástrofe ou oportunidade? 3, 1991, Rio de Janeiro, Anais...Rio de Janeiro, Câmara de Comércio Brasil – Canadá / Ibam, 1991, p. 177-191
2
REPETTO, Robert. Population, resource pressures and poverty. IN: The global possible. New Haven, Yale University Press, 1985. Ver também HARDOY, Jorge e SATTERTHWAITE, David. Third wolrd cities and the environment of poverty. IN: REPETTO, Robert (coord.). The global possible. New Haven, Yale University Press, 1985.
3
SACHS-JEANTET, Céline. Parcerias para um desenvolvimento urbano sustentável no aspecto ambiental. Unilivre. Boletim de desenvolvimento urbano e meio ambiente, nº 7. Ano 2, nov./dez. 1992.
referências bibliográficas
MARTINOTTI, Guido. A vida nas metrópoles de amanhã. IN: Terra, patrimônio comum: a ciência a serviço do meio ambiente e do desenvolvimento. São Paulo, Nobel, 1992.
MASCARÓ, Juan Luis. Desenho e custos de infra-estrutura urbana. 2 ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1996.
MASCARÓ, Juan Luis. Infra-estrutura e densificação. Porto Alegre: PROPAR – UFRGS PMPA, 1996.
MASCARÓ, Juan Luis. Manual de loteamentos e urbanização. 2 ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1989.
MASCARÓ, Lucia et al. PREAMBE, Preservação do Meio Ambiente pelo uso racional de energia, 5º volume. Porto Alegre: PROPAR UFRGS MCT FINEP, 2001.
POPULAÇÃO CRISIS COMMITTEE. Cities: condições de vida das 100 áreas metropolitanas mais grandes do mundo. Washington, PCC, 1990.
sobre os autores
Juan Luis Mascaró é engenheiro civil pela Universidad Nacional de Tucumán, Argentina, livre docente em Tecnologia da Arquitetura (FAU-USP), doutor em Pesquisa Operacional PUC Buenos Aires) e professor titular do Departamento de Urbanismo da FA UFRGS.
Lucia Mascaró é arquiteta pela Universidad Nacional de Tucumán, Argentina, mestre em Sociologia (ICHS UFRGS), doutora em Arquitetura (FAU USP), pós-doutor em Arquitetura e Meio Ambiente (Universidad de Sevilha, Espanha) e professora titular (aposentada e convidada especial) do Departamento de Arquitetura da FA UFRGS.
notas
1
PERLMAN, Janice. Uma estratégia de mão dupla para a mudança deliberada nas cidades. IN: Congresso cidades anos 90: Catástrofe ou oportunidade? 3, 1991, Rio de Janeiro, Anais...Rio de Janeiro, Câmara de Comércio Brasil – Canadá / Ibam, 1991, p. 177-191
2
REPETTO, Robert. Population, resource pressures and poverty. IN: The global possible. New Haven, Yale University Press, 1985. Ver também HARDOY, Jorge e SATTERTHWAITE, David. Third wolrd cities and the environment of poverty. IN: REPETTO, Robert (coord.). The global possible. New Haven, Yale University Press, 1985.
3
SACHS-JEANTET, Céline. Parcerias para um desenvolvimento urbano sustentável no aspecto ambiental. Unilivre. Boletim de desenvolvimento urbano e meio ambiente, nº 7. Ano 2, nov./dez. 1992.