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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Com a finalidade de discutir a forma tendencial de desenvolvimento das áreas metropolitanas no Brasil ao longo do século XX, destaca-se a sua condição de crise fincada na ausência institucional de poder de decisão política para a gestão metropolitana.

english
This article aims to discuss how the development trend of metropolitan areas in Brazil through out the twentieth century, highlighting its stuck crisis condition in the absence of institutional policy-making power to the metropolitan administration.

español
Con objetivo analizar cómo la tendencia de desarrollo de las áreas metropolitanas en Brasil durante el siglo XX, destaca su condición de crisis atrapado en la ausencia de poder institucional de formulación de políticas para la administración metropolitana


how to quote

FRANCISCO DE OLIVEIRA, Adão; CORIOLANO, Germana Pires. Urbanização, metropolização e gestão territorial no Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 164.03, Vitruvius, jan. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.164/5030>.

Introdução

A forma como o Brasil inverteu a sua disposição espacial de país eminentemente rural para um país urbano no intervalo de meio século, com todos os seus adjetivos e signos de desenvolvimento econômico e social assentes na sua condição industrial e na sua posição na divisão internacional do trabalho, surpreende qualquer especialista europeu. Os primeiros 50 anos do século XX foram marcados por uma condição industrial incipiente, sendo que a agricultura era de fato o carro-chefe da produção brasileira, puxada pelo café disperso nas unidades produtoras do Centro-Sul do país. A organização da produção cafeeira demandou, por seu turno, uma reforma agrária às avessas, uma vez que para participar do mercado internacional, comprando e vendendo, o país precisou se adequar às exigências capitalistas impostas a partir da pujança inglesa.

Tais exigências implicavam na utilização de mão-de-obra livre e assalariada – o que forçou a libertação dos afrodescendentes escravizados –, na especialização produtiva, através da monocultura, no aperfeiçoamento de técnicas de plantio e cultivo, culminando com a importação de trabalhadores europeus, dentre outros fatores. Entretanto, esses três fatores balizam a explicação de dois significativos acontecimentos da história do Brasil: primeiro, a violenta concentração fundiária legitimada pela Lei de Terras de 1850; e segundo, como consequência deste, os fenômenos do êxodo rural e da urbanização iniciados então e intensificados entre os anos de 1940 e 1980. Como observou Santos (1),

se o índice de urbanização pouco se alterou entre o fim do período colonial até o final do século 19 e cresceu menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de 6,8% a 10,7%), foram necessários apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para que essa taxa triplicasse passando a 31, 24%.

Se, por um lado, essa condição urbana demandou e favoreceu o desenvolvimento de novas atividades produtivas afeitas à sua dinâmica e realidade, por outro lado ela também produziu novos espaços amorfos, baseados em altas densidades demográficas, na aleatoriedade da ocupação de solos marginais (2) e caracterizados por uma intensa dualidade social evidente no espaço. Entre 1920 e 1940 capitais mercantis propiciaram, nos novos e dinâmicos centros urbanos, investimentos privados nos setores de energia, telefonia, transportes, ensino e finanças e a população economicamente ativa aumentou no setor terciário, enquanto que nos primário e secundário diminuiu (3), sem, contudo, afetar sua pujança.

Porém, foi mesmo nos anos de 1930 e 1940 que as condições materiais objetivas foram lançadas a partir do Estado brasileiro, para que essa “revolução urbana” se concretizasse. Preocupado em fazer a segurança nacional e a integração econômica e social das regiões do país (4), o governo de Getúlio Vargas iniciou a fase desenvolvimentista do Brasil fortalecendo a indústria de base e promovendo a substituição de importações, designação que exprime a mudança de gênero dos importados para o Brasil, haja vista o fato de o país passar a produzir industrialmente um conjunto de novos bens de base, duráveis e de consumo.

Essa nova condição industrial não só ampliou e dinamizou o setor secundário, como também o primário, haja vista que demandou matéria prima (5) para a transformação da indústria, e o terciário, como se viu acima. Isso gerou, por um lado, um grande estímulo à expansão urbana brasileira, especialmente no Centro-Sul do país, onde se concentraram os maiores investimentos de industrialização e de serviços. Esse raciocínio se completa com o fato de, nesse período, ter havido um grande desenvolvimento das redes viárias, o que, segundo Santos (6), se constituiu num forte instrumental de atração urbana. A esse respeito, Santos e Silveira (7) se expressaram da seguinte forma:

A partir da década de 1930, encontra-se no Sul uma indústria importante. São Paulo tornou-se uma grande metrópole industrial, onde estavam presentes todos os tipos de fabricação. Chamado a acompanhar esse despertar industrial, o país inteiro conheceu uma quantidade de solicitações e sobretudo foi impregnado pela necessidade de concretizar a integração nacional. Essa indústria em desenvolvimento, particularmente a partir da Revolução de 1932, precisava ampliar seu mercado. A extinção das barreiras à circulação de mercadorias entre os Estados da União marcou um avanço fundamental no processo de integração econômica do espaço nacional. Faltavam porém outras variáveis de sustentação, entre elas uma rede nacional de transportes. Essa integração começou pela região circunvizinha ao Estado de São Paulo, pois as relações comerciais eram facilitadas pela existência de um embrião de transportes modernos em rede e a relativa proximidade dos mercados permitia um tráfego marítimo mais intenso.

Por outro lado, essa nova condição industrial estimulou também a ocupação de novas áreas do Cerrado e da Amazônia para o plantio diversificado, tanto para a alimentação quanto para o abastecimento das indústrias, buscando se preservar o significado econômico e político da produção cafeeira no Centro-Sul. Esta última situação se concretizou a partir da Política da Marcha para o Oeste (8).

Com base nessa contextualização do processo histórico de fundamentação da urbanização no Brasil, esse artigo tem a finalidade de discutir a forma tendencial de desenvolvimento de suas áreas metropolitanas ao longo do século XX, destacando a sua condição de crise fincada na ausência institucional de poder de decisão política para a gestão metropolitana. Tal situação fatalmente figura como um dos principais responsáveis pelo quadro de segregação sócio territorial incidente nestas áreas, que se constituem de 13,4% dos municípios brasileiros e concentra mais de 50% de toda a população do país. Não obstante, destaca o dilema dessas regiões se constituírem em regiões de possibilidades positivas neutralizadas pela eclosão de problemas de ausência de gestão que afetam toda a sua dinâmica social.Far-se-á uma discussão bibliográfica como fundamento para a elucidação do fenômeno, sendo que os dados da realidade baseiam-se nos Censos do IBGE e em pesquisas realizadas no âmbito do Observatório das Metrópoles.

Expansão Urbana e Desigualdades Socioterritoriais

O novo cenário de integração nacional desenhado na era Vargas e destacado acima gerou as bases de ocorrência do fenômeno urbano no Brasil, uma vez que

Para atender às necessidades de uma população de maior nível de vida quanto para dirigir a colheita de produtos exportáveis, surgem inúmeras cidades e outras se desenvolvem. Até então, as cidades maiores situavam-se no litoral ou em áreas próximas. É o caso de Manaus, até onde a navegação marítima podia chegar, ou da São Paulo do café, com seu desdobramento do porto de Santos. É num Brasil integrado pelos transportes e pelas necessidades advindas da industrialização que vão nascer importantes cidades no interior. Estas decorrem do crescimento populacional, da elevação dos níveis de vida e da demanda de serviços em número e frequência maiores que anteriormente (9).

Para Lefebvre (10), o fenômeno urbanose erige da cidade industrial para, num movimento dialético rumo ao futuro, ao possível, manifestar-se numa zona crítica, assente na formação de uma “sociedade técnica, de abundância, de lazeres, de consumo etc.” (11), que possui um status global.Consiste, pois, na manifestação do que é pós-industrial, marcado por uma realidade não visível, haja vista que os olhos analíticos e os conceitos, quando da manifestação desse fenômeno a partir da Europa e dos EUA no terceiro quarto do século XX, estavam impregnados pelos valores que identificavam apenas a cidade industrial. Por isso, na eclosão desse fenômeno prevaleceu, no que concerne ao movimento consciente, um campo cego, ou seja, um espaço-tempo (a cidade; o urbano) marcado pelo desconhecido e pelo insignificante.

Apesar de o autor referir-se às transformações citadinas que ocorreram a partir da Europa e dos EUA,a sua leitura conforma-se à realidade brasileira e latino-americana compreendida entre as décadas de 1950 e 1980, uma vez que as bases dessas transformações foi o amadurecimento da sociedade industrial que globalizou-se, redefinindo a divisão internacional do trabalho a partir da referência da Europa ocidental e estadunidense. Isso quer dizer que apesar das diferenças regionais do globo terrestre relativas à forma como se produz, ao que se produz, às condições do trabalho, à produção da riqueza e à sua distribuição/concentração, o mundo inteiro se condiciona a uma mesma agenda econômica capitalista, que orienta o sentido da produção em qualquer nação numa lógica de rede de mercado. E esse mercado é produto e produtor das experiências urbanas, de seus valores e de sua materialidade.

Assim, o fenômeno urbano encerra a lógica de uma realidade global, uma vez que implica no conjunto da prática social mundial marcada pela dialética urbana (contradições sociais de renda, de uso do solo, de concepção espacial, de participação sociopolítica, de representação institucional, de importância econômica de cidades numa mesma região etc.). O urbano, enquanto espaço social, é lugar do possível-impossível, da concentração e da dispersão, da centralidade e da poli centralidade. Segundo Lefebvre (12), esse fenômeno se caracteriza enquanto

sociedade urbana, que com sua ordem e desordem, se forma. Tal realidade envolve um conjunto de problemas: a problemática urbana. Aonde vai esse fenômeno? Para onde o processo de urbanização arrasta a vida social? Qual a nova prática global, ou quais as práticas parciais que ele implica? Como dominar o processo teoricamente e orientá-lo praticamente? Em direção a quê? Tais são as questões que se colocam (p. 61-62) [...] A sociedade urbana proporciona o fim e o sentido da industrialização simplesmente porque nasce dela, a engloba e a encaminha em direção a outra coisa.

Desse modo, no século XX, especialmente na sua segunda metade, o Brasil afeiçoou-se à lógica da sociedade urbana. Para Brito, Horta e Amaral (13), isso é demonstrável no fato de entre 1950 e 2000 a população urbana do país ter saltado de 18.782.891 habitantes para 137.697.439 habitantes, multiplicando-se em 7,33 vezes com uma taxa média anual de crescimento de 4,1% e um incremento real médio anual de 2.378.291 habitantes. O resultado disso foi, obviamente, um forte inchaço urbano, especialmente na região Sudeste do país, nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, não só em suas respectivas capitais como também nos municípios circunvizinhos a elas. Santos (14) explica essa condição pelo fato de haver “no Sudeste, significativa mecanização do espaço, desde a segunda metade do século passado, ao serviço da expansão econômica, o que desde então contribui para uma divisão do trabalho mais acentuada e gera uma tendência à urbanização”. Não obstante, destacam-se também, nesse mesmo processo, os Estados da Bahia, do Ceará e do Pernambuco, no Nordeste, e de Rio Grande do Sul, no Sul.

A tabela a seguir ajuda na compreensão de como que, a partir da década de 1930, o Brasil se conformou à lógica da sociedade urbana.

Índice de urbanização no Brasil
Santos, 1993.

Pelos dados expostos percebe-se que ao longo da década de 1960 o número da população urbana do país suplantou o da rural, tendo atingido o índice, no Censo de 1970, de 56,8% de sua população total. Para além da tendência apontada pelas décadas anteriores, esse resultado se explica ainda e fortemente pela política desenvolvimentista implantada a partir de 1964, com a instituição dos governos militares, que numa perspectiva conservadora de modernização, promoveu (incentivando direta ou indiretamente) uma intensa concentração fundiária, tanto pela subvenção prioritária à grande produção agropecuária, quanto pela violência e repressão à ação dos pequenos proprietários e posseiros rurais (15). Nesse sentido, se na década de 1950 a população urbana no Brasil cresceu 9%, na década de 1960 esse índice foi de 11% e na década seguinte (1970) de 12%, para a partir de então voltar a diminuir relativamente.

No que se refere à interiorização desse processo, é importante salientar que não só a construção de Goiânia, na década de 1930, como também a de Brasília, em 1960, e a de Palmas em 1990 foram fundamentais. Se a primeira se enquadrou aos interesses do governo federal como um entreposto comercial e logístico na vinculação do Centro-Sul ao Norte Amazônico, a segunda serviu como a sua concretização política (16) e a terceira como um pórtico à região amazônica. Moraes (17) entende que “essas cidades representam a modernização urbana de uma parte do Brasil rural”. Esses empreendimentos, dispersos ao longo do século XX e separados temporalmente por intervalos de 30 anos, demonstram a força do movimento desenvolvimentista no Brasil, que: 1º) plantou 3 cidades-capitais em pleno sertão brasileiro carregadas de significados modernistas; 2º) a partir dessas cidades, se criou as condições para o movimento de modernização do sertão (na produção rural, nos sistemas viários, nos transportes, na energia, nas comunicações); e 3º) fundamentou o fenômeno da urbanização do Centro-Oeste.

Assim, para Souza (18),

Nas décadas de 1960 e 1970, os debates sobre temas relacionados à urbanização brasileira estiveram no centro da agenda de várias instituições. Governos, órgãos de pesquisa, partidos políticos, técnicos e acadêmicos analisaram e propuseram inúmeros planos, programas, projetos e arranjos administrativos para enfrentar os dilemas de uma sociedade e de um país que haviam se urbanizado muito rapidamente.

O ritmo e a intensidade dessa urbanização caracterizam aquilo que Santos (1993) chamou de “urbanização pretérita”, lhes sendo própria a violência simbólica e física da segregação socioespacial realizada contra a grande massa de trabalhadores pobres, espoliados das áreas urbanas referenciais e confinados em espaços subnormais para a moradia e a reprodução da vida. Esse processo é característico do que se denominou como capitalismo tardio, do qual o Brasil é um dos principais signatários.

Arranjos Institucionais Metropolitanos e Gestão Urbana

Ponto de destaque com relação a essa realidade é a preocupação do regime militar, instalado a partir de 1964, em preparar os principais centros urbanos brasileiros para o conjunto de intervenções políticas ortodoxas que sedimentariam o fenômeno que ficou posteriormente conhecido como o “milagre brasileiro”, compreendido entre os anos de 1967 e 1972. Tais políticas, identificadas por especialistas como parteiras da modernização conservadora, haja vista o seu caráter socialmente excludente e repressor (19), demandavam, por isso mesmo, um forte controle político e militar sobre as áreas de intensa concentração populacional. Não se tratava de cidades isoladas, mas de regiões inteiras conurbadas, tamanha era a densidade demográfica. A esse respeito Azevedo e Guia (20) entenderam que

a intensificação dos fluxos migratórios campo-cidade e do processo de urbanização a partir da década de 1950 havia consolidado, em torno das principais capitais do país, regiões urbanas que se comportavam com uma única cidade, em cujo território, submetido a diversas administrações municipais, as relações cotidianas haviam se tornado cada vez mais intensas.

A resposta encontrada para o tratamento da questão caminhou no sentido da instituição de regiões metropolitanas, amparada na incorporação de sua preocupação na Constituição de 1967 e reiterada na Emenda Constitucional nº 1 de 1969. Destarte, em 1973 promulgou-se a Lei Complementar Federal nº 14, que criou 8 (oito) regiões metropolitanas, impondo aos seus municípios a sua participação compulsória e desconsiderando “as peculiaridades regionais na definição dos serviços que deveriam ser alvo da gestão comum” (21). As regiões metropolitanas criadas pela LCF nº 14 (discriminadas na tabela a seguir) eram desiguais nas suas dimensões territorial e demográfica, possuíam histórias de ocupação distintas, trajetórias urbanas específicas e suas populações eram diferentes do ponto de vista cultural, o que ilustra a lógica da planificação centralizadora inscrita no regime militar brasileiro. Nesse caso, ao instituir os Conselhos Deliberativos metropolitanos como instrumento de gestão dessas regiões, atribuiu-se mais poder aos representantes dos executivos estaduais que aos representantes dos próprios municípios envolvidos, sendo que as decisões eram principalmente exercidas pelos órgãos federais atuantes no cenário urbano.

A partir de então, a questão urbana foi tratada fundamentalmente no âmbito da constituição das regiões metropolitanas, sendo que após as LCFs nº 14, de 1973, e nº 20 de 1974, a sua instituição só reapareceu após a Constituição Federal de 1988, tendo se tornado prerrogativa dos executivos estaduais.

 
 
 

Regiões metropolitanas no Brasil
Censo Demográfico IBGE 2010; Est Pop. IBGE 2012; Observatório das Metrópoles 2012

A tabela indica que houve um intervalo de quase 20 anos entre a instituição das primeiras regiões metropolitanas e as novas, orientadas juridicamente a partir da CF de 1988. Isso se explica pelo fato de que, se por um lado a questão urbana tenha se tornado uma questão metropolitana, por outro a forma como as primeiras foram geridas, baseada na centralização política e no tratamento homogêneo de territórios muito diferentes, causou reticências na Assembleia Nacional Constituinte para a sua abordagem. Vale lembrar que no período da ditadura militar, estendido temporalmente até o ano de 1984, prevaleceu a centralização das decisões públicas pelo governo federal, de modo que a questão metropolitana era uma questão federal.

Fatalmente, com o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização da política brasileira, num momento em que o fenômeno urbano apresentava uma taxa nacional de urbanização de 75,6% (22), pensar e tratar a questão metropolitana era fundamental. Porém, a questão que se colocava era a de como fazê-lo, haja vista que a década de 1980, concebida pelos economistas como “a década perdida” do ponto de vista econômico, caracterizou um momento de profunda crise financeira e fiscal nacional, com radicais no mercado e no sistema financeiro internacionais.

Nesse sentido, a segunda metade da década de 1980 esteve dividida em dois momentos. O primeiro momento marcou os dois primeiros anos do novo governo civil, de 1985 a 1987, quando foram desprendidos dois grandes esforços: o primeiro, de conter a crise econômica, fazendo, primordialmente, o controle inflacionário; e o segundo, de preparar o cenário político para a instituição da Assembleia Nacional Constituinte. O segundo momento decorreu de meados de 1987 a 1990 e teve como principais características a conformação dos anseios populares por direitos (23) na nova Carta Magna brasileira e o grande desafio de, numa nova perspectiva de descentralização das políticas públicas entre os entes federados, se criar condições de governabilidade aos municípios num contexto de exiguidade de recursos.

Esse quadro histórico configurou um desenho jurídico do pacto federativo na nova Constituição Federal de 1988 em que se descentralizou definições e responsabilidades quanto a políticas públicas em favor dos Estados e municípios. Porém, as regiões metropolitanas institucionalizadas, que desde a década de 1970 passaram a comportar a lógica de tratamento do fenômeno urbano, não adquiriram estatuto político e não incorporaram o poder de definição das políticas de desenvolvimento urbano necessárias para a validação de sua abordagem regional. Ademais, as suas criação e definição passaram a ser de responsabilidade dos Estados e não mais da União.

Contudo, apesar desse esvaziamento de poder referente à condição estatutária das regiões metropolitanas, 41 (quarenta e uma) delas foram criadas entre os anos de 1995 e 2012, como se vê na tabela anterior, tendo sido9 (nove) entre 1995 e 2000 e 32 (trinta e duas) entre 2001 e 2012. Somente nesta última década, 12 (doze) regiões metropolitanas foram criadas, sendo 8 (três) delas no Nordeste, 1 (uma) no Norte e 1 (uma) no Sudeste e 2 (duas) na região Sul do Brasil. Para além das regiões metropolitanas, que após a CF/1988 tiveram a sua definição sob a responsabilidade dos Estados, como já dito, foram criadas ainda 3 (três) Regiões Integradas de Desenvolvimento Econômico - RIDE pelo governo federal, que compreendem regiões metropolitanas que se estendem por mais de uma unidade federativa, conforme demonstra a tabela a seguir.

Regiões integradas de desenvolvimento econômico
Censo Demográfico IBGE 2010; Est Pop. IBGE 2012; Observatório das Metrópoles 2012

Assim, o Brasil inicia a segunda década do século XXI concentrando mais de 51% de sua população em 50 (cinquenta) áreas metropolitanas, conforme acusa a tabela a seguir.

População em áreas metropolitanas no Brasil
Censo Demográfico IBGE 2010; Est Pop. IBGE 2012; Observatório das Metrópoles 2012

Essa população metropolitana está concentrada em apenas 13,4% dos mais de 5.560 municípios brasileiros, o que se percebe na próxima tabela.

Quantitativo de municípios em Regiões Metropolitanas no Brasil (2012)
Censo Demográfico IBGE 2010; Est Pop. IBGE 2012; Observatório das Metrópoles 2012

Pelo exposto, é possível se dizer que o país vive hoje, numa perspectiva institucional, um dilema metropolitano, calçado na concentração de sua população nas áreas metropolitanas sem que, contudo, estas tenham o poder político de definirem as diretrizes de seu desenvolvimento regional. No reboque desse dilema, outros se instalam, como o da concentração de riquezas versussegregação sócio territorial e o da auto segregação (especialmente em condomínios horizontais fechados) versus violência urbana. Tudo isso evidencia que faltam às áreas metropolitanas tanto o poder político quanto o poder econômico para a intervenção e o tratamento de suas mazelas, inscritas, sobretudo, no seu inchaço urbano.

Nota de encerramento

O grande dilema das regiões metropolitanas no Brasil é o de se constituírem emregiões de possibilidades positivas, em função da concentração econômico-financeira, deespecialidades, de profissionais, de signos, significados, símbolos, conceitos, sem, contudo,gozarem do estatuto político de sua gestão. Assim, essas possibilidades têm sidoneutralizadas pela eclosão de problemas de ausência de gestão que afetam toda a dinâmicasocial da região e, em maior grau, do núcleo metropolitano, espaço irradiador e articuladordo processo.

Grosso modo, todos os municípios se afligem, numa determinada escala, com oinchaço urbano, com a segregação sócio territorial na forma de habitações precárias einadequadas, com o trânsito alterado pelo intenso tráfego de veículos, pela violência urbana, dentre outros problemas, todos oriundos da dinâmica regional.

Nesse sentido, restam aos municípios articulados nessas regiões lançarem mão deduas possibilidades elementares para a superação local do peso de um problema que é deordem regional: no âmbito regional, a realização de consórcios e outros mecanismos degestão semelhantes, para que possam tratar o conjunto de problemas de formacompartilhada; no âmbito local, a recorrência à institucionalização democrática no sentido dese captar a criatividade social no apontamento e na proposição de soluções para osproblemas, medida política que, se bem utilizada, garante legitimidade e governabilidade ao gestor e o empoderamento sociopolítico à população.

notas

1
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira.São Paulo: Hucitec, 1993, p. 22. 

2
Por solos marginais entende-se aqui os lugares inadequados para a ocupação social, tais como os morros, as encostas, os fundos de vale e os cortiços. 

3
SANTOS, Milton, op. cit. 

4
O argumento para justificar esse grande empreendimento político pautou-se não só nas intenções políticas de Vargas e da coalizão de forças por ele representadas com relação à situação interna do país, que vivia uma verdadeira desarticulação regional. Pautou-se também no contexto tenso da política externa, que anunciava as possibilidades de uma nova guerra em função das ações de extremo nacionalismo nazifascistas e da tentativa de coibição de invasões da fronteira nacional por interesses econômicos estrangeiros. Conforme CHAUL, Nasr N. F. Goiás: da decadência à modernidade. Ciências Humanas em Revista, v. 6, n. 2, jul./dez. 1995, p. 11-26. 

5
Uma vez que a produção industrial brasileira havia expandido os ramos de atuação pela nova conjuntura econômica e política, houve uma demanda por maior diversificação da matéria prima, o que contribuiu para a integração econômica capitalista de regiões nacionais até então desconectadas daquela divisão regional do trabalho. A esse respeito ver, além de Santos (op. cit.), Chaul(op. cit.) e BORGES, Barsanufo G. A economia goiana na divisão regional do trabalho (1930-1960). In: SILVA, Luiz S. D. da (org.). Relações cidade – campo: fronteiras. Goiânia: Editora da UFG, 2000, p. 247-272. 

6
SANTOS, Milton. Manual de Geografia Urbana. 3ª edição. São Paulo: Edusp, coleção “Milton Santos – 9”, 2008, p. 24. 

7
SANTOS, Milton; SILVEIRA, María L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 42. 

8
FRANCISCO DE OLIVEIRA, Adão. A reprodução do espaço urbano de Goiânia: uma cidade para o capital. In: MOYSÉS, Aristides (org.). Cidade, segregação urbana e planejamento.Goiânia: Ed. da UCG, 2005. 

9
SANTOS, Milton; SILVEIRA, María L. Op. cit., p. 44. 

10
LEFEBVRE, Henry. A revolução urbana.Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. 

11
Idem, p. 16. 

12
Idem, p. 69. 

13
BRITO, Fausto; HORTA, Cláudia J. G.; AMARAL, Ernesto F. de L. A urbanização recente no Brasil e as aglomerações metropolitanas.Disponível em: http://www.nre.seed.pr.gov.br/cascavel/arquivos/File/A_urbanizacao_no_brasil.pdf, acessado em 22/03/2010. 

14
SANTOS, Milton. A urbanização brasileira.São Paulo: Hucitec, 1993, p. 63. 

15
A esse respeito ver PESSOA, Jadir de M. A revanche camponesa. Goiânia: UFG, 1999; MELO, Dep. João A. T. Reforma Agrária quando? CPI mostra as causas da luta pela terra no Brasil. Brasília: Senado Federal, 2006. 

16
A esse respeito ver FRANCISCO DE OLIVEIRA, Adão (op. cit.); MORAES, Lúcia M. A segregação planejada: Goiânia, Brasília e Palmas. Goiânia: Ed. da UCG, 2006; e MOYSÉS, Aristides. Goiânia: metrópole não planejada. Goiânia: Ed. da UCG, 2004. 

17
MORAES, Lúcia M. op. cit., 103. 

18
SOUZA, Celina. Regiões metropolitanas: trajetória e influência das escolhas institucionais. In: RIBEIRO, Luiz C. de Q. (org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Rio de Janeiro, FASE, 2004, p. 61. 

19
PESSOA, Jadir de M. op. cit.; MELO, Dep. João A. T. op. cit

20
AZEVEDO, Sérgio de; GUIA, Virgínia R. dos M. (2004). Os dilemas institucionais da gestão metropolitana no Brasil. In: RIBEIRO, Luiz C. de Q. (org.). Metrópoles:entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo: Fundação Perseu Abramo; Rio de Janeiro, FASE: p. 99. 

20
Id. Ibid., p. 99. 

21
Esta informação encontra-se em Moysés, 2004, p. 88, numa tabela elaborada a partir do Censo de 1991 do IBGE. 

22
É sempre importante lembrar que ao longo de toda a década de 1980 os movimentos sociais, tanto urbanos quanto rurais, especialmente de caráter popular, estiveram fortemente ativos na tentativa de se instituir direitos (dos quais se destacaram os sociais: educação, saúde, assistência social, previdência, trabalho etc.) e de fazerem a afirmação social da conquista do espaço público, espoliado ao longo de 20 anos de governos militares.

sobre os autores

Adão Francisco de Oliveira é doutor em Geografia pelo IESA/UFG. Historiador e Sociólogo. Professor Adjunto da UFT. Pesquisador do OPTE – Observatório de Políticas Educacionais e Territoriais.

Germana Pires Coriolano é mestre em Desenvolvimento Regional pela UFT. Arquiteta e Urbanista com especialização em Planejamento Urbano e Ambiental. Professora Assistente da UFT e pesquisadora do OPTE – Observatório de Políticas Educacionais e Territoriais. 

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