Your browser is out-of-date.

In order to have a more interesting navigation, we suggest upgrading your browser, clicking in one of the following links.
All browsers are free and easy to install.

 
  • in vitruvius
    • in magazines
    • in journal
  • \/
  •  

research

magazines

architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo contém um estudo sobre as vilas de funcionários e de professores no campus da Universidade Federal de Viçosa-MG, mediante seu reconhecimento como exemplos da difusão da ideologia do habitar moderno no início do século XX no Brasil

english
This paper contains a study of the worker housing on the campus of “Universidade Federal de Viçosa-MG”, by its recognition as examples of the spread of the ideology of modern dwelling in the early twentieth century in Brazil

español
Este trabajo presenta una investigación sobre las viviendas de trabajadores en el campus de la Universidad Federal de Viçosa-MG, mediante su reconocimiento como ejemplos de la propagación de la ideología de la vivienda moderna en el siglo XX en Brasil


how to quote

CARVALHO, Aline Werneck Barbosa de; FERREIRA, Tatiana Sell. Difusão da ideologia do habitar moderno no interior de Minas Gerais. Estudo de caso das moradias funcionais no Campus da Universidade Federal de Viçosa. Arquitextos, São Paulo, ano 12, n. 144.07, Vitruvius, maio 2012 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/12.144/4347>.

Conjunto de residências na Vila Sete Casas, 2010
Foto Tatiana Sell Ferreira


1. Introdução

Este artigo tem como objeto de estudo as vilas construídas no campus da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Viçosa-MG, nas primeiras décadas de sua implantação, compreendendo sete conjuntos residenciais de diferentes características e importância: Vila Sete Casas, Vila Dona Chiquinha, Vila Secundino, Vila Araújo, Vila Chaves, Vila Matoso e Vila Giannetti. Os primeiros núcleos de moradias foram construídos a partir da década de 1920, com o objetivo de abrigar operários que trabalharam na construção dos edifícios do campus e, em 1948, teve início a construção da Vila Giannetti, com a finalidade de abrigar os professores vindos dos Estados Unidos em decorrência de um convênio firmado com a Universidade de Purdue.

Embora exista literatura referente à história institucional da UFV(1), faltam publicações sobre a arquitetura e o traçado urbanístico do Campus(2), que possui belos exemplares de arquitetura eclética e modernista, esta última expressa em vários edifícios construídos a partir dos anos 1930, já como reflexo dos ideais de modernidade e da difusão de uma linguagem moderna para as cidades do interior.

No que diz respeito à arquitetura residencial, as referências são ainda mais escassas. Há alguns registros iconográficos de antigas residências destinadas a moradia de diretores e professores, mas não há documentação sobre as moradias construídas para abrigar os trabalhadores responsáveis pela construção do campus. Mesmo a vila de professores, construída no final da década de 1940 como um conjunto residencial de maiores proporções, não está suficientemente documentada do ponto de vista arquitetônico e urbanístico.

Com a expansão física decorrente do crescimento acadêmico da instituição, esses núcleos estão ameaçados de demolição para dar lugar à construção de novos edifícios educacionais e administrativos. Este quadro motivou o desenvolvimento de uma pesquisa de iniciação científica cujo objetivo consistiu em registrar o patrimônio arquitetônico e a história destes conjuntos residenciais, cujos resultados estão sintetizados neste artigo.

O trabalho apóia-se em pesquisa documental e iconográfica realizada no Arquivo Histórico, no Museu Histórico e na Pró-Reitoria de Administração da UFV, complementada por pesquisa de campo, realizada a partir de levantamento fotográfico e arquitetônico das residências implantadas nas vilas. A pesquisa de campo foi realizada entre março e dezembro de 2009, correspondendo, portanto, às condições de conservação e ocupação das residências no período considerado.

2. As vilas como modelos ideais de moradia para o trabalhador

A construção de vilas teve sua origem na Inglaterra, em decorrência da necessidade de construção de moradias a partir da Revolução Industrial, quando por iniciativa de industriais e de particulares foram implantados os cottage systems, com a finalidade de abrigar os trabalhadores, fixando-os próximos aos seus locais de trabalho (3).

No Brasil, a construção de vilas nas cidades está intimamente ligada ao processo de urbanização e de industrialização, constituindo parte da etapa de formação do operariado. Bonduki relaciona a construção das primeiras vilas operárias ao surto de urbanização de São Paulo, a partir do final da década de 1890, quando o desenvolvimento da produção industrial criou um novo mercado de trabalho, de produção e de consumo que exigia a construção de moradias de baixo custo na capital paulista (4).

Nesse período, a casa de aluguel tornou-se a principal forma de moradia dos habitantes das cidades, inclusive da classe média. Segundo Bonduki, na Primeira República existiam inúmeros investidores interessados em aplicar seus capitais na produção de moradias de aluguel (5). Assim, as primeiras experiências de produção habitacional para aluguel foram realizadas pela iniciativa privada, no início do século XX Num primeiro momento, as alternativas apresentadas à população migrante e aos trabalhadores que acorriam às grandes cidades foram os cortiços. Posteriormente, a necessidade de medidas por parte do Estado no sentido de solucionar os problemas de saúde pública decorrentes das más condições de higiene dos cortiços, levou à criação de investimentos fiscais e vantagens para soluções habitacionais salubres, como as vilas (6), consideradas modelos de habitação econômica digna para o trabalhador. Mais tarde, a partir da década de 1930 até a política habitacional implementada pelo BNH, surgiram tipologias destinadas a locação pelo Estado, construídas pelos IAPs, marcando uma fase bem sucedida da arquitetura e do urbanismo no Brasil (7).

A produção de casas para locação propiciou o surgimento das vilas destinadas à classe trabalhadora, sob a forma de pequenas moradias unifamiliares construídasem série. Referindo-seàs vilas operáriasem São Paulo, Blay as define como conjuntos de casas construídas no interior de um terreno, com uma entrada que faz a comunicação entre a via pública e a via interna para onde as casas se voltam (8). Entretanto, o significado da expressão “vila operária”, utilizada originalmente no Brasil para nomear um grupo de moradias destinadas a operários de um mesmo empreendimento fabril, foi se ampliando passando a designar grupos de casas modestas semelhantes produzidas por outros agentes. Segundo Correia:

Sob a denominação “vila operária” eram reunidas no país, até os anos trinta, as experiências mais diversas: conjuntos construídos por empresas imobiliárias para aluguel ou venda a proletários urbanos, por empresas ferroviárias para seus funcionários, por indústrias, minas, frigoríficos e usinas para seus operários, técnicos e administradores, e pelo Estado.(9)

No processo de modernização que marcou o início do século XX no Brasil, a moradia deveria apresentar uma série de melhoramentos de ordem higiênica, espacial e construtiva (10). Este novo padrão de moradia seguia as mesmas diretrizes do modelo europeu de casas para trabalhadores, difundido a partir das exposições mundiais de 1851 em Londres e de 1867, 1889 e 1900em Paris. Tratava-sede construir casas salubres, baratas, sólidas e cômodas, capazes de promover a desaglomeração, os valores morais e o bem-estar dos seus habitantes. A concepção do espaço interno da casa também se modificou, tornando-se funcional e especializado, pela definição de lugares próprios para diferentes atividades, como estar, repouso e serviços. (11).

As vilas operárias eram destinadas aos trabalhadores ligados à empresa e muitas delas constituíam conjuntos significativos, dotados de escolas, igrejas, enfermarias, clubes e até instalações comerciais. Um dos motivos que justificavam sua construção era abrigar o pessoal da manutenção próximo ao local de trabalho, mas a maioria delas foi edificada por ser um investimento seguro. As vilas de empresas apresentavam, em geral, menores tarifas de aluguel, pois o salário do trabalhador era negociado em função da necessidade ou não de moradia, e o aluguel sempre era pago, já que seu desconto era feito na folha de pagamento do operário. Nesses casos, as casas passavam a se configurar em elemento mediador das negociações salariais. Com a superposição dos papéis de capitalista e proprietário, os donos das indústrias exerciam um duplo mecanismo de dominação sobre o inquilino-operário, que se via forçado a se submeter a exigências, normas e condições por eles impostas. Assim, as vilas das empresas objetivavam também difundir padrões de comportamento adequados, na ótica capitalista do desempenho do trabalho livre (12). Porém, apesar de serem incentivadas pelo poder público e pelos higienistas, apenas uma pequena parcela dos operários teve acesso a essas moradias. (13)

Além da vila operária, surgiu também na mesma época uma modalidade produzida por investidores privados para o mercado de locação - a chamada vila particular. Nessas vilas, o máximo aproveitamento dos terrenos, muitas vezes no centro do quarteirão, e a racionalização dos projetos tendo em vista a economia de materiais – com o uso de paredes comuns, áreas livres mínimas e ausência de recuos – faziam com que os investimentos fossem extremamente rentáveis em relação ao capital investido, que se beneficiava também de isenções fiscais.

Outra forma de provisão habitacional para aluguel, porém sem fins lucrativos, são as moradias funcionais produzidas por vários órgãos e empresas estatais, como a RFFSA, a ECT, a PETROBRAS, dentre outras, devido às necessidades de suas operações em áreas de fronteira e do interior (14).

Nessa modalidade inserem-se as moradias construídas no campus da UFV, para atender aos seus funcionários. Assim como as vilas operárias, essas moradias funcionais destinam-se a uma população de renda média e constituem importante benefício para os seus locatários, dados os baixos valores dos aluguéis praticados, a segurança que propiciam aos seus moradores e a conservação e manutenção da moradia pela universidade.

Até a criação da Fundação da Casa Popular e das primeiras proposições de aquisição da casa própria, as vilas constituíram o modelo ideal de moradia. Ao contrário dos cortiços, este modelo atendia aos ideais higienistas, pelas suas características de moradia unifamiliar, dotada de instalações sanitárias, cozinha e áreas de serviços próprias, boa qualidade construtiva, distribuição funcional dos aposentos e condições adequadas de iluminação e de ventilação natural.

Este modelo disseminou-se pelo país, alcançando também os núcleos urbanos interiorizados.

3. As Vilas no Campus da UFV em Viçosa (15)

As referências sobre as vilas no campus da Universidade Federal de Viçosa são escassas. Com exceção do Relatório de Construção da ESAV (16) elaborado pelo Engenheiro João Carlos Bello Lisboa, em 1929, e organizado por Borges e Sabioni, em 2004, e de alguns documentos sobre a Vila Giannetti, não foram encontradas outras informações sobre a construção das vilas.

O Plano Geral do Estabelecimento, elaborado em 1921, previa a construção de algumas moradias, tendo sido ordenada, já naquela época, a construção de dez casas para operários, conforme consta do relatório do Engenheiro Bello Lisboa, responsável pela implantação das primeiras obras do Campus:

Houve, a principio, reducção no numero de edificios a se construirem, tendo sido ordenado o prosseguimento da construcção da residencia do Director, do edificio principal e dos vinte abrigos ruraes. Concluidos estes, houve autorização para construcção de dez casas para operarios, das vinte pedidas. (17)

Ainda nesse relatório consta que as dez casas de operários foram construídas em dois grupos: um de sete e outro de três, obedecendo todas à mesma planta, assim descrita:

Esta méde 8,00 x 6,00, excluídas a coberta e w.c., e tem a seguinte divisão: varanda (3,0 x 2,50), sala (3,0 x 3,0), dois quartos (4,0 x 2,5) e (3,50 x 2,50) e cozinha  (3,0 x 2,0), dispondo esta de um fogão de alvenaria, com chapas de três furos. Em seguida à porta externa da cozinha se acha uma coberta ou telheiro, medindo 2,0 x 3,0 mts. em um dos extremos da qual fica construida a dependencia para chuveiro e w.c., aproveitando-se para tal uma parede da casa. O piso dos quartos é assoalhado, sendo um dos demais commodos formado por terra comprimida e areia (18).

As outras vilas foram construídas nas duas décadas subsequentes, obedecendo a desenhos de plantas e tipologias arquitetônicas semelhantes, com exceção da Vila Giannetti, que possui características bastante diferenciadas das demais.

Conjunto das primeiras residências de operários [BORGES; SABIONI, 2004, p. 29]

Não existe no campus uma área destinada especificamente às moradias funcionais. Ao contrário, as sete vilas localizam-se dispersas pelo seu território, embora se situem na área mais adensada do Campus, ocupada pelos edifícios educacionais e administrativos, com exceção da Vila Chaves.

Localização das vilas no Campus da UFV, Viçosa

A maioria dos usuários do campus desconhece a existência de todos estes núcleos residenciais, provavelmente porque constituem conjuntos de pequena proporção e de arquitetura pouco representativa ou, ainda, por terem perdido sua função residencial, como ocorre com a Vila Giannetti e com a Vila Matoso.  

3.1. As Vilas de Funcionários

Criadas para abrigar operários que trabalharam na construção dos primeiros edifícios do campus, essas vilas ainda mantêm sua função residencial, funcionando como moradia de funcionários responsáveis pela manutenção das áreas de campo e pelo cuidado com os animais, excetuando-se a Vila Matoso, cujas residências foram adaptadas para abrigar órgãos administrativos.

O uso dos imóveis residenciais nos campi da UFV é regido pela Resolução no 03/93 do CONDIR (19), que vincula a ocupação das casas aos funcionários que estão na ativa, devendo, portanto ser desocupadas pelos funcionários aposentados ou que perderam o vínculo funcional com a Universidade.

Esses imóveis constituem-se como pequenos conjuntos de casas isoladas, construídas uma ao lado da outra, sem obedecer ao rígido sistema de implantação das casas de vilas urbanas, organizadas em torno de uma via interna que adentra o quarteirão, tal como definido por Blay (20). Apenas nas vilas Chaves e Secundino as casas se dispõem de ambos os lados de uma via, e só na primeira delas encontra-se a tipologia de casas geminadas. Nos demais casos, os grupos de residências organizam-se de um único lado da via de acesso.

A Vila Sete Casas, como o próprio nome indica, possui sete moradias. Supõe-se, pelos documentos iconográficos, que este tenha sido o primeiro conjunto de casas destinadas aos operários da construção civil no campus. Localiza-se numa área bastante central em relação aos principais edifícios educacionais e administrativos e suas construções, em geral, estão em bom estado de conservação.

Conjunto de residências na Vila Sete Casas, 2010
Foto Tatiana Sell Ferreira

A Vila Matoso é a mais central, localizada próxima à principal avenida de acesso ao campus – a Av. P. H. Rolfs. Não se sabe ao certo quando foi construída ou a quem ela se destinava originalmente. É composta por sete casas, de três tipologias que diferem entre si pelo número de quartos (3 e4 quartos) e pelo tipo de cobertura.

Exemplos das três tipologias de residências da Vila Matoso, 2010
Fotos Tatiana Sell Ferreira

As vilas Secundino, Araújo e Dona Chiquinha localizam-se nas proximidades das instalações animais do Departamento de Zootecnia. A primeira delas foi edificada entre 1949 e 1952, aproximadamente. Seu acesso se dá por uma estrada de terra, ao longo da qual as casas estão dispostas. Suas vinte e uma casas foram construídas seguindo duas tipologias distintas, em função da sua implantação na parte alta ou baixa do terreno.

Exemplos das duas tipologias da Vila Secundino, 2010
Fotos Tatiana Sell Ferreira

A Vila Araújo localiza-se às margens da avenida de acesso às áreas destinadas à criação de animais (Cunicultura, Ranicultura, Piscicultura, Suinocultura etc.) e possui sete casas, algumas delas em mau estado de conservação. De acordo com relato de um antigo morador, a vila foi edificada na década de 1950.

A Vila Dona Chiquinha localiza-se entre a Av. P. H. Rolfs e a área destinada aos galpões do Aviário e da Suinocultura (Departamento de Zootecnia). Não foi possível levantar a data de sua edificação. Esta vila possuía originalmente cinco casas, mas uma delas foi demolida; além disso, as construções restantes estão pouco conservadas.    

Residências na Vila Araújo e na Vila Dona Chiquinha, 2010
Fotos Tatiana Sell Ferreira

Finalmente, a Vila Chaves localiza-se próxima à região do aeroporto, tendo acesso tanto pelo campus da UFV, quanto pela rodovia. É constituída por 13 casas, sendo 10 delas casas geminadas, dispostas em ambos os lados da rua.  A tipologia das três casas isoladas é a mesma das casas geminadas, diferindo apenas quanto ao telhado e ao tratamento da fachada.  

Correr de casas da Vila Chaves, 2010
Fotos Tatiana Sell Ferreira

Planta e fachada padrão de uma das vilas de funcionários no campus, 2010
Fotos e desenho Tatiana Sell Ferreira

A partir do levantamento arquitetônico realizado “in loco”, verificou-se que todas as moradias possuíam arranjos espaciais e formais bastante simples, constituídos por varanda, sala, cozinha, dois, três ou quatro quartos e banheiro inserido no interior da residência, expressando a divisão funcional recomendada nos modelos de casas econômicas difundidos no Brasil a partir dos primeiros anos do século XX.

Apesar do despojamento e da simplicidade da fachada, os cuidados com a qualidade construtiva, o arejamento e a iluminação natural estão presentes em todas as casas. Construídas em alvenaria de tijolos, as casas originais possuíam forro de esteira, esquadrias de madeira e coberturas de telha cerâmica do tipo marselhesa, na maioria dos casos.

Permanecendo como imóveis da União, cabe à UFV zelar pelo seu patrimônio, o que garante sua manutenção e conservação até os dias atuais. Assim, a maioria das moradias possui boas condições de habitabilidade, tendo sofrido pequenas reformas ou ampliações, visando adaptá-las às necessidades das famílias residentes, como acréscimos nos fundos ou nas laterais, para construção de área de serviço e,ou de garagem, e substituição das esquadrias originais por esquadrias metálicas.

3.2. A Vila de Professores

O início da construção da Vila dos Professores, denominada Vila Giannetti, data de 1948 (21).

Sua construção está intrinsecamente relacionada à história da UFV, marcando uma das importantes fases de desenvolvimento da instituição, correspondente à transformação da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV)em Universidade Ruraldo Estado de Minas Gerais (UREMG).

Com a instalação da UREMG, foi incrementado um amplo programa de relações externas e celebrados importantes convênios, dentre os quais merecem destaque a colaboração da Fundação Ford, a partir de 1952, e da Universidade de Purdue, intermediária entre o governo brasileiro e a Agência para o Desenvolvimento Internacional do Governo Norte-Americano – USAID, que se estendeu de1952 a1973 (22).

Para atender a vinda de professores norte-americanos e suas famílias, foi aprovada a construção de 40 casas no Campus, pois na época Viçosa não dispunha de casas ou apartamentos que pudessem alojar essas famílias, habituadas a um razoável conforto residencial.

Embora houvesse provido recursos para a construção de 40 casas, só foi possível à firma encarregada das obras edificar 26. Posteriormente, a UREMG dobrou esse número para52. Acasa de n. 52, precisamente, foi financiada pela Fundação Ford e construída em tempo recorde, para alojar seu representante durante o convênio celebrado entre a UREMG e a Fundação (23).

O projeto arquitetônico e urbanístico da vila é assinado pelo arquiteto Cláudio Jorge Gomes e Souza, ex-diretor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua tipologia difere claramente das antigas vilas construídas no campus da UFV, adotando-se uma linguagem claramente influenciada pelo Movimento Modernista.

Constituída por 52 casas localizadas em terreno relativamente plano, chegou a abrigar 16 famílias de professores norte-americanos, em função do convênio firmado com a Universidade de Purdue. Este vínculo suscita a questão acerca da importação da tipologia arquitetônica e urbanística adotada nas edificações e no seu traçado viário.

Implantação da Vila Giannetti, no Campus da UFV em Viçosa [Adaptado a partir do Google Earth]

A construção da Vila foi realizada em etapas, iniciando-se pelas casas e não por todo o conjunto de uma única vez, tendo sido concluída apenas em 1960.

As residências da Vila têm planta padrão, visivelmente racional, importante premissa do Movimento Moderno da Arquitetura e do Urbanismo. O programa de necessidades foi fixado, sendo também delimitada a área de construção da unidade tipo. Nos dizeres do próprio arquiteto, procurou-se fazer uma “construção simples e econômica, cujas partes ficaram nitidamente separadas: recepção, habitação propriamente dita e serviços”(24). Apesar da forte influência americana, a casa possui varanda, resquício da arquitetura colonial brasileira, e um escritório com entrada independente pelo exterior. A relação dos ambientes inclui ainda sala e sala de jantar conjugadas, três dormitórios, um banheiro, cozinha e varanda de serviço, que se abre para amplo quintal.  

Residência da Vila Giannetti. Planta baixa e fachada frontal [Adaptado da Revista Arquitetura e Engenharia, n. 8, Ano II, 1948, p. 43]

A fachada possui linhas retas, com cobertura em duas águas com caimento para o interior (conhecido como “telhado borboleta”), parte do vocabulário formal que traduzia a “imagem de modernidade”, divulgada pelos anúncios impressos em jornais e revistas da década de 1950. Atualmente este tipo de telhado traz vários problemas para a conservação e manutenção das edificações, devido ao clima chuvoso e à existência de árvores nos arredores, cujas folhas entopem as calhas e geram infiltrações.

A adoção de um arranjo funcional e de uma estética diferente daquela utilizada nas demais casas dos funcionários, expressa no plano das fachadas, revela-se como um símbolo do status social dos professores (25).

Vila Giannetti. Aspecto externo das edificações e do conjunto, dez 2007
Fotos Aline W. B. de Carvalho

O traçado urbanístico da Vila Giannetti constitui, juntamente com as edificações, parte do patrimônio arquitetônico e urbanístico. Caracteriza-se por ruas sem saída, amplamente arborizadas, e pela ocupação dos terrenos sem muros laterais ou frontais, estabelecendo-se uma relação rua–lote muito diferente do que se praticava e ainda se pratica no Brasil.

Possui influência nitidamente americana, dos traçados em “cluster” e dos subúrbios-jardim, concepção disseminada nos Estados Unidos pelos arquitetos Clarence Stein e Henry Wright, como uma das principais ressonâncias do ideal de cidade-jardim preconizado por Ebenézer Howard, na Inglaterra de fins do século XIX e início do século XX (26). Entretanto, longe de atingir o ideal de organização social, econômica e territorial preconizado pelo modelo howardiano da cidade-jardim, o modelo transposto para os Estados Unidos e para o Brasil absorveu apenas algumas de suas características físico-espaciais, como as baixas densidades e as grandes superfícies arborizadas.

Vila Giannetti. Construção de segundo pavimento aos fundos, dez 2007
Fotos Aline W. B. de Carvalho

Pode-se, ainda, identificar, pelo traçado original da Vila Giannetti, cujas ruas sem saída marcam claramente o limite do Campus, que de certa forma procurava-se evitar a penetração de veículos no interior da área residencial, garantindo-se a qualidade visual e a tranqüilidade que deveriam caracterizar uma área destinada a moradias. Esta qualidade visual está também expressa na arborização, feita por flamboyants, pelos belos jardins das casas e pelos canteiros centrais das rotatórias.     

A idéia de modernização e de diferenciação do traçado típico da cidade tradicional está presente, destacando a importância e o status desta área residencial no campus. De fato, poucos são os exemplares deste tipo de traçado urbanístico no Brasil e os casos encontrados localizam-se nas grandes cidades, na maioria das vezes. A existência deste modelo urbanístico em Viçosa, cidade interiorana e de pequeno porte, é um fato inusitado.

Na Vila Giannetti residiram os professores da UREMG e, posteriormente, da UFV, até o ano de 1991, quando, pela Resolução no06/91 do CONDIR, determinou-se sua destinação para a expansão física do campus universitário. Até que isto ocorresse, os imóveis da Vila deveriam ser utilizados de duas formas: para atividades administrativas e educacionais, e para instalação temporária de professores visitantes, limitada a, no máximo, 18 meses (27). Estabeleceu-se ainda que os imóveis fossem desocupados, prevendo-se duas situações: no caso de professores aposentados ou que não possuíssem mais qualquer vínculo funcional com a Universidade, os imóveis deveriam ser liberados dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias; nos demais casos, a desocupação seria feita a partir da data da aposentadoria, exoneração ou término de mandato.

Esta decisão administrativa causou, inicialmente, certo descontentamento entre os antigos moradores, que estando lá instalados há muitos anos, haviam criado seus filhos e constituído laços de amizade e relações de vizinhança. Entretanto, a desocupação foi se dando aos poucos. Atualmente, na Vila Giannetti funcionam órgãos administrativos externos e internos à Instituição, além daqueles destinados a funções culturais, como Oficina de Criatividade, Divisão de Assuntos Culturais, Pinacoteca, dentre outros.

A alteração de uso das edificações de residencial para prestação de serviços administrativos e educacionais representou o primeiro impacto na estrutura urbanística e arquitetônica da Vila. Muitas casas foram reformadas internamente, sofrendo inclusive acréscimos significativos e, até mesmo, a construção de um segundo pavimento, como ocorreu nas casas nos 12, 26 e 47. No corpo externo das edificações, as alterações foram de menor porte, deixando-se intacto o corpo principal da residência e alterando-se as áreas laterais e de fundos.

Entretanto, a construção em 2004 de uma via de ligação entre a UFV e a principal avenida de acesso à cidade, passando pela Vila Giannetti, representou um forte impacto urbanístico, rompendo-se com o caráter fechado da vila propiciado pelo traçado das ruas sem saída. A necessidade de áreas para estacionamento e o aumento do fluxo de pedestres e de ciclistas provocaram grandes modificações nas áreas externas, frontais e laterais das residências, especialmente nos jardins e nas garagens, muitas vezes descaracterizando os imóveis. Esta situação compromete a conservação do importante patrimônio arquitetônico, histórico e urbanístico representado pela Vila Giannetti.

A partir de 2006, com o início do processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Físico-Ambiental para o campus (PDFA), retomou-se a discussão sobre o futuro dessa Vila e sobre a necessidade de sua preservação, dando a ela um tratamento especial e diferenciado no âmbito deste Plano, que propõe sua transformação em Zona de Uso Especial (ZUE), o que significa a adoção de critérios específicos de uso, ocupação e construção (28).

Entretanto, esta não é uma posição consensual da comunidade universitária que, diante do novo momento de expansão do sistema didático-pedagógica da UFV, vê com preocupação a falta de áreas disponíveis para a necessária expansão física do campus. Nesse contexto, insere-se a Vila Giannetti, que, na visão de alguns, deve ser demolida, para dar lugar a novos edifícios destinados ao atendimento da expansão didático-pedagógica da UFV.

4. Conclusões                                    

A construção das vilas de funcionários e de professores no campus da Universidade Federa de Viçosa, no começo dos anos 1920 até a década de 1950, insere-se no contexto mais amplo de construção do habitar moderno no Brasil.

Apesar da simplicidade construtiva e tipológica dos primeiros conjuntos de moradias destinadas aos funcionários, em contraposição à Vila Giannetti, seu registro visa preservar parte da história da instituição, diante do irreversível processo de expansão físico-territorial do campus. Além disso, constituem exemplos de uma interessante alternativa habitacional para a população de renda média, baseada na locação sem fins lucrativos, bem como da difusão da ideologia da habitação econômica, salubre e digna para o trabalhador e sua família, que marca os discursos dos engenheiros e sanitaristas, e se manifesta em parte da produção rentista do início do século XX no Brasil.

Por outro lado, o patrimônio arquitetônico e urbanístico modernista representado pela Vila Giannetti constitui inquestionável testemunha da penetração e disseminação dos paradigmas do movimento moderno para o interior do País, com uma tipologia de implantação das moradias e um traçado urbano inusitados para os padrões da região onde se insere.

O estudo do conjunto residencial da Vila Giannetti evidencia sua importância como patrimônio ligado à história da UFV, relacionada com a fase de transformação da antiga ESAV em UREMG, e como patrimônio arquitetônico e urbanístico, cuja concepção deixa visível a influência norte-americana, fruto da estreita relação estabelecida entre a Instituição e as escolas rurais dos Estados Unidos. Neste caso, não se trata apenas de realizar o seu inventário, mas de reconhecer que a preservação desse conjunto deve constituir um princípio básico para orientar a ação dos planejadores e administradores na condução da ocupação territorial futura do campus.

Assim, é urgente trazer ao debate o patrimônio representado por esses núcleos residenciais, testemunhas de um rico momento da arquitetura brasileira, ameaçadas de demolição diante da necessidade de ampliação do espaço físico destinado à implantação de novos edifícios para atender ao crescimento da instituição.

notas

1
Ver: 1) BORGES, J. M.; SABIONI, G. S.; MAGALHÃES, G.F.P. A Universidade Federal de Viçosa no Século XX. Viçosa, MG: Editora UFV, 2006; 2) SABIONI, G. S.; ALVARENGA, S. C. Universidade Federal de Viçosa: Oito Décadas em Fotos. Viçosa, MG: Editora UFV, 2006, e 3) BORGES, J. M. ; SABIONI, G. S . (org.). Relatório de Construção da ESAV (1929) elaborado pelo Engenheiro João Carlos Bello Lisboa. Viçosa, MG: Editora UFV , 2004.

2
Recentemente foi publicado o artigo escrito por STEPHAN, Ítalo I. C; GALVARRO, Skarlen F. S., NASCIMENTO, Bruno Dalto do; GOMES, Elaine Cavalcante. Campus da Universidade Federal de Viçosa, MG. Oito décadas de arquitetura. Arquitextos, São Paulo, n. 132.07ano 11, Vitruvius, mai 2011. Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.132/3881>

3
VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global, 1986.

4
BONDUKI, Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.

5
Sobre este tema ver: 1) VILLAÇA, F. Op. cit., 1986; 2) BONDUKI, N. Op. cit., 2004; 3) BONATES, M. F.; VALENÇA, M. M.. Moradia funcional e as vilas militares no Brasil. XIII Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional.. Anais ... Florianópolis, SC, 25

a 29 de maio de 2009.

6
Idem, ibidem.

7
Sobre os IAPs ver: 1) BONDUKI, N.. Op. cit., 2004; 2) NASCIMENTO, F. B. do. Entre a estética e o hábito: o Departamento de Habitação Popular. Rio de Janeiro, 1946-1960. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal das Culturas, Coordenadoria de Documentação e Informação Cultural, Gerência de Informação, 2008. 

8
BLAY, E. A. Eu não tenho onde morar: vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985.

9
CORREIA, T. de B. De vila operária a cidade-companhia: as aglomerações criadas por empresas no vocabulário especializado e vernacular. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n. 4, maio 2001, p.83 a 98.

10
Ver: CORREIA, T. de B. A construção do habitat moderno no Brasil 1870-1950. São Carlos: Rima, 2004; CORREIA, T. de B. Op. cit., 2001; VAZ, L. F. Dos cortiços às favelas e aos edifícios de apartamentos – a modernização da moradia no Rio de Janeiro. Análise Social, vol. XXIX (127), 1994 (3), 581-597.

11
CORREIA, T. de B. A construção do habitat moderno no Brasil 1870-1950. São Carlos: Rima, 2004.

12
BLAY, Op. Cit.

13
BONDUKI, N. Op. cit., 2004.

14
Sobre as moradias funcionais de aluguel ver: BONATES; VALENÇA, op. cit, 2009, p. 17-18.

15
Atualmente a Universidade Federal de Viçosa  possui outros dois campi universitários: um deles localiza-se na cidade de Florestal e outro na cidade de Rio Paranaíba, ambos no estado de Minas Gerais.

16
A Universidade Federal de Viçosa foi originalmente criada como Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV), pelo Decreto n. 6.053 /22. Em1948, a ESAV foi transformadaem Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG) por meio da Lei nº 272/48 e, em 1969, assumiu a atual denominação,  pelo Decreto-Lei n. 570/69. 

17
BORGES, J. M. ; SABIONE, G. S. Op. cit., 2004 , p. 5.

18
Idem, ibidem, p. 29.

19
O CONDIR - Conselho Diretor da UFV correspondia, na época, ao atual CONSU - Conselho Universitário, órgão superior de administração da UFV.

20
BLAY, Op. Cit.

21
Ver: CARVALHO, A. W. B. Em defesa da preservação de um conjunto residencial modernista: a Vila Giannetti no campus da Universidade Federal de Viçosa em Viçosa, MG. SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO ARQUITETURA & DOCUMENTAÇÃO, 2008, Belo Horizonte. Anais ..., Belo Horizonte,10 a 12 de setembro de 2008.

22
BORGES, J. M.; SABIONI, G. S. ; MAGALHÃES, G. F. P. Op. cit.

23
Idem, ibidem, p. 94.

24
GOMES E SOUZA, C. J. Residência tipo de uma vila de professores. Revista Arquitetura e Engenharia, n.8, Ano II, ago/out 1948, p. 42-44. 

25
Sobre a influência do modernismo na arquitetura residencial popular mineira, ver: LARA, Luiz Fernando. Modernismo popular: elogia ou imitação? Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, Belo Horizonte, v. 12, n. 13, p. 171-184, dez. 2005).

26
HALL, P. Cidades do amanhã.  São Paulo: Perspectiva, 2005.

27
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Resolução no 06/91 do CONDIR. Viçosa, 1991. Determina sobre ocupação dos imóveis residenciais pertencentes ao Campus da UFV.

28
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA. Secretaria de Órgãos Associados Resolução n. 14 / 2008, que institui o Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental do Campus UFV-Viçosa (PDFA) 2008-2017.

sobre as autoras

Aline Werneck Barbosa de Carvalho é Engenheira Arquiteta pela Escola de Arquitetura da UFMG, Mestre e Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP. Atualmente é Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFV.

Tatiana Sell Ferreira é Arquiteta e urbanista pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo / UFV.

comments

144.07
abstracts
how to quote

languages

original: português

share

144

144.00 exposição

Algo muito humano além de belo

Exposição Território de Contato, módulo 1: Cao Guimarães e Brasil Arquitetura

Marta Bogéa and Abilio Guerra

144.01

A Exposição Colombiana de Chicago de 1893 e o advento do urbanismo norte-americano

José Geraldo Simões Junior

144.02

Urbanismo Reflexivo

Dieter Hassenpflug

144.03

Tandil y Mar del Plata

dos historias, dos ciudades, dos tipos de patrimonio modesto

Lorena Marina Sánchez and Fernando Alfonso Cacopardo

144.04

Fazenda Boa Esperança

sustentabilidade e patrimônio

Juliana Prestes Ribeiro de Faria, Daniele Gomes Ferreira, Laura Beatriz Lage and Patrícia Cristina Rodrigues

144.05

Epidemia e saneamento

O engenheiro Estevan A. Fuertes e seu plano sanitarista para a cidade de Santos (1892-1895)

Sidney Piochi Bernardini

144.06

Síntese das artes

sentidos e implicações na obra arquitetônica

Célia Helena Castro Gonsales

144.08

Laurentino 38

la cota 0 en el proyecto residencial moderno

Mar Santamaria

newspaper


© 2000–2024 Vitruvius
All rights reserved

The sources are always responsible for the accuracy of the information provided