1. Introdução
A Fazenda Boa Esperança é um expressivo exemplar da arquitetura rural de Minas Gerais, tanto pelas técnicas e sistemas construtivos nela empregados, como pela sua implantação e partido arquitetônico (1). A construção de sua sede data de fins do século XVIII e princípios do século XIX, sendo essa propriedade a residência do Barão de Paraopeba, um rico senhor explorador de minas (2). Localizada a seis quilômetros do município de Belo Vale e a aproximadamente oitenta e sete quilômetros de Belo Horizonte, essa propriedade rural setecentista é um conjunto arquitetônico que se constitui pela casa sede, casa de engenho e estruturas de apoio cercadas por muros de pedras que delimitam a área de jardim adjacente.
Os valores artísticos, arquitetônicos e históricos da Fazenda Boa Esperança foram reconhecidos pelo SPHAN, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em caráter voluntário, em 27 de agosto de 1959, de acordo com proposta de Sylvio de Vasconcellos, sendo que neste processo de tombamento foram elaborados pareceres favoráveis do arquiteto Lucio Costa, Salomão Vasconcelos e Carlos Drummond de Andrade (3). Com o passar dos anos, constatou-se que, apesar do tombamento em nível Federal, pouco estava sendo feito para se preservar efetivamente a integridade do bem. Assim, iniciaram-se os levantamentos para proposição do tombamento em nível estadual, de forma a ampliar a área de proteção para todo o terreno da fazenda. Porém, a efetiva proteção do Estado se daria pela aquisição da propriedade em 25 de novembro de 1974 e depois em 27 de fevereiro de 1975, por meio do Decreto no. 17.009.
Após o tombamento foram realizadas intervenções na sede e adjacências, sendo a primeira delas no ano de 1975 que previa a restauração da casa sede e o reflorestamento da área com espécies nativas da região, de modo a se criar um conjunto turístico que destacasse as principais características de uma fazenda mineira do século XVIII e que utilizasse toda a área restante para a criação de um parque zoobotânico. No ano seguinte iniciavam-se as obras de restauração que visavam a revitalização da casa sede, seguida pela reconstrução da casa de moinho, preservando suas características originais, e a substituição da cobertura do paiol por novas telhas, madeiramento e sustentações novas. Essa grande intervenção em caráter emergencial foi precedida por ações pontuais que visavam estabelecer uma função para a propriedade, além de pequenas intervenções de manutenção, sendo que apenas em 1998 foi realizada uma segunda grande intervenção.
Em 2008, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) propôs a elaboração de projeto de restauração arquitetônica e agenciamento da área externa da Fazenda Boa Esperança, após o imóvel permanecer por uma década sem uso específico. Dentre os objetivos do projeto, salientados no termo de referência da licitação (4), destacam-se a valorização histórica e arquitetônica do conjunto edificado, a coleta de dados para o desenvolvimento de projetos específicos para uso e ocupação da área da fazenda e o estudo de viabilidade e alternativas tecnológicas para a restauração do bem cultural. No presente estudo a análise se restringirá ao projeto proposto para a casa de engenho por ser ela o foco da primeira etapa da restauração arquitetônica.
2. A Casa de Engenho
A casa de engenho é uma edificação de partido arquitetônico retangular e volumetria simples, que antigamente abrigava um engenho movimentado por água sendo seus espaços usados como paiol. A edificação é constituída por paredes estruturais de alvenaria de pedra de junta seca tipo cangicado e uma cobertura com engradamento constituído por uma seqüência de quatro tesouras de seções e distanciamento de padrão comercial, que não condizem com os vãos a serem vencidos e com os esforços da estrutura. Os beirais são simples, em caibros corridos arrematados em tábua de beiral. Na restauração desta cobertura pelo IEPHA/MG, na década de 1970, não foi mantida qualquer referência do telhado original, nem a largura dos beirais, galbo de contrafeito, inclinação das águas, seção e distanciamento das peças, distribuição de cargas, tesouras e telhas. É provável que nem mesmo a madeira remanescente da antiga estrutura tenha sido reaproveitada. Sendo assim, o telhado hoje existente não faz referência ao original.
A partir de um diagnóstico realizado em março de 2009, foram definidas diretrizes para uma proposta de intervenção na casa de engenho da Fazenda Boa Esperança. Durante o mapeamento de danos da edificação constatou-se que as paredes de alvenaria de pedra se encontravam estruturalmente estáveis e apresentavam perdas de 30% a 50% do embrechamento causadas pelo próprio desgaste natural dos materiais submetidos à ação direta das intempéries. Já a cobertura da Casa de Engenho, que foi restaurada na década de 1970 para proteger a estrutura das paredes de pedra expostas às intempéries devido ao desmoronamento da cobertura original, apresentava problemas de ordem estrutural em todo o engradamento (5).
Segundo o mapeamento de lesões, as peças estruturais do telhado como as tesouras, cumeeira, terças, espigões e linha apresentavam uma perda estimada de 50% das seções decorrente do ataque generalizado de insetos xilófagos (6). Outro fator que contribuiu para que a estabilidade da estrutura fosse comprometida foi o dimensionamento incorreto das peças estruturais da cobertura e a sua posterior deformação causado pelo excesso de carga, já que seções e distanciamentos de padrão comercial não condizem com o vão a ser vencido. Houve assim a necessidade de escoramento com toras de eucalipto, que hoje também estão deterioradas pela ação e proliferação dos insetos xilófagos.
A proposta de intervenção na Casa de Engenho almejou o funcionamento e a redução dos esforços de manutenção ao longo dos anos. Além disso, os conceitos de restauração da integração, autenticidade, reversibilidade e qualificação foram premissas dessa nova intervenção (7). Esses critérios condizem com o termo de referência da obra que determinava que a cobertura existente deveria ser descartada para construção de uma nova estrutura que seguisse o padrão dos sistemas construtivos da casa sede, mesmo que este já tenha sofrido modificações ao longo dos anos. Assim “a disposição e os elementos do engradamento, as tesouras de linha alta, a inclinação das águas, a seção das peças, o acabamento dos beirais em cachorro corrido, os galbos de contrafeito e o uso de telhas cerâmicas curvas” (8) são as referências do antigo telhado, encontradas no projeto. Da atual cobertura da casa de engenho foram usadas como referência a mesma quantidade e disposição de tesouras e a locação dos principais apoios dos frechais ao longo dos vãos.
No que se refere ao material da cobertura, o próprio termo de referência do projeto limitou a escolha para recomposição da estrutura, determinando que esta deveria ser composta por madeira laminada colada (MLC). A MLC é um produto formado da colagem de tábuas de madeira unidas longitudinalmente e depois coladas umas sobre as outras, cuja tecnologia foi desenvolvida e patenteada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Segundo técnico do IEPHA/MG, Maurílio de Freitas Fonseca, responsável pela elaboração do termo, esta escolha teve como base a inovação tecnológica e a sustentabilidade do uso deste material. Deste modo, a restauração da Casa de Engenho da Fazenda Boa Esperança seria uma experiência piloto no emprego deste tipo de material em obras de restauração.
Voltando ao objeto do presente estudo, a intervenção na cobertura da Casa de Engenho, o artigo tem como objetivo comparar qualitativamente materiais que poderiam ser adotados como solução técnica da intervenção, suas possíveis implicações na abordagem da sustentabilidade e nos critérios de restauração.
3. Metodologia
O método comparativo foi o empregado neste estudo. Estabeleceram-se critérios de ordem técnica, econômica, ambiental e de restauração para definir os materiais passíveis de uso no caso de um bem tombado e considerado, portanto, patrimônio cultural. O conceito de sustentabilidade utilizado baseia-se na definição do Relatório Bruntland. Além desta conceituação, também foi tomado como critérios de base àqueles estabelecidos pelo Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (9), pelo Manual de Obras Públicas Sustentáveis do Estado de Minas Gerais (10) e por Edwards e Hyett (2004) (11). No caso das diretrizes de intervenção em bem tombado tomou-se como princípio a Teoria do Restauro de Cesare Brandi (12).
4. Critérios de análise para escolha dos materiais
4.1. Critérios de sustentabilidade
Os materiais utilizados na construção civil têm um grande impacto no meio ambiente, causado por sua extração, processamento, transporte, uso e destinação final. O Governo do Estado de Minas Gerais, através do Manual de Obras Públicas Sustentáveis (13), dispõe que a seleção de materiais ambientalmente corretos pode minimizar os impactos durante o processo de obras além de contribuir para um consumo mais consciente de matérias-primas.
A madeira como material de construção apresenta inúmeras possibilidades estruturais, que foram amplamente utilizadas na tradição vernácula. Atualmente esse material vem ganhando mercado, pois é considerado sustentável e auto-renovável. Assim, o CBCS (14), propõe que o uso da madeira ocorra em aplicações duráveis, especialmente em componentes industrializados e que o uso destas em aplicações como formas e escoramentos sejam evitados. A postura do Estado de Minas Gerais vai de encontro com essas diretrizes quando exige de suas contratadas que estas utilizem materiais provenientes de empresas licenciadas e, no caso da madeira, exige que esta seja certificada, comprovando-se a origem de acordo com a legislação.
O transporte de materiais de sua origem até o local da obra também é um ponto importante na análise da sustentabilidade, já que fabricantes próximos a obra exigem menos deslocamentos, gerando assim, uma economia de energia e redução no impacto ambiental. Edwards e Hyett (2004) (15) sugerem que os materiais utilizados sejam produzidos in loco ou dentro de um raio razoável de 10 km. Essa distância pode ser compatível com um país de pequenas dimensões, como a Espanha, contudo pode não se aplicar à realidade brasileira. Já no Manual do Estado de Minas Gerais, a distância máxima permitida até a obra seria de 500 km, contudo o documento não aponta justificativas e fundamentações para estipular este valor.
A priorização do uso de materiais locais é fator condicionante na busca da sustentabilidade em sua vertente social, a qual pretende promover a inclusão dos cidadãos nos processos de desenvolvimento da sociedade. O emprego de tais materiais permite ainda o uso de técnicas construtivas vernáculas que não exigem mão-de-obra especializada e assim as próprias pessoas da comunidade em que o imóvel está inserido podem participar do processo construtivo. Tanto na literatura como nos Manuais do Estado e do CBCS, essa diretriz está presente, o que ajudaria a manter vivas as técnicas de construção locais e daria emprego às pessoas da comunidade.
A escolha dos materiais deve ser baseada nos critérios de durabilidade e vida útil, além do consumo desse material ao longo do ciclo de vida da edificação. Também se faz necessário a verificação o tipo e o período de manutenção que o respectivo material exige, pois no caso de obras públicas essas necessidades dependem de processos licitatórios que podem ser morosos e burocráticos.
É importante que se faça uma avaliação de como os materiais se comportarão no futuro, durante sua fase útil e após sua disposição final. Segundo Edwards e Hyett (2004) os recursos empregados na fabricação de materiais de construção podem ser recuperados e convertidos em produtos aproveitáveis no final do ciclo de vida do edifício. A reutilização dos elementos construtivos, ou seja, a sua destinação a novos usos sem submeter a nenhum processo importante de transformação, representa uma forma de economia de energia. (16)
Enfim, é importante que todos os impactos e custos de um produto durante seu ciclo de vida – produção, distribuição, uso e disposição final – sejam levados em conta durante a elaboração de um projeto arquitetônico. “Os materiais ambientalmente, socialmente e economicamente mais vantajosos devem ser determinados com base nos custos econômicos, sociais e ambientais totais causados pelo produto durante todo seu ciclo de vida” (17).
4.2 Critérios de restauração
Para a comparação dos materiais a partir dos critérios de restauração utilizou-se a Teoria desenvolvida pelo italiano Cesare Brandi e atualmente seus fundamentos embasam o desenvolvimento dos projetos de restauração elaborados no IEPHA/MG.
Segundo este autor, para se tomar uma decisão de intervenção frente a um objeto, deve-se partir do princípio de seu reconhecimento ou não como obra de arte. O equilíbrio das instâncias estética (a artisticidade pela qual a obra de arte é obra de arte) e histórica (produto humano realizado em certo tempo e lugar e que em certo tempo e lugar se encontra) – dialética do restauro – configura-se no momento metodológico do reconhecimento da obra de arte como tal (18).
Restaura-se somente a matéria da obra de arte, matéria esta que é a responsável pela transmissão da imagem ao longo dos anos. Brandi (2003) (19) acredita que o restauro, como operação legítima, não deve supor nem a reversibilidade do tempo nem a abolição da história, utilizando-se de artifícios como datação histórica: diferença das zonas integradas, respeito à pátina (sedimentar-se do tempo sobre a obra), conservação de amostras de estado precedente ao restauro e partes de épocas diferentes (passagem da obra no tempo) que deve ser avaliado caso a caso.
Seguindo os princípios brandianos: a integração deverá ser facilmente reconhecível, mas sem romper a unidade que se tende a reconstruir; deverá ser invisível à distância e imediatamente reconhecível a uma visão aproximada; a matéria de que resulta a imagem é insubstituível somente onde colabore diretamente à figuratividade da imagem (aspecto), dando maior liberdade de ação aos suportes, estruturas portantes, etc; a intervenção de restauro deve facilitar as intervenções futuras.
Esse último princípio já internaliza a reversibilidade das intervenções, que é justificável, uma vez que as teorias e pensamentos se transformam ao longo dos anos, deixando assim, a possibilidade de intervenção para as gerações futuras.
5. Escolhas e comparações entre os materiais
5.1. Critérios de sustentabilidade
Com base na literatura e nos manuais de obras públicas sustentáveis do Estado de Minas Gerais e do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, foi possível elencar os parâmetros de análise para a escolha dos materiais da cobertura da Casa de Engenho da Fazenda Boa Esperança dentro da lógica sustentável.
Sob o aspecto técnico e diante das opções de materiais disponíveis no mercado, os grandes vãos a serem vencidos e os padrões da cobertura do edifício sede da fazenda limitaram a escolha dos materiais ao rol das estruturas metálicas, estruturas de concreto, madeira de seção comercial, pau roliço e a madeira laminada colada. Porém os dois primeiros são excluídos das alternativas de projeto devido às premissas conceituais adotadas no projeto de restauração e que são referendadas em Brandi. Já a madeira de seção comercial poderia ser uma solução de projeto, porém seriam necessárias várias adaptações que não contemplariam as exigências quanto a referências da estrutura do telhado da sede. Assim essa análise se direciona apenas a madeira laminada colada e ao pau roliço.
A comparação apresentada restringiu-se a uma abordagem qualitativa, pois a falta de instrumentos e de uma base de dados que se refira as propriedades dos materiais brasileiros compromete uma análise quantitativa, já que as vantagens e desvantagens inerentes aos materiais tais como resistência, durabilidade, resistência ao fogo e ao ataque de agentes químicos e biológicos não puderam ser analisados.
Dentre os critérios analisados foram elencados os seguintes aspectos, a fim de comparar as vertentes sociais e econômicas da sustentabilidade no emprego destes dois tipos de material (Figura 1).
- Disponibilidade de fornecedor;
- Localização do fornecedor;
- Mão de obra;
- Custo (material posto em obra e mão-de-obra);
- Tempo de execução para cada 300m²;
- Seção das peças de acordo com o vão a ser vencido (11 m);
- Reutilização de peças ou componentes para novos usos sem que o material passe por um processo de transformação;
- Consumo desse material ao longo da vida útil da edificação;
- Manutenção da estrutura;
- Custo de manutenção.
Cabe salientar que do ponto de vista ambiental, ambas as análises consideraram a madeira certificada proveniente de floresta plantada, e por esse motivo, o aspecto ambiental torna-se de igual valor do ponto de vista da extração de matéria-prima.
5.2. Critérios de restauração
O pau roliço e a madeira laminada colada quando comparados a luz da Teoria da restauração de Cesare Brandi, mais especificamente aos critérios definidos por este e que se perfazem na autenticidade da restauração, aplicação de técnicas construtivas tradicionais e reversibilidade, revelam que a madeira laminada colada (MLC) seria o material mais adequado à proposta, mas com alguns inconvenientes.
Ambos os materiais, uma vez incluída na obra, são facilmente reconhecível, mas somente a MLC não romperia com a unidade que se pretende reconstruir, uma vez que a estrutura do telhado é aparente e a MLC possui seções quadrangulares, que se relacionam melhor com a edificação, considerando que em se tratando de arquitetura colonial, o usual eram madeiras de seção quadradas de um palmo, aproximadamente. Além disso, sua aparência permite a identificação do tipo de material utilizado, podendo, a posteriori, a identificação e datação da intervenção, sem causar um falso histórico.
Em relação à utilização de técnicas tradicionais, ambos os materiais poderiam servir a esse propósito tecnicamente, mas com inconvenientes estéticos, que fazem com que o uso da MLC seja mais pertinente. O pau roliço, mesmo podendo receber os recortes tradicionais utilizados no período colonial, prejudicaria a harmonia estética da edificação, uma vez que, como já explicitado anteriormente, em se tratando de arquitetura colonial, o usual era a utilização da madeira de seção quadrada. Já a MLC, devido a seu processo de fabricação impossibilita tais recortes, necessitando de mão-de-obra especializada, mas mantendo a seção quadrangular, não comprometendo a harmonia estética da estrutura.
Quanto à reversibilidade, as peças de pau roliço e de MLC podem ser substituídos sem causar maiores danos à estrutura tradicional, não comprometendo sua integridade física e estética. Isso poderia ser facilmente realizado também por outros materiais, mas como no presente trabalho a proposta é avaliar esses dois materiais, conclui-se que o uso da MLC é o mais adequado para a intervenção proposta para esta edificação no que tange os princípios da teoria do restauro.
6. Análise e discussão
A madeira laminada colada de eucalipto foi desenvolvida e patenteada pela UFMG há alguns anos, com isso, o número de fornecedores ainda é muito restrito. O pau roliço, por sua vez, é amplamente utilizado e pode ser encontrado com maior facilidade no mercado. Quanto à localização dos fornecedores dos materiais para o caso analisado, a MLC tem apenas um representante na região metropolitana de Belo Horizonte, por ser uma tecnologia nova, que emprega técnicas, equipamentos e dispositivos próprios para a sua produção. Diferente do caso do pau roliço que pode apresentar fornecedores próximos ao município de Belo Vale, ou seja, mais próximo do local de uso do material.
A mão-de-obra necessária a montagem das estruturas do telhado, no caso da MLC, deve ser especializada e treinada pelo próprio fornecedor. Já o pau roliço utiliza-se de mão-de-obra local, que pode ser treinada in loco, caso seja necessário. Por ser esse um material de ampla utilização e uma solução construtiva relativamente primitiva, é possível que as próprias pessoas da comunidade possam trabalhar na execução da cobertura, sendo esse um ponto fundamental para a sustentabilidade em seu aspecto social.
Quanto ao preço final dos materiais, devido ao processo produtivo da MLC e da mão-de-obra empregada, o custo final do metro quadrado instalado é cerca de 30% maior que o do pau-roliço.
Os vãos a serem vencidos na cobertura da Casa de Engenho são da ordem de 11 metros, por isso, estruturas em concreto armado e metálica seriam indicadas tecnicamente, porém considerando que a estrutura do telhado é aparente, a mudança do tipo de material utilizado comprometeria a integridade estética da edificação. Segundo Cesare Brandi (20), uma vez não conseguido o equilíbrio entre as instâncias históricas e estéticas, esta última deve prevalecer sobre a primeira. Outra solução seria o uso da madeira com dimensões comerciais, porém essa exigiria a inserção de pilares e consequentemente uma alteração da ambiência interna, além da mudança da seção das peças e espaçamentos, o que contraria a premissa de se manter elementos da cobertura da casa sede (21).
Na comparação entre o dimensionamento da seção para vencer o vão da cobertura, em pau roliço e em MLC, constatou-se que são necessários 50 cm de diâmetro para o primeiro e para o segundo uma peça de 20x30cm seria suficiente de acordo com o projeto estrutural. Dimensões como essa do pau roliço tornam-se inexequíveis tanto pela problemática de se encontrar no mercado, tanto pela dificuldade para o transporte tais peças. Consequentemente, o consumo de madeira ao longo da vida útil da edificação também é maior para o caso do pau roliço, já que a madeira laminada colada apresenta elevada resistência mecânica e vence grandes vãos com seções reduzidas.
As lâminas utilizadas na MLC passam por processos de secagem em condições controladas de temperatura e umidade relativa do ar para reduzir os defeitos causados pela retração da madeira. Assim, esse material apresenta melhores condições de tratamento, o que gera exigências menores quanto à manutenção. Porém, quando tal manutenção se faz necessária, o seu custo é superior ao do pau roliço, pois depende de mão de obra e técnicas especializadas e de disponibilidade de peças no mercado.
No caso da reutilização de peças ou componentes para novos usos sem que o material passe por um processo de transformação, o pau roliço apresenta maiores vantagens, pois este pode ser reutilizado para algumas situações, ao contrário da MLC que, por apresentar cola em sua composição, limita o seu reuso apenas a condições muito similares a inicial.
7. Considerações finais
Não existem materiais sustentáveis, mas sim a sua correta aplicação e seleção dos fornecedores (22). O importante na seleção de materiais é mensurar corretamente seus custos e benefícios e, a partir disso, avaliar quais sistemas construtivos são mais coerentes com os critérios de sustentabilidade, pela gestão de materiais.
A sustentabilidade não pode ser atingida em sua totalidade, pois sempre em uma análise detalhada, serão percebidos pontos contraditórios, já que esse conceito contempla as vertentes social, econômica e ambiental. No que se refere à questão ambiental, ambos os materiais analisados são certificados e proveniente de floresta plantada. Por esse motivo, o aspecto ambiental torna-se de igual valor do ponto de vista da extração de matéria-prima, para esta análise. Assim foi possível, constatar que dentro dos aspectos social e econômico, o uso do pau roliço apresenta vantagens em relação ao uso da madeira laminada colada. Os benefícios sociais que poderiam ser atingidos são o desenvolvimento da economia local através da geração de emprego e renda e a integração com a comunidade. Os benefícios econômicos estão pautados na redução dos custos de construção, uso, operação e manutenção das edificações.
Entretanto, o uso do pau roliço não é uma opção tecnológica que poderia ser utilizada nesse caso, já que as dimensões necessárias para vencer os vãos da cobertura da Casa de Engenho não seriam facilmente encontradas no mercado. Por esse motivo o termo de referência direcionou para uma solução de projeto que excluísse a possibilidade de aplicação de outros materiais que não a madeira laminada colada. O fato de que o uso da MLC será um trabalho pioneiro envolvendo o princípio da sustentabilidade e modelo para outras aplicações, também foi fator fundamental para a escolha desse material, já que este apresenta bom desempenho e poderia ser empregado em projetos futuros do IEPHA/MG.
Apesar da pioneira e válida preocupação do IEPHA/MG de inserir o conceito da sustentabilidade em suas ações de conservação do patrimônio, estas precisam ser revistas de modo que sejam feitas análises técnicas, econômicas e sociais de todas as propostas que visam à sustentabilidade, já que este é um tema de alta complexidade e que precisa ser melhor estudado, principalmente no âmbito da construção civil.
A noção de construção sustentável deve estar presente desde a concepção até sua requalificação, desconstrução ou demolição, sendo necessário um detalhamento dos aspectos positivos e negativos de cada fase, demonstrando os impactos sociais, econômicos e ambientais e como estes itens devem ser trabalhados na tentativa de se obter uma construção sustentável.
As normas do Governo do Estado de Minas Gerais e do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, por terem um conteúdo genérico e pouco técnico, contribuem para que os órgãos de preservação e conservação do patrimônio não tenham meios de exigir um comportamento sustentável na construção civil. O próprio poder público poderia contribuir para a inserção desse novo comportamento em suas obras, incorporando as suas normas as diretrizes de sustentabilidade.
notas
1
MENEZES, Ivo Porto de. Vãos na arquitetura tradicional mineira. 2. ed. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 1964. 176p.
2
MELLO, Suzy de. Barroco mineiro. São Paulo: Brasiliense, 1985. 287p.
3
ARO ARQUITETOS ASSOCIADOS LTDA. Fazenda Boa Esperança: Projeto de restauração arquitetônica, projetos de infra-estrutura predial e agenciamento da área externa. Belo Horizonte, 2009, 10 vol.
4
INSTITUTO ESTADUAL DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MINAS GERAIS – IEPHA/MG. Termo de Referência da Fazenda Boa Esperança, Belo Vale: elaboração de projeto de restauração arquitetônica, projeto de estrutura, projetos de infra-estrutura predial e agenciamento da área externa. Belo Horizonte: IEPHA/MG, out. 2008.
5
Idem. Ibidem.
6
Idem. Ibidem.
7
Idem. Ibidem.
8
Idem. Ibidem.
9
CONSELHO BRASILEIRO DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL - CBCS. Materiais, componentes e a construção sustentável. São Paulo, 2009a. 5 p.
CONSELHO BRASILEIRO DE CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL - CBCS. Uso sustentável da madeira na construção civil. São Paulo, 2009b. 5 p.
10
MINAS GERAIS. Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Manual de obras públicas sustentáveis. Belo Horizonte: SEMAD, 2008. 6 p.
11
EDWARDS, Brian; HYETT, Paul. Guía básica de la sostenibilidad. Barcelona: G. Gili, 2004. 121p.
12
BRANDI, Cesare. Teoria do Restauro; trad. Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
13
MINAS GERAIS, 2008. Op. Cit.
14
CBCS, 2009b. Op. Cit.
15
EDWARDS; HYETT, Op. Cit..
16
CÂMARA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO. Guia de sustentabilidade na construção. Belo Horizonte: FIEMG, 2008. 60 p.
17
CÂMARA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, Op. Cit., p. 34.
18
BRANDI, Op. Cit.
19
Idem. Ibidem.
20
Idem. Ibidem.
21
IEPHA/MG, Op. Cit.
22
CÂMARA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO, Op. Cit.
sobre os autores
Juliana Prestes Ribeiro de Faria é Engenheira civil, mestre em ambiente construído e patrimônio sustentável, analista de gestão, proteção e restauro do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Daniele Gomes Ferreira é Arquiteta, mestre em ambiente construído e patrimônio sustentável, analista de gestão, proteção e restauro do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.
Laura Beatriz Lage é Arquiteta, mestre em ambiente construído e patrimônio sustentável, professora do Centro Universitário UNA.
Patrícia Cristina Rodrigues é Engenheira civil.