Nas revisões artísticas que acompanharam a turbulência cultural e social dos Estados Unidos nos anos 60, a paisagem, tradicional fonte de inspiração, passou a ser tratada de forma bastante peculiar por um certo número de artistas. Em vez de representá-la através de pinturas, muitos deles decidiram introduzir-se na paisagem, utilizando seus recursos e trabalhando com seus aspectos mais característicos. Eles não estavam mais representando a paisagem, mas se encontrando com ela. Sua arte não era simplesmente sobre a paisagem, mas na paisagem.
As primeiras destas obras, realizadas por Michael Heizer, Robert Smithson, Walter de Maria e Robert Morris, ficaram conhecidas como "Earthworks" ou "Land Art". Parte da concepção destes artistas estava implícita nas declarações de Michael Heizer e Robert Smithson. Para o primeiro a escultura precisava expressar o caráter e a escala das grandes paisagens ocidentais: "Art had to be radical. It had to be American". O segundo observava: "Um grande artista pode realizar arte simplesmente lançando um olhar. Uma série de olhares pode ser tão sólida quanto qualquer coisa ou lugar, mas a sociedade continua a roubar do artista sua arte de olhar, valorizando apenas os objetos de arte".
Numa época de conquistas espaciais, revoltas sociais causadas por uma guerra impopular (Vietnã) e antagonismos sociais, surgiu como perspectiva a arte. Uma arte não conformista e, sobretudo, não complacente, que não se pretendia perene, nem para consumo. Era um momento de desencanto, no qual os artistas fugiam da guerra, fugiam de si mesmos e se refugiavam na paisagem. Neste contexto, pode-se entender a paisagem como um meio metafórico e não contaminado, passível de apropriação para manifestação plástica. A maioria dessas obras realizou-se em desertos, lagos, rios, campos e outros lugares não habitados dos Estados Unidos. Isso as distingue de outras formas mais portáteis de escultura, pois muitos desses trabalhos são indissociáveis do lugar onde se realizam e grande parte do seu sentido é tomada das características próprias da paisagem na qual se inserem. Além disso, seguindo o interesse dos artistas, essas obras e seus processos não podiam ser comercializados. O veículo que possibilitou materializar o processo, a apropriação e a divulgação da obra foi a fotografia, cujo papel aqui é idêntico ao que desempenha em outras modalidades, como a escultura ou a arquitetura.
Contrariamente à Pop Art – apta a à perpetuação e de fácil conversão econômica –, a qual se opunha, a Land Art permite que se fale de obras "intangíveis", em que se possibilita a comercialização dos veículos de divulgação das mesmas, mas não a sua posse enquanto objeto, até porque muitas delas, construídas com os materiais próprios do lugar, são "mutantes" ou "cambiantes", evoluindo e destruindo-se com o tempo.
Algumas circunstâncias similares às dos EUA prevaleceram na Inglaterra no final dos anos 60. Um grupo de artistas insatisfeitos com as formas correntes da pintura e da escultura optou por alternativas em environmental e performance art. Dentre eles, destaca-se o escultor Richard Long (Bristol, 1945), aluno da St. Martin's School of Art de Londres.
Richard Long não quer ser enquadrado como um land artist, porém admite ser "herdeiro da sua geração", sobre a qual as premissas modernas tiveram uma influência decisiva. Ele conta que inicialmente queria fazer arte usando materiais como argila ou grama. "Mas eu não pretendia pintar a grama, queria pisá-la" (2).
Comparada com outros land artists americanos, a intervenção de Richard Long é mínima. Ele tampouco necessita da mediação da tecnologia ou de maquinarias. Suas obras estão associadas à atividade física da caminhada. Ele trabalha tanto no seu entorno mais próximo e conhecido como também atravessa paisagens remotas e desabitadas: Himalaia, Andes, Saara... Algumas vezes, caminha e marca seu trajeto no mapa. Outras vezes, depois de atravessar a paisagem em diferentes horas do dia e da noite, deixa suas marcas com pedras, madeira, algas marinhas, galhos de árvores e arbustos. Suas intervenções são simples e repetitivas: círculos compactos ou concêntricos, retângulos, linhas e espirais. Isso, diz ele, é como "colocar o mundo em ordem". "Mesmo que ninguém veja o que criei, as pedras que movi..."
A obra de Richard Long tem certamente uma cronologia, mas não no sentido de evolução e câmbio. Line made by walking, seu primeiro trabalho, não difere formalmente de trabalhos seus realizados 17 anos mais tarde: Walking a line in Peru, Line and tracks in Bolivia e A line in Scotland.
Aos traços de passagem, ele alterna os de permanência. Os pontos que constrói podem ser entendidos como sinais discretos dos seus lugares de descanso. Instalados, eles definem focalidade, pluralidade de direções, recintos, mas também revelam a paisagem. Este é o caso de um trabalho executado por Long em vários lugares da Inglaterra e Irlanda, no qual utilizou três círculos de chapa flexível, pintados de branco. Essas esculturas móveis, uma vez assentadas no terreno, repetiam as irregularidades do seu relevo. A obra interage com a topografia, mostrando a inexistência de lugares idênticos.
Outra obra, A landscape piece, de 1967, foi disposta em uma área de parques próxima a Bristol. No primeiro plano, o artista implantou uma fina moldura retangular e, ao fundo, onde o terreno apresentava uma pequena elevação, dispôs um círculo branco de madeira. Com isso ele buscava a definição de três áreas: uma para o círculo, outra para o retângulo e outra para o observador. O trabalho estaria completo quando os três estivessem alinhados e o observador pudesse ver o círculo emoldurado pelo retângulo.
As suas linhas e círculos, segundo ele, "respondem à sua experiência de um ou outro entorno". "Alguns lugares sugerem um círculo e outros uma linha. É algo muito misterioso. Acho que o círculo e a linha têm cada qual um ambiente diferente. Os círculos são fechados, no interior de um lugar, como um centro, e as linhas têm mais a ver com direção, como olhar para fora, para o exterior". Daí deduzimos sua afirmação da arte como contemplação, como introspecção, destinada a revelar o mistério do mundo. E, simultaneamente, como construção de uma realidade outra. Isso sintetizado pelo autor, poderia ficar assim: "Deixar pegadas na natureza é uma outra forma de contemplação".
Essa busca do essencial e a redução dos elementos utilizados a um repertório restrito neutraliza suas associações iconográficas. Por outro lado, a simplicidade das unidades que usa (sua convencionalidade) serve para colocar acento nas relações que são os elementos da forma moderna. E numa época excessivamente tumultuada, na qual parece que a arte, incluído o paisagismo, deve impressionar e extasiar, uma possível aprendizagem de sua obra talvez seja mesmo essa poética do silêncio.
notas
Artigo originalmente publicado em Jornal da Paisagem.
As declarações de Richard Long foram retiradas da entrevista concedida a Chus Tudela em agosto de 1995, e publicadas no Periódico de Aragón, Huesca, Espanha.
referências bibliográficas
BEARSLEY, John. Earthwork and Beyond. Contemporary art in Landscape, New York, Abbeville Press, 1989.
TIBERGHIEN, Gilles. Land Art, Paris, Editions Carré, 1993.
MOURE, Gloria. El natural como bucle: a propósito de Richard Long, Conferência proferida no Seminário Arte y Naturaleza, Huesca, 1996.
SMITHSON, Robert. The collected writings, Los Angeles, University of California Press, 1996.
RAQUEJO, Tonia. Land Art, Nerea, Madrid, 1998.
sobre o autor
Ana Rosa de Oliveira é professora e pesquisadora do PROPAR-UFRGS e bolsista recém-dr CNPq.