Reclama-se muito de falta de redes de esgoto, iluminação pública, telefone, falta d’água e de “água suja” nas torneiras, variação de tensão de energia elétrica e de “contas altas” de luz e telefone. Por que será que isso acontece?
Redes de infra-estrutura centenárias, operadas por empresas com uma estrutura milionária de pessoal e equipamentos, várias delas exibindo bons lucros, mostram-se inadequadas para a sua finalidade principal: atender a toda a população urbana.
Por que existe essa inadequação?
A infra-estrutura urbana da maior parte das nossas cidades não atende a toda a população, pois faltam ligações de água e esgoto em bairros da periferia e, quando as redes estão ligadas, o fornecimento é descontínuo e a qualidade dos serviços é variável. A qualidade e a continuidade são muitas vezes assumidas pelos consumidores. Eles enfrentam o fornecimento de água turva com filtros domiciliares; a falta d’água com as caixa d’água domiciliar, e protegem-se das variações de tensões e interrupções de fornecimento de energia elétrica com reguladores de tensão, no-breaks e até mesmo com geradores de energia elétrica. A inadequação desses serviços acontece na periferia das cidades, seja pelo desinteresse das concessionárias em investir nesses locais, seja pela falta de vontade política em solucionar essa condição.
Enquanto na periferia o atendimento é deficiente, em áreas de grande demanda as concessionárias cuidam de minimizar as interrupções de fornecimento, sabendo que os reclamantes são mais esclarecidos e podem acionar processos por perdas em seus negócios, causadas pelas concessionárias. Além das perdas por indenizações, nessas áreas, somam-se as perdas pelo que deixou de ser fornecido e faturado.
As áreas de grande consumo são também um local de disputa entre fornecedores, dependendo da geografia definida nos contratos, e por isso as redes são modernizadas para atender aos consumidores com maior eficiência, menor custo e menos tempo. Redes chamadas “redundantes”, em esquemas do tipo H ou anéis, permitem que a interrupção de caminhamento num sentido possa ser refeita em outro sentido, por rota alternativa disponível, garantindo a continuidade de fornecimento enquanto o reparo é feito. Esses esquemas redundantes são mais freqüentes na telefonia, especialmente quando a rede de fio metálico é substituída pela de fibra óptica, aumentando a capacidade de serviço em mais de l milhão de vezes.
Existe, portanto a diferenciação de qualidade de serviços públicos entre as áreas de maior demanda em relação às de menor demanda. Estas são justamente as áreas periféricas das cidades e metrópoles, onde coincidentemente estão ocupadas pela população já excluída de outros serviços e equipamentos, tanto públicos como privados. E são também essas as áreas urbanas de maiores dificuldades de acesso, localizadas muitas vezes em áreas de risco, como encostas de morros e em locais inundáveis.
A adequação do sistema de infra-estrutura das nossas cidades esbarra, entre outros motivos, na cultura sedimentada no Poder Público e nas concessionárias.
No Poder Público, a visão do político conservador e oportunista de considerar oportuna e necessária a existência de problemas (quanto mais grave melhor) para explorá-los politicamente. Problemas que são resolvidos por obras para as empreiteiras, num processo de obras que geram outras obras, são defendidas como símbolos do progresso.
Por sua vez, as concessionárias acostumaram-se a “atender demandas”, estendendo suas redes para as áreas já urbanizadas. Com a agravante de privilegiar as áreas de grande demanda, em detrimento das áreas de menor consumo, estas, coincidentemente, a periferia pobre da cidade.
"A incapacidade das cidades em prover e manter infra-estruturas adequadas, afetam profundamente a produtividade, e os ambientes de trabalho e de moradia de suas populações, em especial a dos pobres urbanos" (1).
Enquanto num lote rural o abastecimento de água se faz com o poço e o esgoto é resolvido com a fossa séptica, no lote urbano essa condição esbarra no tamanho reduzido dos lotes e a proximidade de poços e fossas, resultando em contaminações do lençol freático.
Se no lote urbano as residências dependem de redes externas de instalações de saneamento e de energia, nas habitações coletivas a dependência aumenta ainda mais.
Numa visão radical, o pobre estaria melhor servido numa tenda de acampamento com toda a infra-estrutura urbana eficiente do que dentro de uma habitação de alvenaria com infra-estrutura deficiente e incompleta.
O exemplo do conjunto habitacional nos mostra que o Poder Público Municipal precisa administrar a cidade como um todo, mas atendo-se ao uso eficiente das áreas públicas, objetivando minimizar, principalmente os custos dos serviços públicos vitais à população, como saneamento, energia, comunicação e transportes.
Na medida do possível, o Poder Público Municipal deveria concentrar maior atenção para as questões macro da cidade, especialmente das grandes urbanizações.
No caso da infra-estrutura urbana, seria a priorização da eficiência de redes arteriais de saneamento (água, esgoto e drenagem), energia (eletricidade, gás), comunicação e o sistema viário, e a sua integração às áreas de maior densidade de atividades.
Uma tendência dessa “libertação do varejo” pode ser verificada na diretriz de rede de infra-estrutura urbana que está sendo implantada no bairro Poblenou em Barcelona, Espanha, que coloca a parte da rede de distribuição dentro das quadras, isto é, na área privada, e a rede arterial na área pública, disciplinando-a em galerias com poços de visita, construídos com o propósito de serem permanentes. Permanentes, no sentido de evitar intervenções com obras (quebras da pavimentação) e interferências entre as redes.
Dessa forma, evitam-se dois principais problemas das instalações de redes subterrâneas sob as vias pavimentadas: a) as constantes quebras de pavimentação, enchendo-a de remendos, e promovendo constantes interrupções da fluidez do transito; b) os danos causados pelo tráfego pesado de veículos às redes subterrâneas, causando prejuízos decorrentes de serviços de reparo e interrupção de fornecimento.
A estrutura urbana de cada cidade.
Cada cidade deve buscar a sua estrutura arterial que se adapte melhor às condições geomorfológicas e vocacionais, buscando uma forte coesão dentro da sua área urbanizada e ao mesmo tempo possibilite eficientes ligações com a região em que se insere.
A estrutura urbana moderna deverá priorizar a eficiência das grandes circulações de “átomos e bits”, ou matéria e informações digitais. Difere do urbanismo ainda em prática, e que vinha sendo desenvolvido desde o século XIV (Roma do Papa Sixtus V), focado no sistema viário, nos pontos focais (Paris do Barão Haussmann) e nas edificações que as emolduravam (Paris, Rue de Rivoli).
Os traçados das grandes circulações urbanas devem enfatizar questões recentes como sustentabilidade do meio ambiente e qualidade de vida da população. E nesse sentido o traçado da redes arteriais de infra-estrutura deve ser minimizada, agrupando-se as redes compatíveis, e separadas ou protegidas as redes incompatíveis.
As grandes quantidades deveriam circular por traçados minimizados, em retas (ou quase-retas), e com mínimas variações de declividade, procurando economizar energia, tempo e despesas de manutenção, somadas a benefícios ambientais, os custos de implantação e o tempo de execução dessas obras deveriam ser considerados como secundários.
A questão de “tempo e custos” deveria ser prioritária em relação ao que a população gasta (ou desperdiça) ao utilizar-se dos serviços públicos da cidade, entre eles, o mais ilustrativo é o tempo gasto nos congestionamentos de tráfego e os custos dos transportes.
O “tempo e dinheiro” que a população gasta (e desperdiça) com os serviços públicos, têm influencia direta no padrão da qualidade de vida urbana.
Como bem define alguns pesquisadores, a rede de infra-estrutura urbana é um meio que visa propiciar melhores condições para o desenvolvimento das atividades urbanas.
"Os projetos de infra-estrutura não são um fim em si. De preferência, sua importância para a economia e para a sociedade, como um todo, deriva dos serviços que as infra-estruturas oferecem: a oportunidade de melhorar a produtividade ou de reduzir custos. Embora comumente vistos na forma física – uma ponte, uma estação de tratamento de esgotos, um metro – a efetiva função da infra-estrutura é a prestação de serviços: a circulação de pessoas e materiais, a provisão adequada de água limpa, etc." (2).
Verificada a necessidade de estruturar as nossas cidades, utilizando-se do potencial da rede de infra-estrutura urbana arterial, integrada entre si, e com o uso do solo urbano, é cada vez mais urgente entender a importância de desenvolver estudos mais aprofundados dessa matéria, cada vez mais necessário aos Planos Diretores das nossas cidades.
As estruturas arteriais das nossas grandes cidades sofrem de uma inadequação crônica. Poucas cidades apresentam-se estruturadas como Brasília e Curitiba. Embora limitadas à estrutura viária, essas cidades já demonstram as vantagens para a circulação de veículos e na indução de desenvolvimento urbano, reunindo as condições favoráveis de vias de transporte arterial com o adensamento de atividades.
“A necessidade de perceber a importância de inovar e adequar o gerenciamento da infra-estrutura é hoje particularmente evidente" (3).
A estrutura arterial, mesmo que apenas viária, precisa ser pensada de forma integrada com o uso do solo; e essa integração entre vias de grande capacidade de tráfego e o meio urbano adensado, ainda busca soluções adequadas desde o final da década de 60.
notas
1
“The inability of cities to provide and maintain adequate infrastructure severely affects the productivity, and the living and working environments of their populations, especially of the urban poor”. In SINGH, Kulwant, 1998. Integrated Infrastructure in Asia. Intermediate Technology Publications, London, p. 49.
2
”Infrastructure projects are not ends in themselves. Rather, their importance to the economy and to society as a whole derives from the services they offer: the opportunity to improve productivity or reduce costs. Although most easily thought of in a physical form – a bridge, a wastewater treatment plant, a subway train – the real output of infrastructure is service: the movement of people and goods, the provision of adequate clean water, and so forth. (Apogee Research Inc., 1986b, Bethesda, EUA) MCGEARY, Michael G.H.; LYNN, Laurence E. Urban Change and Poverty, National Academy Press, Washington D.C., 1988, p. 311.
3
“The need to understand the importance of new styles of infrastructure management is particularly evident today”. In GUY, Simon; et al. Infrastructure in transition. Earthscan, London, 2001, p. 197.
sobre o autor
Mario Yoshinaga é doutor pela FAUUSP em Estruturas Ambientais Urbanas e professor na Universidade Guarulhos