Esse artigo inicia um debate sobre as similaridades e diferenças que podem ser observados entre 1) cidades empenhadas em restaurar seus cotidianos após grandes desastres naturais ou conflitos armados, demonstrando uma capacidade de resiliência urbana que possibilita a implementação de rápidas recuperações; 2) cidades que vivenciam uma longa história de pobreza, padrão impróprio de uso do solo, problemas ambientais diversos, dentre outros, constituindo assim um histórico de crises cumulativas ao longo de suas existências. Discute-se aqui, pois, um cenário de dois mundos urbanos em termos de capacidade de solução, instrumentos de gestão e apoio internacional para o enfrentamento de crises.
A discussão comparativa chama a atenção da diferença significativa entre os cenários referenciais buscados nos seus passados por essas duas tipologias de cidades e pelo apoio político-financeiro internacional que recebem. Vulnerabilidades diversas são observadas em ambos os casos; diferenciam-se, no entanto a resiliência de suas populações, o tempo de duração dessas vulnerabilidades e os instrumentos e recursos para cada um dos casos. Na primeira tipologia de cidade aqui estudada, o espaço urbano construído conta com um modelo para se auto-reconstruir, ou seja, com modelos de uma cidade pretérita à guerra ou ao acidente, o qual servirá como parâmetro da transformação positiva. Na segunda, as cidades, ainda em constante processo de invenção e construção que caracterizam as suas periferias carentes, observa-se uma falta de clareza do que fora o passado, e de parâmetros para sua reurbanização. De um lado, cidades submetidas a processos de violenta desregulação de seus cotidianos, como guerras e acidentes naturais, e que devem buscar a reconstrução; de outro lado, cidades de países pobres e em contínuo processo de empobrecimento que devem, na busca dessa transformação positiva, inventar-se a si própria, pois o passado assemelha-se ao presente e sua história tão-somente acumula crises. Diferentemente da primeira tipologia, aqui não se busca reconstruir algo que fora destruído, mas sim a simples construção de algo que nunca contou com padrões mínimos de habitabilidade.
Este artigo ainda se ressente da quase inexistente bibliografia que analisa os dois processos comparativamente. Do mesmo modo, é restrito o debate a respeito de reconstruções urbanas pós-guerra ou pós-acidentes na literatura técnica brasileira. Assim, a presente discussão diz respeito a um processo de pesquisa ainda no início e que propõe ampliar essa pesquisa ainda incipiente para estudos comparativos com a realidade de nossas cidades. Pesquisas futuras deverão contribuir para esse debate e seus possíveis desdobramentos, tais como a análise crítica e propositiva a respeito da inversão de recursos para o desenvolvimento urbano com origem nos programas de grandes agências de financiamento, como é o caso do Banco Mundial, e de instituições doadoras, como são os casos daquelas que trabalham com políticas compensatórias em pequenos projetos nos países pobres.
O que se pode aprender
Parece ser pouco usual o fato de se ter um arquiteto brasileiro, o autor deste artigo, cuja experiência é fundamentalmente baseada em problemas locais nacionais, se propor a discutir uma temática que não está, aparentemente, conectada ou mesmo próxima das situações mais freqüentes nas cidades de seu país. De fato, não faz parte do contexto urbano brasileiro a experiência de cidades destruídas por guerras ou desastres naturais. A última guerra em que o país combateu ocorreu na metade do século XIX – a Guerra do Paraguai – e que, a despeito das perdas humanas, praticamente não afetou as áreas urbanas, não destruiu infra-estruturas de cidades, nem tampouco alterou abruptamente o cotidiano das cidades do país. Neste mesmo país com quase 6.000 cidades, poucas têm suas histórias divididas em duas: antes e depois de uma guerra ou desastres naturais, aqui limitados a enchentes, terremotos, deslizamentos e grandes incêndios. A cidade de Blumenau, no sul do país, pode constituir uma exceção. Depois de inundações impressionantes em 1983, sem vítimas, mas de relevante rompimento econômico, a cidade se reinventou e alterou formas e funções. Um dos principais resultados dos esforços de Blumenau para recuperar um relativo alto padrão de vida foi a criação da Oktoberfest, uma festa alemã popular e gastronômica, que permitiu o retorno dos turistas (importante fonte de recursos) para a cidade e assim revigorar o ego local.
De fato, à primeira vista, cidades brasileiras não poderiam compartilhar conhecimentos e replicar experiências de cidades que contam em suas histórias com momentos notáveis de desastres naturais ou antrópicos, capazes de, além de impor custos humanos e econômicos, apresentar riscos à permanência da memória do patrimônio construído e imaterial. A partir de um olhar mais investigativo, tem-se o desenvolvimento de uma expertise de enfrentamento de crises urbanas que pode ser discutida segundo as especificidades e, o que é mais importante, a visualização de novas fontes de recursos internacionais, para os quais, cidades como as brasileiras poderiam desenvolver melhores competitividades para sua internalização. Para exemplificar, vale lembrar que os valores disponibilizados para cidades submetidas a acidentes, como no caso do Tsunami, surpreendem, não apenas pelo volume, mas também pela rapidez com que foram canalizados para as comunidades necessitadas.
“A resposta ao desastre foi tão imediata que o volume de recursos obtidos com a caridade representou quatro vezes o volume necessário. A despeito de o apelo ter ocorrido apenas uma semana após o desastre [...] a jamais vista generosidade dos doadores de todas as partes do mundo chegou a um total de 105 milhões de Euros ($135m) – deixando-nos com muito mais dinheiro disponível que aquilo que havia sido pedido [...] as pessoas deram tanto dinheiro devido ao fato de que o tsunami foi um grande desastre e também porque foi amplamente difundido pela mídia [...]. As pessoas pensaram que 'Isso poderia ter acontecido conosco,” ele afirmou [...] Eles puderam se identificar com esse fenômeno muito mais do que com qualquer outro desastre com perda de vidas como conflitos ou guerras civis” (1).
Para as cidades brasileiras, a fonte principal do recurso para o financiamento de suas cidades ainda é o de agências do sistema do Banco Mundial regidas não pela demanda do país tomador, mas sim por claras determinações financeiras internacionais. Estas estão vinculadas, entre outras, a mudanças de ajuste fiscal, saneamento da economia, redução do papel do estado, abertura de mercado e flexibilização econômica. Fica clara, assim, a importância de um e de outro recurso internalizado para uma e outra tipologia de cidades e de crise aqui discutidas.
“Além da importante função meramente financeira, os Bancos têm atuado como ‘inteligência’ auxiliar do Governo na elaboração de programas e projetos, como por exemplo, os programas responsáveis por políticas de ajuste estrutural, os projetos setoriais de desenvolvimento, os de combate à pobreza [...]. Desse modo, parte das novidades em políticas públicas e projetos do governo brasileiro é, muitas vezes, o resultado de um trabalho de cooperação internacional em que o Banco Mundial e o BID têm um relevante papel” (2).
Para se ter uma idéia do montante dos recursos internalizados pelos países da América Latina, em programas tradicionais de desenvolvimento econômico, ou seja, para diminuir carências em serviços e infra-estruturas públicas, e poder comparar com os volumes apresentados acima e dirigidos para cidades em situação de acidente natural ou guerra, toma-se como referência a atuação do BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
“Desde 1985, o BID tem financiado cerca de US$ 8.000 milhões em projetos de inversão para a melhoria do ambiente urbano. Os montantes têm variado entorno de US$ 142 a US$ 500 milhões em anos como 1985, 1988, 1989 e 1993; de US$ 600 a US$ 1.000 milhões em 1986, 1987, 1990, 1991 e 1995; passando de US$ 1.000 milhão em 1992 e próximo de US$ 2.000 milhões em 1994 [...]. As rubricas tradicionais nas quais mais se inverteu [...] tem sido água potável e esgoto (US$ 3.100 milhões) [...] saneamento e descontaminações (US$ 1.500 milhões)” (3).
Assim, ao mesmo tempo em que se ressalta a questão dos recursos diferenciados em valor e em condições de repasse, deve-se também reiterar a importância de se discutir um dos momentos do longo e interminável loop da história das cidades, onde um conjunto de fenômenos parecem sobrepor-se temporal e espacialmente: construção, destruição, reconstrução e apropriação de sua produção. Do mesmo modo, deve-se ainda reiterar a importância de se discutir a hipótese de que a experiência internacional solidária de recuperação quando de grandes desastres naturais e guerras pode ser apropriada pelos planejamentos urbanos e governos locais brasileiros em seus esforços de enfrentamento de nossa crise cumulativa. Além disso, a simples busca de possíveis replicabilidades na prática da gestão urbana é um fato que pode garantir a multiplicação de sucessos e a transferência de conhecimento para reduzir fracassos.
Relevância do tema
Para construir um primeiro cenário sobre cidades destruídas (aqui diferenciadas daquelas submetidas a um lento e ininterrupto processo de acumulação de crises), podem-se selecionar dois exemplos clássicos de cidades, cujas histórias particulares se confundem com suas capacidades e peculiaridades em termos de resiliência urbana: o conjunto de cidades japonesas sob o risco constante de tremores de terra e o conjunto de cidades como Jerusalém, envoltas em disputas contínuas. Em princípio, ao se tomar esses exemplos, corre-se o risco de distanciar essa tipologia de cidades da realidade brasileira. Seja pela grandeza das adversidades, seja pela recorrência de tais fatos ao longo das suas histórias, tais assentamentos humanos fazem parte de uma longa lista de espaços submetidos a fenômenos que colocam em risco as suas próprias existências e, igualmente, as forçam a um aprendizado de sobrevivência constante, capacitando-as à recuperação, fazendo delas espaços de verdadeira resiliência heróica.
“Jerusalém é o maior sítio de destruição física e de renovação conhecido na história. Por aproximadamente 4.000 anos a cidade sofreu guerras, terremotos e incêndios, sem mencionar cercos, dois períodos de total desolação, dezoito reconstruções e, no mínimo onze transições de uma fé religiosa para outra” (4).
“Desastres naturais têm destruído, total ou parcialmente, as cidades japonesas em inúmeras situações. A ação humana, seja em situações de Guerra interna, seja em ataques externos na Segunda Grande Guerra, têm sido a causa de mais devastações” (5).
Mais que a especificidade das destruições, o que apenas reforçaria peculiaridades e, neste caso, pouco contribuiria para a realização de estudos comparativos, aparece como importante nesta discussão a capacidade desses espaços em recuperar-se. Tal capacidade, vale lembrar, não resulta somente da disponibilidade de recursos, mas também de uma miríade de efeitos causais de difícil determinação.
A possibilidade de se visualizar uma referência urbana, a cidade que se deseja, buscada no padrão do passado, certamente é um dos atributos que contribuem para essa reconstrução insistente. No caso das ocupações periféricas brasileiras (circunscrevendo-se a um dos compartimentos de baixa habitabilidade, apenas), a incerteza da cidade daquilo que se quer e a falta de um parâmetro no passado poderia, pois, reduzir as suas capacidades de resiliência.
Não se confunde aqui resiliência, ou seja, a capacidade de implementação de mudanças positivas, com a sobrevivência estóica e subserviente frente a adversidades que se acumulam. A despeito de similaridades no volume e características dos problemas, o assim chamado poder de recuperação das cidades submetidas a guerras ou acidentes tem sua antítese nas cidades de países considerados pacíficos e livres de grandes desastres naturais. De fato, exemplos internacionais limitados à presente década expressam um corolário capaz de revelar não apenas uma situação de perdas bruscas e generalizadas, mas sobretudo de grande poder de resiliência. Para citar os mais recorrentes na mídia internacional, tem-se a área de Lower Manhattan com seu projeto de reconstrução, renovação e reestruturação da área destruída no ataque de 11 de setembro de 2001, das cidades litorâneas asiáticas destruídas pelo Tsunami, em dezembro de 2004, ou, ainda, das áreas da Índia e do Paquistão devastadas por terremotos em 2005. De uma lista de incontáveis desastres, selecionados meramente pela visibilidade com que surgem na mídia internacional, percebe-se que há uma mescla de cidades pobres e ricas, porém todas articuladoras de ações de reconstrução imediata.
Do lado das cidades com seus processos de crises cumulativas, e isso chama a atenção, surpreendentes mudanças de sociedade, industrialização tardia, empobrecimento generalizado da população, urbanização concentrada e acelerada, dentre outros, têm imposto, sobreposto e acumulado crises a assentamentos urbanos sem gerar a mesma reação de resiliência. Tal processo cumulativo sobrepõe pois interesses, disputas, construções, deteriorização, abandono de áreas urbanizadas, espraiamento irracional da área ocupada, e, dentre outros, ocupação de espaços ambientalmente frágeis, de risco e baixas condições de habitabilidade. Do ponto de vista do problema – e não da solução – reproduz-se então um processo de destruição similar ao sofrido por cidades formalmente sujeitas a guerras ou desastres naturais.
Estudos mais precisos poderiam confirmar a proximidade em termos de número de vítimas de um e de outro caso; análises qualitativas, no entanto, já podem revelar as semelhanças em termos das condições materiais desses espaços urbanos. Desconsideradas as perdas humanas e materiais observadas no período de guerra ou mesmo no momento de um desastre natural, a situação urbana, em ambos os casos, pode ser resumida em: falta de abrigo, interrupções físicas entre partes de uma mesma cidade, insuficiência de água potável, fome, interrupções no provimento de energia, deficiências nas infra-estruturas de esgoto e nos serviços de transporte, dentre outros. Tais semelhanças poderiam justificar, e esse é um dos objetivos da presente discussão e da hipótese aqui lançada, a revisão na ajuda internacional verificada nos dois casos. Devido a ações orquestradas, sobretudo em nível internacional, da parte das agências de ajuda, as inversões tradicionalmente dirigidas nos primeiros momentos de um desastre, ou de uma guerra, estabelece-se a diferença fundamental entre os dos processos:
“Em vários sentidos, esforços emergenciais de auxílio que se observaram logo após o fenômeno do tsunami contaram com notável sucesso. Diferentemente de desastres similares e com a mesma magnitude, quase não houve mortes pelo surgimento de doenças, falta de água potável ou fome logo após o acontecimento; mesmo nas ilhas mais remotas da Índia e da Indonésia” (6).
Conhecidas como Relief Agencies, as agências de ajuda têm agregado recursos de seus governos e das comunidades de seus locais de origem em somas crescentes nas últimas décadas. A despeito de haver problemas relativos à desarticulação entre elas, fato inclusive considerado recorrente entre analistas envolvidos nas situações de emergência e entre os próprios governos locais (principais intermediadores da ação), já se observa avanços no trabalho conjunto, constituindo redes diversas que procuram a otimização de recursos. A despeito desses problemas de atuação ou mesmo de aplicação do recurso financeiro e técnico disponível, fato esperado frente à complexidade do momento, essas agências têm suas influências incrementadas e, inclusive, se prolongado para além dos momentos de emergência. Pode, pois, concluir quem, mais uma vez, tal canal de recursos diferencia-se positivamente dos empréstimos considerados tradicionais das agências financiadoras e dirigidos a programas de desenvolvimento urbano.
Problemas urbanos e proveitos políticos
De modo geral, cidades e regiões destruídas pela guerra ou acidentes ganham imediata notoriedade e assim são mantidas na mídia por um período mínimo que lhes garante um maior poder de negociação na busca por recursos no cenário internacional. Além disso, o momento que se segue ao desastre ou ao final de uma guerra constitui momentos simbólicos que favorecem a instalação de escritórios de agências capazes de internalizar recursos com uma eficiência que em nada se assemelha às burocracias de um empréstimo dito tradicional, por meio de negociações com governos centrais. Paralelamente, no nível da pesquisa acadêmica, vê-se surgir, em algumas universidades americanas e européias, a constituição de institutos de pesquisa cuja temática de interesse maior é o da ação em situações emergenciais desse gênero. Aí reside um incentivo ao debate sobre questões tais como os instrumentais e as logísticas no atendimento a emergências, a adequação de determinadas intervenções urbanísticas, o controle de processos de paz ou mesmo os encaminhamentos jurídicos relativos à propriedade da terra (7). Ao mesmo tempo em que no nível internacional orquestra-se a busca por recursos disponíveis, no nível nacional – o das cidades ou regiões –, o esforço é o de criar um ambiente de incentivo de reconstrução coletiva, de projeto único de sociedade, de forte desejo de recuperação e de reconstrução do passado. Tal passado, e isso, paradoxalmente pode ajudar na reconstrução, muitas vezes é imageticamente glorioso, ou talvez até mesmo simplificador de um momento pretérito idílico e idealizado.
Tal situação de incentivo de reconstrução, de caráter verdadeiramente empreendedor, cria, às vezes artificialmente, o desejo e o poder de recuperação urbana singular, mas também oportuniza o surgimento de posturas que podem ser facilmente identificadas com as idéias de patriotismo, de grandeza nacional, de esforços comunitários comuns, e até mesmo de renascer e superioridade étnicos. O caso do terremoto, com 7,8 pontos na escala Richter, que devastou inteiramente a cidade chinesa de Tangshan em 1976, talvez o maior desastre urbano relatado, pode exemplificar essa idéia. Logo após a fatalidade, o governo chinês, sob a liderança do presidente Mao, não hesitou em associar o desastre a uma oportunidade de externar a força do partido e de construir um pensamento único em que era possível obter ganhos políticos. Concretamente, o governo chinês recusa ofertas de ajuda de organizações internacionais e se lança numa campanha intitulada "Resista ao terremoto: salve a nós mesmos". Desse modo, a China recusou oficialmente qualquer ajuda estrangeira e usou o desastre como uma pretensão política para demonstrar eficiência e habilidade (8).
Ao se trazer essa mesma discussão para o caso das cidades com crises cumulativas, pode-se aqui tomar como referência o enfrentamento do déficit habitacional brasileiro, o qual poderia ser caracterizado, entre outras peculiaridades, pela insignificante produção das últimas décadas. Cordeiro, ao discutir essa problemática para o caso da cidade de São Paulo, afirma:
“Apesar dos discursos e iniciativas do poder público relativos à chamada problemática da habitação, os problemas da moradia popular são visíveis e inquietantes. Várias ações realizadas nessa direção permaneceram quase sempre ocasionais e não respeitaram as experiências socioculturalmente vivenciadas pelas diferentes parcelas da população paulistana. Algumas soluções apresentadas foram insuficientes, ou ainda, bastante questionáveis do ponto de vista da salubridade e melhoria da convivência social” (9).
Inaugurar oficialmente um irrisório número de casas para famílias carentes pouco representa, de fato, para a gravidade da crise habitacional no país, cujo déficit pode ser calculado em 5,4 milhões de casas, exigindo 10% do Produto Interno Bruto (10). "O objetivo de Lula é que o governo financie a construção de 600 mil unidades por ano [...], eliminando o déficit em 20 anos” (11). Ainda que desconsiderando a imprecisão matemática, ressaltam-se dúvidas quanto à viabilidade de manter a constância desta política social por mais duas décadas completas. Diferentemente, as famílias afetadas pelo Tsunami, na Ásia, talvez se encontrem em melhor situação se levado em consideração o recebimento de ajuda e a viabilidade da solução de seus problemas. Na Indonésia, o país mais devastado por este acidente, o total de casas já construídas ou que estão em construção corresponde a aproximadamente 40% do total necessário contabilizado após o desastre (12). Fica então evidenciado nessa comparação que além de o déficit de moradias acumulado no Brasil ser em muito superior em termos absolutos, a perspectiva de seu zeramento também se apresenta menos otimista.
Para se comparar com maior precisão a situação dos diversos setoriais do desenvolvimento urbano, como é o caso aqui da habitação, entre cidades envolvidas em guerras ou desastres e cidades pobres de países pobres, e ao mesmo tempo pacíficos e livres de grandes reversos da natureza, a falta de informações é limitadora. Para um início de debate, vale a constatação, largamente reconhecida, da acumulação de problemas urbanos, sociais e ambientais em cidades como as brasileiras e do baixo nível de enfretamento. São, de fato, espaços de crise, porém menos aparentes, menos competitivos na visibilidade do sofrimento, e menos visíveis na busca dos recursos internacionais. São, portanto, deficitárias na atenção e no volume de recursos. Desnecessário aqui listar os indicadores dessa crise urbana e da escassa confirmação de mudanças positivas generalizadas quando da implantação de políticas públicas. Para limitar-se a uma análise por meio da construção de imagens, o que vem à mente são ações que não constituem uma política global, inconstâncias nas intervenções, imprevisibilidades no atendimento a demandas crescentes e, sem dúvida, escassez de recursos financeiros. Passivos em termos de rede de esgoto, saúde, educação, transporte, lazer e habitação são, pois, enfrentados sem a lógica do planejamento e sem o apelo do emergencial, uma vez que são construídos de forma cumulativa, lentamente e, talvez por isso, menos perceptível. Aí reside, pois, mais uma diferença entre os dois espaços de crise aqui discutidos. De um lado, a destruição instantânea e o forte apelo do repentino sofrimento; de outro, a lenta crise em construção. De um lado, a resiliência local e o empenho internacional; de outro, a impotência.
Todavia, ao mesmo tempo em que se constatam diferenças, observam-se também as semelhanças. Esforços para restabelecer o cotidiano econômico e social de uma cidade em períodos que seguem o final de uma guerra ou acidentes, do mesmo modo que as intervenções que se observam para atender a demandas por serviços públicos e por infra-estruturas básicas em áreas marginalizadas de cidades como as do Brasil são também oportunidades para interesses diversos. Todavia, tais interesses nem sempre são fundamentados pela solidariedade ou pelo compromisso público. De fato, em uma realidade urbana de déficit social extremo, atitudes populistas parecem mesclar-se a ações que aparentemente são implementadas, tão-somente, para proporcionar à população o atendimento a suas demandas. Joaquim Roriz, por quatro vezes governador do Distrito Federal, prometeu publicamente, como compromisso de campanha, 40.000 casas para famílias carentes; apenas 26.000 foram construídas. Apesar de se ter um discurso transformado em números concretos impressionantes, tal ação não corresponde ao prometido, não elimina o problema da falta de moradia e, o que é mais grave, pode ser considerada uma das maiores experiências urbanas populistas do país, a qual se concretizou em casas de baixo padrão, ocupação de áreas ambientalmente frágeis e escândalos de malversação do dinheiro público.
Outra possível comparação entre os dois espaços aqui discutidos e que evidencia a hipotética desvantagem de cidades “pacíficas e protegidas pela natureza” é a da luta de líderes comunitários ou mesmo políticos em busca de um dos requisitos mais valorizados para garantir a habitabilidade urbana: a posse do solo. Após longos anos de luta para a legalização de compartimentos de terra que podem, numa concessão conceitual, serem chamadas de urbanas, o sentimento de vitória evidenciado por comunidades organizadas pela luta pela terra pode parecer ingênuo. De fato, a obtenção da titularidade por famílias em áreas de invasão ou em loteamentos periféricos, irregulares e clandestinos ocorre, segundo a prática observada, em períodos mínimos que correspondem ao de uma meia geração e significam, tão-somente, o início de um lento processo de consolidação urbana. Moradora da Favela do Maré, Rio de Janeiro, ao comentar decisão do governo federal em acelerar o processo de regularização fundiária, afirma "Acho ótimo se o presidente realmente conseguir dar este título de propriedade. Moro aqui há 32 anos e, como todo mundo, ainda não tenho a escritura” (13). Numa outra reivindicação de moradores para a administração paulistana, observa-se também a simplicidade da demanda, o que significa o alto nível de carência generalizada:
“Nós, mães moradoras no bairro da Mooca, que fazemos parte da classe mais pobre, [...] não temos com quem deixar nossos filhos. No bairro tem creche particular, mas as vagas são poucas, já estão todas preenchidas e cobram muito caro Tem muitas mães que largam suas crianças recém-nascidas o dia inteiro com os outros filhos mais velhos. [...] Outras deixam os filhos trancados dentro de casa enquanto trabalham [...]. Outras mães são obrigadas a abandonar os filhos ou dar para outras famílias criarem, ou ainda, mandar pra seus parentes no Norte. [...] A gente mora em quintais com mais de 50 pessoas, num quarto pequeno [...] onde não cabem nem os filhos. [...] Por tudo isso nós precisamos com urgência de uma creche aqui no bairro [...]. Esperando serem atendidas o mais breve possível, Mães e Pais moradores dos quintais da Mooca” (14).
Tais relatos podem parecer paradoxais se contextualizados numa década onde a ajuda global e imediata, assim como o envolvimento direto de inúmeras instituições na procura de soluções para crises são fatos incontestáveis. De fato, num retrato das duas situações aqui discutidas, é possível afirmar que crises oportunizam, ao mesmo tempo, o melhor e o pior do mundo contemporâneo: para uma determinada tipologia de crise tem-se a ação solidária imediata e pragmática; para outra, a interminável luta quase solitária de comunidades pela terra, por serviços e por infra-estruturas urbanas. Ironicamente, a destruição aparentemente generalizada pode significar uma possibilidade para se discutir problemas estruturais na ocupação e consolidação da cidade, ainda que sirva de instrumental para que se construa um mundo de acordo com interesses de um grupo específico.
No primeiro caso, vale lembrar a reação nacionalista partidária do governo chinês no caso do terremoto de Tangshan, na década de 70, o qual provocou a morte de mais 240.000 vitimas (15). Outro exemplo foi a reconstrução da cidade de Beirute, quando do término da guerra civil, na qual a disputa pelo modelo da reconstrução urbanística repousou entre um retorno para uma cidade considerada ocidentalizada e européia (baixa volumetria e compacta) e uma cidade voltada ao mercado e verticalizada. Robert Saliba, ao analisar a reconstrução de Beirute, sobretudo nos seus aspectos de preservação do patrimônio construído, qualifica a cidade como vivenciadora de um processo que sucede “tradição de construção destrutiva”, “desejo político de modernização”, “desejo econômico de se integrar ao mundo capitalista” e “desejo pessoal de determinados políticos em acessar a história” (16).
No segundo caso, pobreza generalizada e vitórias irrisórias podem igualmente promover a obtenção e a permanência do poder de grupos de interesses políticos específicos, sem, no entanto, construir uma solidariedade internacional capaz de internalizar recursos para uma transformação verdadeiramente estrutural. Para ilustrar a escala dos ganhos sociais que garantem os ganhos políticos, vale notar que as casas populares ofertadas em programas governamentais no Brasil para famílias de baixa-renda contam, em média, com 32 m² (17) e localizam-se em áreas pioneiras da urbanização, distantes dos postos de trabalho e dos centros funcionais urbanos mais importantes, compondo, como já é conhecido, assentamentos pobres e periféricos.
Interesses particulares, intenções políticas meio ao discurso da solidariedade, inconsistência e descontinuidade das ações, dentre outras particularidades, aproximam e distanciam os dois casos aqui descritos. Vale ressaltar, todavia, a reação diferenciada para se reconstruir em cada um dos casos e a sempre presente convivência entre o importante e o oportunismo.
A referência do passado
Se algumas semelhanças estão explícitas, algumas diferenças podem também ajudar a entender ambos as situações aqui discutidas. Assim, a diferença principal entre os dois casos apresentados neste artigo é encontrada nas concepções de passados que qual desse conjunto de cidades se serve como referência. Em cidades destruídas por guerras ou acidentes, o passado é sempre um modelo e freqüentemente uma razão para se reconstruir. Na luta urbana de cidades como as brasileiras, parece-se ressentir, e aqui se adota uma postura deliberadamente pessimista, do fato de não haver modelo no passado para se referenciar, fazendo com que o futuro se apresente com pouca clareza. A forma e o tempo como as duas situações de crise são construídas explicam esse pessimismo: cidades com crises cumulativas correm o risco de perder o referencial de um assentamento com padrões adequados de habitabilidade, como num palimpsesto que esconde a história. Para exemplificar, pode-se citar o fato de que para uma área ocupada sem um regulamento urbano formal (invasão, loteamentos clandestinos ou irregulares), a sua legalização só poderá tão-somente reproduzir os traçados originais, sem mudanças estruturais, implementando poucas mudanças na forma da ocupação do espaço, item de fundamental importância para a implantação dos demais serviços e infra-estruturas urbanas. Em cidades destruídas por guerras ou desastres naturais, as chances de reajustes na estrutura da ocupação da terra e novas funções urbanas parecem mais prováveis devido à obrigatoriedade, em muitos dos casos, da adoção de alterações estruturais no tecido urbano. Esta é, de fato, uma discussão que se observa em casos de reconstrução e que ocorre lado a lado da restauração de marcos históricos e tradicionais, implicando em uma obrigação de se olhar ao passado. Beirute é, mais uma vez, explicativa na procura deste equilíbrio difícil entre a valorização do passado e das necessárias mudanças estruturais: a difícil equação de escolher entre uma Paris do Oriente Médio ou uma Hong Kong do Mediterrâneo certamente foi um dos mais importantes e delicados assuntos do debate durante o processo de reunificação da capital do Líbano.
Urbanização de favelas no Brasil e países com fenômenos urbanos semelhantes, normalmente e paradoxalmente, significam construir corretamente pela primeira vez, construir o que já tinha sido feito sem fiscalização e sem a observação da devida técnica urbanística. Neste caso, reconstrução significa um esforço para oferecer pela primeira vez uma casa apropriada para se viver, a propriedade da terra que tinha sido sonhada por muito tempo e o fácil e adequado acesso a serviços públicos e infra-estrutura. Talvez a maior diferença entre os modelos comparados neste artigo seja o fato de, em cidades como as do Brasil haver uma luta para fixar padrões novos para desenvolvimento urbano e bens arquitetônicos, enquanto em muitos casos de cidades destruídas por desastres naturais ou artificiais, tem-se o processo da reconstrução strictu sensu. Uma reconstrução que ao reproduzir e recuperar patrimônios arquitetônicos, pode também implementar a sua modernização, adaptar as novas demandas e interesses da população e, o que é mais importante, rever as estruturas maiores da cidade, sobretudo o ordenamento fundiário.
Desastres em câmera lenta
A urbanização (18) de favelas no Brasil é um dos elementos chaves da política urbana atual. De fato, a adoção de novas legislações, sobretudo sintetizadas nos mecanismos do Estatuto das Cidades, o qual aponta para um acesso democrático à terra urbana, objetivando uma otimização nos serviços públicos e infra-estruturas, constitui a ação basilar daquilo que se poderia chamar de política urbana brasileira contemporânea (19).
Se em administrações passadas os planejadores primeiramente negaram a existência de favelas; num segundo momento, a consideraram como um problema cuja remoção total do tecido formal da cidade seria a única solução possível. Contemporaneamente, favelas são consideradas elementos de intervenção importantes e implementadas pela urbanização e regulamentação, com o menor número possível de famílias relocadas e com a garantia de que o processo seja feito com uma intensa participação popular. Esta mudança de status programático das favelas para a política pública nacional é resultado certamente de uma impressionante multiplicação e crescimento dessa tipologia de compartimento urbano no país, observada com mais evidência a partir dos anos 70. Na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, 18,8% da população reside em favelas, com um alto nível de concentração em algumas áreas específicas, assim constituindo as maiores ocupações irregulares da América Latina. A Favela da Maré com 113.807 habitantes, a Favela do Alemão com 65.026 e a Favela da Rocinha com 56.338 (20) poderiam confirmar esse cenário. Como afirmado anteriormente, o processo de consolidação e regularização pode se prolongar por até três décadas (21); porém, neste período, constitui conexões com áreas legalizadas da vizinhança, reduzindo, pois, seu perfil de área segregada. Além disso, estudos diversos comprovam que nem toda a população residente em favelas vive abaixo da linha da pobreza. Todavia, condições urbanas que vão além da titularidade da terra e da renda do morador, e que indicam baixos níveis no padrão dos serviços públicos, desemprego, violência, falta de intervenção do governo, e vulnerabilidades ambientais, devido a padrões de construção, podem facilmente justificar a existência de uma situação de guerra velada, de crise cumulativamente irreversível.
“As imagens de cidadania no Rio de Janeiro que eu obtive na minha pesquisa [em favelas, relativo à violência] são notáveis e são pontos para uma profunda conexão entre uma cidade que se consolida em um estado de guerra e o desenvolvimento de uma ambigüidade no que diz respeito a direitos civis e humanos das pessoas que vivem em favelas, porque agora elas são consideradas incompatíveis com a ordem social” (22).
As exemplificações acima demonstram a importância de tal fenômeno e a prioridade com que deveriam ser entendidas para o caso de intervenção. Por esse mesmo motivo elas acentuam a analogia aqui elaborada com as intervenções necessárias em cidades destruídas por guerras ou desastres, observadas em países belicosos ou pouco afortunados pela temperança da natureza. Grandes áreas de grandes cidades em países pobres, constituídas por favelas ou por loteamentos irregulares, clandestinos e periféricos se espalham por novas fronteiras do urbano e podem assim remeter à imagem de uma destruição como aquela observada em cenários pós-guerra ou pós-desastre.
O degradado padrão urbano (o qual justifica o termo assentamento ao invés de cidade) e a informalidade das atividades sócio-econômicas, dentre outros, são fatores comuns a ambas às situações. A diferença reside na descrença em mudanças. De fato, as condições do ambiente construído (estruturas urbanas e moradias), assim como as condições sócio-econômicas, parecem confirmar a possível conexão entre áreas urbanas extremamente pobres com os casos de desastres / guerras que destruíram cidades. Meio à similaridade do problema, mais uma vez, a diferença surge na forma de reação a ele. Assim, outra diferença fundamental entre espaços urbanos que vivenciam crises cumulativas, tais quais muitas das cidades brasileiras, e aqueles que se vêem às voltas com momentos de pós-desastre ou pós-guerra são os instrumentos de intervenção, os recursos financeiros disponíveis e a crença da população envolvida.
A escassez de dados quantitativos e consolidados para confirmar as semelhanças aqui apresentadas limita a elaboração de conclusões. Porém, a partir de próxis de situações específicas, pode-se especular sobre a dimensão do problema em nível nacional, por exemplo, das enchentes que qualificam como vulneráveis extensas áreas urbanas. Dados tabulados para as duas situações aqui descritas poderiam, também, indicar que o volume de pessoas que vivem em assentamentos pobres sob riscos (inundações, deslizamentos de terra, incêndios, doenças, etc.) é, muito provavelmente, mais numeroso que o número de pessoas que habitam cidades que sofrem destruições causadas por guerras e grandes desastres naturais que devastam a quase totalidade do tecido urbano e surpreendem pela velocidade da ocorrência dos danos.
“No Brasil, são raros os estudos que quantificam os prejuízos devido a inundações. JICA, (1986) estimou em 7%do valor de todas as propriedades de Blumenau o custo médio anual de enchentes nessa cidade e 22 milhões de dólares para todo o Vale do Itajaí. O prejuízo previsto para uma cheia de 50 anos foi de 250 milhões de dólares” (23).
De acordo com diferentes metodologias, as tipologias urbanas brasileiras consideradas assentamentos pobres e vulneráveis variam. Limitando-se ao conceito de áreas ilegais (24), por exemplo, essas podem chegar a cobrir quase 50% da cidade de São Paulo (25), a maior cidade no país com aproximadamente 11 milhões de habitantes (26). É certo que nem toda essa área ilegal da capital paulista está sujeita às inundações de verão observadas na cidade e que contam com recorrência anual. (para limitar-se a um dos possíveis riscos ambientais, apenas), porém, o desrespeito a regras urbanísticas e ambientais que caracterizam tais assentamentos permite supor que são nesses espaços da cidade que reside a principal incidência desse problema. Em nível de município, a situação pode ser avaliada pelo número das pessoas contratadas, nos meses críticos, para combater os problemas decorrentes de uma crise anunciada: em 2005, o município anunciou a contratação de 3.000 pessoas (27) para um período de quatro meses, com vistas a diminuir a vulnerabilidade da população e de suas atividades econômicas a esse fenômeno. Outro exemplo, aqui lembrado tão-somente no intuito de se construir um cenário mais generalizado para as cidades brasileiras é aquele observado em Campinas, com quase um milhão de habitantes urbanos (28), e uma das mais ricas do país: em 2003, as chuvas causaram inundações em 12,5% (3.126 ha) da totalidade da área urbana (29).
Outro processo que poderia confirmar a similaridade buscada neste artigo e aqui ensaiada por meio da proximidade dos números de pessoas envolvidas em situações de crise urbana acumulada ao longo dos anos, como o caso brasileiro, e situações de crise devido a conflitos e acidentes naturais, é a velocidade com a qual as ocupações urbanas acontecem em cidades empobrecidas. Desnecessário aqui relatar a dificuldade, quando de altas taxas de crescimento demográfico, em se diminuir o déficit social e exercer o planejamento e a gestão necessária nessas cidades, Nos últimos 25 anos, a Região Metropolitana de São Paulo (39 municipalidades, quase 20 milhões de habitantes e a maior aglomeração urbana brasileira), testemunhou um aumento de 2,4 vezes em sua área continuamente ocupada, passando de 744 Km² para 1765 Km² (30), incluindo sobretudo a ocupação por loteamentos e condomínios de baixa-renda e áreas irregulares. Mas o que é mais importante para este artigo é o fato de que a grande parte deste processo acontece em áreas de risco e sem uma ordem formal de urbanização, aumentando as chances de riscos urbanos.
Tudo isso constrói uma realidade de mudanças urbanas profundas em locais com ausência quase total de desastres ou guerras. Florestas são destruídas, áreas de mananciais são ocupadas, estruturas não permitidas são construídas e hectares rurais são transformados em ambientes urbanos. Neste desastre em câmera lenta não há pausas, apenas uma crise cumulativa, imperceptível em sua gravidade maior, talvez pela lentidão do processo, talvez pelo hábito da convivência que não mais surpreende. De fato, neste caso, armas, ironicamente, confirmam um estado não declarado de guerra:
“A Favela do Vidigal, onde eu sentei para jantar há duas semanas, transformou-se numa zona de guerra numa batalha com a Rocinha (apesar desse fato não gerar interesse por nenhuma rede de notícias britânica). Fora da casa, a polícia com metralhadoras, vigilantes nos acessos, helicópteros sobrevoando, tiros esporádicos e quinze mortos” (31).
Outra consideração relevante à comparação entre essas situações urbanas aparentemente diferentes discutidas neste artigo, é o custo para se resolver um problema, ou seja, o custo da resiliência da cidade, de seu poder de recuperação. A pergunta que se deve fazer é a respeito de o quanto uma situação de emergência pode justificar decisões apressadas e que possam agravar demandas futuras e dificultar soluções mais adequadas. O Grande Incêndio em Chicago, no Illinois, em 1871, e o terremoto de São Francisco, na Califórnia, em 1906, são citados como as duas maiores catástrofes urbanas na história dos Estados Unidos, não só devido às perdas humanas, mas principalmente, devido à surpreendente destruição de propriedades (32). Se tais casos hoje são mais lembrados pela resiliência em restabelecer a cidade passada, são também caracterizados por erros não justificáveis nem mesmo pela emergência da situação. De fato, o paradoxo que se tem é o da implementação de ações solidárias, generosas, empreendedoras, porém sem o devido planejamento, gerando danos irreversíveis.
“Uma das estatísticas mais grotescas que surgem de todos esses fatos [O Grande Incêndio de Chicago] é o fato de que a grande reconstrução tomou mais vidas que o desastre propriamente dito, com doze trabalhadores mortos por dia em decorrência da velocidade dos trabalhos e também da falta de seguranças. A desesperada corrida em direção a um final feliz não produziria felicidade para todos. Além disso, tal lição tem sido largamente esquecida. Foi a resiliência de Chicago que fez com a cidade entrasse na sabedoria popular da América” (33).
Por trás deste esforço plausível para oferecer abrigo e restabelecer serviços e infra-estrutura em cidades destruídas por acidentes e guerras, há também um desejo para apropriar-se de uma situação de crise para, mais uma vez, oportunizar interesses velados. A cidade, ou melhor, o grupo que está, no momento, no poder, ostenta-se como o único capaz de promover algo melhor do que o passado: mais eficiente, mais singular, mais esteticamente valorizado, mais forte frente a outros espaços urbanos, tal qual uma cena onde Fênix recupera vida por meio de sua própria destruição. É importante pois observar que aquilo que interessa neste momento é a habilidade de um grupo para permanecer no (ou ganhar) poder a partir da recriação da cidade das cinzas e conduzi-la ao progresso: “Não importam as terríveis conseqüências desse episódio [o Terremoto de São Francisco] na nossa história, afirmou epicamente o Oakland Herald para toda a área da baía. Pensem nos bons tempos que estão para vir” (34).
Apesar da solidariedade, tal qual em cidades pobres que vivenciam suas crises cumulativas, situações pós-guerra e pós-acidentes igualmente evocam interesses políticos e econômicos. De fato, grandes reconstruções tradicionalmente são acompanhadas por uma maior dinâmica na economia; do mesmo modo ocorrem discussões a respeito do grupo político interno à cidade que se apresenta como o intermediário nas negociações com agências doadoras.
“[Na] reconstrução inevitável do centro de Beirute, […] a casa onde eu vivi […] a loja cujo proprietário era um muçulmano Sunni […] e o local onde sua mãe havia sido educada por um professor de piano foram todos varridos – não pela guerra mas pelo projeto de reconstrução” (35).
As crises econômicas e sociais que coexistiram em cidades brasileiras desde o começo das rápidas urbanizações nos anos 70 (que não só transformou o país em urbano, mas também, e principalmente, em um território com concentradas áreas metropolitanas), justificaram um desrespeito progressivo à legislação urbana e uma condescendência com o problema de invasão em áreas impróprias. Idéias simplistas, principalmente enfocadas em garantir abrigo para todos, nutriram 1. a ocupação de grandes áreas frágeis – comprometendo o sistema ambiental da cidade como um todo e criando incontáveis áreas de alto risco; e 2. o estabelecimento de um padrão de uso do solo urbano caótico que faz difícil, se não impossível, a previsão futura de serviços públicos e a implementação e apropriação de infra-estrutura urbana.
Paradoxalmente, áreas invadidas se tornaram um símbolo de resistência na luta para uma cidade melhor, por meio inclusive de legislações urbanas e principalmente pela complacência de administrações governamentais.
“Contrariamente às crenças populares, informalidade é cara e por isso não é a melhor maneira e a alternativa mais vantajosa para combater a pobreza, mas é usualmente a única alternativa para os moradores urbanos mais pobres […]. Nem todos os moradores de um assentamento informal são pobres […]. A taxa de crescimento das ocupações irregulares de terra no Brasil é muito superior ao aumento do número de famílias pobres. No Brasil, por exemplo, o número total de pessoas residentes em favelas aumento cinco vezes mais que o volume de população pobre. Uma tendência similar pode ser observada na maioria das cidades da América Latina” (36).
Não apenas os custos de programas de uma eventual urbanização subseqüente a processos de invasão, mas também – e isso ocorre na maioria das vezes – a própria característica deste tipo de ocupação frente a interesses maiores da cidade ou mesmo regionais é que pode comprometer a solução do problema. Assim, por exemplo, as vulnerabilidades ambientais que se apresentam como risco premente para o morador, pode também significar um risco para o interesse urbano maior e, por isso, impedir a solução de interesse dos moradores em questão. De fato, muitas das áreas urbanas hoje invadidas encontram-se em compartimentos ambientalmente não apenas frágeis mas também de interesse da produção hídrica municipal e regional. Do mesmo modo, extensas áreas de regiões metropolitanas no Brasil apresentam futuros incertos em termos de disponibilidade de água potável, apesar dos altos dispêndios financeiros com infra-estrutura para se enfrentar esta situação. Áreas ambientalmente frágeis, que são de grande interesse à produção de água, normalmente apresentam baixo valor imobiliário e, com isso, se tornam sujeitas a invasões, vulnerabilizando a produção de água. Na Região Metropolitana de São Paulo, de acordo com o Censo Brasileiro de 2000, mais de 1,6 milhões de pessoas, 10% da população total, vivem em áreas de proteção ambiental. Tais números eliminam claramente a viabilidade de programas de recolocação e, ao mesmo tempo, demonstram a necessidade de enormes demandas de investimentos que a cidade ou o governo nacional estão impossibilitados de dispor. De fato, a combinação de proteção ambiental, assentamentos urbanos consolidados de forma inapropriada, alto crescimento demográfico e falta de recursos é uma equação que produz resultados cumulativamente ruins, um desastre pouco visível e em câmara lenta.
Conclusões
Baseado nas semelhanças e diferenças discutidas neste artigo, observa-se lições mútuas para cidades que experimentam estes dois tipos de processos: o processo de legalização de propriedades de terras no Brasil, lado a lado com seus processos de participação, pode ensinar e aprender com a ação de emergência utilizada em pós-conflitos e áreas de desastres, onde a demarcação fundiária é perdida e novas demandas são apresentadas. Técnicas construtivas para habitação emergencial ou popular definitiva pode igualmente constituir em tema de interesse comum, além, por exemplo, de medidas de logísticas para o enfrentamento de situações emergenciais, apreensão de novos agentes no processo de construção / reconstrução urbana. Todavia, mais importante que a replicabilidade de metodologias e técnicas é a importância de se melhor inserir no cenário internacional de captação de recursos para situações de emergência. Aí reside, pois, o objetivo principal desta discussão, acreditando haver outros canais de internalização de recursos financeiros que não apenas os tradicionais e principais de agências como Banco Mundial.
Ainda que a caminho da conclusão deste artigo, vale lembrar que as duas situações aqui descritas muitas vezes se sobrepõem, impedindo pois uma distinção total e constante entre as cidades de crises cumulativas e cidades destruídas por guerras e acidentes naturais. No caso dessas últimas, muitas delas guardam para si os mesmos problemas encontrados nas cidades mais reconhecidas como pobres. Vale no entanto observar que o fenômeno do desastre e da guerra são decisórios na mudança que pode se estabelecer e, ironicamente, favorecer a inversão de recursos e incrementar as resiliências urbanas frente a vulnerabilidades diversas.
Aparentemente, a discussão apresentada acima talvez pareça se constituir em mais uma consideração sombria em termos do futuro urbano brasileiro. Todavia, seu objetivo é o de iniciar uma discussão que permita identificar os potenciais utilizados numa situação para que possam ser apropriados na questão das cidades, sobretudo na busca de recursos internacionais. A despeito de não existirem estatísticas consolidadas e construídas com o propósito para confirmar a precisão das comparações aqui elaboradas, exemplos isolados s,mas casos isolados as fazem claras. Destruições silenciosas e lentas podem ser até pior que eventos de destruição imediata e danos claramente visíveis. Processos longos e cumulativos com o uso impróprio das terras (como em áreas de invasões ilegais), décadas de empobrecimento que provocam uma mobilidade social praticamente nula, violências urbanas tidas como comuns, entre outras situações temidas pode transformar o ato de olhar para trás na procura de soluções ou um modelo de cidade ideal um exercício de Sisifo. De fato, parecemos condenados ao trabalho de empurrar sem cessar uma rocha para cima de uma montanha, construindo uma imagem de castigo terrível formalizado pelo trabalho inútil e sem esperança. De fato, desastres cumulativos podem excluir a possibilidade de olhar para trás à procura de soluções.
notas
1
“Response to the disaster was so good that the charity raised four times the amount it needed, despite closing its appeal only a week after the tsunami. [...] the unprecedented generosity of donors from around the world netted the charity a total of 105m Euros ($135m) – leaving it with far more cash that it had bargained for. [...] people gave so much money because it was such a big disaster, and it was covered so extensively by the media [...]. People thought, 'It could happen to us,'" he said. [...] They can identify with it more than with other humanitarian disasters, like victims of conflict or civil war”. BBC, British Broadcast Company. Charity redirects tsunami money. Disponível no website oficial da BBC, 11 maio 2005 <http://www.bbc.co.uk>. Acesso em abril de 2006.
2
VIANNA Jr., Aurélio (Org). Estratégias dos Bancos Multilaterais para o Brasil: análise crítica e documentos inéditos. Brasília, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 1998, p. 82
3
“Desde 1985, el BID ha financiado cerca de US$ 8.000 millones en proyectos de inversión para el mejoramiento de ambiente urbano. Los montos han variado desde alrededor de los US$ 142 a los US$ 500 millones en años como 1985, 1988, 1989 y 1993; a montos de orden de US$ 600 a US$ 1.000 millones en 1986, 1987, 1990, 1991 y 1995; pasando de los US$ 1.000 millones en 1992 y acercándose a los US$ 2.000 millones en 1994 [...]. Los rubros tradicionales en los cuales se ha invertido [...] han sido agua potable y alcantarillado (US$ 3.100 millones) [...] saneamiento y descontaminaciones (US$ 1.500 millones)”. BID. Anais da Sexta Consulta sobre el medio ambiente. Curitiba, 1995. Washington,1996, p. 3-4.
4
“Jerusalem is the greatest site of physical destruction and renewal known to history. For some 4,000 years it suffered wars, earthquakes, and fires, not to mention twenty sieges, two periods of total desolation, eighteen reconstructions, and at least eleven transitions from one religious faith to another”. BEINART, Julian (apud A Elon). In VALE, Lawrence J.; CAMPANELLA, Thomas J. The resilient city: how modern cities recover from disaster. New York, Oxford University Press, 2005, p. 181.
5
“Natural disasters have destroyed, in whole or in part, Japan’s cities on numerous occasions. Human action, whether internal warfare or the air raids of the Second World War, has been the cause of further devastation”. HEIN, Carola. In VALE, Lawrence J.; CAMPANELLA, Thomas J. Op. cit., p. 213.
6
“By most accounts, the emergency-relief effort in the immediate aftermath of the tsunami was a notable success. Unlike in previous disasters of this magnitude, almost no one died from outbreaks of disease, lack of clean water or starvation in the wake of the catastrophe, even in remote islands off India and Indonesia”. “Asia’s tsunami: relief but little rebuilding”. The Economist Magazine, vol 377, nº 8458, 24 dez. 2005 – 6 jan. 2006, p. 51. Disponível em <http://www.economist.com/displayStory.cfm?story_id=5327849>. Acesso 01 ago 2006.
7
Sobretudo em casos de acidentes naturais, como o caso do Tsunami, em 2005, a devastação causada pelo acidente leva à perda dos limites fundiários, seja em nível de documentos legais, seja, na demarcação física dos terrenos.
8
REESE, Lori. “Tangshan: earthquake, July 28, 1976. An ominous rumbling”. Time Magazine, v. 154, nº 12, 27 set. 1999. Disponível em <http://www.time.com/time/asia/magazine/99/0927/tangshan.html>. Acesso 01 ago 2006.
9
CORDEIRO, Simone Lucena. “Moradia popular na cidade de São Paulo, (1930-1940) – projetos e ambições”. Revista Histórica, nº 1, abr. 2005. Disponível em <http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br>. Acesso em abr. 2006.
10
Este número aumenta para 6,6 milhões de unidades de moradia se o déficit em áreas rurais for levado em conta. Considerando a média de 3,8 pessoas por domicílio, a população sem moradia adicionada às que moram em moradias inadequadas atinge aproximadamente 25 milhões de pessoas. Cf. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2000. Belo Horizonte, dez. 2001.
11
DUTRA, Olívio. “Governo busca parceria para acabar com déficit habitacional”. Jornal O Estado de São Paulo, 22 de junho de 2004.
12
“Asia’s tsunami: relief but little rebuilding”. Op. cit.
13
ONG Viva Rio, 2001. “O barraco da posse”. Disponível em <http://www.vivafavela.com.br>. Acesso mar. 2006
14
”Carta das Mães e pais moradores dos Quintais da Mooca”. São Paulo, 1980.
15
Cf. Time Magazine, 1999.
16
SALIBA, Robert; AL-FUNUN, Darat. Deconstructing Beirut's reconstruction: 1990 – 2000
Coming to terms with the colonial heritage. Aman, Center for the Study of the Built Beirut, 19 abr. 2000. Disponível em <http://www.csbe.org/saliba/essay4.htm>. Acesso mar. 2006.
17
O padrão citado neste artigo é o tamanho mínimo usado pelo governo do Estado de Paraná em programas de moradia no Brasil Meridional e também muito adotado em grande parte dos outros estados.
18
Propositadamente, evita-se aqui o uso do conceito Reurbanização por este indicar a reconstrução de algo que existira no passado, idéia refutada neste artigo.
19
Na realidade, além da defesa desse acesso democrático à terra urbana, tem-se também a defesa de uma gestão participativa, com incremento significativo na participação da comunidade nos assuntos que lhe interessam. A combinação desses dois processos qualificaria pois, aquilo que se pode chamar de política urbana nacional, consubstanciada na formulação de Planos Diretores Municipais.
20
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico. Brasília, 2000.
21
No caso da ocupação irregular de áreas de preservação ambiental, ou seja, áreas de preservação permanente, protegidas por lei, o processo de regularização fundiária pode inclusive se inviabilizar.
22
LEITE, Márcia Pereira. “Entre o individualismo e a solidariedade: dilemas da política e da cidadania no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol.15, nº 44. São Paulo, out. 2000, p. 43-90.
23
TUCIO, Carlos E. M.; ESPANHOL Ivanildo; CORDEIRO, Oscar. Relatório anual sobre o Gerenciamento da água no Brasil. Cepal, Santiago, 2000.
24
Ilegal aqui não significa favelas, apenas; inclui também os lotes comprados pela população, porém sem a totalidade da documentação de propriedade.
25
MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo. São Paulo, Hucitec, 1996.
26
IBGE. Op. cit.
27
PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. “Prefeitura monta frente de trabalho para combater enchentes”. São Paulo, 2005. <http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=6469> Acesso jan. 2006.
28
IBGE. Op. cit.
29
EMBRAPA. “Embrapa Monitoramento por Satélite vai participar do plano de combate a enchentes, em Campinas”. <http://www.cnpm.embrapa.br/reporte/i_el2005_1.html>. Acesso em jan 2006.
30
AZZONI, Carlos Roberto. “Quão grande é exagerado? Dinâmica populacional, eficiência econômica e qualidade de vida na cidade de São Paulo”. Rio de Janeiro, NEMESIS – Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos.
31
“Vidigal, the favela where I sat and ate dinner two weeks ago, had become a full blown war zone in a battle with Rocinha (although it is perhaps surprising that even one English news channel bothered to look this far for news). Outside the house police with machine guns guard the road, overhead helicopters buzzed and hovered, sporadic bursts of gunfire, 15 dead”. BARGENT, James. “Favela fairytales”.
32
O Grande Incêndio, em Chicago, matou 300 pessoas, derrubou quase 18,000 edifícios e deixou cerca de 100,000 pessoas, quase 1/3 da população, repentinamente sem moradia. O terremoto de 1906, em São Francisco, destruiu 28,000 edifícios e deixou 400,000 residentes sem abrigo. Cf. ROZARIO, Kevin. “Disaster narratives and the art of optimism in Modern America”. In VALE, Lawrence J.; CAMPANELLA, Thomas J. Op. cit.
33
“One of the more grotesque statistics to emerge from the whole affair [Great Fire of Chicago] is that the great rebuilding took more lives than the fire itself, with as many twelve construction workers dying each day because of the need for speed and inattention to safety. The mad rush toward a happy ending would not produce happiness for all. And yet, this lesson would be largely forgotten. It was the resilience of Chicago that would enter American lore”. Idem, ibidem, p. 41.
34
“Never mind the unpleasant things of this terrific episode [San Francisco Earthquake] in our history, the Oakland Herald cheered from across the bay. Think of the good times coming”. Idem, ibidem.
35
“[In the] vital void reconstruction of downtown Beirut, […] the house where he lived […] the shop owned by a Sunni Muslim […] and the parlour where his mother was trained by an American piano teacher are all eventually wiped out – not by the war but by the reconstruction project”. SAKKIS, Hashim. In VALE, Lawrence J.; CAMPANELLA, Thomas J. Op. cit, p. 281.
36
“Contrary to popular beliefs, informality is expensive and therefore is not the best or even an advantageous alternative to combating poverty, but it is usually the only one available to the urban poor […]. Not all occupants of informal settlements are poor […]. The rate of new irregular land occupation is much higher than the rate of increase in the number of poor families. In Brazil, for example, the total number of favela residents has increased at five times the rate of poor residents, and a similar trend is seen in most large Latin American cities”. SMOLKA, Martin. “Informality, urban poverty and land market prices”. Land Lines, vol 14. Boston, Lincoln Institute of Land Policy, jan. 2003.
sobre o autor
Clovis Ultramari, arquiteto, Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, professor nos cursos de mestrado em Gestão Urbana e de graduação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil