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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O autor discute a preservação do Palácio Tomé de Souza, projeto de Lelé, sob o ponto de vista das leis e da política de patrimônio histórico

english
The author discusses the preservation of Palácio Tomé de Souza, used a the City Hall of Salvador, Brazil, by João Filgueiras Lima (Lelé), under the scope of the heritage and conservation laws

español
El autor discute la preservación del edifício del Palácio Tomé de Souza, el Ayuntamiento de Salvador, proyecto de João Filgueiras Lima (Lelé), en la perspectiva de las leyes y política de patrimonio


how to quote

CORDIVIOLA, Alberto Rafael (Chango). Prefeitura de Salvador: o passado no futuro e o presente no passado. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 062.07, Vitruvius, jul. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.062/447>.

Por que destruir o Palácio Tomé de Souza?

Em sentença de 10 de setembro de 2004, o juiz federal substituto da sétima vara do Estado da Bahia, em exercício da titularidade, seguindo um extenso documento em que relata, fundamenta e decide, julga procedente a ação proposta pelo Ministério Público e condena a remover ou demolir o Palácio Tomé de Souza situado na Praça Municipal de Salvador.

A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal “em defesa de interesses difusos referentes ao patrimônio histórico e cultural da Nação” alegando que a obra  feriria o conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico da Cidade que se constitui em “acervo de inquestionável representatividade no contexto do patrimônio histórico nacional, eis que preserva fatos ligados à História do Brasil” (2).

A argumentação do Ministério Público continua alegando que a edificação se situa em lugar que é objeto de tombamento coletivo, comprometendo “toda a originalidade, autenticidade ambiental e estética do conjunto arquitetônico tombado pelo Poder Público Federal, contrastando com a arquitetura original do lugar onde se situa, ademais da Igreja e Santa Casa da Misericórdia, o Palácio Rio Branco e o elevador Lacerda” (3).

Alega igualmente que a aprovação para a construção foi outorgada em caráter provisório, ficando o Município obrigado a promover o translado da sede da Prefeitura a um imóvel restaurado do Centro Histórico de Salvador.

A sentença, que ocupa diversas laudas com citações filosóficas e de teoria da arte para concluir que sua “curta digressão panorâmica pelo mundo da liberdade artística tem o propósito de demonstrar que juízo estético e juízo jurídico-normativo se excluem irreconciliavelmente” (4) constata que, não obstante, do que trata a questão é de princípio constitucional “que protege o patrimônio histórico, inclusive os conjuntos urbanos, vedando um fazer que consista em diminuir sua ostensividade” (5).

O que nos remete de novo, inevitavelmente, a valores estéticos pois, apesar das incontáveis polêmicas a respeito, há consenso quanto a que valores estéticos e valores históricos são indissociáveis à preservação do patrimônio.

Demonstrar que o Palácio Tomé de Souza tenha sido uma ação que consistiu em diminuir a ostensividade de um conjunto urbano histórico é, necessariamente, um juízo de valor estético. As referências na Sentença o testemunham; dizem os peritos (6): ”a volumetria é relativamente básica, mas não deixa de ser um fator conflitante e concorrente, pois seu volume retrata uma receita de estética forte e bem diferente do conjunto histórico. As cores utilizadas nas fachadas são vibrantes e contrastantes, predominando as cores vermelha e preta enaltecendo, ainda mais, esta relação de competitividade visual” (7).

Todos os conceitos que, na sentença, definem a obra que diminuiu a ostensividade do conjunto são fruto de uma visão estética, concordemos ou não com ela.

Mas deve levar-se em consideração que para construir o Palácio Tomé de Souza não foi destruído nada; o precedeu a laje do estacionamento, ainda existente, realizado após a derrubada do edifício da  Biblioteca Pública. E que esta situação anterior de vazio urbano foi e é unanimemente deplorada (8).

Deve ficar absolutamente claro que a construção do Palácio nunca foi uma ação destrutiva do patrimônio pré-existente e que sua simples retirada não recompõe uma situação patrimonial histórica nem estética ou que aumente a “ostensividade” do conjunto. O que reduz a discussão e, dentro dela a sentença, a pura polêmica estética de valor arquitetônico: constatação de compatibilidade ou incompatibilidade estética entre o Palácio Tomé de Souza e as pré-existências monumentais.

O artículo 17 do Decreto Lei 25/37 que rege, na sua longa existência, o patrimônio artístico e histórico, menciona que este patrimônio é o “conjunto de bens (...) cuja conservação seja de interesse público”, o que torna a própria constituição do patrimônio vinculada a sua conservação. Não se trata, no presente caso, de destruição ou comprometimento à conservação do patrimônio.

O que está em questão deriva da interpretação do artículo 18 do mesmo decreto lei que veda construção que “impeça ou reduza a visibilidade”  do bem patrimonial. Interpretação que evolui para a proteção de incompatibilidade visual de obra vizinha a um monumento; e “sem dúvidas, cabe ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – o poder discrecional de ajuizar sobre a vizinhança comprometedora” (9).

O fato do SPHAN (antigo IPHAN) ter aprovado em caráter provisório a construção do Palácio, não retira desta instituição este poder discrecional nem o transfere ao Ministério Público (10).

Como não há dúvida que a situação imediata anterior – a laje de cobertura do estacionamento – era ofensiva ao ambiente monumental histórico do lugar, parece claro que o que está em questão não é a retirada do Palácio senão a sua substituição. Quando se pensa em sua retirada não se imagina aquele espaço vazio mas com outro edifício “melhor”.

Já que a razão de destruir o Palácio Tomé de Souza de Lelé é a de construir outra coisa no seu lugar (coisa até agora desconhecida), permito-me apresentar as razões para conservá-lo.

Por que conservar o Palácio Tomé de Souza?

Objetos, livros, quadros e outras obras de arte são conservados com extremo cuidado e esmero desde sempre.

Mas conservar edifícios e ambientes urbanos é uma tarefa de escala diferente: sempre onerosa e freqüentemente incômoda às cambiantes necessidades  urbanas.

Por isso as transformações da cidade, necessárias em função das transformações da vida social, têm enfrentado um problema: o justo trato entre o que é necessário cambiar e o que é necessário preservar.

É impossível tentar resumir as diversas posições sobre o assunto num debate que se fez público faz mais de dois séculos e que ainda ocupa, de forma acalorada, o cotidiano de arquitetos, urbanistas e administradores urbanos.

É igualmente impossível tentar defender uma entre as tantas “teorias” sobre o tema sob o risco de reacender esta interminável discussão. Mas deve haver consenso na preservação de edifícios que contenham valor histórico e/ou valor artístico. Valores aos quais Riegl (11), de forma pioneira em obra clássica, acrescentou o “valor antiguidade”.

Trata-se, de fato, de uma questão de valores e, portanto, complicada. Mas se pode especular consistentemente sobre valores incorporados em edifícios que mereçam a conservação em determinadas circunstâncias.

Summerson, também em obra clássica (12), descreveu, com impecável empirismo, os tipos de edifícios que merecem ser conservados.

Enumera Summerson:

“1. O edifício que é uma obra de arte: o produto de uma mente criativa distinguida ou fora do comum.
2. O edifício que não é uma criação distinguida neste sentido mas que possui, de forma pronunciada, as virtudes características da escola de desenho que o produziu.
3. O edifício que, ainda que sem grande mérito artístico, é de significativa antiguidade ou uma composição de belezas fragmentárias soldadas juntas no curso do tempo.
4. O edifício que foi cenário de grandes fatos ou da labor de grandes homens.
5. O edifício cuja única virtude é que, no desolador ambiente da modernidade, outorga profundidade no tempo“.

Independentemente do inegável valor de muitos outros arquitetos brasileiros, Lelé contracena – único – com Lúcio e com Oscar. Não sou eu que o diz, mas o próprio Lúcio Costa:
“Assim, no âmbito da nossa arquitetura onde são tantos os valores autônomos com vida própria, ele e o Oscar se completam. Oscar Ribeiro de Almeida Niemeyer Soares, arquiteto artista: domínio da plástica, dos espaços e dos vôos estruturais, sem esquecer o gesto singelo, - o criador. João da Gama Filgueiras Lima, o arquiteto onde arte e tecnologia se encontram e se entrosam, - o construtor. E, eu, Lucio Marçal Ferreira Ribeiro de Lima e Costa – tendo um pouco de uma coisa e de outra, sinto-me bem no convívio de ambos, de modo que formamos, cada qual para o seu lado, uma boa trinca: é que sou, apesar de tudo, o vínculo com o nosso passado, o lastro, – a tradição” (13).
Desta forma, Lelé é introduzido, por mano da melhor estirpe, não somente como um dos grandes nomes da arquitetura brasileira, mas também como integrante privilegiado e incontestável de uma escola, de uma forma de fazer arquitetura.

É inegável portanto que o Palácio Tomé de Souza, como obra de um dos grandes nomes da arquitetura brasileira e como manifestação paradigmática de uma escola de desenho, cumpre as duas primeiras exigências que Summerson enumera.

Quero me referir, ainda, a uma terceira: o valor histórico do Palácio.

Na curta história democrática municipal da cidade de Salvador, o Palácio Tomé de Souza indica o ponto de retomada a jovem tradição democrática municipal depois do período da ditadura que interrompeu tão curta trajetória. Somente Hélio Machado, Heitor Dias e, em seu curto mandato, Virgildásio de Sena – deposto pelo golpe militar de 64 – antecederam ao prefeito eleito (quando por voto popular) Mário Kertez. A construção do Palácio Tomé de Souza constituiu, depois de vinte anos nos quais a prefeitura de Salvador não passou de uma Secretaria do Governo Estadual, num retorno do poder democrático municipal ao centro simbólico do poder da cidade. A sede do governo municipal tinha sido expulsa – de forma muito pouco sutil – da praça municipal, seu lugar histórico, para o Solar Boa Vista, em Brotas, restaurado, mas ainda ressonando de lamentos do hospíco de triste memória: o manicômio judiciário Juliano Moreira.

Se, como afirma Summerson, as razões de conservar edifícios podem ser agrupadas em dois tipos de valores: estéticos e literários, ligados estes últimos à história e ao senso de continuidade, não cabe dúvida que estes valores simbólicos – de retorno à democracia e ao lugar da fundação da cidade – fundem-se no Palácio Tomé de Souza.

Parece-me evidente que o Palácio Tomé de Souza, por seus valores estéticos (tomados aqui não por uma preferência pessoal mas pelas categorias de Summerson) e por seu valor histórico (ou literário, se acaso se prefere esta denominação), merece ser conservado. Qualquer movimento cidadão poderia propor seu tombamento.

Mas há um aspecto ainda que é, ao meu juízo, o de maior importância. Me permito fazer uma inversão da quinta razão enumerada por Summerson em sua lista que enuncio assim:

O edifício cuja única virtude é que, no desolador ambiente da paralisia conservacionista, outorga profundidade no tempo.

Ou, parafrasendo mal Riegl, o valor modernidade perdido, valor que se intui num texto de vinte anos atrás de Françoise Choay:

“O monumento histórico, com o séqüito de instituições e de pessoas que celebra, com seus ritos e seu mito, não é somente um modo inocente de auto preservação. Deve ser – o título de Riegl o sugere – interpretado também como um sintoma. Sintoma de uma obnubilação narcisista e de uma impotência. Signo simultâneo da auto-complacência à qual pode conduzir a auto-análise e da contaminação da criação presente pela posta em perspectiva histórica. Ao dar aos monumentos históricos esta dimensão sintomática, surge a questão, inevitável, se saber se nos resta a possibilidade de comemorar outra coisa que o paradigma da nossa própria criatividade. Ou em outros termos: a atividade que nós continuamos a chamar arquitetura conserva o poder de edificar monumentos?" (14)

notas

1
Texto publicado em 30-60, Cuaderno Latinoamericano de Arquitectura. n° 4. Pasado+Presente, Março 2005. Tradução do autor.

2
Sentença do processo n° 2000.32978-2; Ação Civel Pública.

3
Idem.

4
Idem.

5
Idem.

6
A eleição dos peritos é surpreendente: um profissional formado em desenho industrial, arquitetura de interiores e habilitação em programação visual e um arquiteto, ambos professores de uma escola privada de decoração local. Curiosa eleição numa cidade que possua uma prestigiada Universidade Federal com um curso de especialização em Conservação e Restauro de prestígio internacional e um curso de mestrado e doutorado com área de concentração em restauro.

7
Sentença.

8
Lembre-se que foi apelidado durante toda a sua existência de “Cemitério de Sucupira” em referência à telenovela de Dias Gomes.

9
CASTRO, S. R. D. O Estado na preservação de bens culturais: o tombamento. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 1991, p. 118.

10
“Senhor Prefeito. Analisadas as plantas da nova sede da Prefeitura Municipal, a SPHAN, em consideração à cabida do retorno para o Centro Histórico e as vantagens que disso resultará (sic) para a revitalização dessa parte da cidade, resolveu admitir a referida construção em caráter provisório esperando para o menor espaço de tempo possível a transferência da Prefeitura para um dos casarões, a exemplo do Paço do Saldanha, desocupados e/ou necessitando de restauração.” Citado na Sentença; é possível ver como a sentença interpreta esteticamente a questão com seu (sic).

11
RIEGL, Alois. El culto moderno a los monumentos: caracteres y origen. Madrid, Visor, 1987 (La Balsa de la Medusa).

12
SUMMERSON, John. Heavenly Mansions and other essays on architecture. New York, The Norton Library, 1963.

13
COSTA, Lucio. In: LATORRACA, Giancarlo (org.). João Filgueras Lima, Lelé. Coleção Arquitetos Brasileiros. Lisboa/São Paulo, Editorial Blau/Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 2000, p. 13.

14
CHOAY, Françoise. "A propos de culte et de monuments". In: RIEGL, Alois. (Ed.). Le Culte moderne des monuments. Son essence et sa genèse. Paris, Editions du Seuil, 1984.

sobre o autor

Alberto Rafael (Chango) Cordiviola, arquiteto, Professor Titular da UFBA.

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