Metaflux traduz uma resposta específica ao tema da Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza de 2004, Metamorphs (1).
A partir do contexto português, porém, seria insensato procurar responder ao tema que Kurt Forst lançou para a nona edição da Bienal com uma abordagem de caráter tecnológico ou formal. A realidade portuguesa não alberga esse discurso.
A escassez de meios, a resposta poética e reducionista encontrada pelos arquitetos portugueses para se adaptarem historicamente a uma realidade periférica não comporta elaborações em que a metamorfose assuma um protagonismo evidente.
O caráter de mutação, de agente de mudança, teria de ser encontrado noutra especificidade.
Encontrámo-lo no que denominámos a mutação genética das práticas: uma mudança subtil de factores, influências e referências que altera o contexto e a identidade da arquitetura portuguesa recente.
Enquanto projeto curatorial, Metaflux tem, neste sentido, uma arqueologia precisa.
A presente escolha foi antecedida pelo projeto Influx, desenvolvido, entre 2002 e 2003, a convite do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no espaço cultural de um centro comercial da periferia do Porto.
Ao longo de cinco pequenas exposições e um livro adoptou-se aomodelo de umwork in progress que permitiu constituir um panorama crítico e um mapeamento de novos temas e sinais presentes na arquitetura portuguesa.
Temas como condensação, confrontação, confluência, compulsão e deslocamento possibilitaram escapar às abordagens mais convencionais da disciplina e, principalmente, permitiram identificar quinze jovens ateliers cuja prática se destacava pela combinação coerente de rigor e experimentação.
Onde em “Influx” se registava, por via temática, o input de fluxos de influência e a alteração de referentes, em Metaflux assumem-se estes temas como dados adquiridos e procura-se uma reflexão mais aprofundada e abrangente.
Ao refinar a escolha dentro do panorama antes delineado questionam-se as diferentes apropriações dos sinais e traços identificados. Questiona-se qual os sentidos que adquirem estas práticas num contexto já não especificamente local. E propõe-se que, embora a curta distância, já se verificam diferenças geracionais nestas “apropriações e sentidos” e, também assim, se afere uma metamorfose efectiva das práticas.
A mostra focaliza-se, assim, na auto-representação, na relevância de sinais identitários e formas de expressão próprios, na pesquisa do “arquivo” das diversas práticas presentes.
A diferença entre as duas gerações identificadas emerge através da atitude relativamente ao papel da comunicação, mas também através de expressões de fundo que assumem vias radicalmente diferentes, entre um minimalismo conceitualmente enriquecido e um novo registro de diversidade.
A metamorfose é, assim, o reflexo de novas atitudes e influências no operar e no reconceituar da “profissão poética” da arquitetura.
O pragmatismo e um sentido crítico mais apurado dos seus próprios meios e da realidade envolvente, começam a substituir uma noção de “poesia” difícil de adequar a uma realidade que ultrapassa largamente a profissão da arquitetura.
E é justamente no repúdio do sentido estritamente romântico da componente artística da arquitetura que ocorre uma reaproximação a outras práticas criativas contemporâneas.
Em Metaflux incluem-se assim, também, as práticas de artistas e arquitetos que, de modos diversos, produzem uma reflexão crítica sobre as mesmas paisagens urbanas e sociais que recebem a intervenção arquitetônica contemporânea.
As instalações de vídeo e fotografia especialmente produzidas para a exposição não são, porém, intervalos de “respiração”, como alguns poderiam esperar dentro de uma noção romântica e utilitária da arte.
São, pelo contrário, momentos de “suspensão da respiração”, momentos de “asfixia” em que se sugere, tão-só, que, perante a banalidade e a imposição crua do quotidiano, as práticas arquitetônicas correntes ainda têm de incorrer em algumas metamorfoses mais para poderem oferecer as qualidades alternativas de uma “profissão crítica” (2).
notas
1
Metaflux. Duas gerações na arquitectura portuguesa recente. Representação oficial portuguesa na 9ª Bienal de Arquitectura de Veneza de 2004. Curadoria de Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira. Exposição montada posteriormente na Cordoaria Nacional, Lisboa, 2004, e no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, 2005. Os arquitetos presentes na exposição são os seguintes: Guedes + deCampo; Inês Lobo; João Mendes Ribeiro; Promontório Arquitectos;Serôdio, Furtado & Associados; A.S Atelier de Santos; Bernardo Rodrigues; Marcos Andmarjan Architects; Nuno Brandão Costa; S'A Arquitetos; Augusto Alves da Silva; Didier Fiuza Faustino; Nuno Cera + Diogo Lopes; Pedro Bandeira; Rui Toscano.
2
Nota do editor – Duas matérias sobre os arquitetos portugueses presentes nesta mostra poderão ser consultadas no Portal Vitruvius: 1. João Mendes Ribeiro. Entrevistado por José Mateus. Entre/Vista. São Paulo, Portal Vitruvius, 2004; <http://www.vitruvius.com.br/entrevista/mendesribeiro/mendesribeiro.asp>; 2. Nuno Brandão Costa; FIGUEIRA, Jorge. "Uma arquitetura nômade. Casa em Afife, do arquiteto Nuno Brandão Costa". Arquitextos nº 52.03. São Paulo, Portal Vitruvius, set. 2004. <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq052/arq052_03.asp>.
sobre o autor
Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira, arquitetos, são os curadores da Exposição Metaflux.