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architexts ISSN 1809-6298


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O presente artigo é uma discussão de natureza crítica do processo de certificação verde, especialmente de edifícios corporativos, de que é exemplo o Eldorado Business Tower, em São Paulo

english
This work is a discussion of the process of the green building certification for corporate buildings which Eldorado Business Tower, in São Paulo, is an example


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SANTOS, Mariana Feres dos; ABASCAL, Eunice. Certificação LEED e arquitetura sustentável:. Edifício Eldorado Business Tower. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 140.03, Vitruvius, jan. 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.140/4126>.

Arquitetura sustentável: um conceito em construção

Os temas da arquitetura sustentável e sustentabilidade guardam relação com métodos e processos de racionalização do uso de recursos naturais e energéticos. Visando alcançar eficiência e eficácia energéticas, deposita-se esperanças em preservar o planeta dos efeitos perversos da ação humana sobre o ambiente.  Como assinala James Lovelock, “O desenvolvimento sustentável, respaldado pelo consumo de energia renovável, é a atitude em voga na convivência com a Terra (...)” (1). Esse mesmo autor afirma ainda que o planeta sofre conseqüências das atividades e decisões humanas e começa a demonstrá-las. A preocupação com o meio ambiente se evidenciou com a Conferência de Estocolmo, em 1972, tendo sido a questão retomada vinte anos depois, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, quando o desenvolvimento sustentável entrou definitivamente em pauta.

Edifício Eldorado Business Tower, projeto do escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos
Foto Daniel Ducci

A World Comission on Environment and Development (WCED) define desenvolvimento sustentável como “Desenvolvimento econômico e social que atenda às necessidades da geração atual sem comprometer a habilidade das gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades.” (2). Mudanças de comportamento em busca desse desenvolvimento se fizeram inadiáveis e envolveram a construção civil, passando a objeto de atenção por consistir em um dos vilões do meio ambiente, responsável por 40% do uso de energia primária, 72% do consumo de eletricidade, 39% da emissão de gás carbônico e 13,6% do consumo de água potável (3). A indústria da construção civil e atividades correlatas são responsáveis pelo uso de significativa quantidade de recursos globais e emissão de resíduos; no entanto, tem grande importância no desenvolvimento sócio-econômico e qualidade de vida (4).

Para enfrentar esses impasses, indústrias buscam maneiras de produzir edifícios com baixo impacto ambiental, procurando também reconhecimento por esse empenho. O mercado exige produtos e materiais comprometidos com o meio ambiente, enfatizando preocupação com baixo impacto e interesse em contribuir para a solução do problema ambiental, o que se tornaria vantagem competitiva e forma de conquistar um consumidor cada vez mais informado, exigente e consciente das necessidades do planeta.

Edifício Eldorado Business Tower, projeto do escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos
Foto Daniel Ducci

O “consumidor verde” não busca apenas o produto mais barato, sequer está apenas preocupado em coleta seletiva e economia de água e energia. Verifica-se preocupação com o impacto ambiental que determinado produto pode causar ao meio ambiente e os efeitos desse impacto no consumo do bem, convertendo-se a questão ambiental em um dos fatores de opção pela compra.

A dimensão ambiental interfere não somente nas formas e cadeias produtivas, mas se expressa também do lado do consumidor: “As empresas têm sido desafiadas à elaboração de novas estratégias competitivas que evitem a degradação ambiental ao mesmo tempo em que garantam a sobrevivência e a sustentabilidade financeira. Tais estratégias, denominadas de Marketing Verde, culminaram na exploração de um novo segmento: o de “produtos verdes”. Tais estratégias visam aumentar a produtividade, enquadrar as empresas na legislação vigente, melhorar a imagem institucional, garantir a lucratividade no processo produtivo por meio da oferta de produtos diferenciados e, principalmente, influenciar a decisão de compra dos consumidores.” (5).

A fim de atender a consumidores preocupados com o meio ambiente e frente à necessidade de garantir-lhes qualidade de produto com baixo impacto ambiental, e levando em consideração que a construção civil é responsável por impactos significativos causados ao meio ambiente, surgiram as certificações verdes. Estas certificações são formas de avaliação expressa por meio da emissão de pareceres a edifícios que, dependendo de sua adequação a critérios e pré-requisitos propostos por tais instrumentos, podem alcançar o status de causadores do mínimo de impacto ambiental possível.

Edifício Eldorado Business Tower, projeto do escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos
Foto Daniel Ducci

Tais sistemas de certificação são aplicados em diversos países e têm por objetivo avaliar o projeto, a obra e a manutenção dos edifícios; porém, “(...) todos estes sistemas concentram-se exclusivamente na dimensão ambiental da sustentabilidade” (6). Um edifício a fim de atingir o qualificativo de sustentável deveria considerar também à sua interação, como proposta arquitetônica e urbanística, com o meio ambiente; aspectos sociais e econômicos envolvidos na produção do espaço arquitetônico deveriam, da mesma forma, fazer parte do universo da avaliação da sustentabilidade (7). O conceito de sustentabilidade contempla essa complexidade de determinantes, o que leva a indagar se a certificação é instrumento suficiente para avaliar a sustentabilidade de uma edificação.

Um empreendimento se torna realmente sustentável quando atinge equilíbrio entre atendimento de demandas voltadas ao ambiente físico, processos econômicos e necessidades sociais, ao considerar o chamado tripé da sustentabilidade (8), pois ao contemplar a incorporação de soluções arquitetônicas voltadas a essas três dimensões, a construção pode se tornar instrumento de melhoria da qualidade de vida do indivíduo e comunidade.

Edifício Eldorado Business Tower, projeto do escritório Aflalo & Gasperini Arquitetos
Foto Daniel Ducci

No contexto das preocupações com a sustentabilidade, a certificação LEED, uma avaliação pautada em critérios classificatórios relacionados em um checklist, concede pontuação ao empreendimento dependendo do atendimento a critérios previamente estabelecidos. Dependendo da pontuação atingida, o empreendimento pode ser certificado, atingindo os níveis prata, ouro ou platina.

O Processo de Certificação do Edifício Eldorado Business Tower

Criada em 1998 nos Estados Unidos (9) a certificação LEED vem sendo aplicada em vários países, sendo reconhecida em todos eles como um indicador de qualidade. A certificação LEED ® C&S (for Core & Shell) essencialmente avalia e reconhece soluções e tecnologias que em tese contribuiriam para tornar as construções sustentáveis, identificando essas soluções no projeto e na obra, cuja aplicação teria por finalidade a redução de impactos ambientais advindos da edificação. São avaliados o corpo do edifício, todas as áreas comuns e fachadas.

Eldorado Business Tower – foto da fachada frontal com a grela estrutural e vedação diferenciada de vidro
Foto Mariana Feres dos Santos, obtida em visita técnica realizada em 16.03.2011

O primeiro edifício da América Latina a receber certificação LEED foi uma agência do Banco Real, na Granja Viana, em São Paulo, em 2007. Hoje existem 23 empreendimentos certificados pelo LEED no Brasil e 211 empreendimentos em processo de certificação (10). O primeiro edifício a receber o certificado Platinum, o mais alto da categoria na América Latina, foi o Eldorado Business Tower (São Paulo), em 19 de agosto de 2009, atingindo 46 de um ranking de 61 pontos, com a versão 2.0 Platinum.

O Eldorado Business Tower é um edifício de escritórios junto ao consagrado shopping center Eldorado, em São Paulo, tendo sido o novo conjunto inaugurado em novembro de 2007. A torre destinada a escritórios tem 32 andares de lajes em concreto protendido de espessura de 27 cm, que possibilitam plantas flexíveis com área de 2.000 m2, e pé-direito de 3,00 m. Os escritórios dispõem de piso elevado e forro. Com 141 metros de altura, o edifício dispõe ainda de quatro subsolos (1.805 vagas), edifício garagem com sete pavimentos, centro de convenções e heliponto, para até dois helicópteros de dez toneladas cada um.

As categorias utilizadas para pontuar o empreendimento foram Sustentabilidade, Eficiência em Água, Energia e Atmosfera, Materiais e Recursos, Qualidade Ambiental interna, Inovação e Processos de Design. A cada uma dessas categorias foi atribuído um ponto, tendo o Eldorado obtido nota um (1,0) em vários itens do ranking o que permitiu sua classificação na categoria Platinum (11).

Os resultados quanto aos itens utilizados para a pontuação são os seguintes (12).

  • 33% de economia de no consumo de água potável, comparado ao padrão norte-americano;
  • 100% de economia de água potável para irrigação;
  • 18% de economia no consumo de energia;
  • 74% de todo resíduo gerado na obra foi destinado a aterros;
  • 30% de todo material empregado foi reciclado;
  • 50% de todo material adquirido é de origem local;
  • 95% de toda madeira certificada pelo FSC (Forest Stewardship Council);
  • 25% de redução da vazão e volume de água lançada na rede pública durante as chuvas.

A um primeiro exame, o edifício não demonstra diferenças expressivas em relação à arquitetura corporativa realizada na cidade, utilizando-se do sistema de grelha estrutural e fechamentos de vidro, sistema que possibilitou vedações utilizando generosos panos envidraçados. Mas, analisando mais detidamente o projeto, a obra construída e a tecnologia empregada, é possível notar que apresenta vantagens e diferenças significativas que os distinguem, em termos de eficiência energética e energias renováveis. É possível identificar ainda características arquitetônicas singulares relativamente a outras construções de tema similar. Essa análise sugere algumas indagações críticas sobre alguns dos itens que são objeto da certificação e que, talvez, demonstrem que o atendimento às categorias que conferem a classificação não seja uma condição suficiente para definir integralmente um edifício como sustentável.

No edifício em estudo, o sistema de ar-condicionado é o VRV III (volume de refrigeração variável) que possibilita baixo consumo de energia, permitindo que empresas locatárias ali sediadas paguem somente pelo que consomem. O que consiste em vantagem significativa frente aos dispêndios condominiais em edifícios similares não certificados. O sistema utiliza ainda gás refrigerante do tipo R-410 A, ecologicamente correto.  

A primeira impressão obtida em visita técnica realizada ao empreendimento (13), é que o sistema de refrigeração consta de um multi split, com metade das condensadoras instaladas na cobertura do edifício e a outra metade na cobertura ou laje de garagem. Ao contrário da maioria dos edifícios similares, nos quais evaporadoras e condensadoras estão instaladas no mesmo local dos respectivos escritórios, ocupando uma sala que se destina à casa de máquinas ou terraço técnico, essas condensadoras são mantidas pelo condomínio e o fato de não ser necessário um espaço para elas em cada planta tipo acarreta em economia de aproximadamente 15 m ² em cada meia laje  o que permite uma distância de apenas 65 cm entre forro e laje. Por contar com um sistema de operação programado e inteligente, permite ligar o ar condicionado de cada compartimento ou escritório com autonomia. O controle é feito pelo condomínio, mediante o uso de programa de computador ou pelo próprio usuário, utilizando a Internet.

Condensadoras na cobertura do edifício
Foto Mariana Feres dos Santos, obtida em visita técnica realizada em 16.03.2011

Toda a água utilizada nas áreas comuns, tanto para irrigação de áreas verdes quanto para limpeza, provém de chuva reutilizada e condensação gerada pelo funcionamento do ar condicionado. A água lançada na rede pública é também tratada para filtragem de particulados e todos os sanitários são dotados de medidores de água individualizados em cada andar, permitindo controle mais rigoroso do dispêndio do recurso.

Um sistema inteligente de elevadores, com antecipação de chamadas, dispõe ainda de sistema de frenagem regenerativa, o que permite que o elevador que estiver descendo forneça energia para o outro, que está subindo. Lâmpadas e reatores despendem menos energia e todos os sistemas elétricos são divididos por segmentos, como, por exemplo, há um sistema para os elevadores, outro para as bombas d´água e outro para cada setor do edifício, permitindo acompanhar qual o real consumo de energia de cada área. 

A fachada dispõe de 43% de área envidraçada, sendo que o vidro utilizado foi o low-e, caracterizado por melhor desempenho térmico e possibilidade de filtragem eficiente do calor que atinge o interior do edifício. A área envidraçada conta ainda com a preteção oferecida por um sistema de persianas automatizadas. Na medida em que o sol vai batendo nas fachadas, persianas vão descendo automaticamente. O condomínio organiza coleta seletiva do lixo, recolhido a um compartimento no térreo no qual os resíduos são triados. Há uma regra condominial em vigência de que não será coletado o lixo do andar que não cumprir com a necessária seletividade. A descrição anterior teve por objetivo demonstrar os diversos pontos positivos que, inegavelmente, ajudam a qualificar a performance do Eldorado Business Tower e o diferenciam de outros empreendimentos, mas alguns dos itens que garantiram a certificação são passíveis de observações críticas.

A começar pela localização, o Eldorado Business Tower está implantado em terreno de privilegiada acessibilidade. Ao lado de um grande centro de compras e serviços de São Paulo, o Shopping Eldorado, apresenta passarela vedada por panos de vidro, conectando o edifício diretamente àquele shopping. Encontra-se ainda ao lado da estação ferroviária denominada Hebraica, o que em tese facilita o acesso de usuários e visitantes por transporte público.

No entanto, como é ilustrado a seguir, o terreno faz fronteira, em um de seus lados, com uma via expressa bastante ruidosa e poluente pelo expressivo número de veículos que recebe diariamente, sem dizer que o terreno se encontra em rota de aviação.  Na outra face do terreno, localiza-se o estacionamento do centro de compras, parceiro do empreendimento, o que gera necessariamente intenso afluxo de veículos motorizados ao conjunto.

Embora a solução de elevar o térreo tenha sido competentemente proposta pelos arquitetos para que houvesse amenização do agravante de poluição sonora e ambiental, o potencial pleno do térreo como espaço coletivo e de permanência não foi explorado, dando-se ênfase ao uso de materiais como o vidro como fechamento da passarela indutora da ligação com o shopping. O vidro foi escolhido pela leveza visual e utilizado por seus resultados plásticos e, principalmente, pela resistência à deformação.

O outro vizinho lateral é a estação ferroviária, cujo acesso pedestre não pode ser otimizado, pois uma via de proporções e capacidade de fluxo reduzida serve de conexão entre o edifício e a mencionada estação.

A impossibilidade de realizar um sistema conector que permitisse de fato ligar a estação ao empreendimento se deveu ao fato de que, se a gestão do governo estadual de 2007 havia sinalizado positivamente para a implementação desse recurso, em seguida desconsiderou-a, sob alegação de que seria necessário um segundo controle de catraca  (14). Neste caso, a materialização da arquitetura cujo conceito previa uma qualidade ambiental por meio de seu projeto não foi prioritária ou decisiva, e por essa razão é questionável a sustentabilidade do empreendimento pautada exclusivamente na obtenção do grau Platinum.

Uma das razões alegadas pelo Green Building Council ao certificar o Eldorado foi o fato de que a organização reconheceu como positivo a obra estar localizada em área urbanizada e servida de comércio, com acesso à estação ferroviária e à futura estação de metrô Pinheiros facilitado, e também a pontos de ônibus e serviços básicos. O que possibilitaria que o conjunto pudesse servir à comunidade local, incluindo passarela para integração e acesso dos usuários e visitantes ao Shopping Center Eldorado. Observa-se que o discurso que antecipou a certificação em 2009 enfatizando não somente o local mas as conexões do conjunto arquitetônico com o espaço público não veio a se concretizar plenamente, não por omissão dos arquitetos, mas por razões técnicas e políticas, o que questiona o certificado LEED quando encarado como processo e não somente como um estado acabado.

Considerando que a população usuária fixa e visitante no Eldorado Business Tower é de 7.000 pessoas/dia (15), à razão de 5.000 usuários e 2.000 visitantes, a rua que funciona como alça de acesso ao shopping center não possui escala adequada ao prédio e à sua população fixa e flutuante. Devido à dificuldade de fluxo e acesso estabelecer uma relação com o pedestre na cota da rua seria bastante difícil, o que fez com que os arquitetos criassem o térreo elevado, conectado em nível com a gare e o conjunto comercial. A elevação do térreo apresenta inegável vantagem de isolar o conjunto das vias ruidosas que o cercam e das dificuldades de acesso e conexão com a rua, recriando os caminhos e facilitando fluxos.

A solução do térreo elevado, no entanto, propiciou solução de qualidade de natureza conectiva e espacial, principalmente com o Shopping Eldorado, criando fluxo contínuo entre este o edifício, o que certamente potencializou o número de clientes daquele centro de comércio. A ligação permitiu ainda que essa população usuária e visitante pudesse se beneficiar da oferta de serviços existente no conjunto, solucionando um dos problemas recorrentes do entorno dos edifícios corporativos de população densa, quanto à possibilidade de os usuários deixarem o ambiente de trabalho enclausurado em que passam grande parte do dia e oferecer serviços próximos.

Por outro lado, na arquitetura proposta espaços e fluxos concorrem para otimizar essa articulação shopping-torre, convivendo com um térreo impermeabilizado e em que não há nenhum atrativo, mobiliário ou equipamento, e que não estimula o uso daquele espaço como área de permanência, a despeito de suas expressivas dimensões. Nele se encontram dispersos exemplares de vegetação isolados, cuja presença e qualidade foram justificadas por serem espécimes vegetais que consomem pouca água; entretanto, o edifício produz grande parte da água utilizada e destinada a lavagem e serviços por meio de reuso, o que significa que disporia de água a baixo custo para servir a um paisagismo de outra natureza ou intensidade, no térreo.

A existência de conexão envidraçada contribui para sinalizar ao pedestre a predominância do fluxo em relação à permanência, fazendo do térreo muito mais cenário urbano do que espaço de apropriação.

Predominância do fluxo em detrimento da apropriação da área do térreo - Passarela de acesso ao Shopping Eldorado
Foto Mariana Feres dos Santos, obtida em visita técnica realizada em 16.03.2011

O edifício dispõe de noventa (90) vagas de garagem preferenciais para carros 100% a álcool ou 100% GNV (gás natural veicular), e ganhou pontos por isso (16).  Deve-se lembrar o fato de que no Brasil nem todos os carros usam álcool ou GNV como combustível, então como fazer esse controle? Essas vagas acabam servindo ao estacionamento de carros do tipo flex, que podem ser abastecidos tanto com álcool como gasolina.

O Eldorado Business Tower possui também bicicletário, com vestiário no térreo, um item programático que gerou pontos para a certificação. Impossível negar que a localização do edifício seja excepcional e que isso tenha rendido grande parte dos pontos da certificação, mas, no caso do bicicletário, em visita ao prédio na quarta-feira, dia 16 de março de 2011, foi possível observar que este disponibiliza considerável número de vagas, e nele foram encontradas apenas cinco bicicletas; ou seja, dos cinco mil usuários do prédio, pode-se concluir que 0,1% usaram bicicleta como meio de transporte.

Bicicletário do Edorado Business Tower
Foto Mariana Feres dos Santos, obtida em visita técnica realizada em 16.03.2011

A expressiva utilização de tecnologia, métodos e processos de racionalização do uso energético e de água contribuíram de maneira evidente para que o prédio pudesse alcançar o nível Platinum, afinal, esforços e investimentos para isso são observáveis, mas se omitidos os itens relacionados a esses temas e também a localização, anteriormente evidenciados, ainda seria possível atingir esse patamar de certificação? Até que ponto a certificação foi fruto de preocupação com o meio ambiente ou forma de gerar atributos para comercializar o edifício?

Em março de 2008, a CB Richard Ellis (CBRE) concluiu o processo de locação dos escritórios existentes no edifício, tendo sido esta a maior negociação do gênero já realizada no Brasil em edifícios corporativos para múltipla ocupação comercial, antes mesmo da expedição do auto de conclusão da obra. É fato que empresas multinacionais locatárias sediadas em filiais em São Paulo procuram se instalar em edifícios certificados pelos sistemas credenciados pelo Green Building Council, pelo fato de as condições favoráveis de racionalização de meios e eficiência energéticas baixarem expressivamente custos de manutenção e taxas condominiais. Também é inegável que tais sistemas consistem de fato em economia, contribuindo para a preservação de recursos naturais, empregando água de reuso cuja origem é pluvial. O sistema de frenagem de elevadores, aproveitando a energia produzida nesse processo é também um sistema inteligente cujos resultados são muito significativos, como pode ser constatado na visita técnica realizada ao caso de estudo. 

As intenções e resultados da certificação são nobres e eficientes, mas é fato que o sucesso da certificação é aproveitado para criar instrumentos para o chamado marketing ambiental. Segundo Paiva, “[...] quando a empresa passa a valorizar sua relação com o meio ambiente e a tomar medidas preventivas, sua imagem perante a opinião pública tende a apresentar conotação diferenciada. Valorizar sua preocupação com o meio ambiente tem um forte papel, entre outros, na manutenção dos clientes atuais e atração de novos consumidores” (17). Mesmo durante a crise econômica atravessada em 2008, todos os escritórios do Eldorado Business Tower permaneceram ocupados e havia procura por locação, o que se deve ao fato de que as empresas multinacionais exigem que seus escritórios se instalem em edifícios certificados.

As dúvidas lançadas sobre o processo de certificação que no Brasil está apenas começando são uma forma de refletir sobre arquitetura sustentável, quando o paradigma para defini-la envolve maior articulação entre as categorias que levam à obtenção de pontos no LEED e a arquitetura realizada, em toda a sua complexidade propositiva.

O fato é que a importância da certificação está sendo amplamente disseminada e a sociedade começa a incorporá-la como sinal de qualidade construtiva e ambiental. A credibilidade da certificação mesmo questionada se sustenta pelas características positivas que traz. O Eldorado Business Tower poderia ter sido projetado exatamente com as mesmas características arquitetônicas, mas sem nenhum tipo de preocupação com eficiência energética, economia de água, materiais usados ou o impacto causado ao meio ambiente.

Considerações finais

A princípio, o Eldorado Business Tower parece não se diferenciar das demais torres de escritórios de São Paulo e dúvidas surgem para indagar por que esse edifício, entre tantos outros similares, recebeu a certificação platina do LEED CS, a mais alta da categoria.

Uma análise mais profunda das situações e condicionantes que envolveram a concepção desse edifício leva a concluir que existiu sim preocupação prioritária com economia de água e energia durante as fases de projeto e obra, mas a questão condutora do trabalho é se estas demandas isoladas seriam suficientes para garantir o nível de certificação que o edifício recebeu e atestam uma arquitetura sustentável. Alguns dos espaços e itens programáticos que geraram pontuação para a certificação não são sequer utilizados pelos usuários, a exemplo do bicicletário. Outros fatores atendidos isoladamente parecem não definir a sustentabilidade dessa arquitetura, conceito que se enuncia como atributo que é parte da produção de arquitetura em sua complexa acepção espacial e programática.  

O LEED é uma certificação estrangeira e razoavelmente nova no Brasil. Vem ganhando cada vez mais força e notoriedade, tornando-se referência para quem quer comprovar uma legítima preocupação com o meio ambiente durante e após a construção. Muitos dos itens que contempla são preocupações justas, independendo de busca da certificação, temas que devem ser enfrentados pelos profissionais responsáveis pelo empreendimento.

Então, qual o objetivo da certificação? O objetivo é realmente construir edifícios sustentáveis ou proporcionar-lhes, a despeito de uma preocupação com o meio ambiente, um selo que comprove essa preocupação e garanta uma melhor comercialização?

Independente do objetivo final, a preocupação com a sustentabilidade existe e edifícios construídos sem qualquer atenção para com o meio ambiente são agora objeto de cuidadosa localização e decisões acuradas de projeto, escolha de materiais, consumo de energia, de água e outros itens responsáveis por significativo impacto ambiental, o que certamente contribui para aperfeiçoar seu desempenho e minimizar esse impacto.

notas

1
LOVELOCK, James. A Vingança de Gaia. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2006, p.16.

2
BRUNDTLAND apud HERNANDES, Thiago Zaldini. LEED-NEC como sistema de avaliação de sustentabilidade: uma perspectiva nacional? Tese, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007, p. 27.

3
U.S. Green Building Council. Building Impacts. Disponível em <www.usgbc.org>. Acesso em 11/09/10.

4
CIB/UNEP-IETC, Agenda 21 for Susteinable Construction in Developing Countries A Discussion Document. Pretoria, South Africa: CSIR, 2002. Disponível em <www.cidb.org.za/Documents/KC/External_Publications/ext_pubs_a21_sustainable_construction.pdf>. Acesso em 22/08/2010.

5
ENOKI Priscilla Azevedo; ADUM, Samir Hussain Nami; FEERREIRA, Mariana Zanchetta; AURELIANO, Camila Aparecida; VALDEVINO, Sheila de Lima. Estratégias de Marketing Verde na Percepção de Compra dos Consumidores na Grande São Paulo. Revista Jovens Pesquisadores, Ano V, nº8, jan/jul 2008, p. 58. Disponível em <www.mackenzie.com.br/dhtm/seer/index.php/jovenspesquisadores/article/viewFile/922/429>. Acesso em 14/11/10

6
SILVA, Vanessa Gomes da; AGOPYAN, Vahan. Avaliação de Edifícios no Brasil: Saltando de Avaliação Ambiental para Avaliação de Sustentabilidade. Boletim Técnico, Escola Politécnica da USP, Departamento de Engenharia de Construção Civil, São Paulo, 2004,  p.1.

7
SILVA & AGOPYAN, op. Cit., 2004.

8
SILVA apud CSILLAG, Diana. Análise das práticas de sustentabilidade em projetos de construção latino americanos. Tese, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

9
U.S. Green Building Council Institute, op. cit..

10
Idem anterior.

11
CTE – Centro de Tecnologia de Edificações/Gafisa. ELDORADO BUSINESS TOWER. Manual do Locatário. Diretrizes para a sustentabilidade. São Paulo, Green Building Council,  s/e, 2011.

12
MERCADO IMOBILIÁRIO – REAL STATE. Disponível em <http://jonasfederighi.wordpress.com/2009/09/03/eldorado-business-tower-e-o-primeiro-edificio-certificado-leed%C2%AE-platinum-da-america-latina-392009/>, acessado em 25 de março de 2011.

13
A visita técnica foi realizada pelas autoras e monitorada pelo Engo. Eletricista Fernando Sinicatto, responsável (C. B. Richard Ellis) pelo acompanhamento do sistema inteligente de controle dos equipamentos de fluxo e reuso de água e eficiência energética do Eldorado Business Tower.

14
ARCOWEB. Aflalo & Gasperini Arquitetos. Edifício de escritórios, São Paulo, SP. Disponível em <www.arcoweb.com.br/arquitetura/aflalo-amp-gasperini-arquitetos-edificio-de-29-05-2008.html>. Acessado em 25 de março de 2011.

15
Conforme foi comentado durante a visita técnica realizada em 16 de março de 2011.

16
CTE/Gafisa – Manual do Locatário, op. Cit.

17
PAIVA, Cida, em SCARPINELLI, Marcelo & RAGASSI, Gláucia Frutuoso. Marketing Verde: Ferramenta de Gestão Ambiental nas Empresas. Revista Científica Eletrônica de Ciências Contábeis, Ano I – Número 02 – Outubro de 2003, Garça/SP.

bibliografia complementar

BARROS, Érica Márcia Leite. Avaliação de Desempenho Ambiental de Edifícios: Uma Percepção dos Agentes da Construção Civil no Mercado do Espírito Santo. Tese, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2005.

HERTZ, John B. Ecotécnicas em Arquitetura: Como Projetar nos Trópicos. São Paulo, Pioneira: 1998

KOTLER, Philip. Administração de Marketing, 10ª edição. São Paulo, Prentice Hall: 2000.

KOTLER, Philip; KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan. Marketing 3.0: as forces que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano, 3ª reimpressão. Rio de Janeiro, Elsevier: 2010.

PAIVA, Cida; Silva, Jaime. A proposta é ser transparente - Eldorado Business Tower. Revista Finestra, 53ª edição, Junho de 2008. Disponível em  http://www.arcoweb.com.br/tecnologia/aflalo-amp-gasperini-a-proposta-18-09-2008.html. Acesso em 08/08/2010

SERAPIÃO, Fernando. Oito versões de uma torre. Revista PROJETODESIGN, Edição 338, Abril de 2008 – disponível em: http://www.arcoweb.com.br/artigos/oito-versoes-de-uma-torre-dificil-imaginar-30-05-2008.html. Acesso em 07/08/2010

SILVA, Vanessa Gomes da. Avaliação da Sustentabilidade de Edifícios de Escritórios Brasileiros: Diretrizes e Base Metodológica. Tese, Escola Politécnica da USP, São Paulo, 2003.

sobre as autoras

Mariana Feres dos Santos é Arquiteta e urbanista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Eunice Helena Sguizzardi Abascal é arquiteta e urbanista, professora da FAU Mackenzie e do PPGAU dessa Instituição.

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