Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
O artigo retoma o conceito de vanguarda segundo seu uso histórico, trazendo exemplos de casos particulares dessa "universal vanguarda", que proporcionam as chaves de uma “dialética da vanguarda”

english
The article analyses the concept of avantgard according to it historical use, showing examples of this specific "universal avantgard", providing clues about the "avantgard dialectics"

español
El artículo retoma el concepto de vanguardia según su uso histórico, desarrollando ejemplos de casos particulares de esa "vanguardia universal" que nos otorgan las claves de una "dialéctica de vanguardia"


how to quote

SUBIRATS, Eduardo. Um comentário sobre o conceito de vanguarda. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 105.01, Vitruvius, fev. 2009 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.105/72/pt>.

1

Falar de vanguardas artísticas quando se anuncia por toda parte a eliminação da arte, o anti-estético ou o post-art é um paradoxo. Talvez seja também uma tautologia. As vanguardas definiram em seu tempo uma estratégia militar de alta capacidade destrutiva. No final do século XIX o conceito de vanguardas foi retomado pelas organizações políticas socialistas, anarquistas e comunistas. Continuava sendo uma avançada com um objetivo destrutivo: o sistema econômico capitalista. As vanguardas artísticas foram a expressão de uma análoga vontade de ruptura e destruição: da experiência artística e das memórias culturais, e das formas de vida a elas ligadas. Mas o que são essas vanguardas artísticas?

Os usos desta palavra têm uma longa história: desde a surpresa que Baudelaire expressou em seus diários para os poetas que usavam sua camuflagem militar, até a homologação e neutralização acadêmica do termo em seminários e congressos globais. Seu conceito estético ou artístico, no entanto, teve uma vida breve e leve. Picasso, a quem a museografia e a história da arte instaurou como um de seus monumentais pioneiros rechaçou este título com um gesto rotundo. Para artistas como Schoenberg ou Kandinsky o conceito de vanguarda é um non sense. Klee sublinhava em seus diários que a idéia de progresso, da qual o conceito de vanguarda é subsidiário, não tem razão de ser na história da arte. Se das artes plásticas ou da música passamos à literatura as coisas são ainda piores. Kafka vanguardista? Pessoa? Foram Guimarães Rosa ou Juan Rulfo alguma vez avant-garde? Que espécie de invenção é então esta “vanguarda artística”?

2

O formalismo intrínseco a esta palavra não quer dizer que careça de referentes. Pelo contrário, existe uma série de importantes casos particulares desta universal vanguarda, e a eficaz função administrativa de sua categoria está hoje fora de toda dúvida. Alguns exemplos.

Temos, em primeiro lugar, artistas marginais: os dadaístas de Zurique e Berlim, os futuristas de Milão. Chamá-los de representantes de “movimentos”, como se faz freqüentemente, pressupõe introduzir de maneira sub-reptícia uma dimensão transcendente, seja histórica, política ou civilizatória, que as expressões artísticas e as manifestações intelectuais de Marinetti, Tzara ou Carrà não tinham. Nas manifestações de rua de Dada-Berlim pode-se ver desespero, violência, cinismo, e um rechaço brutal da miséria, a guerra e a corrupção que o auge do industrialismo trouxe. As caras grotescas de Grosz são a antecipação desesperada do terror dos fascismos europeus. É legítimo falar a respeito destas obras de uma ruptura formal, uma ruptura moral e uma ruptura política e, até certo ponto, estes artistas representam uma ruptura geral em relação aos valores estéticos e éticos do século XIX. Porém somente até certo ponto.

O mais importante dos artistas de Dada-Berlim, segundo Tucholsky, era Grosz, e Grosz é um discípulo avançado dos Caprichos e Disparates de Goya. Os manifestos de Tzara expõem uma visão lúcida e decadente da crise européia, mas nada que possa catalogar-se como vanguarda ou primeira fileira, nem brecha nem luta de nenhuma classe. E de todo modo, o sentido de seus manifestos só pode ser compreendido a partir da tradição de pasquins e manifestos revolucionários do século XIX europeu. Heartfield inaugurou novas formas de comunicação artística, porém também antecipou os modelos para a indústria publicitária e a propaganda política do século XX.

A poesia, a pintura e a arquitetura futuristas, o Movimento Moderno na arquitetura, ou bem sua prolongação em outras correntes artísticas pioneiras da modernidade européia do século XX, como a que representavam Malevich, Tatlin ou Tziga Vertov, produzem aspectos mais complexos. Nos manifestos de Marinetti, ao contrário dos dadaístas de Berlim, nós observamos a legitimação estética da guerra industrial, a exaltação das massas industriais, a glorificação da produção industrial, o culto à racionalidade industrial, e a uma estetização geral do industrialismo baseada em duas simples categorias: o “dinamismo” – um dinamismo que abarcava de um só golpe os transportes motorizados, as linguagens industriais e as massas urbanas – e a violência, uma violência universal, ao mesmo tempo gramatical, arquitetônica e militar, verdadeira antecipação da violência das vanguardas fascistas européias. O que as realizações e programas de Sergei Eisenstein ou Tziga Vertov, ou Tatlin ou Malevich acrescentaram a este projeto universal futurista foi somente uma retórica comunista, uma linguagem formal abstrata e alguns produtos artísticos programaticamente integrados no projeto e o processo de configuração de um sistema civilizatório comunista estilizado como uma salvação da humanidade que acabou naufragando nas paradas militares do totalitarismo corporativo moderno.

3

Os exemplos podem e devem multiplicar-se. Em Mondrian a chamada “dialética das vanguardas” se cumpre com transparência cartesiana. De um realismo epigônico e banal que nunca foi possuído pelas intensidades emocionais das cores de Van Gogh nem a força mitológica da natureza de Courbet, o pós-impressionista Mondrian descendeu de um “cubismo” que também eliminou as intensidades expressionistas picassianas. E deste cubismo semioticamente domesticado Mondrian ascendeu a sua famosa construção de espaços geométricos e cores puras. Como nos dadaístas e expressionistas de Berlim, e como nos dramáticos manifestos de Malevich ou Lissitzky, Mondrian assumia um protesto artístico contra uma realidade histórica que chamou “trágica.” Como eles, assumia este protesto como final e morte da arte enquanto experiência e reflexão expressivas da realidade. Mas à diferença dos futuristas e dos construtivistas russos sua subseqüente redefinição da arte se afastava das contingências políticas e históricas de seu tempo. Mondrian assumiu um conceito metafísico de arte de conotações platônicas inspiradas na teosofia de Helena Blavatsky. E conferiu à construção essencialista de valores abstratos, universais e absolutos um significado civilizatório: a criação ex nihilo de uma nova ordem total que compreendia desde as cores que devemos ver até as ruas por que temos de transitar. Tudo devia submeter-se a uma e mesma estética cartesiana explicitamente identificada com os valores teológicos e tecnológicos da produção industrial.

Estes casos proporcionam as chaves de uma “dialética da vanguarda” num sentido rigoroso: um progresso estreito que compreende desde a abstração da cor em Cézanne até a composição plástica pura da cidade corbusiana; um progresso de l’art pour l’art à arte como produção industrial; a ascensão da estética romântica do maravilhoso à produção surrealista de simulacros e do espetáculo. O ponto de partida deste logos histórico da estética da vanguarda ou da modernidade estética tout curt é negativo: a supressão da arte enquanto experiência da realidade – sumariamente confundida com um conceito positivista de realismo. Esta negação geral e abstrata legitimou e segue legitimando sua “superação” num seguinte passo progressivo: a redefinição da arte como teologia e tecnologia da organização industrial da percepção da realidade e da interação humana. Neste sentido o neoplasticismo é um modelo paradigmático de racionalização da percepção visual sob as limitadas coordenadas espaciais e a pobreza de cores que seus quadros contemplam programaticamente. O racionalismo da arquitetura industrial formulado no Modulor foi o modelo efetivo de planificação do comportamento humano a escala industrial nas megalópoles do século XX. Esta superação tecnocêntrica da obra de arte se coroou com uma visão metafísica de banalizadas conotações místicas que coligou os ideários positivistas e socialistas do progresso tecnológico e industrial com a transcendência secularizada de uma ordem cartesiana universal de ângulos retos, cores puras, espaços planos e materiais cristalinos. Mies van der Rohe e Le Corbusier foram seus professores absolutos.

Não há duvida: os surrealistas foram celebrados neste panorama como a expressão de uma liberdade que a Europa não conhecia desde os dias da Comune. A crítica da razão tecnocêntrica, o rechaço da moral cristã da culpa, a liberação das fantasias do inconsciente, e a integração dos mitos e a magia das culturas colonizadas pela razão ocidental no seio da razão ocidental mesma: Tudo isso prometeu o surrealismo em seu primeiro e segundo manifestos, e ao largo de uma ampla série de expressões artísticas e literárias! Nada disso impediu, contudo, que a “amarga vitória do surrealismo” significasse o triunfo de seus produtos degradados, como em seu tempo escreveu Guy Debord: objetos anagógicos, desconstrução e manipulação metonímica das linguagens, produções de uma realidade virtual paranóica, apologia mercantil de fetiches e simulacros, a estética "realmaravilhosa"… Sob o programa geral da produção de simulacros irracionais Breton e Dalí anunciaram um consumo semiótico de simulacros complementário à conversão da arte em meio de produção industrial da realidade. A revolução surrealista antecipou a sociedade do espetáculo da mesma maneira que a teoria das máquinas de habitar de Le Corbusier antecipava uma planificação industrial totalitária da vida humana.

4

A dialética das vanguardas parte do prejuízo número um da teologia cristã: a história como manifestação do espírito. Todas as expressões vitais do humano, desde as revoluções científicas até as revoluções políticas, seriam a expressão daquele supremo princípio. Assim também a arte. Mas a arte, de acordo com a formulação secularizada deste espírito do cristianismo e seu desdobramento em historia não é “die höchste und absolute Weise dem Geist seine wahrhaften Interessen zum Bewusstsein zu bringen” – não é o modo superior e absoluto de trazer ao espírito os verdadeiros interesses da consciência, em palavras de Hegel. A arte não pode alcançar os mistérios últimos de nossa condição histórica, de acordo com esta tradição ascética que começa com o apóstolo Juan e termina com o “Testamento” de O Lissitzky. Somente a concepção cristã da verdade e sua encarnação na razão capitalista são a verdadeira expressão do absoluto. E esta manifestação do absoluto se encontraria em algum lugar para lá da experiência da arte e do artista. Daí a sentença anti-estética de Hegel e do espírito capitalista de nosso tempo: “a arte é e permanece um passado.” (1)

A declaração da morte da arte, a negação institucionalizada da possibilidade da arte, a exaltação comercial, museológica e acadêmica da anti-estética não deixaram de propagar-se e repetir-se ao longo de dois séculos sob modalidades e modulações diferentes. Proudhon, Marx e o socialismo cantaram a mesma canção sem muitas variações. Não o imperialismo capitalista, senão a revolução comunista era a manifestação superior da Vernunftbildung e, por conseguinte, devia-se celebrá-la como a única e verdadeira expressão objetiva do espírito. Seu triunfo histórico revelava o caráter supérfluo da arte. Muitos artistas associados à revolução comunista, de Alexander Block até O Lissitzky, assumiram esta escatologia anti-artística. Na medida em que a arte geométrica e a estética do maquinismo integravam em seu processo de criação formal a racionalidade industrial, também adquiriam uma nova aura metafísica e prática. Seu objeto já não era o reino transcendente da beleza, nem a reflexão trágica sobre nossa má realidade. Seu lugar tampouco se encontrava em uma esfera sui generis do sentimento, nem da experiência subjetivos. Do que tratava e do que se trata é da construção industrial da realidade, da organização racional da realidade e da constituição de uma nova realidade total. A arquitetura se elevou a instrumento da razão instrumental e industrial. A arte se transfigurou em design e fashion, e em performance e espetáculo. A literatura foi convertida em ficção e entertainment. Os mass media sublimaram as experiências pioneiras do cinema em sistema de produção de identidades individuais e modelos sociais programados.

As vanguardas fecharam com isso seu ciclo vital. Suprimiram a autonomia da arte para integrá-la a tempo completo na verdade absoluta da produção industrial e o espetáculo capitalista. Por isso os futuristas defenderam a guerra industrial; por isso Vertov se pôs a serviço da propaganda do estado soviético; por isso Le Corbusier subordinou a forma arquitetônica às necessidades da produção e expansão industriais sobre o Terceiro Mundo. E por isso Henry Russell Hitchcock e Philip Johnson proclamaram um novo internacionalismo industrial e a igualação de todas as linguagens planetárias sob o conceito formalista de um novo e único estilo global.

A dialética das vanguardas culminou em um conceito instrumental de forma, o chamado funcionalismo, elevado a princípio de organização total. Cumpria com isso o ideal romântico de obra de arte total ao mesmo tempo em que invertia seu sentido. Sua finalidade não era agora a integração das artes para a consecução da expressão artística de uma época, senão sua homologação sob uma sintaxe formal universal. A última conseqüência política da dialética das vanguardas é totalitária.

5

Todos estes casos só justificam em sua realidade localizada no tempo e no espaço o conceito de vanguarda: não justificam a dialética das vanguardas, nem o conceito de vanguarda como princípio de coerção antiestética universal à que devam submeter-se as expressões artísticas mais importantes do século XX. Picasso rechaçou explicitamente a concepção de suas obras como momentos de um processo. Contra a nomenclatura vanguardista afirmou a individualidade única e irrepetível de toda verdadeira obra de arte. Paul Klee incorporou à arte ocidental as expressões artísticas e as concepções cosmológicas da miniatura hindu ou a cerâmica inca. Sua concepção da natureza é oriental. A pintura de Kandinsky remonta a uma espiritualidade de reminiscências platônicas e plotinianas, ao misticismo da cabala e a as raízes orientais da iconologia bizantina. Huidobro se opôs radicalmente à teleologia das vanguardas. A poética de García Lorca não parte de uma ruptura histórica, mas afunda suas raízes no misticismo sufi de Al-Andalus. Schoenberg e Villa Lobos exaltavam o artesanato musical das tradições populares centro-européias e da música popular brasileira. A obra de Beckmann só pode ser compreendida a partir de sua reflexão mitológica. O conceito de cor de Rothko remonta a tradições espirituais orientais. Juan Rulfo e Mario de Andrade afundam suas raízes literárias nas mitologias e concepções sagradas da América antiga…

Nenhuma destas dimensões estéticas, metafísicas e culturais cabem no disco compacto dessa “dialética das vanguardas”. Nenhuma delas deixa subsumir-se sob uma razão histórica capitalista como expressão do absoluto para além da arte no sentido em que definia Hegel e o seguiram repetindo uma longa tradição que acabou nos vertedouros do post-art. Pelo contrário, a concepção animada do cosmos de Arguedas, a teoria da natureza criadora, infinita e sagrada de Klee, a captação espiritual da cor de Rothko, a teoria da nova harmonia de Schoenberg, a arquitetura cristalina de Bruno Taut, a dimensão “espiritual na arte” que desenvolveu Kandinsky, o “matriarcado de pindorama” que reivindicou Oswald de Andrade… tudo isso aponta para uma dimensão estética e política autônoma alheia às teleologias e teologias da razão na historia e suas vanguardas políticas e militares ou artísticas. Esta crítica das vanguardas tem uma importante conseqüência programática para a filosofia da arte, e para a historiografia e a crítica artísticas de nosso tempo que quero sublinhar a título de conclusão: pensar a necessidade de repensar, redefinir e refazer suas premissas estéticas, metafísicas e políticas.

notas

[tradução Felipe Contier]

1
Hegel vol. p. 23, 25.

sobre o autor

Eduardo Subirats é autor de uma série de obras sobre teoria da modernidade, estética das vanguardas, assim como sobre a crise da filosofia contemporânea e a colonização da América. Escreve assiduamente na imprensa latino-americana e espanhola artigos de crítica cultural e social

comments

105.01
abstracts
how to quote

languages

original: español

others: português

share

105

105.00

Considerações sobre o ofício da arquitetura no Brasil (1)

Danilo Matoso Macedo

105.02

A propósito do juízo da arquitetura paulistana

Luis Espallargas Gimenez

105.03

Carlos Maximiliano Fayet

Arquitetura moderna brasileira no Sul (1)

Sergio Moacir Marques

105.04

A eficácia dos concursos públicos de arquitetura organizados pelo IAB-MG

Joel Campolina

105.05

Severiano Porto

Entre o regional e o moderno

Sérgio Augusto Menezes Hespanha

105.06

O movimento dos métodos de projeto

Juliano Carlos Cecílio Batista Oliveira and Gelson de Almeida Pinto

105.07

Asentamientos rurales y asentamientos

Heimdall Hernández Hidalgo

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided