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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo pretende analisar de uma forma ampla a obra do arquiteto Hans Broos, a partir de aspectos considerados fundamentais em seu pensamento e obra, desde sua formação européia ao propósito de contextualização das obras no ambiente brasileiro

english
This article intends to do a broad analysis of architect's Hans Broos works through the selection of basic aspects of his thought and production, from his european background to the purpose of contextualizing his work into the brazilian environment

español
En este artículo se pretende hacer una analisis del trabajo del arquitecto Hans Broos a través de la selección de aspectos clave en su pensamiento y obra, desde su formación europea hasta el propósito de contextualizar las obras en el ambiente brasileño


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DAUFENBACH, Karine. Reflexões sobre a obra de Hans Broos. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 123.07, Vitruvius, ago. 2010 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.123/3530>.

No ano de 1953 Hans Broos, deixa a Alemanha com destino ao Brasil. Nascido em 1921, mas com sólida formação e considerável prática projetual, o então jovem arquiteto Broos já participava de importantes projetos em seu país e dava início a sua carreira como autônomo. Os motivos para sua emigração nunca foram, de fato, expostos claramente. Sabe-se, naqueles anos, a Alemanha ainda não havia se livrado totalmente dos escombros da Segunda Guerra, e que as encomendas destes primeiros anos eram em grande parte reconstruções de edifícios e de conjuntos urbanos (1). Talvez seja justamente esta situação que o estimulou a vir ao Brasil: “não queria mais só olhar para o passado, mas para o futuro” (2). Espírito irrequieto e pronto a desafios, Broos nos esclarece: “as notícias chegadas sobre a arquitetura brasileira foram tão convincentes que decidi trabalhar no Brasil” (3). O Brasil representava um campo ilimitado de trabalho e criatividade, como frisa constantemente o arquiteto em seus escritos. Era a imagem da liberdade projetual e de um mundo a ser construído, contraposta à noção de limitação projetual em um combalido ambiente a ser reconstruído.

Em seus 50 anos de atividade no Brasil, o arquiteto projetou centenas de obras, dentre elas, casos exemplares dentro do cenário arquitetônico brasileiro. Entretanto, o arquiteto permaneceu à margem da historiografia nacional, salvo raras exceções (4), o que o torna, malgrado a qualidade de sua obra e os inúmeros prêmios que recebeu, não mais que um “ilustre desconhecido” entre nós.

Formado pela Universidade de Braunschweig em 1947, Broos trabalhou com dois grandes nomes da arquitetura alemã do pós-guerra: Friedrich Wilhelm Kraemer (1907-1990), seu professor em Braunschweig, com quem trabalhou também depois de formado, e Egon Eiermann (1904-1970), arquiteto que, ao lado de Hans Scharoun, é considerado uma das figuras mais marcantes do cenário arquitetônico alemão dos anos 1960 (5). Ao lado de Kraemer, Broos colaborou em diversos projetos, entre novos e de reconstrução de edifícios e conjuntos urbanos na arrasada cidade de Braunschweig. Já com Egon Eiermann, então em plena ascensão profissional, professor da Universidade de Karlsruhe a partir de 1947, Broos colabora em projetos de maior porte, dentre eles a Indústria Têxtil de Blumberg (1949-1951), a Rádio de Stuttgart (1948-1951) e a Usina Experimental da Universidade de Karlsruhe (1951-1956); arquiteto por quem Broos nutre profunda admiração, com quem diz ter tido seus anos de formação, que se revela também em uma visível influência em sua obra.

Indústria Têxtil Blumberg, Blumberg (Baden), Alemanha, 1949-1951. Arquiteto Egon Eiermann
Foto Eberhard Troeger [SAAI Karlsruhe]


Um arquiteto do Pós-Guerra

Os jovens arquitetos alemães formados em fins de 1930 ou nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra encontravam-se, como era de se esperar, em uma situação histórica crítica: ao retrocederem o olhar, avistavam um passado do qual queriam se livrar, como tudo o que ele representava, em especial sua arquitetura oficial; ao seu redor, não mais que escombros, construções provisórias e barracos; a sua frente, um futuro incerto. Os arquitetos que pudessem servir de exemplo a esta nova geração e conduzir os rumos da reconstrução do país, haviam emigrado em sua maioria (6), e os poucos que regressaram, o fizeram alguns anos mais tarde (7). A esta situação, juntam-se os anos de auto-isolamento que o país se impôs e a censura de imprensa quase perfeita durante os anos do Regime Nazista (8), que não permitiam aos arquitetos o “olhar” para fora, e assim, os desenvolvimentos por que passava a arquitetura moderna em outros países passaram despercebidos (9). Os primeiros exemplos vinham de fora: a vizinha Suíça e os países escandinavos serviam como um exemplo próximo de uma arquitetura “possível”, assim como os Estados Unidos e alguns arquitetos em particular, como Le Corbusier.

No final dos anos 1940, a construção da Indústria Têxtil de Blumberg de Egon Eiermann causou um imenso impacto junto a esta nova geração (10), e se mostrou como uma surpreendente manifestação de um modo de fazer o moderno que abria amplas possibilidades, desenhada com simplicidade e sem se prender a fórmulas, que foi recebida com grande entusiasmo e levou legiões de arquitetos a esta pequena cidade no sul da Alemanha.

Egon Eiermann aprendera a utilizar a linguagem moderna de um modo amplo e variado para poder construir “moderno” durante o Terceiro Reich, assim como também o fizeram arquitetos como Hans Scharoun e Hugo Häring. Das casas simples e naturais dos anos 1930 surge uma linguagem flexível, que faz uso alternativo de materiais convencionais e descobre um modo não dogmático de ser moderno e de lidar com a arquitetura, que se conservou na sua obra pós-guerra.

A precisão construtiva e a verdade formal eram suas máximas, e o arquiteto procura tornar tais princípios visíveis em seus projetos. Assim Eiermann concebe esta fábrica, explorando seu valor estético puramente de sua funcionalidade e de sua construtividade, e que impressiona também pelas soluções originais que emprega, como as chapas onduladas de fibrocimento na fachada, tendo em vista necessidades funcionais, e a recusa dos sheds na cobertura em favor de um telhado levemente inclinado, o que a faz adequar-se com naturalidade ao contexto.

A Fábrica de Blumberg foi o primeiro projeto em que Broos trabalhou ao lado de Eiermann, e por sua experiência, foi designado chefe da equipe de projeto e ocasionalmente, coordenou também os trabalhos in loco como mestre de obras. Isso mostra que desde muito cedo o aspecto pragmático e a intimidade com o ofício eram, para Broos e sua geração, tão ou mais importantes que o aspecto teórico na formação do arquiteto, uma tradição de longa data que remonta à fundação do Deutscher Werkbund em 1907, e que se mostra particularmente ativa em Karlsruhe, onde os arquitetos ali formados, sob a presença dominante de Eiermann e Otto Ernst Schweizer, eram conhecidos por “saber fazer”.

Paralelamente às atividades no escritório, Broos concebe pouco tempo depois sua primeira e única obra como autônomo na Alemanha. A Residência Gustav Abel em Gernsbach (1951-1952) a poucos quilômetros de Karlsruhe, sofreu grande resistência junto aos órgãos legais para a aprovação do projeto “moderno demais”, e revela a insistente resistência a este tipo de arquitetura mesmo nestes anos. Em sua primeira obra, Broos repete muitas das soluções que aprendera com o mestre. Do mesmo modo, expõe de modo claro a construtividade da obra, evidenciando os materiais utilizados e a modulação que dá origem à forma, diferenciando seus aspectos construtivos dos formais. Assim como em Blumberg, Broos utiliza também tecnologia mista – para o subsolo semi-enterrado concreto armado; blocos de concreto estrutural revestidos com pastilhas cerâmicas nas paredes externas, enquanto que a cobertura tem sua estrutura em perfis metálicos tipo I apoiada nas paredes maciças centrais e nos esbeltos pilares metálicos da fachada principal.

Residência Gustav Abel. Gernsbach, Alemanha, 1951-1952. Arquiteto Hans Broos [Arquivo do arquiteto]


Concisa e clara em sua forma, a casa se assenta sobre uma vasta paisagem montanhosa, que tem a sua frente, visto através das amplas vidraças da sala de estar, o vale da cidade. Em sua forma simples reúne uma variedade cromática e de materiais surpreendente, com as persianas externas em madeira natural, pastilhas cerâmicas amarelo-acinzentadas, e as peças metálicas em azul claro.

Nos anos seguintes à sua construção, a casa desfrutou de certa repercussão junto à imprensa do país. Foi destaque na Revista Baukunst und Werkform (11), importante publicação simpática à Arquitetura Moderna, e reapareceu anos mais tarde no livro Neue Deutsche Architektur (12), que retrata a Arquitetura Moderna alemã em seus últimos dez anos, além de ser alvo de grande admiração dos arquitetos na época, obrigando a família a se acostumar com as frequentes visitas inesperadas (13). 

As primeiras obras brasileiras

Ao chegar ao Brasil, Broos dirige-se a Blumenau, cidade de colonização alemã em Santa Catarina. Desde o início não lhe faltam projetos, tampouco premiações (14).

Numa de suas primeiras obras, a Igreja de Itoupava Seca (1954), o arquiteto demonstra sua capacidade de se adequar às condições locais e de propor soluções originais.

Igreja de Itoupava Seca, Blumenau, 1954. Arquiteto Hans Broos [Arquivo do arquiteto]

Igreja de Itoupava Seca. Planta Baixa
Desenho Karine Daufenbach


Frente às restrições financeiras que se colocavam diante do projeto, Broos dá preferência aos materiais locais. Utiliza uma linguagem funcional e técnica moderna com a tradicional madeira, utilizada na estrutura – nos pilares pontuais internos que demarcam a área da platéia e o altar e definem a circulação – e nas aberturas e brises, que conferem uma graciosa expressividade ao projeto. Através de meios e soluções simples, o arquiteto chega a um desenho acolhedor nesta pequena igreja, que revela sua sabedoria em lidar com as características que cada material apresenta, extraindo dele todas as possibilidades estruturais, funcionais e estéticas.

Não são somente seus conhecimentos e a intimidade com o “saber fazer” que garantem sua rápida ascensão no novo ambiente, mas também o fato de se mostrar sempre aberto a novas experiências. Broos sai de um ambiente onde havia trabalhado prioritariamente – em especial nas obras com Eiermann – com o aço, e se lança agora ao uso do concreto armado, pedra e madeira, além da alvenaria estrutural, como já utilizara em sua obra alemã.

É particularmente interessante observar, como o arquiteto, partindo da mesma tipologia de sua casa em Gernsbach, mas utilizando-se de outros meios, alcança resultados formais tão diversos. O equilíbrio, a leveza e a clareza construtiva que predominam em Gernsbach dão lugar a uma nova estética na Residência Wittich Paul Hering (1955) em Blumenau, em que o arquiteto utiliza estrutura mista em concreto e pedra e paredes estruturais de alvenaria. O resultado é a noção de volume denso, pesado e massivo, que segue basicamente a mesma volumetria da primeira (só que duplicados os volumes), com uma ampla abertura horizontal, fechado nas laterais, e que se eleva gradativamente, sugerindo a ideia de movimento. Enquanto que na obra alemã a precisão construtiva dá a tônica do projeto, onde são diferenciados os elementos estruturais daqueles formais, em Blumenau o arquiteto procura uma síntese formal dos elementos constitutivos, e da noção de “partes” de um todo, tem-se a noção de bloco, de um todo indivisível.

Residência Wittich Paul Hering, Blumenau, 1955. Arquiteto Hans Broos [Arquivo do arquiteto]

Residência Wittich Paul Hering. Planta Baixa
Desenho Karine Daufenbach


A tipologia da Residência Abel será bastante revisitada pelo arquiteto em seus projetos residenciais no Brasil, só que ao modo da casa W.P. Hering, com a noção de volume denso que encerra, e que terá diversificações no desenho, quando o arquiteto agrega, por exemplo, a cobertura tipo borboleta, amplamente utilizado no Brasil nestes anos. É nesta decidida vontade de contextualizar suas propostas e sentir-se de fato no ambiente brasileiro, que o arquiteto tenderá a incorporar vários elementos da moderna arquitetura brasileira em sua obra, como as plantas em alas e coberturas em borboleta, uso de brise, a procura de movimento e de uma maior leveza e diferenciação formal, principalmente nas casas de fins de 1950 e dos anos 1960, como na Residência Carlos Curt Zadrozny (1960).

Residência Carlos Curt Zadrozny, Blumenau, 1960. Arquiteto Hans Broos [Arquivo do arquiteto]

Residência Carlos Curt Zadrozny. Corte Longitudinal
Desenho Karine Daufenbach


Relação com o antigo e com o urbano

As muitas experiências que Hans Broos tivera em seu país de origem em como lidar com os exemplos do passado – seja em obras ou projetos e concursos – se cristalizaram em seu pensamento em dois princípios distintos: a compreensão da história como continuidade da cultura; e a convicção sobre a importância da unidade urbana.

Em alguns projetos realizados no Brasil, sobretudo nas diversas fábricas que construiu a partir de fins dos anos 1960, podemos compreender como isso se deu na obra do arquiteto.

No projeto do Complexo da Indústria Têxtil Hering-Matriz de Blumenau (1968-1975) foi encomendado ao arquiteto a construção de vários edifícios fabris a serem construídos em um vale estreito e cercado por morros, junto a alguns edifícios remanescentes com características tradicionais da imigração alemã que datavam da época de fundação da empresa. Estas eram apenas algumas das especificidades que envolveram o projeto, que, além disso, deveria ser previsto em etapas, onde apenas alguns prédios antigos permaneceriam no local, enquanto outros teriam apenas uma sobrevida, até que fossem substituídos pelos novos prédios. Mesmo para uma situação que seria apenas momentânea – que de fato tornou-se permanente – o arquiteto propõe uma convivência harmoniosa entre os antigos e os novos edifícios.

Unidade Matriz da Indústria Têxtil Hering, antigo e novo edifício da Costura, Blumenau, 1968-1975. Arquiteto Hans Broos
Foto Karine Daufenbach

Hering Matriz de Blumenau – Novo Edifício da Costura. Corte Longitudinal
Desenho Karine Daufenbach

Unidade Matriz da Indústria Têxtil Hering, edifício da Malharia, Blumenau, 1968-1975. Arquiteto Hans Broos
Foto Karine Daufenbach

Ao lado do prédio de 1890, Broos concebe o novo Edifício da Costura como uma simples empena de concreto suspensa, realçada em sua ínfima espessura, que ao mesmo tempo, serve como contraponto ao prédio vizinho e como proteção à incidência solar leste. Esta empena funciona como um plano sobreposto ao edifício, em cujo interior há uma espécie de segunda fachada, recuada, com aberturas de vidro que permitem iluminação e ventilação naturais em seu interior. E através dos pequenos orifícios presentes na empena avista-se o terraço-jardim de Burle Marx localizado à frente.

Longe de ser apenas uma atitude de tolerância com o antigo, é uma atitude de respeito, e por que não, de adequação, na concepção de uma fachada neutra em concreto aparente em que são observados a escala e o ritmo dos pavimentos do prédio vizinho. Respeito não sem confronto, onde o arquiteto não hesita em afirmar o caráter e o valor da nova arquitetura, ciente de que somente uma arquitetura de qualidade respeita e valoriza a arquitetura histórica.

Segundo o arquiteto, uma imitação ao lado de uma arquitetura legítima quebra a unidade, e somente uma arquitetura autêntica, como uma resposta verdadeira ao seu tempo, garante “a continuidade da evolução, que se chama também de tradição” (15). É a unidade dentro da diversidade que garante a harmonia do conjunto seja para uma fábrica ou para uma cidade. E é assim, como em um ambiente urbano, que o arquiteto concebe esta fábrica, onde os prédios de excelente qualidade são inseridos com naturalidade e preservam contato entre si e com a natureza, e entre eles formam-se ruas, passagens, integrados ao tecido urbano da cidade.

Também é através deste exemplo, sua primeira obra industrial de maior porte no Brasil, que observamos outras proximidades formais com as obras alemãs. No edifício da Malharia, Broos toma como referência o projeto do pavilhão principal da Fábrica de Blumberg, realizado cerca de 20 anos antes. Os rasgos horizontais, a marcação externa dos pilares, os volumes das escadas e a concepção geral do volume não deixam dúvida quanto a sua filiação, ainda que reformulado e elaborado com novos materiais, neste caso, concreto armado aparente, como o arquiteto havia feito em obras anteriores.

Alguns anos antes do projeto da Hering Matriz, Eiermann havia realizado um de seus projetos mais conhecidos, a Kaiser-Wilhelm-Gedächtniskirche (1957-1963), localizada no coração de Berlim, igreja que acolhe em sua proposta as ruínas da velha catedral que resistiram aos bombardeios da Segunda Guerra. Diferentemente das duas etapas anteriores do concurso – em que o arquiteto previa a eliminação da torre, e por pressão da população e da imprensa ela foi finalmente admitida – o arquiteto deve lidar agora com a torre que restou da igreja de 1891 e conciliar, como já havia feito em projetos anteriores, sua proposta às reminiscências do passado.

Kaiser Wilhelm-Gedächtniskirche, Berlim, 1957-1963. Arquiteto Egon Eiermann
Foto Karine Daufenbach


Sua relação com a história é a de um arquiteto decididamente contemporâneo, que não pretende, tampouco sente necessidade de estabelecer relações com o passado. Afinal, do peso da história haviam se libertado as gerações anteriores do Movimento Moderno; para Eiermann e sua geração, não havia motivo algum para contemporizar com a volta dos estilos, já que libertar-se da história era, ao mesmo tempo, renunciar ao passado nazista (16), com sua arquitetura monumental de colunas e frontões clássicos e de caráter “nacionalista” nas pequenas obras.

Tal comportamento é sintomático para a época, demonstrado também no documento que marca a nova fundação do Deutscher Werkbund em 1947: “o patrimônio destruído não deve ser historicamente reconstruído, novas tarefas somente podem surgir em novas formas” (17), e que tenta definir alguns pontos a serem considerados nos esforços de reconstrução do país. Nas situações em que Eiermann deparou-se com resquícios do passado, sua posição foi a de afirmar-se moderno. No projeto da Gedächtniskirche é através do incisivo contraste que o arquiteto concebe sua proposta, e como em alguns de seus projetos com semelhantes questões, a arquitetura histórica é utilizada como citação com a qual são confrontados os novos edifícios.

Ao lado de Kraemer, e a partir de suas experiências no pós-guerra, Broos aprendeu a lidar com a arquitetura histórica de uma maneira mais profunda que a sua geração anterior: “Nós consideramos toda a história, toda a cultura, como ato de passagem. A cultura não é feita somente hoje, somente pelas pessoas em ação. A cultura é feita também da herança, da tradição, com seus sistemas e valores que se aceitam da geração passada, se corrige, e adapta à situação atual e que se aplica e desenvolve para responder as necessidades de hoje para o futuro” (18). Os trabalhos realizados por Broos desta época evidenciam o esforço em conciliar uma arquitetura atual sem deixar de lado o valor do patrimônio construído. Um de seus primeiros trabalhos junto a Kraemer foi a reconstrução de um edifício renascentista de 1590 na Praça do Mercado da cidade, que foi mantido em suas características exteriores, com alguns elementos do seu interior sutilmente remodelados a partir de uma visão contemporânea. Além disso, vários outros projetos, como estudante ou após, ilustram reconstruções de praças e pequenos conjuntos históricos, que tentam aliar o novo e o antigo desde uma visão urbanística. Postura pela qual a Universidade de Braunschweig tornou-se conhecida, ao buscar uma proposta conciliadora tanto no plano urbano quanto do edifício, entre uma linguagem moderna e as construções históricas (19). Tendo a sua frente Kraemer, e mais tarde Walter Henn e Dieter Oesterlen, este enfoque era ampliado através de um exercício prático intensivo oferecido aos alunos aliado ao aprendizado teórico, o que pode ser caracterizado como uma particularidade desta Universidade nos anos imediatamente posteriores à guerra (20).

Aproximações com o Brutalismo Paulista

A partir de meados dos anos 1960 a obra de Broos, que desde os primeiros anos no Brasil revela a incorporação de elementos que sugerem maior peso e vigor (21), passa por uma mudança ainda mais notável, em que o arquiteto assimila novos elementos formais e enfatiza outros já presentes em sua obra, como o papel quase sempre preponderante da estrutura na constituição da forma, o bloco único destacado do chão, e o uso de pilotis, que nestes anos começam a ganhar novos contornos. Mas esta nova característica tem seus indícios mais pronunciados, à primeira vista, na linguagem de peso visual e a franca adesão ao concreto armado aparente que as obras passam a adotar, revelando sua proximidade à Arquitetura Brutalista que se firmava nestes anos no Brasil e no mundo.

É também nestes anos que sua obra assume novas dimensões e novos programas e diferencia-se da obra precedente: de obras de menor porte e significativo número de residências unifamiliares – ao menos no que diz respeito aos projetos construídos – passa a projetos maiores de uso coletivo, como igrejas, e principalmente indústrias.

A Igreja e Centro Paroquial São Bonifácio (1966) é a primeira obra que apresenta esta mudança na obra do arquiteto. Esta igreja, uma pequena “caixa” de concreto no Bairro de Vila Mariana em São Paulo, assume um aspecto radical, e ao que parece, o arquiteto utiliza de uma só vez quase todo o repertório formal do Brutalismo Paulista, não fosse o próprio programa e o contexto da obra, justificativas para as respostas do arquiteto. Broos tinha uma situação contrastante a resolver: construir uma igreja em um contexto urbano já formado, com a necessidade de sua inserção num lote estreito em uma rua predominantemente residencial, e ao mesmo tempo, propiciar à igreja um espaço de reclusão sem interferência externa. O arquiteto concebe então, a igreja como um cubo fechado, recuando-o do limite da rua e elevando-o do solo; mais do que isso, conferindo maior destaque ao volume e criando o vão livre que surge em continuidade à rua, destinado a usos diversos, proposta que lembra o anteriormente construído Masp (1957-1968) de Lina Bo Bardi.

Igreja e Centro Paroquial São Bonifácio, São Paulo, 1966. Arquiteto Hans Broos
Foto Karine Daufenbach

Igreja e Centro Paroquial São Bonifácio. Corte Longitudinal (sem escala) [Acervo do arquiteto]


É uma linguagem que se reserva ao essencial – um cubo suportado por quatro delgados pilares, formando entre a igreja e a rua um átrio discretamente demarcado e elevado da rua, o campanário, uma pequena marquise que antecede à rampa que convida a adentrar aquele espaço. À aridez desta arquitetura é contrastada o interior acolhedor, banhado pela iluminação zenital sabiamente demarcada. Broos soube equilibrar o recinto fechado e pesado da igreja com seu recuo e a liberação do solo, de modo que continuamos avistando a cidade através do pátio ali formado, que constitui um “respiro” urbano.

Em São Bonifácio surge, portanto, pela primeira vez esta nova linguagem de forma mais nítida, e que marca uma fase muita profícua dentro da carreira do arquiteto. Nas obras posteriores, Broos continua revelando a vontade por novas experiências e assume diversas influências em seu trabalho. No projeto não construído da Casa Jan Rabe (1968), contemporâneo à construção de São Bonifácio, Broos chega a formulações bastante próximas a algumas casas de Artigas, como a Taques Bittencourt (1959) e Ivo Viterito (1962), com a concepção de uma grande estrutura que envolve um determinado espaço (22), onde procura aumentar a interação entre o homem, a casa e o espaço natural.

Residência Jan Rabe, projeto, Blumenau, 1968. Arquiteto Hans Broos [Arquivo do arquiteto]


Nos anos posteriores, esta linguagem é utilizada com mais intensidade, quando o arquiteto enfatiza as características horizontalizantes dos volumes, recua os pilares e reforça a noção de tensão entre o volume e os apoios, tão cara aos arquitetos do Brutalismo Paulista. São exemplos desta arquitetura o Mosteiro de São Bento (1971), que surge com o desenho nítido da caixa que o define volumetricamente, e a Abadia de Santa Maria (1975) onde o arquiteto explora uma plasticidade mais pesada, com influência direta da obra tardia de Le Corbusier, em especial do Convento de La Tourette (1956-1960).

Mosteiro de São Bento, edifício com modificações na fachada, Vinhedo, 1971. Arquiteto Hans Broos
Foto Karine Daufenbach

Mosteiro de São Bento. Corte Transversal
Desenho Karine Daufenbach

Abadia de Santa Maria, São Paulo, 1975. Arquiteto Hans Broos
Foto Karine Daufenbach


É também nos anos 1970 e 1980, e a partir desta linguagem, que o arquiteto explora as novas possibilidades de materiais em seus projetos, agora o aço, utilizado em toda sua expressividade a partir da estrutura metálica que vence os grandes vãos da Fábrica Hering do Nordeste (1975-1978) e mostra a constante atualização de suas propostas, ainda que neste caso, a grande escala difira significativamente das fábricas realizadas no sul do país.

É neste exercício de repensar a arquitetura que seu trabalho passa por uma renovação contínua, assume novas influências e não se permite estagnar em fórmulas e conceitos. Entender a época de sua formação e as experiências por que passou parecem imprescindíveis para compreender sua obra, pela maneira como incidem em seu pensamento e prática: seu modo de lidar com a história e o urbano, sem deixar de ser decididamente moderno; sua linguagem flexível que se ajusta às circunstâncias de um novo ambiente, e revela a atualidade de determinadas técnicas e materiais; mas uma obra que só pode ser entendida no firme propósito de seu autor em contextualizar suas propostas e inserir-se no campo arquitetônico nacional, em um intenso exercício de aprendizado e troca com o novo ambiente escolhido.

notas

1
Não que se tratassem necessariamente de reconstruções nos modelos históricos precedentes, mas em contextos urbanos formados, e, portanto, com fortes limitações projetuais, como mostram os inúmeros concursos lançados a partir de 1948, publicados nas revistas especializadas da época.

2
Em depoimento à autora, 2005.

3
BROOS, Hans. Escolha da profissão de arquiteto. Texto da Palestra em 03/11/94. São Paulo.

4
Cf. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1997; BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília: rumos da arquitetura brasileira. São Paulo: Perspectiva, 2003, e os artigos: ZEIN, Ruth Verde. Cia. Hering: a Matriz de Blumenau e o Satélite de Rodeio. Projeto n. 60, fev. 1984, p. 33-66; ZEIN, Ruth Verde. Prêmio IAB/SP para a Hering Nordeste. Projeto n. 60, fev. 1984, p. 30-32.

5
Como defende Wolfgang Pehnt, renomado historiador e crítico de arquitetura alemão. Cf. Pehnt, Wolfgang. Sechs Gründe, Eiermanns Werk zu lieben. Und einer, es nicht zu tun. In: Jaeggi, Annemarie (org.). Egon Eiermann (1904-1970): die Kontinuität der Moderne. Ostfildern-Ruit: Hatje Cantz Verlag, 2004, p.17-29.

6
Como Walter Gropius, Mies van der Rohe, Erich Mendelsohn, Konrad Wachsmann, Marcel Breuer, que haviam emigrado, diretamente, ou por outros países, para os Estados Unidos.

7
Ernst May regressa em 1953, Paul Bonatz, arquiteto da linha conservadora, mas de grande renome, regressa um ano mais tarde.

8
BOYKEN, Immo. Die Architektur Eiermanns aus der Zeit nach dem Zweiten Weltkrieg. In: Schirmer, Wulf (org.). Egon Eiermann 1904-1970: Bauten und Projekte. Stuttgart: Deutsche Verlags-Anstalt, 1984, p. 59.

9
Seria um erro, porém, acreditar que durante os doze anos do regime nazista a Arquitetura Moderna havia sido completamente extinta do país, ou que os arquitetos modernos não encontraram ali trabalho. Foi sobretudo na construção industrial que os arquitetos ditos modernos encontraram “refúgio” e foi esta arquitetura que de certa maneira garantiu um feixe de continuidade entre a arquitetura anterior a 1933 e a do pós-guerra.

10
Segundo Broos, “não haviam arquitetos para se espelhar na Alemanha” nestes anos, como foi exposto acima, colocação também feita por alguns dos arquitetos entrevistados na Alemanha, por ocasião de minha pesquisa de doutorado, reiterando o grande impacto desta obra sobre os arquitetos e estudantes na época de sua construção.

11
Wohnhaus in Gernsbach bei Baden-Baden. Baukunst und Werkform, n. 1, 1953, p. 31-36.

12
HOFFMANN, Hubert. Neue Deutsche Architektur. Stuttgart: Verlag Gerd Hatje, 1956.

13
Como conta Jenny Abel, moradora da casa e filha dos proprietários. Em depoimento à autora, 2008.

14
Lira Tênis Clube em Florianópolis (1953) e Biblioteca Dr. Blumenau (projeto, 1957) são alguns destes projetos premiados, além de outros no ano de 1960, somente para constar os prêmios dos anos iniciais no Brasil.

15
BROOS, Hans. O homem e a cidade: Reflexos mútuos. Texto da palestra em 16/06/89. São Paulo.

16
PEHNT, Wolfgang. Sechs Gründe, Eiermanns Werk zu lieben. Und einer, es nicht zu tun. In: Jaeggi, Annemarie (org.). Egon Eiermann (1904-1970): die Kontinuität der Moderne. Ostfildern-Ruit: Hatje Cantz Verlag, p. 22.

17
Ein Aufruf: Grundsätzliche Forderungen. Publicado em diversas revistas, entre elas: Baukunst und Werkform n.1, 1947, p. 29.

18
BROOS, Hans. Texto da Palestra na Associação de Arquitetos e Engenheiros de Brusque. Brusque, 11/07/89.

19
SCHMEDDING, Anne. Lehre in Braunschweig. In: Wilhelm, Karin; Gisbertz, Olaf; Klingenberg-Jessen, Detlef (et. al.). Gesetz und Freiheit: der Architekt Friedrich Wilhelm Kraemer (1907-1990). Berlin: Jovis, 2007, p. 107.

20
Idem, p. 108.

21
Excetuando-se as obras por volta de 1960, como exposto anteriormente.

22
Embora a casa Jan Rabe não seja concebida como uma “caixa” – formada pela cobertura e empenas laterais – como nas casas de Artigas citadas.

sobre o autor

Karine Daufenbach é arquiteta pela Universidade Federal de Santa Catarina, em 2003, e mestre em Teoria e Projeto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É co-autora do livro Desenho universal nas escolas: acessibilidade na rede municipal de ensino de Florianópolis (2004). Orientada pelo professor Paulo Bruna, é doutoranda em História e Fundamentos de Arquitetura e Urbanismo pela FAU USP, dando seqüência ao estudo da obra de Hans Broos.

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