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architexts ISSN 1809-6298


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NEUTELINGS, Willem Jan. Bolhas, pixels e sutiãs [Blobs, pixels and push-up bras]. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 017.10, Vitruvius, out. 2001 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.017/844>.

Nos anos 1980, os arquitetos da vanguarda de então costumavam desenhar suas plantas a óleo. Uma apresentação de projeto naqueles dias procedia mais ou menos desse modo: o arquiteto-estrela (1) projetava sobre uma tela um slide ao revés de uma pintura a óleo, sugerindo se tratar de uma composição de respingos de tinta. Ato contínuo, ele indicava com uma lanterna laser vacilante cada uma das manchas de cor, nomeando-as respectivamente: “esta é a piscina, este é o vestíbulo, esta é a garagem”.

Vinte anos depois, grandes avanços permitiram a apresentação computadorizada: os arquitetos da nova vanguarda desenham suas plantas em pixels. Uma apresentação hoje é mais ou menos assim: o arquiteto-estrela projeta sobre uma tela de vídeo uma acelerada animação feita em computador, a qual sugere uma composição de ondas vividamente coloridas. Ato contínuo, ele indica com um mouse vacilante cada um dos filamentos de cor, nomeando-os respectivamente: “esta é a piscina, este é o vestíbulo, esta é a garagem”.

Pouco tempo antes do final do século XX, um bom número de arquitetos progressistas abandonou suas pranchetas de desenho. As noites que se seguiram foram consumidas praticando o uso dos seus novos programas de desenho no computador. A partir de então, eles vêm produzindo edifícios ondulantes e que se dobram sobre si mesmos. Esperava-se que os computadores gerassem automaticamente uma nova arquitetura. A nova máquina eletrônica de desenho libertaria a arquitetura para sempre do ângulo fixo de noventa graus da antiga régua T. Isso me faz lembrar das feministas dos anos setenta que queimavam seus sutiãs para liberar seus seios, na esperança de que isso levasse automaticamente ao surgimento de uma nova mulher. Vinte e cinco anos mais tarde, suas filhas estão novamente invadindo as lojas de lingerie em busca de sutiãs recheados para enfatizar sua feminilidade. A chamada ciber-arquitetura está confundindo os meios com o conteúdo de um modo muito parecido.

As dobras, bolhas e corpos que temos visto aparecer por toda parte manifestam o poder revolucionário do uso do computador. Estas formas tem sido objeto de congressos, livros e artigos. O editor-chefe de uma prestigiosa revista de arquitetura chegou a lançar uma campanha em seu favor. Escolas de arquitetura progressistas já organizaram ateliês de projeto sem o uso de papel. O abandono do papel se tornou palavra de honra para a vanguarda computadorizada. Nos anos setenta, o termo arquiteto de papel (2) era um apelido respeitoso atribuído a um grupo de arquitetos que, por falta de encargos reais, se envolviam por sua conta em projetos imaginários que os interessavam. O apelido não tinha nada a ver com alguma predileção especial por papel, mas tudo a ver com o fato de que eles raramente conseguiam construir seus projetos. Nos anos noventa, o apelido arquiteto sem papel designava arquitetos sofisticados, totalmente envolvidos com o uso de programas de computador. Neste caso, a falta de papel não tinha nada a ver com o fato de que tudo o que projetavam acabava construído, mas com uma denúncia do uso de papel por outros arquitetos.

Graças à nova tendência, o edifício curvo se tornou marca de progresso arquitetônico, pela terceira vez no mesmo século. Primeiro, seguindo o sucesso de carros e aviões, veio o estilo aerodinâmico. Na metade do século, refletindo a era nuclear e as viagens espaciais, veio o estilo atômico (seu auge sendo o bikini, nome apropriadamente tirado da ilha tropical que serviu de campo de provas para armas nucleares). E agora temos o estilo dobra-corpo-bolha, seguindo os avanços da tecnologia da informação e da biotecnologia.

É sempre a mesma história: com medo de ficar fora do desfile glamuroso de uma nova tecnologia, os arquitetos adotam seus ícones. A aerodinâmica tem vantagens para coisas que se movem, mas não tem nenhuma importância para objetos estáticos. Curvas são relevantes para a física quântica e para os filamentos do DNA, mas não são particularmente úteis para pisos e paredes. Edifícios ondulantes não são projetados por causa de novas técnicas de projeto, mas porque o arquiteto deseja aquela configuração. Na melhor das hipóteses, um novo meio de projeto leva a uma nova característica estilística, nunca a uma renovação fundamental da arquitetura. Não é por acaso que, nas gerações subseqüentes ao apogeu de estilos curvilíneos (por exemplo, Art Déco, estilo 50’s), eles foram considerados kitsch e fora de moda, só inspirando os que trabalhavam com antiguidades.

O que é trágico para a nova vanguarda é que a arquitetura, sendo uma tecnologia antiga cujos produtos fazem parte da categoria descrita como bens imóveis, tem a ver com características como peso, lentidão e inércia. A arquitetura não elabora suas inovações imitando configurações de outras tecnologias, senão que as deriva de avanços da sua própria tecnologia construtiva e da natureza inovadora de programas sociais. As mais belas curvas deste século não foram feitas com computadores e pixels, mas com arrojo e engenhosidade: as cascas em concreto de [Félix] Candela, os arcos em pedra de Gaudí e o mobiliário em madeira laminada dos Eames.

Outro efeito do uso de computadores tem sido uma homogeneização das apresentações de projetos. O que iniciou em preto e branco com rígidos modelos tridimensionais desenhados com linhas (wireframe) nas linguagens Cobol ou Basic, mudou drasticamente com o influxo de aprendizes da geração Nintendo (todos eles profundos conhecedores da última versão de Photoshop), evoluiu rapidamente para apresentações com milhões de cores, povoadas por nuvens escanerizadas e extras sorridentes. Hoje nenhuma firma de arquitetura ou secretaria de obras e/ou urbanismo que se dê ao respeito pode passar sem collages feitas em computador. Estranhamente, contudo, essas visões artísticas fabricadas se tornaram intercambiáveis e perderam o sentido. Personagens comuns a todas as apresentações atuais são a moça-vestida-em-minisaia-com-Walkman ou o jovem-de-bermudas-com-prancha-de-skate, do mesmo modo que nos anos 1950 perspectivas desenhadas a carvão eram embelezadas com o mesmo tipo de árvore. Pode-se dizer que a collage feita em Photoshop destes tempos já superou em muito o clichê da aquarela promocional das imobiliárias de anos passados, no que se refere à sua incapacidade de transmitir qualquer mensagem significativa.

A grande promessa da revolução eletrônica reside na Internet. Arquitetos estão construindo febrilmente suas páginas na rede na esperança de enfrentarem novos desafios virtuais. No entanto, os reais desafios arquitetônicos propiciados pela Internet são muito poucos: uma fonte adicional de informação para uso doméstico, ou um apoio ergodinâmico para o pulso, para uso no escritório. O chamado comércio virtual acaba se resumindo a operações banais do ponto de vista logístico, realizadas em áreas industrias barrentas: os armazéns da amazon.com, os depósitos da ups.com, ou os escritórios de aluguel padrão da cisco.com. Os reais locais de trabalho das televendas e dos centros de atendimento das grandes empresas da Internet se assemelham em muito aos suadouros (3) do século dezenove, onde as máquinas de costura foram substituídas por computadores (melhor para os seus ouvidos, pior para os seus olhos) mas as pobres senhoras mal pagas ainda se sentam tão próximas que os cotovelos se tocam. Se essa situação não pode servir de estímulo a novas tipologias, muito menos a uma nova arquitetura.

Gates e Jobs ainda não são nenhum Lever ou Seagram; sabonetes e uísque evidentemente estimulam mais renovação arquitetônica do que hardware e software. O melhor que a revolução eletrônica ofereceu aos arquitetos até aqui é a possibilidade de mudança de carreira: dez anos atrás, jovens arquitetos se autoeducaram para serem consultores de informática, hoje um novo grupo de designers está mudando de profissão para se tornar bem sucedidos mestres da rede: (4) os únicos e verdadeiros ciber-arquitetos!

notas

1
Nota do Tradutor: Estrelarquiteto ou starchitect, no original. Tradução de Edson Mahfuz.

2
NT: Paper architect, no original.

3
NT: Sweatshops: – fábricas mal ventiladas, no leste dos EUA, em que um número enorme de mulheres trabalhava por muitas horas, em péssimas condições.

4
NT: Webmasters – aqueles que projetam os sítios e páginas de indivíduos, empresas e instituições, disponibilizadas na World Wide Web.

sobre o autor

Willem Jan Neutelings é arquiteto holandês.

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