Introdução
Este artigo consiste de reflexões sobre uma possível afirmação da natureza científica da Arquitetura, no objetivo de argumentar favoravelmente em relação à possibilidade de estabelecer seus limites e características, como área de conhecimento ou saber. Embora a Arquitetura admita como condição intrínseca à sua natureza a produção de arte, procura-se evidenciar que o caráter intencional e subjetivo intrínseco à produção artística não é estranho à condição científica.
Essa proposta remete, em uma primeira abordagem, à relação entre Arquitetura e os princípios de constituição de uma ciência, propriamente. A rigor, para dar resposta a essa questão se poderia partir de uma visão positivista e empírica, moldada à luz das Ciências Físicas e Naturais, cujo paradigma alentou as preocupações sobre este tema desde fins do século XIX, com múltiplos desdobramentos no século XX. Se o axioma for o conceito de ciência segundo essa posição epistemológica, a objetividade será o fundamento de todo e qualquer conhecimento científico. Dessa forma, um lastro científico para um campo de saber como o arquitetônico se invalidaria, diante de uma natureza definida como intenção e expressão subjetivas. Esse entendimento impossibilitaria que a Arquitetura se legitimasse como ciência, ao lançar mão do paradigma (1) descrito. Como ponto de partida de uma reflexão dessa natureza, exige-se uma mudança de perspectiva do que pode vir a ser ciência, para a elaboração de um modelo capaz de inserir a Arquitetura nesse espaço epistemológico (2). Considera-se científica, por definição, a atividade que ao invés de excluir e afastar determinações, venha a integrá-las, criticando assim a visão de unicidade dos métodos que tomam por parâmetro o modelo de que todo campo constituído de saber é perfeitamente homogêneo, procedendo a ordenações e instaurando uma ordem qualquer dos fenômenos ou eventos (3). A crença de que todas as ciências procedem da mesma forma e a partir dos mesmos métodos, tomando como modelo àquelas da natureza, deve ser então questionada, a fim de revelar uma condição científica específica da Arquitetura, no marco das denominadas ciências do homem.
Faz-se importante criticar, entretanto, a visão de que as abordagens experimental e racionalista, qualitativa e quantitativa, devem se comportar de maneira dualista e excludente. O que é qualitativo não se desclassifica por ser medido, e sequer se desautoriza por conter um componente subjetivo (4), situação manifesta no espaço criado intencional (e subjetivamente) pelo arquiteto.
Foucault argumenta que a partir do século XIX se assistiu à fragmentação e à ampliação do campo epistemológico, o que significou abalar a posição hegemônica desde então de que a ciência se utiliza exclusivamente de classificações, hierarquias lineares - ao modo de Comte (5) - e dos métodos das ciências matemáticas.
As ciências do homem, no entanto, embora possam estabelecer interface com a matemática, estabelecem fundamentalmente relações entre elementos descontínuos. Por exemplo, é possível buscar relações entre eventos históricos e culturais, estabelecendo vínculos até então jamais enunciados entre esses eventos, tais como entre as características da sociedade europeia no século XV e o Renascimento. Essa possibilidade relacional que vincula duas situações ou eventos é experimentada na operação que articula manchas de cor, em pintura, palavras expressivas de licenças poéticas, ou formas e espaços conexos, em arquitetura.
Essas relações são mediadas e operadas pela linguagem, o que explica o grande desenvolvimento da linguística como ciência e fundamento científico, na primeira metade do século XX. As ciências humanas, a partir de sua conscientização como fruto de operação de linguagem, estabelecem um novo marco para a reflexão sobre as ciências, ponderando sobre suas relações com as matemáticas e abordando-as como parte da necessidade de formalização do pensamento. A formalização e procura de rigor formal não são sinônimos de ausência de um componente subjetivo na produção da verdade científica. A ideia de que os métodos experimentais e empíricos são os únicos para a ciência foi refutada pela própria aplicação do experimentalismo, levando a que não é possível afirmar que a replicação de um experimento é condição suficiente para a produção dos mesmos resultados. Newton Carneiro da Costa (6) sinaliza que o conhecimento científico se apóia num sistema de crenças justificadas, e que, o que é verdadeiro é o que se crê verdadeiro, atestando a presença de um sujeito do conhecimento, que crê e enuncia.
A arquitetura em sua atividade de projeto é um exercício propositivo de espaços específicos, dotados de qualidades intrínsecas, definidas em seu desenho ou qualquer outra mediação de linguagem, modelos digitais ou físicos. O espaço projetado e específico se refere a uma matéria, representa-a enquanto mediação de uma topografia, reduzida em escala à representação projetiva. Todo projeto parte então de uma precedência, uma base ontológica que precede as operações propositivas. Estas proposições conferem forma e atributo (qualidade) a esse ser. A partir da representação de uma matéria precedente, o arquiteto propõe o espaço arquitetônico, que qualifica e materializa um complexo de intenções e atributos, modificando o conjunto das precedências.
Trata-se da distinção aristotélica entre ser e atributo (7), entre a base do que é (ontológica) e o conjunto de predicados ou qualidades atribuídos ao ser. Dessa maneira, o arquiteto, a partir da base ou ponto de partida topográfico, urbanístico e dos demais condicionantes da arquitetura, deve propor espaços cuja concepção é guiada por categorias ou intenções, expressas em formas, cores, texturas, geometrias e conexões espaciais. Esse espaço qualificado é também quantitativo, definindo-se como um conjunto métrico, que irá configurar um todo articulado. As afirmações anteriores contribuem para enunciar a característica qualitativa e quantitativa da arquitetura, objetiva e subjetiva, configurando uma primeira abordagem de seu campo científico.
Michel Foucault (8) insiste na possibilidade de criação de campos científicos específicos, que posicionem as ciências humanas como parte de um projeto epistemológico anunciado, e talvez ainda não totalmente realizado: trata-se de um saber que abrangeria relações entre vários outros saberes, mas que alentara um projeto de rigor alcançável por meio da formalização matemática. Apesar dessa pretensão de rigor, as ciências humanas sempre se afirmaram como de natureza intermediária, o que as condenaria a uma eterna instabilidade e à dificuldade da incerteza quanto à sua natureza científica, propriamente dita. Entretanto, esse caráter instável possibilitou revelar um campo de saber complexo, como desenho específico das ciências humanas.
A dualidade estabelecida entre a compreensão do científico como o que é matematizável e o que é propriamente humano, entendido como a dimensão que se refere a fenômenos passíveis de interpretação, constitui entretanto, a nosso ver, um obstáculo ao avanço das reflexões epistemológicas. Essa dicotomia improdutiva tem suas raízes na própria história da ciência, em cuja matéria se pode encontrar as causas de exagerada reificação do raciocínio em detrimento da experiência (9), configurando excessos idealistas, por um lado, ou a excessiva valorização da atividade empírica, como no caso dos positivistas. No último caso, insistir nas bases empíricas da ciência unicamente é sinônimo de menosprezo das evidências racionais ou lógicas. Esse dualismo empobrecido se estende aos dias de hoje (10), na oposição entre uma ciência qualitativa e outra quantitativa, como se ambas as condições não pudessem se complementar no ato de caracterização de um fenômeno qualquer. Ao invés de existirem objetos científicos quantitativos ou qualitativos, é mais produtivo e adequado enunciar que se trata não de objetos, mas de metodologias qualitativa e quantitativa. Estas se apresentam como linguagens (na forma de enunciados de atributo ou de medida) para caracterizar todo e qualquer objeto; qualidade e quantidade revelariam sua identidade através de uma expressão no campo dos métodos, e não no dos objetos (11).
O espaço arquitetônico é uma totalidade mensurável, cuja quantidade é representada, no ato da projetar, pela escala. É também a articulação de espaços qualitativamente propostos, conexões específicas, que traduzem o gesto intencional, expresso em matéria, e espaço-forma, possibilitando assim expressão dos atributos ou de uma semântica. Esse conjunto de intenções visadas ou semânticas somente adquire existência enquanto medida e ordem, implicando necessariamente relações algébricas (quantidade de espaço) e topológicas (qualidade das relações ou das conexões). Assim, as relações de significado ou semânticas se manifestam na Arquitetura através de duas dimensões de ordem, ou sintaxes – a álgebra e a topologia.
A escolha pelo arquiteto de uma linguagem ou expressão para sintetizar essas relações qualitativas e quantitativas exige uma sintaxe própria, estabelecendo os limites de seu campo de saber. As manifestações culturais da prática projetual são matéria de análise histórica, um instrumento de exploração da especificidade do campo da Arquitetura. A operação de articulação de múltiplas determinações de qualidade e quantidade confere ao arquiteto o papel de coordenador ou sujeito da síntese do processo de projeto. Essa natureza processual, que conforma e acomoda à sintaxe produzida um conjunto de determinações ou qualidades, é um gesto de articulação de outros saberes ou conteúdos, de natureza técnica. As demais ciências ou engenharias se subordinam a essa coordenação arquitetônica, e o projeto é o meio articulador das relações com a cidade (urbanismo), com os materiais, as ciências físicas (instalações elétricas e hidráulicas) etc... O projeto é um ato operativo que estabelece relações entre saberes aparentemente descontínuos, a partir de uma intencionalidade do sujeito arquiteto, que o articula.
Foucault (12) considera a já criticada visão dualística entre as dimensões qualitativa e quantitativa cansativa e gasta, até impertinente, assinalando a natureza prática do instrumental matemático compreendido como linguagem rigorosa. Foucault (13) lembra ainda a importância de seu conhecimento e utilização nos níveis e operações em que for possível e relevante. Esse autor observa também que a renúncia provisória do campo das humanidades a toda mathesis (14) consistiu em revelar a qualidade nos fenômenos, permitindo que o homem se tornasse objeto de saber.
Dessa maneira, uma abordagem da especificidade do campo de saber da Arquitetura está implicada com as dimensões da quantidade e da qualidade, ao mesmo tempo. Se as relações de conexão espaciais, estudadas pela topologia e presentes na arquitetura são qualitativas, a natureza quantitativa desse espaço é inegável. Ao projetar, um sujeito confere intencionalmente ao espaço características específicas, que serão traduzidas em percepção, movimento e sensação. Essas relações quantitativas e qualitativas parecem constituir o conjunto de universais da arquitetura, mas sua historicidade não pode ser omitida.
Há um campo de saber histórico que se constitui referencial e alimenta a produção dos arquitetos. O projeto é a ocasião em que os referenciais históricos e culturais são mediados no ato de representação do espaço, por uma consciência ativa do sujeito do conhecimento arquitetural – o Arquiteto. Um exemplo dessa matéria cultural em arquitetura é a transformação histórica dos usos, da dimensão dos espaços e da adequação da totalidade às partes. Embora hoje os apartamentos diminuam de dimensões, assim como sejam menores os seus compartimentos, observa-se a tendência de aumento do número de determinadas partes, como se observa com lavabos e suítes, por exemplo. Essas mudanças são explicáveis em função da existência histórica de necessidades, evidenciando as transformações de usos a partir da mudança dos costumes.
Assim, é pertinente compartilhar da posição foucaultiana que afirma a complexidade desse campo científico, sem que essa natureza complexa, que utiliza diversas linguagens operando como meios de produção do saber arquitetônico, seja sinônimo de precariedade ou fragilidade da área de conhecimento.
A Arquitetura é também um campo de produção cultural. Sendo assim, apresenta-se como saber científico no marco de uma historicidade, temporalidade essa que possibilitou desde a Antiguidade um relato sistemático de suas realizações. Entretanto, o que alenta este trabalho é a busca de fundamentos e princípios operativos que constituam uma universalidade, passível de generalização, sistematização e transmissibilidade, a despeito do conhecimento e da narrativa histórica que é inerente à prática arquitetônica, entendida como construção e projeto de arquitetura. No entanto, e essa é a tônica do artigo, insiste-se que a condição específica que faz da arquitetura um campo de produção de conhecimento é o projeto, mediação sígnica (portanto uma linguagem), com que o arquiteto aborda a realidade e propõe um espaço, que deverá se concretizar em realidade como obra construída. A arquitetura como ciência é linguagem, que media a realidade e ao mesmo tempo a propõe como potência de um devir.
A experiência científica da Arquitetura se refere então aos fundamentos que lhe são próprios, a partir dos quais a realidade é abordada: quais são então estes instrumentos de abordagem? Essa base é alheia à história, e ao tempo histórico? Propõe-se então que a condição científica da Arquitetura depende do reconhecimento de seus fundamentos específicos que residem da geometria e na topologia, ciência do espaço, mas que esses fundamentos são articulados e operados por um sujeito intencional do conhecimento, o arquiteto. Essa intermediação intencional do sujeito depende da historicidade e a constitui, ao selecionar as referências, conceituais ou imagéticas, para constituir qualitativamente a espacialidade proposta.
Ciência e História
As conexões entre história e ciência são recentes, iniciadas no período da Ilustração (séc. XVIII). Nesse momento então se formaliza um vocábulo composto, “ciência histórica”, diferindo-a do que se praticara desde a Antiguidade. A adoção de uma aproximação entre história e ciência requer esclarecer o que se compreende por ciência histórica.
O conhecimento histórico se distingue de outras formas de conhecimento, a saber, do mítico e do religioso, identificando-se com crítico-racional, organizado, sistemático, transmitido, e passível de desenvolvimento histórico. Embora a ciência dependa de fundamentos e princípios teóricos, o acúmulo de experiência e a referência à produção científica passada e presente, sua historicidade, portanto, consiste também na especificidade da produção de conhecimentos. Dito isto, não é estranha, sequer incômoda, a relação entre história e ciência.
O que é ciência: para nos debruçarmos sobre a “realidade”, o fazemos a partir de conhecimentos prévios, capazes de organizar e auxiliar a interpretar essa totalidade como campo de conhecimento. A tensão crítica do conceito de realidade é de grande interesse, pois expõe à necessidade de questionamento daquilo que é, compreendido em sua condição de ser real. A elaboração de um campo de conhecimento implica a seleção operativa de um conjunto de categorias (campo categorial) passível de operar sobre a realidade compreendida como fundamento do ser, implicando que ao se configurar a potência cognitiva como linguagem, a realidade é então seletiva e relativa a esse conjunto de enunciados. Por exemplo, a Geometria somente pode se referir aos objetos materiais e corpos, uma vez que estes tenham sido “reduzidos” a formas geométricas. A linguagem é o tecido que estrutura a apreensão do que é, num tecido ou estrutura. No entanto, estrutura em processo, uma atividade, cujo objetivo é “(...) reconstruir um objeto de modo a manifestar nessa reconstituição as regras de funcionamento desse objeto.” (15). Uma atividade que é produtora de sentido, numa teia de relações de linguagem. Dosse (2007) complementa esta questão, afirmando que o conceito de linguagem em processo geradora de sentido é capaz de permitir a ultrapassagem entre a obra artística, literária e científica, criando-lhes um solo comum.
A produção de conhecimento depende, pois de uma instrumentação de linguagem, capaz de enunciar as categorias necessárias e específicas a cada campo, a fim de compreender o que é apreensível como fenômeno, “a realidade”, e então aborda-la a partir de um determinado enfoque. Por essa razão, as ciências não são apenas produto de cego empirismo, mas sim fruto da relação entre os campos categoriais seletos e a realidade visada, definida então como fenômeno.
E uma estratégia de classificação de um fenômeno aparentemente imponderável que, fixadas as premissas de natureza ontológica e semântica, instrumentaliza o reconhecimento do evento, a análise de seu comportamento e suas relações com outros eventos.
Assim, em Biologia, por exemplo, não se trata apenas de “estudar a vida”, mas abordar a realidade biológica por meio de suas categorias específicas, tais como células, mamíferos, ácidos nucléicos etc... Cada uma dessas categorias expressa, configurando então a linguagem, atributos e qualidades que caracterizam a matéria, formando para esse campo científico seus fundamentos ou sua especificidade. Constituem assim o seu referente (a semântica) presente no signo ou na linguagem que os abriga. Do mesmo modo, o discurso científico requer a articulação dessas categorias, evidenciando a existência de uma sintaxe.
A sintaxe é a estrutura capaz de organizar as partes, articulando-as em um todo. Esse movimento estruturante mediado pela linguagem é uma dinâmica de articulação, não sendo jamais produtor da totalidade, mas é um processo de encadeamento, que conduz diacronicamente essa construção. A construção sintática, embora não parta de um todo, produz um, uma síntese final, apresentada como sincronia das partes. A atividade científica depende também da elaboração de conceitos, proposições, e relações entre estas. Essas operações podem ser analíticas (do todo para as partes), e também sintéticas (das partes entre si e o todo). Assim, toda produção de conhecimento requer essa diacronia e sincronia, manifestando uma relação entre ciência e história, produção de conhecimento, temporalidade e estrutura.
Todo conhecimento mediado por uma linguagem permite ainda enunciar uma relação pragmática, entre o conhecimento produzido e os efeitos deste sobre o sujeito que o utiliza e usufrui, ou cuja vida é modificada por ele. Estes três eixos (semântico, sintático e pragmático) constituem a estrutura de um sistema operacional que conforma a base da ciência. Pode esta estrutura se estender à compreensão da Arquitetura como produção de conhecimento? O que determina a Arquitetura como ciência?
Em Arquitetura, a mediação da intencionalidade e da realidade se opera no projeto, instrumento e sistema de representação, utilizado pelo arquiteto para enfrentar um conjunto de problemas ou antecedentes, tais como a topografia, a inserção na cidade, as normativas urbanísticas, e a matéria e a técnica construtiva. O projeto de arquitetura deve atender a esse conjunto de determinantes reais e propor, por meio de uma materialidade representada, um espaço ou sistema de conexões espaciais qualificadas (uma topologia). A partir do projeto, que é o sistema de linguagem para representar a realidade e propor espaço, é possível fundamentar um domínio ou campo categorial para a ação científica em Arquitetura. A ação de enfrentar a realidade a partir de decisões manifestas na forma de signos é uma operação articuladora, entre um sentido (um conjunto semântico de intenções e qualidades) e o seu referente (a que essa linguagem se refere).
A arquitetura da maneira enunciada se expressa portanto em seu campo categorial, que se relaciona ao fato de ser linguagem. A linguagem arquitetônica opera com alguns instrumentos próprios, através das quais se aproxima do mundo real. Entre estas abordagens está a geometria (definindo as formas arquitetônicas), a álgebra (a dimensão do espaço) e as relações espaciais e caminhos conexos (a topologia). As relações entre formas, que têm dimensão e configuram espaços conectados definem a sintaxe arquitetônica. A sintaxe arquitetônica pode admitir duas interpretações, uma sintaxe analítica (que decompõe o produto final em suas partes constituintes) e uma sintaxe que produz síntese, articulando as partes num todo organizado. O processo de projeto implica em uma sintaxe que estabelece conexões e caminhos entre partes, em busca do todo que as reúne.
Entretanto, a articulação sintática não é jamais apenas um jogo de somatória de partes, pois necessariamente envolve uma operação intencional fundamentada no sujeito que deverá usufruir o espaço projetado. Trata-se de uma sintaxe regida pela pragmática, sintaxe cujo fim é a representação do movimento de um sujeito real, no espaço real. Esse movimento específico, que deverá resultar em percepção do espaço projetado em sua dimensão de realidade, qualifica e determina atributos à materialidade antevista no projeto de arquitetura.
O projeto de arquitetura é uma construção diacrônica e sincrônica, temporal e que articula sintaticamente signos que portam em sua proposição remissões à realidade. Trata-se de uma ação ao mesmo tempo fundamental (porque dotada de bases ou princípios – geometria, topologia, sintaxe, semântica e pragmática) e histórica. Essa condição histórica está envolvida com a proposição intencional de qualidades e atributos para o espaço projetado.
Moradiellos (16), referindo-se às operações que geram conhecimento científico, assinala que as relações estabelecidas entre termos são ao mesmo tempo ideais, abstratas e universais e repetíveis, mas são também físicas. Do mesmo modo, as relações entre o projeto do espaço e o espaço real demonstram que em arquitetura, os signos são ao mesmo tempo relações com outros signos, mas também com coisas, com o espaço vivido que a materializa. O conjunto das referências históricas da arquitetura é também matéria da projetação, e a Arquitetura se define como ciência humana (porque visa o homem) e histórica (diacrônica por natureza).
Ciência e Arquitetura
A arquitetura é a realização conjunta de relações espaciais qualitativas, relações essas definidas por conexões específicas (topológicas) que devem se articular a partir de uma topografia. A representação dessa operação que unifica qualidade topológica à quantidade (métrica) do espaço, manipulada pelo projeto define-se com o conjunto métrico de base (o terreno). Parte-se da crença de que o desenho representa a realidade escalar. Todo projeto arquitetônico opera sobre um conjunto métrico que o fundamenta, representado pelo sítio (a situação topográfica e métrica) em que se insere o objeto. As relações espaciais e a geometria topológica adquirem natureza arquitetônica na ação de conjugar quantidade e qualidade de espaço, na articulação do conjunto métrico e do sistema qualitativo que institui o exercício projetual.
O processo projetual consiste, desse ponto de vista, na representação (na mediação sob forma de linguagem) das relações entre determinantes quantitativos (métricos) e qualitativos (topológicas e conceituais), de vez que o projeto como mediação arquitetônica se inicia com a ação de representar o espaço métrico do terreno e de sua inserção na cidade.
Esse espaço métrico inicial conserva suas quantidades, revelando uma natureza algébrica, a qual controla a relação das partes projetadas sobre esse conjunto métrico. As relações parte-todo se submetem então à estrutura métrica, não podendo jamais superar a quantidade inicial, e as partes não serão jamais maiores que o todo.
Cria-se também na operação de organizar o espaço arquitetônico uma relação, cuja condição algébrica é inerente, e cujo foco é estabelecer relações métricas entre as partes e expressá-las. No entanto, as operações algébricas revelam que a despeito da existência de uma estrutura sintática representada pela formalização matemática.
Elucidando as afirmações anteriores, Moradiellos, ao discutir a participação ativa do sujeito intencional na organização de enunciados científicos, afirma que “La verdad científica tiene lugar en la confluencia por identidad de las líneas objectivas recorridas por la propia actividad de los sujetos humanos [...] En términos formales aritméticos, esta operación entre términos y la relación resultante se expresa así 7+ 5 =12 [...] pero tal que no puede eliminar la operación “+”, que es subjetiva: los números no se adicionan entre sí, es el matemático quien los suma” (17). Seguindo ainda o raciocínio de Moradiellos, a verdade “objetiva” ou a estrutura sintática não substitui a realidade semântica, representada aqui pelo ato de somar e escolher a qualidade do que se soma. Ao contrário, “[...] esa verdad objetiva y universal brota de la realidad semántica del acto de juntar esos elementos” (18). A soma consiste em uma operação entre termos, o sinal “+” expressa a intencionalidade subjetiva de operar. Enquanto a estrutura sintática se conserva, os números significam conteúdos específicos que devem ser somados e articulados pela estrutura sintática que permanece inalterada.
O que foi exposto permite compreender as operações de representação do espaço arquitetônico como estrutura sintática que se conserva, mas que é modificada intencionalmente pelas conexões espaciais específicas. Assim como é o matemático quem define a qualidade da soma, cabe ao arquiteto decidir pela qualidade e quantidade dos espaços (sua especificidade), bem como decidir pelas conexões.
A operação de representar o terreno ou conjunto métrico de base intermedia os determinantes de projeto, transformando em linguagem uma situação espacial física, mediada como objeto de conhecimento para um sujeito (arquiteto) que deve criar a partir dessa realidade. A criação de espaços qualificados na ação intencional de organizar deslocamentos e fluxos humanos específicos, de modo a antecipar a futura percepção do espaço arquitetônico, constitui o processo de elaboração de significados do espaço.
Essas qualidades criadas expressam a dimensão psicológica do fluir humano e são descritas pelas relações entre planos horizontais e deslocamentos verticais. No entanto, os estudos de Riemann (19) possibilitaram que as superfícies existentes sob uma curva, ou o espaço curvo, determinassem um espaço não-euclidiano. A arquitetura contemporânea vem permitindo articular a qualidade gerada por superfícies não-euclidianas à quantidade de espaço através de recursos digitais de parametrização.
O desenho hoje denominado paramétrico ao envolver o volume arquitetônico em uma malha elástica que se deforma e o recobre por completo, possibilita a quantificação e o cálculo de estruturas complexas através de meios digitais. Esse recurso possibilitou que espaços não-euclidianos configurassem superfícies denominadas topológicas e que estas contivessem e abrigassem espaços humanizados. Permitiram que conexões definidas no plano horizontal da planta, e também deslocamentos verticais sejam sub-conjuntos de outros conjuntos de maior extensão, regulados pela geometria não-euclidiana. O espaço topológico (distinto portanto de superfície topológica) se define com precisão, como a configuração de caminhos entre regiões espaciais conexas, compartimentos ou partes, num ou mais níveis.
Como observa Kühl,
“[...] nossa intuição nos levaria a dizer que um conjunto é conexo por caminhos quando dados dois pontos quaisquer neste conjunto, podem ser ligados por uma linha contínua. Para apresentar este conceito de maneia precisa, definiremos primeiramente o que é um caminho topológico. O caminho será o que em nossa intuição entendemos por linha contínua” (20).
O movimento no espaço se define pela ação de atravessar fronteiras ou limites, de acordo com as conexões projetadas. As conexões podem ser de naturezas distintas, em uma relação direta, linear e fluida entre regiões (uma estrutura axial, por exemplo), ou conectar elementos como ilhas fechadas (denominadas pela Topologia de Curvas de Jordan), de sorte que duas regiões adjacentes e concêntricas fechadas uma em relação à outra podem ser conectadas por uma abertura que transforma a ilha em interior, relativamente à região que a envolve.
A Topologia possibilita entrever um conjunto de estruturas espaciais qualitativas, como interior e exterior, perto e longe, separado e unido, contínuo e descontínuo, categorias abstratas a que Platão denominou a “ciência do espaço” (21) Aristóteles ao introduzir o conceito de lugar suplantaria a noção genérica e abstrata de espaço, definindo o último como “[...] a soma de todos os lugares num campo dinâmico com uma direção e propriedades qualitativas, completando os aspectos métricos” (22). A definição aristotélica compreende o espaço como uma resultante, a partir de ação dinâmica que envolve singularidade e medida (quantidade).
O conceito de espaço como lugar implica em ação ou pragmática, ato de fluir e realizar a conexão de maneira singular (semântica), através do relacionamento entre as diversas regiões ou zonas espaciais. Tais relações exprimem o conjunto ou a totalidade (em que uma sintaxe ou relação das partes se torna evidente). Essa totalidade é também algébrica e metricamente condicionada.
Embora a totalidade determine uma base estrutural devido às partes articuladas (sintaxe), identifica-se a necessária relação com os níveis semântico e pragmático, ao se identificar qualidades que conferem ao espaço o adjetivo de lugar. As organizações espaciais, apesar do fundamento das estruturas que se repetem e da condição métrica do espaço, produzem diferenças qualitativas. A sintaxe ou base topológica (e métrica) é então confrontada, ou ao menos, estimulada pelas qualidades agregadas ao espaço. Resulta considerar que a arquitetura define espaços que não são meramente produto da organização de formas.
O espaço arquitetônico realiza intencionalidades, ao enfocar vivências e modos particulares de viver e fluir, conexões a partir das quais se propõe o desenrolar da vida humana, e as percepções sensíveis e arranjos espaciais destinados a essas manifestações singulares de vida. Dessa maneira, os espaços métricos envolvidos no projeto arquitetônico são também topológicos, à medida que cabe ao sujeito-arquiteto definir as “áreas semânticas” que são também métricas. A maneira intencional de projetar interligações constitui conjuntos topológicos ao possibilitar somas conexas (conectividades espaciais por caminhos).
Esses conjuntos espaciais conexos são denominados em Topologia “conjunto dos abertos”, por conectarem áreas ou superfícies, ou regiões abertas (23) Em arquitetura, o conjunto métrico inicial consistindo no terreno (o todo), constitui também um conjunto topológico, pois permite operar com regiões ou “bolas abertas” (as partes). Do ponto de vista das relações topológicas que se conservam, as formas são determinantes mas não decisivas em arquitetura, pois duas formas distintas como um círculo e um triângulo, por exemplo, podem determinar as mesmas relações de conectividade. Por essa razão, no mundo da Topologia, círculo e triângulo são ditos homeomorfos.
De fato, em Topologia qualquer polígono é homeomorfo a um círculo, e a esfera tem como invariante topológico o número de Euler, ou seja, para todo mapa de superfície da esfera tem-se v-a+f=2. O teorema de Euler enunciado no século XVIII, refere-se a vértices, arestas e faces de poliedros convexos. Poliedros convexos ou conjuntos convexos contêm polígonos conectáveis, permitindo ir de um ao outro por caminhos inteiramente contidos no poliedro, ou seja , a união de quaisquer pontos jamais passará fora do polígono. Poliedros convexos podem ser deformados para uma superfície plana, à medida que esta se constitui da reunião de regiões poligonais convexas e planas. Esta deformação revela a essência das conexões que demonstra seu caráter sintético e pragmático.
Em Arquitetura, a existência de polígonos conectáveis e orientáveis se revela na planta, em que a interface entre uma região e outra, um espaço e outro, constitui uma aresta ou vértice. Duas faces que se tocam compartilham uma aresta ou um vértice. Para o projeto arquitetônico, as consequências do número de Euler acarretam que uma planta é uma representação plana de elementos ou espaços específicos (semânticos), unidos por caminhos e que não ultrapassam o todo (o terreno, conjunto métrico e topológico). O todo mantém a convexidade e dentro dele se mantém o número de Euler 2.
Os espaços em planta que se conectam podem ser então pintados como um mapa obedecendo ao teorema das cinco cores. Esse teorema foi demonstrado matematicamente,
“Pode ser demonstrado que o número de Euler é um invariante topológico de superfície, ou seja, não depende da representação poliédrica que e faça dela, mas da sua forma topológica ‘essencial’. Na verdade, o número de Euler da representação poliédrica é o mesmo para qualquer mapa da superfície, desde que cada face [...] seja topologicamente equivalente (homeomorfa) a uma região poligonal plana” (24).
O que serve para os mapas é útil para a arquitetura, ao propor que para cada agrupamento de cinco países, dois deles não são vizinhos, ou seja os espaços específicos e qualitativamente distintos (semântica) ou partes, em cada cinco, dois não se comunicam (aceitamos este teorema como uma premissa ou um invariante, e sua demonstração matemática). Esta é uma restrição máxima, havendo a possibilidade de relações entre uma parte e outra, duas, três etc...
Entretanto, essa invariabilidade independe de forma ou tamanho, sendo a restrição máxima de que entre cinco partes ou espaços que detêm uma semântica, dois não se tocam ou guardam fronteiras entre si. Se numa totalidade (a planta de um edifício, por exemplo), há vinte compartimentos espaciais, haverá sempre arranjos de conexões individuais de grupo e do todo que formam estruturas restritivas complexas (devendo o arquiteto modificar a qualidade dos espaços a fim de superar tais restrições).
Um dos conceitos de sintaxe é de uma estrutura oculta que modifica o seu sentido, pelas diversas maneiras possíveis de arranjos de seus significados. É isso que ocorre na topologia e em seus processos de limites de conexões, dadas pela lei de Euler. O resultado dessa sintaxe aparece na forma de corredores, halls e outras modalidades espaciais, criadas exclusivamente para estabelecer e aperfeiçoar as conexões.
O que foi até então exposto permite estender às operações de representação do espaço arquitetônico o conceito de articulação de uma estrutura sintática que se conserva, mas que pode ser modificada intencionalmente pelas conexões espaciais específicas criadas pelo arquiteto. Assim, da mesma forma que é o matemático quem define a qualidade da soma, cabe ao arquiteto decidir pela qualidade dos espaços (sua especificidade), bem como decidir pelas conexões entre eles.
A operação de representar o terreno ou o conjunto métrico de base consiste em intermediar os determinantes físicos envolvidos no projeto, transformando em linguagem ou signo uma situação espacial física. Esta situação é mediada como objeto de conhecimento para um sujeito (arquiteto), que deve criar a partir dessa realidade. A criação de espaços qualificados na ação intencional de organizar deslocamentos e fluxos humanos específicos, de modo a antecipar a futura percepção do espaço arquitetônico, constitui o processo de elaboração de significados do espaço.
A Topologia possibilita entrever um conjunto de estruturas espaciais qualitativas, de que são exemplos as categorias: interior e exterior, perto e longe, separado e unido, contínuo e descontínuo, categorias abstratas que Platão denominou a “ciência do espaço” (25). Aristóteles, ao introduzir o conceito de lugar supera a noção genérica e abstrata de espaço, definindo-o como “[...] a soma de todos os lugares num campo dinâmico com uma direção e propriedades qualitativas, completando os aspectos métricos” (26). A definição aristotélica compreende o espaço como resultante, a partir da ação e dinâmica, que envolvem singularidade e medida (quantidade).
O conceito de espaço como lugar implica em ação ou no uso (pragmática). Revela o ato de fluir e realizar conexões de maneira singular (definindo a semântica), através do relacionamento entre as diversas regiões ou zonas espaciais. Essas relações exprimem o conjunto ou a totalidade do espaço (em que uma sintaxe ou relação das partes se torna evidente). Essa totalidade é também algébrica e metricamente condicionada.
Embora a totalidade determine uma base estrutural devido à presença de partes articuladas (sintaxe), evidencia-se uma necessária relação com os níveis semântico e pragmático, ao se identificar qualidades que conferem ao espaço o adjetivo de lugar. As organizações espaciais, apesar do fundamento das estruturas que se repetem e da condição métrica do espaço, produzem diferenças qualitativas. A sintaxe ou base topológica (e métrica) é então confrontada, ou ao menos, estimulada pelas qualidades agregadas ao espaço. Resulta considerar que a arquitetura define espaços que não são meramente produto da organização de formas.
O espaço arquitetônico realiza intencionalidades, ao sugerir vivências e modos particulares de fluir, ao criar conexões a partir das quais se propõe o desenrolar da vida humana, e as percepções sensíveis e arranjos espaciais destinados a essas manifestações singulares de vida. Dessa maneira, os espaços métricos envolvidos no projeto arquitetônico são também topológicos, à medida que cabe ao sujeito-arquiteto definir as “áreas semânticas” que são também métricas. A maneira intencional de projetar interligações constitui conjuntos topológicos ao possibilitar conectividades espaciais por caminhos.
Considerações finais
A Arquitetura admite como sua condição intrínseca uma natureza artística, que consiste em definir qualidade (atributos) e singularidade ao espaço criado, através da produção de uma totalidade constituída de partes (espaços) que se articulam. A criação da singularidade dessas articulações ou conexões é matéria da topologia, cujas leis determinam uma estrutura sintática ao projeto.
Entretanto, apresenta-se no projeto o caráter intencional e subjetivo próprio da produção artística, definida pela agregação a essa sintaxe de um conjunto de qualidades espaciais O espaço arquitetônico realiza intencionalidades, ao enfocar vivências e modos particulares de viver e fluir, conexões a partir das quais se propõe o desenrolar da vida humana, e as percepções sensíveis e arranjos espaciais destinados a essas manifestações singulares de vida. Dessa maneira, os espaços métricos envolvidos no projeto arquitetônico são também topológicos, à medida que cabe ao sujeito-arquiteto definir as “áreas semânticas” que são também métricas. A maneira intencional de projetar interligações constitui conjuntos topológicos ao possibilitar somas conexas (conectividades espaciais por caminhos).
A afirmação da Arquitetura como ciência depende do estabelecimento de limites e características à atividade de criação e representação do espaço arquitetônico. O sujeito arquiteto, movido de uma linguagem mediadora da realidade, ao determinar necessidades práticas e ao criar qualidades semânticas que visam a um outro sujeito, a quem se destina o espaço criado, recriará a estrutura oculta, presente nas leis topológicas. Essa recriação, que permite superar e ultrapassar as restrições de uma estrutura espacial, quase marca indelével, que pode então ser modificada pela destinação dos espaços ao fluir humano.
A teoria das cinco cores é amplamente debatida e conhecida pelos matemáticos, como curiosidade e alvo de discussões acadêmicas. Mas é no projeto de arquitetura que revela um caráter ao mesmo tempo restritivo como estrutura e prático, demonstrando para o conhecimento arquitetônico um arcabouço científico. Esse arcabouço, passível de conhecimento e transformação pela agregação de qualidades específicas (a semântica) à estrutura sintática, contribui para revelar a complexa e difícil arte de projetar.
Essa definição de limites e características da ação de projetar é então capaz de fundamentar um campo de saber arquitetônico específico. A Arquitetura admite como sua condição intrínseca uma natureza artística, que consiste em definir qualidade (atributos) e singularidade ao espaço criado, através da produção de uma totalidade constituída de partes (espaços) que se articulam.
A criação da singularidade dessas articulações ou conexões é matéria da topologia, cujas leis determinam uma estrutura sintática ao projeto. Entretanto, apresenta-se no projeto o caráter intencional e subjetivo próprio da produção artística, definida pela agregação a esa sintaxe de um conjunto de qualidades espaciais (semântica). Tal relação entre sintaxe e semântica não é estranha a uma possível condição científica e contribui para responder à indagação motivadora de qual é a natureza epistemológica da arquitetura, sua especificidade e seu campo de saber, bem como o papel desempenhado por esta no “espaço epistemológico” da complexa elaboração
As afirmações anteriores permitem compreender as operações envolvidas na representação do espaço arquitetônico como articulação de uma estrutura sintática que se conserva, mas modificada intencionalmente pelas conexões espaciais específicas determinadas pelo arquiteto. Assim como é o matemático quem define a qualidade da soma, cabe ao arquiteto decidir pela qualidade dos espaços (sua especificidade) bem como decidir pelas conexões entre espaços.
A operação de representar o terreno ou conjunto métrico de base consiste em intermediar os determinantes envolvidos no projeto, transformando em linguagem ou signo uma situação espacial física, mediada como objeto de conhecimento para um sujeito (arquiteto), que deve criar a partir dessa realidade. A criação de espaços qualificados na ação intencional de organizar deslocamentos e fluxos humanos específicos, de modo a antecipar a futura percepção do espaço arquitetônico, constitui o processo de elaboração de significados do espaço.
A afirmação da Arquitetura como ciência depende do estabelecimento de limites e características da atividade de criação e representação do espaço arquitetônico. Essa especificidade da ação de projetar é então capaz de fundamentar um campo de saber arquitetônico.
notas
1
Este conceito foi desenvolvido por Thomas Kuhn, em sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1985.
2
O espaço epistemológico para as Ciências do Homem é amplamente discutido na obra de Michel Foucault, encontrando-se definido em As palavras e as coisas (São Paulo, Editora Martins Fontes, 1999).
3
FOUCAULT, Michel. Op. cit.
4
PEREIRA, Julio Cesar Rodrígues. Análise de dados qualitativos. Estratégias metodológicas para as Ciências da Saúde, Humanas e Sociais. São Paulo, EDUPS/FAPESP, 2004.
5
Referimo-nos a Auguste Comte filósofo a quem se tributa o sistema de pensamento denominado Positivismo, que reuniu considerações científicas e filosóficas na primeira metade do século XIX. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
6
Ver DA COSTA, Newton Carneiro. O conhecimento científico. São Paulo, Discurso Editorial, 1997.
7
ABBAGNANO, Nicola. Op. cit.
8
FOUCAULT, Michel. Op. cit.
9
Cf. PEREIRA, Julio Cezar Rodrigues. Op. cit.
10
Idem.
11
Idem
12
Cf. FOUCAULT, Michel. Op. cit.
13
Idem
14
Mathesis: ciência universal da medida e ordem, como se lê em FOUCAULT, Michel (Op. cit., p. 482).
15
Definição encontrada em BARTHES, apud DOSSE, François. História do Estruturalismo. Vol. 1. O campo do signo. São Paulo, EDUSC, 2007, p. 277.
16
MORADIELLOS, Enrique. El oficio del historiador. Madrid, Siglo XXI, 2008. 5ª. Edição revisada
17
Idem
18
Idem
19.
Referimo-nos ao matemático alemão G. F. B. Riemann (1826-1866).
20
Cf. se lê em KUHL, Nilo. Introdução à Topologia Geral. Florianópolis, Ed. UFSC, 2002, 2a. Edição, p. 179.
21
Conceito discutido por CONSIGLIERI, Victor. Morfologia de la arquitectura (1920-1970). Lisboa, Referência/ Editoral Stampa, 1999.
22
CONSIGLIERI, Victor. Op. cit., p. 169.
23
Idem.
24
SAMPAIO, João Carlos V. “Quatro cores e matemática”, Salvador, II Bienal da SBM – UFBA, disponível em www.bienasbm.ufba.be/M35.pdf. Acessado em 01/06/09.
25
CONSIGLIERI, Victor. Op. cit.
26
Idem, p. 169.
sobre os autores
Eunice Helena Sguizzardi Abascal é Arquiteta e Urbanista diplomada pela FAU Mackenzie. Professora de História e Teoria da Arquitetura da FAU Mackenzie.
Carlos Abascal Bilbao é Arquiteto e Urbanista diplomado pela FAU Mackenzie. Mestre em Ciências Sociais pela FESP - Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.