A cidade de Belém foi fundada em 1616. A área que corresponde a seu centro histórico mostra, ainda hoje, apesar de bastante degradada, construções que marcam a paisagem, na sua maioria, provenientes dos séculos XVII, XVIII e XIX. O conjunto é formado por edificações civis pontuadas por alguns expressivos edifícios religiosos e militares, que desenham a paisagem dos atuais bairros da Cidade Velha e do Comércio.
A área em estudo equivale, em parte, ao chamado Igarapé do Piri e que no século XIX foi aterrado, durante a administração de Dom Marcos de Noronha Brito, o Conde dos Arcos (1803-1806), período no qual a insalubridade dos alagadiços era preocupação dos governos. Essa área era o limite territorial entre os dois primeiros núcleos de ocupação da cidade e ligou os atuais bairros da Cidade Velha e do Comércio. Testemunha do período de implantação da cidade é referência de uma época tendo sido palco de momentos da história da cidade ao longo do tempo.
A área
Para esse estudo, será feita a descrição do conjunto formado pelas praças D. Pedro II (1) e do Relógio (2) e algumas edificações que têm suas fachadas voltadas para esses logradouros.
(01 Praça D. Pedro II, 02 Monumento ao General Gurjão, 03 Monumento ao Marinheiro Brasileiro, 04 Monumento ao Soldado Brasileiro, 05 Marco balizador, 06 Palácio Antônio Lemos, 07 Palácio Lauro Sodré, 08 Rua Tomásia Perdigão, 09 Travessa Félix Roque, 10 Rua do Aveiro, 11 Anexo da Ass. Legislativa do Estado, 12 Solar do Barão do Guajará, 13 Rua Padre Champagnat, 14 Praça do Relógio, 15 Tv. Marquês de Pombal, 16 Antigo necrotério público, 17 Doca do Ver-o-Peso, 18 Mercado de ferro, 19 Av. Portugal, 20 Calçadão, 21 Garagem do Bondinho, 22 Monumento em homenagem ao Descobrimento do Brasil e à Fundação de Belém)
O conjunto é rico em significados e pode, sem dúvida, servir de apoio à educação patrimonial. Por ter sido erguido ainda no período de colonização da capital paraense, pode ser o meio através do qual as novas gerações podem conhecer seu passado, a partir da arquitetura, dos monumentos e dos elementos ornamentais presentes na paisagem.
As duas praças, apesar de movimentadas durante o horário comercial, têm a circulação de pessoas bastante reduzida nas demais horas do dia e finais de semana. Ambas são pouco utilizadas como área de lazer, em particular, a do Relógio, mesmo estando localizadas às proximidades do Núcleo Cultural Feliz Lusitânia (3), área de grande fluxo de pessoas.
Lizete Sobral (4) revela que a praça parece não estar na lembrança da população belenense, em particular no que diz respeito aos seus monumentos, sua denominação. Em suas entrevistas, a autora pôde notar que mesmo aqueles que estudam a cidade guardam poucas referências do lugar.
Após analisar o texto de Sobral e fazer breves observações do ambiente, o que se pode inferir é que a praça é lugar com poucos atrativos e serve de local de passagem àqueles que têm como destino os bairros da Cidade Velha ou do Comércio e adjacências, assim como o Feliz Lusitânia, o Museu Histórico do Estado do Pará – MHEP e o Museu de Arte de Belém – MABE.
Apesar de ser um dos locais públicos mais antigos da cidade e ter sido um dos pontos onde a Cabanagem (1835-1840), revolta da população contra a elite política, teve momentos importantes, a área não chegou aos dias atuais com essas referências históricas reforçadas.
O logradouro sofreu transformações no período em que o Intendente Antônio Lemos esteve à frente da administração da cidade (1897-1908), época em que realizou várias obras com o objetivo de deixar Belém mais arejada e bela. Nessa intervenção, conforme Cybelle Miranda (5), foram inseridos um regato, um tanque de água e alguns canteiros com formas irregulares e a vegetação foi adensada. Esse é um tempo em que as preocupações com a higienização e a ornamentação urbanas eram a dominante no mundo e a capital paraense, a frente de muitas cidades brasileiras, seguiu essas diretrizes.
A praça apresenta três conjuntos escultóricos: o monumento ao General Gurjão e os monumentos ao Marinheiro e ao Soldado brasileiros, além de um marco balizador que serão a seguir descritos.
No centro da praça, está implantado o monumento em homenagem ao General Hilário Maximiniano Antunes Gurjão (1820-1869), paraense, herói da Guerra do Paraguai. Sua inauguração ocorreu em dezessete de janeiro de 1872, com grandes festejos na Igreja do Carmo, salva de canhões da fortaleza da Barra (6), hinos marciais e alforria para vinte e três escravos (7).
O conjunto, o maior dos três, tem características neoclássicas. Mede quinze metros de altura, sendo doze de pedestal e três de estátua. No pedestal de mármore, podem-se observar três níveis. No primeiro, até aproximadamente a altura de 2,5m, há quatro leões representando a força, posicionados um em cada canto da composição e projetando-se para fora. No segundo nível, a aproximadamente 5m do chão, há quatro estátuas de pé, sendo uma mulher e três homens. Na base de cada estátua, estão inscritas as palavras: Mérito, Marte, Valor e Lealdade. Nesse nível, há ainda, em duas das quatro faces, representações de cenas de batalha. Encimando o conjunto, está a estátua de bronze do General Gurjão, peça executada em Portugal nas oficinas de Germano José de Salles (8). Em vários pontos do monumento, há inscrições referentes à guerra e aos paraenses que morreram na luta.
A posição do monumento, central à praça, para o qual convergem radialmente todos os caminhos do logradouro, facilita sua visualização, mantendo a função de propaganda difundida na arte escultórica do período: lembra e exalta os heróis da guerra.
Esse conjunto, ao estimular o passante a olhar para o alto a fim de contemplá-la, faz lembrar Argan (9) quando, ao se referir ao uso da escultura na metrópole contemporânea, adverte que a mesma perdeu sua transcendência, sua grandeza, sua capacidade de fazer o transeunte parar e erguer os olhos para o céu. Ao mesmo tempo em que perdeu o lugar que tinha na cidade, particular ao seu caráter de obra de arte.
As duas outras estátuas, menores, estão localizadas às proximidades das calçadas que contornam a praça. São homenagens ao Marinheiro e ao Soldado Brasileiros, respectivamente, localizadas em frente ao MABE e ao MHEP. Ambas, produzidas na Fundição Cavina (10), no Rio de Janeiro, conforme inscrições nas bases das peças.
A homenagem ao Marinheiro Brasileiro é composta de um pedestal de cimento, levantado sobre dois degraus, no alto do qual está a figura de um Marinheiro, de bronze, em posição de descanso, e em cuja base, há a inscrição UMBERTO CAVINA – ESC, possivelmente nome do escultor. Afixado na face anterior do pedestal, existe um medalhão de bronze com a efígie, em relevo, do Almirante Tamandaré, patrono da Marinha Brasileira, no qual estão gravados, além de CAVINA, do lado direito, NEWTON SÁ - RIO 1939, do lado esquerdo. Ainda no pedestal, existem, na frente e na parte de trás, também de bronze, Brasões de Armas do Brasil. Segundo descrição de Ernesto Cruz (11), havia ainda uma âncora afixada no pedestal, o que é possível, pois há marcas da existência de outro elemento na parte da frente, acima do medalhão.
O monumento ao Soldado Brasileiro, conforme Ernesto Cruz (12), assim como o anterior, é uma homenagem da Prefeitura de Belém. No alto do pedestal, que se levanta sobre dois degraus, está a figura de um soldado, de bronze, em posição de guarda, em cuja base, há a inscrição U.CAVINA – ESCT, provavelmente a indicação do escultor. No pedestal, na face anterior, está afixado um medalhão, de bronze, com a efígie, em relevo, do Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro e, acima desse, a representação de duas armas cruzadas e um capacete sobreposto a elas. Na parte posterior do monumento, também de bronze, o Brasão de Armas do Brasil.]
As duas estátuas são peças cuja localização não favorece a visualização das mesmas, sendo pouco percebidas de certos pontos da praça, principalmente levando em consideração que a cor do material se confunde com a da vegetação. Pouca informação há sobre elas, o que dificulta mais ainda a interação do visitante com os monumentos.
Os três conjuntos escultóricos têm relação entre si por terem caráter de homenagem a figuras vinculadas à guerra: o General Gurjão, o Almirante Tamandaré e o Duque de Caxias, ligados à Guerra do Paraguai, bem como o marinheiro e o soldado brasileiros.
Ainda na praça, em frente ao Solar do Barão do Guajará, está posicionado um marco balizador, de pedra de lioz, pesando aproximadamente 1,5 toneladas (13), baliza das possessões luso-hispânicas e utilizada no cumprimento do Tratado de Madrid. Vários deles foram trazidos para o Brasil por volta de 1750 e, em 1752, foram levados pelo então governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado para serem colocados nas linhas de limite entre os dois Impérios. De um dos barcos que os transportavam, cinco caíram no rio Negro, à altura da cidade de Mariuá, atual Barcelos, no Amazonas. Em 1970, uma expedição da Primeira Comissão Demarcadora de Limites – PCDL, de regresso a Belém, transportou dois deles, um dos quais foi doado à cidade e colocado na praça em 1978. O outro está implantado na sede da PCDL, em Belém (14). Um terceiro marco foi levado a Brasília e implantado em frente ao Palácio do Itamaraty.
Importante ressaltar que não existe nenhuma estátua de D. Pedro II na praça, apesar de sua denominação. É possível que isso esteja relacionado ao fato de que em 1876, Belém recebeu a visita do Imperador D. Pedro II e daí provenha tal homenagem.
O logradouro mais se assemelha a um bosque de pequenas dimensões, dada a grande quantidade de árvores de grande porte nele existentes. A praça possui ainda um lago (15) e uma edificação que serviu, a partir da última reforma, de apoio à Guarda Municipal.
Não se pode esquecer que está assentado, em uma das alamedas da praça, um grupo de engraxates, alguns deles estabelecidos há algumas décadas. O grupo tem suas instalações, suas “bancas”, como eles as denominam, implantadas pelo poder público e já fazem parte do conjunto (16).
Ao observar o entorno da praça, encontram-se algumas edificações de valor histórico e que, se não bastasse sua importância arquitetônica, possuem ornatos que poderiam ser elementos de atração do local.
Os exemplos arquitetônicos que se seguem, configuram, junto aos monumentos, pontos significativos para um olhar mais acurado.
Em frente à Praça D. Pedro II, em frente ao Monumento ao Marinheiro, está o Palácio Antônio Lemos (17), o chamado Palacete Azul, sede do MABE, antiga sede do Paço Municipal e Estadual. Foi inaugurado em 1883 e construído no estilo Império Brasileiro, para ser a sede da Intendência Municipal. A fachada possui uma série de janelas em arco, no primeiro e no segundo pavimentos, sendo as do segundo, ornadas por balcões com gradis de ferro. A fachada é encimada por três frontões triangulares, coroados por estátuas, no frontão central, e vasos, nos demais.
Em sentido horário, ao lado do Palácio Antônio Lemos, e formando com ele um equilibrado conjunto, está o Palácio Lauro Sodré (18). Essa edificação foi mandada construir para servir de residência oficial aos governadores do Estado do Grão Pará e Maranhão. Seu projeto arquitetônico é de Antônio Landi, arquiteto italiano que na cidade viveu na segunda metade do século XVIII, sendo o palácio sua obra civil de maior importância e tendo sua construção sido concluída em 1771. No governo de Augusto Montenegro, foi realizada a maior reforma da edificação quando, entre outras alterações, foram colocadas as peças de cantaria na fachada o que a modificou bastante. São ainda destaques na fachada, as sequências de janelas em arco, nos dois andares, as luminárias e os portões de ferro. Para Leandro Tocantins (19), o Palácio “foi, no Brasil, a construção civil mais ambiciosa de seu tempo”. Em 1835, foi um dos palcos do movimento da Cabanagem, quando foi tomado pelos manifestantes. Possui uma capela com acesso externo pela lateral direita do prédio, de onde saiu, em 1793, a primeira procissão do Círio de Nazaré, a conhecida manifestação religiosa local.
O destaque seguinte é para o casarão localizado na esquina da Rua Félix Roque com a Rua Tomásia Perdigão. Um típico casarão do século XIX, com dois pavimentos, da tipologia comércio no térreo e residência no 2º pavimento com a repetição de janelas e portas que imprimem ritmo à edificação. Ressaltem-se as estátuas sobre as platibandas, uso frequente na arquitetura da cidade no final do século XIX e início do XX. Na administração de Antônio Lemos, foi exigida a retirada dos beirais dos telhados evitando que a água da chuva caísse sobre as calçadas e implantadas as platibandas.
O próximo edifício a observar, está localizado na Rua do Aveiro, em frente à Praça D. Pedro II, ocupado por um anexo da Assembléia Legislativa do Estado. É uma edificação de dois pavimentos, com uma profusão de elementos ornamentais, em particular na platibanda.
Prosseguindo, na mesma rua, está o imponente Solar do Barão do Guajará (20), sede do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP. Edificação com dois pavimentos e sótão central. Tem fachada revestida de azulejos azuis. Não é conhecido o período exato de sua construção, sabe-se que, no início do século XIX, pertenceu às famílias Fragoso e Chermont, da qual uma descendente, Maria Victoria Pereira de Chermont, casou-se com Domingos Antônio Rayol, o Barão de Guajará. As posições social e política do Barão e da família Chermont, apontam que essa edificação pode ter sido das mais importantes da vida social e política da cidade. Merecem atenção, nas sacadas das janelas (21), os gradis de ferro com as iniciais de Antônio Lacerda Chermont, 1º Barão de Arari, seu proprietário anterior.
Ainda fazendo frente para a Praça D. Pedro II, destaca-se uma sequência de casas na Rua Padre Champagnat e que fazem parte do Núcleo Feliz Lusitânia. A última reforma realizada deixou o conjunto muito uniforme como se fosse edificação única. A individualidade dos exemplares foi perdida com o uso de tintas de cores muito semelhantes entre si e de cujas tonalidades não favorecem a visualização dos elementos ornamentais das platibandas pintados com tinta branca.
A outra praça que faz parte dessa análise tem dimensões menores que a anterior. Está localizada às proximidades da área correspondente ao Ver-o-Peso, importante zona de comércio da cidade, que tem fluxo intenso de pessoas e veículos durante o horário comercial. As vias no entorno são utilizadas como estacionamento pelos veículos que transportam mercadorias aí descarregadas. Sua construção teve início em 1930, na administração do Intendente Antonio Faciola. Foi inaugurada em 1931 e recebeu o nome de Praça Siqueira Campos (22), embora seja popularmente conhecida como Praça do Relógio. Tem formato quadrado e, ao centro, possui um relógio de ferro. Esse equipamento tem quatro faces, sua torre tem doze metros de altura e possui ornamentos em toda a sua extensão. Há ainda quatro postes de ferro, um em cada canto da praça, com rebuscados elementos decorativos no topo e que servem, desde 1896, à iluminação elétrica (23). As cinco peças têm importante valor à história da cidade e fazem parte de um momento de progresso urbano. São todas de fabricação inglesa, provenientes da Fábrica MacFarlane e constam dos catálogos fornecidos pelo fabricante à época (24).
Em uma das laterais dessa praça, aquela correspondente à Tv. Marquês de Pombal, destaca-se uma sequência de sobrados, com 2 ou 3 pavimentos, alguns azulejados e com significativos elementos ornamentais nas fachadas. Os casarões apresentam suas características de fachada relativamente preservadas e são ocupados por estabelecimentos comerciais.
Próximo à praça, merece destaque, uma pequena edificação mandada construir em 1899, pelo intendente Antônio Lemos, para servir de necrotério público e que, hoje, é utilizada como depósito pelos vendedores instalados às proximidades. Foi localizado nessa área, à beira do rio, pelas tais preocupações com a higienização, vigentes à época. Embora bastante alterada, apresenta ainda alguns dos elementos ornamentais constante do projeto original e mantém o aspecto de uma pequena ermida.
A partir da Praça do Relógio, avistam-se as embarcações na doca do Ver-o-Peso para descarregar os produtos aí comercializados. Desse ponto, é possível ver, parcialmente, a fachada do Mercado de Ferro Francisco Bolonha (25), inaugurado em 1901, cartão postal da cidade, com suas conhecidas torres poligonais cobertas com escamas de zinco, monumento marcante nessa paisagem. Foi construído na administração de Antônio Lemos para servir, basicamente, de local de comercialização de pescados.
Na sequência do Mercado, na Avenida Portugal, e nas transversais, podem ser encontrados resquícios de uma arquitetura significativa nos casarões, por vezes, com suas fachadas azulejadas, séries de janelas, com seus gradis de ferro, e detalhes escultóricos. Muito foi perdido, mas alguns desses elementos resistem à ação do tempo e à falta de cuidados dos proprietários e do poder público.
Na Avenida Portugal, esquina com a Rua 13 de maio, está localizada a Estação Gumercindo Rodrigues, ponto de parada de um bondinho que faz um passeio aos domingos e feriados, e cujo percurso cobre a área em estudo e adjacências. Essa iniciativa da administração municipal é uma tentativa de trazer à contemporaneidade um transporte que era oferecido à população no século XIX, quando a cidade, uma das primeiras no Brasil a oferecer esse serviço, possuía linhas regulares.
Ainda na mesma avenida, às proximidades do Palácio Antônio Lemos, existe um obelisco em comemoração à Descoberta do Brasil e à Fundação da Cidade de Belém. Segundo Ernesto Cruz (26), foi solenemente inaugurado no dia três de julho de 1933, sendo, seu construtor, o engenheiro paraense Domingos Acatauassu Nunes. Esteve outrora implantado em um canteiro central na mesma avenida, conforme registros fotográficos existentes (27). O monumento, de granito, mede três metros de altura. Tem quatro faces, em uma delas, a efígie de bronze de Pedro Álvares Cabral e em outra, a de Francisco Caldeira de Castelo Branco, fundador da cidade de Belém. No topo, em cada face, há uma Cruz da Ordem Militar de Cristo (28) também de bronze. Assim como os demais monumentos dessa área, esse também tem caráter comemorativo. Por estar colocado em uma área mais favorável, tem sua visualização facilitada.
Segundo Cruz (29), existia ainda na Avenida Portugal, o Monumento ao Gazeteiro, uma estátua de um jornaleiro vendendo O Paraense, o primeiro jornal editado em Belém. Esse monumento, hoje, está implantado na Av. 25 Setembro, em frente ao Jornal O Liberal...
Os quatro conjuntos escultóricos existentes na área analisada homenageiam vultos da história, porém, ou por suas localizações pouco privilegiadas, ou pela falta de identificação, as mensagens que poderiam ser passadas ficam perdidas. O mesmo pode ser dito do marco também aí implantado. A arquitetura circundante, monumental, em certos aspectos, pode despertar algum interesse, porém ainda superficial. Que dizer então dos elementos ornamentais?
Convém, a título de informação, fazer referência a dois desenhos de Antônio Landi para um arco triunfal. As gravuras, possivelmente, duas versões de uma obra, mostram o arco em frente ao atual Palácio Lauro Sodré. Fazem parte dos álbuns (30) com os desenhos do terceiro projeto para o Palácio: um entregue ao rei D. José I e o outro ao Governador Ataíde Teive. Eram monumentos, respectivamente, em homenagem ao rei português e ao governador do Estado. Não é sabido, se houve intenção de executá-lo. Conforme Mendonça (31), são conhecidos os trâmites para a construção de uma estátua pedestre do rei português que seria colocada na praça mayor da cidade, a atual D. Pedro II, o que não aconteceu. Se o arco tivesse sido erguido, seria mais um monumento homenageando uma figura ilustre.
Conclusões
A área descrita tem potenciais características para servir de instrumento à educação patrimonial em Belém.
As informações a ela intrínsecas garantem sua utilização nesse sentido, tendo em vista que, através da memória, o espaço “fala”, não apenas daqueles que o ocupam hoje, mas dos que ali viveram em outros momentos.
Através da paisagem, de seus edifícios e monumentos, de suas cores e formas, de seus cheiros e sons, de suas partes ou do todo, é possível vivenciar o ambiente, conhecer e repensar parte da história da cidade, aquela que corresponde ao início de sua trajetória no tempo e que tem seus reflexos nos dias atuais.
As informações inerentes ao local, referentes a sua história, estão à disposição do passante desde que provocado. O passado, presente nos edifícios e monumentos aí implantados, pode ser acessado desde que se promovam ações no sentido de valorizá-lo e de recuperar a história nele contida.
O caráter de bosque da Praça D. Pedro II favorece o contato com a natureza e propicia a contemplação. A sombra das árvores dá mais conforto ao pedestre, protegendo-o do calor equatorial. Do espaço, é possível contemplar os dois imponentes palácios, o casario circundante, a sede do IHGP, os monumentos.
A Praça do Relógio, e sua proximidade com a área da feira do Ver-o-Peso e com a Baía do Guajará, tem outro caráter. Menos contemplativa, mas ponto de contato com as cores e os cheiros do que é vendido no complexo comercial e com as velas das embarcações que ali aportam para descarregar seus produtos vindos das cidades ribeirinhas.
Infelizmente, o descaso com o patrimônio arquitetônico da cidade provocou, nas edificações em frente ao calçadão da Av. Portugal, um destino pouco feliz. Muitas delas bastante descaracterizadas guardam pouco do passado, mas o que resta merece atenção.
O que existe, hoje, na área, é fruto de vários momentos históricos. Faz parte da paisagem há muito tempo, embora muitos dos elementos ali presentes não sejam notados pelo transeunte.
Segundo Barros:
“Carecemos, enquanto população, do exercício da percepção, do aprimoramento do olhar, da investigação minuciosa das transformações culturais. Exigência extremada, num país onde a fome, a falta de educação e oportunidades já são extremadas. Contudo uma cidade tem seu valor pela sua gente, pelo que produz e por aquilo que se constrói no espaço urbano relativo a sua história, a sua memória, ao seu patrimônio” (32).
Treinar o olhar a perceber, na paisagem, as mensagens, quer do presente, quer de um passado recente ou longínquo, seus detalhes, valorizando-os, é função da educação patrimonial.
Incentivar essa percepção é tarefa dos órgãos responsáveis pelo patrimônio cultural da cidade de Belém que, a partir da educação, fomentem essa percepção, não apenas física, mas histórica, social, política, utilizando-se das informações presentes no ambiente, repensando-o, refletindo-o e projetando-o para o futuro.
notas
1
A Praça D. Pedro II foi, anteriormente e sucessivamente, denominada Largo do Palácio, da Constituição, Praça da Independência e Parque Affonso Penna. Ver: FERNANDES, Paulo Chaves; LIMA DA SILVA, Rosário (org.). Belém da saudade. A memória de Belém no início do século em cartões postais. Belém, Secretaria de Estado da Cultura, 1998, p. 124.
2
A área em que, hoje, está a Praça do Relógio era, anteriormente, ocupada pelo prédio da Bolsa de Valores, cuja construção nunca foi concluída (Idem, p. 54). A demolição da construção não acabada foi autorizada em 1913 “visto não oferecer [...] as condições necessárias de estabilidade e de resistência”. Ver: CRUZ, Ernesto. As Obras Públicas do Pará. Belém, Governo do Estado do Pará, v.2, 1967, p. 113.
3
O Núcleo Cultural Feliz Lusitânia está localizado no bairro da Cidade Velha e dele fazem parte, entre outros: os museus de Arte Sacra, do Forte do Presépio e do Círio, a Igreja de Santo Alexandre, o Espaço Cultural Casa das Onze Janelas e o entorno imediato dessas edificações.
4
SOBRAL, Maria Lizete Sampaio. Os Guardiões da memória na Praça D. Pedro II. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Belém, Universidade Federal do Pará, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2006, p. 12-25. Disponível em: <www.bdtd.ufpa.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=620>. Acesso em 17 de fevereiro de 2010.
5
MIRANDA, Cybelle Salvador. Cidade Velha e Feliz Lusitânia: Cenários do Patrimônio Cultural em Belém. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Belém, Universidade Federal do Pará, 2006, p. 72. Disponível em: <www.ufpa.br/ppgcs/arquivos/teses/tese-CybelleSalvadorMiranda 2003.pdf>. Acesso em 20 de junho de 2009.
6
O Forte de Nossa Senhora das Mercês da Barra de Belém localizava-se em um banco de pedras de uma pequena ilha, à esquerda do canal de entrada de Belém. (COIMBRA, Oswaldo. Engenheiros-militares em Belém, nos anos de 1799 a 1819 - A aula militar do historiador Antônio Baena. Belém, Imprensa Oficial do Estado, 2003, p. 48). Foi utilizada como depósito de inflamáveis na década de 1940. Um curto-circuito provocou uma explosão que destruiu suas instalações em 1947. Disponível em: <www.contestado.com.br/wiki/Forte_de_Nossa_Senhora_das_Mercês_da_Barra_de_Belém>. Acesso em 17 de fevereiro de 2010.
7
ANDRADE, Paulo de Tarso. Belém e suas Histórias de Veneza Paraense a Belle Époque. Belém, s.d.
8
FERNANDES, Paulo Chaves; LIMA DA SILVA, Rosário. Op. cit., p. 126.
9
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 95.
10
Com a reurbanização da cidade do Rio de Janeiro, no início do século vinte, surgem as primeiras fundições envolvidas com o processo artístico. Fundição Indígena, Fundição Cavina e Fundição Zani, foram responsáveis pela maioria das estátuas e bustos que, hoje, enfeitam praças e que enalteceram o desenvolvimento da fundição brasileira. DIAS, Mariza Guimarães. “Breve história da fundição artística”, In: Jornal do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, v. 77, mar 2002. Disponível em: <www.margs.rs.gov.br/ndpa_sele_brevehistoria.php>. Acesso em 22 de junho de 2009.
11
CRUZ, Ernesto. História do Pará. Belém, Conselho Estadual de Cultura, v.2, 1973, p. 469.
12
Idem.
13
A informação sobre o peso do marco consta da reportagem veiculada no jornal O Estado do Pará, edição de 12 de fevereiro de 1978, na qual também há a informação de que teria 3m de altura o que não é confirmado se verificado in loco.
14
As informações a respeito do marco foram obtidas na biblioteca da Primeira Comissão Demarcadora de Limites, em Belém, e extraídas de originais datilografados e de autoria do Cel. Ivonildo Dias Rocha, Chefe da PCDL.
15
Esse lago foi aterrado na administração do Prefeito Duciomar Costa e foi reativado em 2008, na última reforma realizada, ainda na gestão do mesmo prefeito.
16
SOBRAL, Maria Lizete Sampaio. Op. cit., p. 48.
17
Antônio José de Lemos (1843-1913) foi intendente de Belém de 1897 a 1912. Em sua administração, Belém sofreu uma grande reforma urbanística e de costumes (TOCANTINS, Leandro. Santa Maria do Grão Pará. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976, p. 90-97).
18
Lauro Nina Sodré e Silva (1858-1944) foi Governador do Pará por dois mandatos: de 1891 a 1897 e de 1917 a 1921.
19
TOCANTINS, Leandro. “Landi – Um Italiano Luso-tropicalizado”, Revista Brasileira de Cultura. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultural, 1969. Ano 1, n. 1, Julho/Setembro 1969, p. 24.
20
Domingos Antônio Rayol, o Barão do Guajará, foi presidente do Pará, Ceará, Paraíba e São Paulo. Teve destacada atuação cultural em Belém, ao lado das atividades político-administrativas (TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão Pará: instantes e evocações da cidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976, p. 147-8).
21
Idem, p. 146.
22
Antônio de Siqueira Campos foi um dos líderes, em julho de 1922, da revolta do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, contra o governo federal, que deu início aos levantes tenentistas que marcaram a década de 20 no Brasil. Disponível em: <cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/biografias/siqueira_campos>. Acesso em 17 de fevereiro de 2010.
23
FERNANDES, Paulo Chaves; LIMA DA SILVA, Rosário. Op. cit., p. 124.
24
COSTA, Cacilda Teixeira da. O sonho e a técnica: a arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo, Edusp, 1994, p. 159-61. Disponível em: <books.google.com.br/books?id=7xeKw2JBOWwC&printsec=frontcover& dq=O+sonho+e+a+técnica:+a+arquitetura+de+ferro+no+Brasil&ei=kPY2SoX1BI-6ygTM8e3GDA>. Acesso em 17 de fevereiro de 2010.
25
Francisco Bolonha foi um engenheiro paraense contratado pela Intendência Municipal (Antônio Lemos) e pelo Governo do Estado (Augusto Montenegro) para a construção de obras marcantes na cidade dentre as quais o Mercado de Carne Francisco Bolonha.
26
CRUZ, 1973, p. 466.
27
Disponível em: <http://picasaweb.google.com/HaroldoBaleixe/FotosEPostaisDaBelMDoParAntiga#5322599950883407778>. Acesso em 17 de fevereiro de 2010.
28
A Ordem de Cristo, rica e poderosa, patrocinou as grandes navegações lusitanas e exerceu grande influência nos dois primeiros séculos da vida brasileira. A cruz de Cristo estava pintada nas velas da frota cabralina. Os marcos traziam, de um lado, o escudo português e, do outro, a Cruz de Cristo. Disponível em: <www.brasilrepublica.com/bandeirashistoricas.htm>. Acesso em: 17 de fevereiro de 2010.
29
CRUZ, Ernesto. Op. cit., 1973, p. 466.
30
MENDONÇA. Op. cit., p. 421-6.
31
Idem, p. 456-8.
32
BARROS, Cláudio Soares. Monumentos Públicos: Percepções Artístico-Culturais do Espaço Urbano. Disponível em: <www.uss.br/web/arquivos/textos_historia/Claudio_Soares_Monumentos_Publicos.pdf>. Acesso em 17 de fevereiro 2010.
sobre o autor
Mestrando em Artes - ICA/UFPA. Especialista em Interpretação, Conservação e Revitalização do Patrimônio Artístico de Antônio José Landi - UFPA / FAU / Fórum Landi. Arquiteto (UFPA/1990) e Engenheiro Civil (CESEP/1987). É servidor do Ministério Público do Estado do Pará. Dedica-se à pesquisa da arquitetura do século XVIII em Belém-PA, com ênfase no repertório ornamental do arquiteto italiano Antônio Landi.