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Lembrando a célebre afirmação do teatrólogo Nelson Rodrigues, o arquiteto de Brasília apresenta argumentos contrários à criação do Colégio Brasileiro de Arquitetos


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BARRETO, Frederico Flósculo Pinheiro. Toda unanimidade é burra. Arquitextos, São Paulo, ano 03, n. 036.02, Vitruvius, maio 2003 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.036/682>.

“Toda unanimidade é burra” (Nelson Rodrigues)

Segundo a “Declaração do Rio”, tirada no recente Congresso Brasileiro de Arquitetos (o XVII, realizado em maio de 2003), vem aí por deliberação “unânime” dos arquitetos brasileiros, um novo Conselho (ou Colégio) Brasileiro de Arquitetos.

Acho que há nessa declaração algo a discutir, para abalar essa convicção de Unanimidade, esse esforço por demonstrar que também nós arquitetos somos portadores dessa qualidade duvidosa do pensamento único, dessa unilateralidade que caracteriza os muito autoritários, apesar de todos os vernizes da conduta democrática (agora com o estranho sabor do lema “credereobbedire” dos italianos de décadas atrás).

Duvido sinceramente dessa Unanimidade dos arquitetos brasileiros em torno da criação de um Conselho Brasileiro de Arquitetos: essa Decisão Unânime foi muito mal discutida entre os arquitetos, apesar de todos os esforços das entidades signatárias da Declaração do Rio.

Mas, apesar disso, poucos arquitetos realmente sabem como e por quê funcionam os “Conselhos Profissionais” de fiscalização de profissões regulamentadas, por que temos profissões regulamentadas, que tipo de proteção ou benefício a sociedade civil ganha com esse tipo de regulamentação (logo ela, a sociedade civil, que nunca é representada nos fóruns decisórios desses conselhos profissionais).

Os membros dessa nova Unanimidade sequer nos explicam que tipo de benefício que os arquitetos terão com nossa saída dos velhos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Isso não se discute, não há prós nem contras, não há ponderação. Sabemos apenas – e isso parece ser suficiente para alguns – que os CREAs são detestáveis cobradores de taxas, cartoriais, lugares cheios de engenheiros, sem graça e beleza, onde não temos poder (e que, sobretudo, “não fazem nada por mim”).

Certamente a nossa Unanimidade entende que um novo Conselho Profissional exclusivo dos arquitetos será menos cartorial, menos cobrador de taxas, com mais graça e poder para os arquitetos. Ledo engano. Trata-se de um notável erro de avaliação e compreensão da história da nossa profissão.

O polêmico ponto que coloco aqui no Portal Vitruvius, para o debate, é que nós arquitetos brasileiros ao pretendermos essa poderosa (e sem precedentes) Unanimidade estamos denunciando a nossa atual perda de rumos como categoria – e não o contrário, a criação de rumos novos, como parece ser a nossa súbita Unanimidade em torno do Conselho (de Fiscalização do Exercício Profissional) dos Arquitetos. Revelamos nestes dias uma inesperada aptidão de fabricar uma Unanimidade sem mácula, como forma de nos enquadrarmos autoritariamente frente a um futuro incerto.

Essa Unanimidade é tão Rodrigueana que sequer enxergamos essa extraordinária instituição que estamos contribuindo para desfazer: essa associação entre profissões que existia no “velho” Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo. Um exemplo para o mundo dos conselhos profissionais, em várias latitudes.

Não há paralelo entre essa organização e as similares dos demais países. Claro, essa exemplaridade não é uma vantagem por si mesma: se outros países não possuem organizações multiprofissionais é colonialmente provável que Eles estejam certos e nós, até então, errados.

A história das profissões nos países de onde nos veio o modelo de profissão da arquitetura é bem diferente da nossa, e deveríamos refletir sobre isso. Não temos as tradições arcaicas das guildas, das profissões presunçosamente separadas, dos “azuis” e dos “vermelhos”, orgulhosos de suas heráldicas e de sua nobreza corporativa, mas uma brasileiríssima tradição de união entre profissões afins, algo que realmente fortaleceu as práticas republicanas brasileiras na sua essência, queiramos ou não. O que está sendo apresentado como “novo” e forte é, na verdade, arcaico e divisionista num nível bem mais amplo que o nível de abrangência de uma só profissão – por mais importante que essa profissão seja.

A questão básica que se coloca a partir desse ponto é: por que os arquitetos brasileiros vão se desligar de um sistema que trazia inegáveis vantagens do ponto de vista de sua FINALIDADE (a fiscalização do exercício profissional), quando o faziam consorciados a seus... competidores, para fazerem a mesma fiscalização sozinhos – e agora, além de fiscalizar os antigos aliados nessa tarefa, terão todo o perseverante conjunto dos praticantes ilegais da arquitetura para escrutinar?

Unanimidade contra a reflexão

O que realmente preocupa nessa invenção da Unanimidade é o esforço para reprimir a reflexão. Unanimidade, por definição, é o fim da discussão. Unânimes vencemos todos, estamos do único lado possível, o lado certo. Lamento por isso, por nossas entidades nacionais, tão cuidadosas e atiladas no passado. A questão da fiscalização profissional não está sendo claramente colocada e discutida. É inconveniente que o seja? Que geração de arquitetos é esta nossa, que enterra sua capacidade crítica numa Unanimidade irresistível?

A Declaração do Rio parece uma declaração de independência e liberdade, é grandiloqüente e não esconde a promessa de devolver aos arquitetos brasileiros a sua quota de grandeza (perdida em algum lugar desde Brasília).

Mas o que realmente será entregue às novas gerações de arquitetos será essa inopinada e mal explicada carga de fiscalização do exercício profissional da arquitetura, juntamente com uma nova modalidade de disputa entre competidores que eram obrigados a respeitar limites entre si (e com respeito às nossas atribuições, e as atribuições dos engenheiros-projetistas e construtores, agrônomos-paisagistas, agrimensores-loteadores decoradores, urbanistas, designers, etc). Antigas correlações de forças serão substituídas por novas: não há o que temer quanto a isso, dizemos unanimemente, mas deveríamos ponderar sobre as vantagens da convivência entre profissionais em competição, que já existe e não foi fácil construir.

Esse universo de partições profissionais tem constituído até agora uma extraordinária e pacificada comunidade: temos estado em permanente contacto uns com os outros, num diálogo bem equacionado que está próximo de comemorar um século com nossa participação. Apesar de nossas lideranças pensarem que nossos parceiros não nos respeitavam em nossas especificidades profissionais, minha avaliação é oposta a isso: os arquitetos sempre foram extremamente respeitados no círculo de fiscalização multiprofissional. Mas temos todo o direito de querermos ainda mais respeito, ainda mais reconhecimento.

O ponto é: a fiscalização do exercício profissional não tem nada a ver os problemas colocados à nossa profissão, neste momento. O nosso problema não é o de falência na fiscalização do exercício de nossa profissão: esse problema já está suficientemente resolvido neste exato momento, mesmo com suas notórias deficiências. Os CREAs já fazem isso, com uma capacidade de ação que nenhuma de suas atuais categorias profissionais isoladamente possuiria. Isso é óbvio, é só fazer as continhas: juntos podemos fiscalizar muito mais que separados. Não é essa a lógica, a regra do jogo na atualidade?

Fazendo o que realmente interessa

O sistema de fiscalização multiprofissional brasileiro, na verdade, há muito nos deixou de mãos livres para que pudéssemos fazer o que realmente interessa: arquitetura e urbanismo. Os nossos avós arquitetos foram de enorme (o trocadilho é inevitável) engenhosidade: souberam separar o que é essencial do que é acessório, e não temeram conviver na sociedade multiprofissional. Ao contrário, apostaram nesse modelo de extraordinário potencial (e não adianta culpar o Vargas por sua criação e sustentação).

Hoje a emulação que algumas lideranças exercem sobre as entidades dos arquitetos é retrógrada, passadista, sem futuro. Busca-se um senso de honra e de superioridade que nos colocará em desvantagem, como maus negociadores. Nossas lideranças nos dão uma aula de imprevidência, pois não esclareceram a todos nós os pontos cruciais acerca desse projeto de fiscalização profissional, especialmente: quais seriam as vantagens do formato arcaico do conselho profissional uniprofissional, isolado, no qual estamos unanimemente apostando.

(Somos profissionais do projeto e do planejamento, é neste episódio que começamos a fazer uma propaganda ruim da profissão. Não estamos ponderando todos os aspectos de nosso envolvimento com o sistema multiprofissional, e o estamos repudiando de forma rasa, emotiva, quase xenofóbica. Não é esse o clima intelectual que se pode chamar de reflexivo. O que se passa ? Por onde andamos que desenvolvemos esse pendor recente pela ordem unânime, por demonstrações de altivez, de orgulho corporativo?)

Minha tese é de que estamos efetivamente insatisfeitos com outras coisas, que nada têm a ver com esse sistema de fiscalização profissional: estamos insatisfeitos com o desempenho das recentes gerações de arquitetos em sua própria prática profissional. E acabamos de fazer uma opção preferencial por um alvo imóvel, lerdo, fácil e caseiro; acabamos por encontrar algo que nos expie pela frustração de nossas expectativas quanto ao grandioso futuro dos arquitetos brasileiros. Daí que, ao olharmos em volta, vimos o “Sistema” a nos ameaçar. Não conseguimos mais distinguir aquilo que nos ajuda daquilo que nos prejudica.

Bons de bureau

O que os arquitetos brasileiros precisam não é de um novo “CREA dos arquitetos”, mas de uma gostosa massagem nos egos. Estamos carentes de grandes realizações, há uma geração de discípulos dos grandes arquitetos (em extinção) que deseja realizar grandes feitos. Se estes grandes feitos não saem pela via normal, pela arquitetura, que saiam estão pela nova unanimidade paradoxalmente conformista. Se não somos, na atualidade, bons de prancheta, sejamos pelo menos bons de bureau.

Estamos criando, espantosamente, uma ordem arcaica e reacionária, sem sequer termos trabalhado esforçadamente a ordem que nós próprios ajudamos a construir há décadas atrás, da organização multiprofissional.

Temos, com certeza, pelo menos um grupo de excelentes razões para sair do sistema CONFEA / CREAs, e que está centrado exatamente na função essencial desse sistema: a fiscalização profissional. Essas razões nascem do seguinte questionamento: para que precisamos de um sistema de fiscalização profissional ? Que vantagens ele apresenta para nós e para a sociedade que nos habilita?

Parece ser realmente sem propósito sair de um sistema de fiscalização multiprofissional que (mais bem que mal, como veremos) funciona, para investirmos num sistema de fiscalização isolado, que funcionará bem mal por duas razões:

1 – os arquitetos brasileiros não se preocupam com essa prosaica questão da fiscalização profissional (e a própria Declaração do Rio sequer cita esse ponto essencial, só falando de “legislação própria”, garantia de uma ufanista alforria da categoria; o próprio discurso trai essa compreensão superficial da questão);

2 – os arquitetos brasileiros terão de fiscalizar os engenheiros civis, em especial, como nunca o fizeram, pois eles são os nossos maiores concorrentes em termos práticos. Não podemos subestimá-los como concorrentes (há vida inteligente na engenharia nacional, alguém já falou; essa separação, com certeza, marcará um efetivamente novo período de reestruturação e reinvenção das chamadas atribuições de cada profissão – agora com a marcada unilateralidade dos que demarcam a terra-de-ninguém dos também chamados sombreamentos entre as profissões anteriormente colegiadas). Em vez de legislarmos juntos, legislaremos contra eles. Isso é uma tola visão estratégica.

Os nossos avós arquitetos, por outro lado, nos legaram um sistema multiprofissional de enorme potencial de ação conjunta (nunca aproveitado de forma hábil, é verdade), em que sempre pudemos negociar atritos com as demais profissões concorrentes, sem que a fiscalização do exercício profissional realmente nos importunasse, nos sobrecarregasse – como deve ocorrer a partir do nosso novo Conselho. Entramos no novo milênio, no século 21, com uma atitude retrógrada, atualizada com o século 19, vamos a passos garbosos, largos e unânimes, para trás.

Saindo por razões bem diferentes

Se os arquitetos brasileiros saíssem do Sistema CONFEA / CREAs para lutar contra o princípio da regulamentação das profissões, que cria bolsões de privilégio e torna a sociedade que os habilita cativa das forçadas prerrogativas do exercício profissional por diplomados, isto sim seria um extraordinário, corajoso, valoroso avanço.

Não, estamos de saída porque queremos o “Nosso Cartório”, porque é assim que vemos todo o potencial do sistema multiprofissional do qual participamos. Não há a menor nobreza nesse entendimento que nos é apresentado para explicar essa saída: é pura pretensão de poder, e ociosa, como se demonstrará quando ficarmos isolados na tarefa de fiscalizar o exercício da arquitetura – e quando previsivelmente apelarmos para os engenheiros, para que nos ajudem nessa trivial tarefa fiscal.

Pior, isso somente acontecerá se a recente Unanimidade finalmente entender que o nome do jogo é fiscalização profissional. Estamos nos equivocando gravemente ao idealizarmos a pragmática finalidade dos conselhos profissionais. Esse é um jogo sem o menor glamour. O que está sendo vendido aos arquitetos através da pungente cena de Unanimidade de nossas entidades nacionais não é, de forma alguma, o que será entregue. Estão forçando a barra para impor um voluntarismo sem profundidade, sem causa definida. Não é por aí que satisfaremos os nossos anseios de profunda transformação nos rumos da profissão. Não é esse o canal, mas esse é o nome do jogo.

Numa e noutra discussão de corredor acerca desse assunto, também pude concluir que muitos colegas entendem que o novo Conselho (de Fiscalização) da Arquitetura seria uma espécie de Supra-Entidade profissional, investida com o poder e o amparo de Lei específica, para proteger os arquitetos. Também aí se revela uma outra incompreensão da natureza de uma tal entidade, que é pública, não é um club ou uma ONG, um super-sindicato ou um super-IAB.

Essa perversa inversão é lamentavelmente comum no atual Sistema, que muitos pensam ser “dos profissionais”, que acaba sendo uma excrescência corporativa. Esse tipo de entidade somente existe para que a sociedade seja, digamos, protegida do praticante inabilitado, do sem-diploma, bem como do mau profissional. Essa é uma tutela que deve ser eficiente, deve mostrar a que veio – ou então a sua artificialidade, o seu embuste, seu oportunismo ficará patente.

Temos clareza, arquitetos, sobre as conseqüências dessa tutela formal da sociedade, exercida em seu nome, de seu bem-estar, pelos próprios profissionais, no âmbito de toda uma profissão ? Vamos redesenhar essa tutela ? Vamos rearticular consistentemente a responsabilidade dos profissionais com a qualidade de vida das pessoas ? O que temos a dizer no programa de nossa candidatura a essa tutela, agora que vamos saindo para uma carreira solo – mas totalmente paralela ao Sistema CONFEA / CREAs?

Lições a serem difundidas

Finalmente, peço licença para refletir sobre uma disciplina acadêmica de enorme (des)importância no currículo da maioria das escolas de arquitetura: talvez seja chamada, como no caso de Brasília, “Prática Profissional”. Algo assim certamente ocorre nos currículos de praticamente todas as nossas escolas de arquitetura. Nessa disciplina ensina-se aos estudantes a legislação da profissão, a legislação da cidadania, aspectos práticos como a contratação de serviços, a montagem do escritório, a arquitetura no serviço público, a cobrança de honorários, etc.

No nosso caso é matéria optativa, de 2 créditos apenas. Poucos alunos decidem cursá-la, apesar de todos os apelos dos Coordenadores de Graduação. Pessoalmente, ao longo de 11 anos de trabalho, cerca de 40 alunos a cursaram – contra mais de 400 alunos que me passaram nas disciplinas obrigatórias, de projeto arquitetônico. Ou seja, cerca de um décimo de meus alunos foi formado com alguma informação sobre aspectos formais da prática profissional. O restante precariamente se auto-alfabetizou nos temas da vida civil do arquiteto, se tanto. Isso interessa?

Que pelo menos isso seja realmente Unânime, numa direção diferente daquela aqui criticada: que, na nova Ordem dos arquitetos, o ensino da prática profissional seja valorizado, priorizado, para que o debate do futuro de nossa profissão tenha um mínimo de consistência, de referências, não se perca em reinvenções equivocadas – e na construção dessa lamentável ordem de Unanimidade Rodrigueana.

sobre o autor

Frederico Flósculo Pinheiro Barreto é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

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