A noção de Projeto Urbano convida a interpretá-la como intervenção em processo, cujos efeitos sócio-territoriais complexos indicam estreita dependência do espaço proposto e soluções a urgências sociais. Essa articulação valoriza o Projeto como instrumento para o desenvolvimento local e transformação do espaço urbano.
Projetos Urbanos implicam em ações integradas, sistêmicas, participativas, equilibradas e socialmente avaliadas, fundamentadas em profundo conhecimento da realidade social (1). A integração sistêmica própria a esse tipo de intervenção urbana implica, visando transformar a cidade, na produção de espaços de circulação e distribuição, rede de fluxos não somente funcionais, mas de natureza propositiva de espaços simbólicos. Revela-se uma natureza intrínseca do Projeto Urbano como gerador de dependência entre o espaço proposto e emergência de seus conteúdos, na forma de múltiplas atividades transformadoras da dinâmica socioeconômica.
Dependência espacial é um conceito em uso por ciências cujo objeto é o espaço, compreendido como domínio de expressão da sociedade em sua complexidade: relação causal entre eventos e o espaço onde estes se manifestam, utiliza indicadores e matrizes de adjacência, esquemas que representam vizinhanças entre determinadas porções de um território, suas conexões e eventos ocorrentes. Geografia, Ecologia da Paisagem, Econometria, e Ciências da Saúde são campos em que a dependência espacial é uma ferramenta, cujo objetivo é verificar a relação causal que o espaço estabelece com um sistema de eventos e variáveis, sistema enunciado por um complexo de proposições.
Tem-se por objetivo definir o Projeto Urbano como mediação ou linguagem, expressa por um desenho em que a dependência espacial, compreendida como articulação complexa indissociável entre conteúdos e espaço proposto, é uma qualidade intrínseca. Quer dizer, arquitetos urbanistas por meio do Projeto e em especial, do Projeto Urbano (PU), criam espaços cuja natureza se define pela dependência de variáveis, e em que a transformação da espacialidade acarreta a emergência de novo significado, mediado pelo desenho, compreendido como a expressão de um desígnio, ou planejamento racional que tenta definir o porvir (2).
A abordagem da dependência espacial e projetos urbanos
A ciência da dependência espacial pressupõe uma totalidade de sentido, significado complexo e sistêmico, que depende e se explica a partir do espaço. A expressão autocorrelação ou dependência espacial implica que o valor de uma variável se altera conforme sua localização ou espacialidade, sugerindo a variação de fenômenos – renda, emprego, usos diversos e atividades, conforme o espaço em que se inserem. Esta posição redefine o espaço não como meio, mas produto da organização de múltiplas referências e sua localização.
A ciência da dependência espacial teve início na Inglaterra com John Snow, um higienista que viveu na segunda metade do século XIX (3). A fim de explicar as causas do cólera em Londres, originado nas Índias, e superar explicações usuais que atribuíam a doença a miasmas, enunciou a hipótese de que a disseminação da moléstia ocorria por ingestão de água contaminada.
Para demonstrá-la, mapeou as residências dos óbitos e relacionou sua localização ao posicionamento das bombas de água que abasteciam a cidade. Snow foi o primeiro epidemiologista a pesquisar a relação entre a doença e a localização como estrutura causal, explicando o problema a partir das condições espaço-temporais em que é produzido: a localização da bomba que distribuía água poluída às casas daquela área urbana, cuja situação explicava a disseminação da doença.
A dependência espacial vai além dessa explicação, envolvendo a morfologia e singularidade do espaço: a relação entre a localização da bomba, das casas e o sistema de fluxos representado pelo abastecimento e pelo caminho realizado pela água até as casas, sendo a rede de caminhos a base para a compreensão de que a distribuição da água infectada era causa da disseminação da doença.
A estrutura causal relacionando variáveis de localização das residências e das bombas de captação de água possibilitou compreender que uma delas, Broad Street, era o epicentro da infestação, pois realizando captação a jusante do Tamisa, distribuía água infectada proveniente de uma região com grande concentração de dejetos. O efeito se explicava por um sistema topológico – a localização dos fatores de disseminação da doença: bombas, residências, e condições ambientais desfavoráveis, com água poluída distribuída. Essa foi uma das primeiras investigações utilizando análise espacial, identificando variáveis que se integram em um sistema causal espacialmente explicado, esclarecendo a correlação das variáveis com base na localização.
O espaço e sua configuração, e os caminhos determinados para a expressão espacial de uma variável, tal como a infestação revelam dependência à singularidade da localização. Outras variáveis, nem tão desastrosas quanto a doença, podem também se apresentar espacialmente determinadas: explica-se topologicamente o infortúnio, mas sugere-se que a transformação e formas de desenvolvimento também sejam espacialmente causadas, e que o Projeto Urbano é um meio para alcançar esse objetivo.
Fluxos, adjacências ou relações espacialmente explicáveis, mesmo que não exatamente contíguas (alotopia), determinam dependência e fronteiras, bem como relações com variáveis sócio-territoriais. Embora a Geografia tenha afirmado que tudo o que está próximo tem mais correlação do que está distante, o Projeto urbano demonstra que tais relações são criadas pela mobilidade que conecta regiões não necessariamente contíguas, por exemplo.
Dependência ou autocorrelação espacial significam que o valor de uma variável muda conforme a localização de si própria ou a incidência relativa aos espaços vizinhos, sendo possível medir a relação da variável com o espaço. A correlação da variável com ela mesma, no mesmo local de incidência nunca ultrapassa 1 e se encontra entre -1 e 1 (um). A correlação da variável com áreas vizinhas valerá entre -1 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior semelhança de incidência entre vizinhos; o valor 0 (zero) indica inexistência de correlação, e valores negativos, autocorrelação negativa. Esses indicadores algébricos podem ser expressos por matrizes de conectividade, investigando-se a dependência de fenômenos socioeconômico-ambientais e vizinhança ou adjacência, e determinações espaciais concretas (4). Projetos Urbanos atuam em superfícies conexas; seu objetivo é criar dependência de variáveis-atividades em perímetros definidos.
Uma das aplicações da dependência espacial é como indicador de medida dos efeitos de um Projeto Urbano como meio para a requalificação, se a entendermos como conjunção da transformação física, social e econômica.
Lungo (5) define os PU como intervenções agregadoras de obras emblemáticas e operações urbanas ou programas de intervenção, pautadas por um conjunto de ações de profundo impacto no desenvolvimento urbano. Embora a expressão Projeto Urbano não se defina precisamente como cabe a uma noção, sugerindo a complexidade de atividades como meio para o desenvolvimento urbano (6), é mito que uma intervenção em perímetro delimitado seja suficiente para desencadear resultados transformadores.
O sucesso de uma intervenção em peça urbana parece se esgotar, exigindo relacionar um grande projeto ao planejamento da cidade alvo (7). A dependência espacial envolve diversos níveis e escalas – redefinindo pragmaticamente as “vizinhanças” da peça urbana, e as conexões implícitas ao projeto, que configuram espaços não necessariamente contíguos (Alotopia), espaço heterogêneo em suas várias escalas, tais como o espaço metropolitano.
Projetos Urbanos visam resultados de curto, médio e longo prazo, podendo desencadear transformações em múltiplas escalas, - em pontos, linhas ou superfícies - levando em conta determinada escala e também o conjunto do território. PU adquirem sentido como desenho gerador de atividades para elevar o desempenho econômico-social de um território heterogêneo, com papel estratégico ao gerar efeitos positivos frente à competitividade econômica, integração e coesão social e sustentabilidade.
Reordenando o espaço urbano, contam com o apelo de obras-âncora que dependem de gestão e participação de diversos atores sociais e instituições: “implican una gran diversidad de actuaciones, propician la emergencia de nuevas ‘dinámicas institucionales y modos de gobernanza’ y buscan, ante todo, la regeneración socioeconómica de espacios abandonados y/o degradados, en muchos casos, antiguas instalaciones fabriles que convierten en prósperas zonas de negócio y/o residenciales [...]” (8).
Substitui-se o modelo gestor e regulador do urbanismo fordista por outro pró-ativo e aberto, com o objetivo de atração de investimentos – determinando um novo rol de variáveis agregadas ao espaço.
Os efeitos esperados de Projetos Urbanos dependem do planejamento da cidade metropolitana, questionando intervenções pontuais e oferta de singularidade formal apenas. Sendo o espaço público elemento fundamental (9), bem como a criação de equipamentos a reafirmar a identidade simbólica, produzem integração e continuidade formal com tecidos preexistentes. Tais intervenções possibilitam um novo sistema de vizinhanças, com múltiplos usos e atividades, responsáveis pela transformação de tecidos urbanos consolidados. Essa pauta transformadora resulta da articulação de dados objetivos, problemas abstratos, situações culturais e exigências sociais, que se diferenciam e encontram expressão morfológica unitária (10).
Bilbao Metropolitano: dependência espacial e regeneração urbana
As singularidades da regeneração de Bilbao e sua Área Metropolitana, que atingiu níveis insustentáveis de deterioração ambiental e dificuldades econômicas no final da década de 1980 são exemplo para o estudo dos Projetos Urbanos e a dependência espacial. Os efeitos positivos alcançados pela cidade industrial e portuária da Comunidade Autônoma do País Basco, norte da Espanha, parecem superar dificuldades e problemas, e externalidades no curso do processo, relativizadas pelo sucesso frente o conjunto de transformações urbanísticas.
Novos usos, formas de ocupação do solo e múltiplas atividades articulando a “joia da coroa”, nome do perímetro-alvo de Abandoibarra (Figuras 1, 2, 3, e 4), antiga localização dos estaleiros Ybarra no espaço conhecido como Abando, a um projeto de escala metropolitana ao longo dos municípios seguindo o Rio Nervión, consistiram nas superfícies e vizinhanças do escopo do plano (11). O plano-projeto integrou regeneração urbana, planejamento metropolitano e desenvolvimento socioeconômico, cujos efeitos alcançaram a atenção e reconhecimento da literatura especializada, mesmo diante de externalidades diversas, e recrudescimento da crise, de que é exemplo o atual declínio de empregabilidade e investimentos, vividos em toda Espanha.
O Plano Estratégico que orientou as diretrizes de intervenção para a Zona Metropolitana de Bilbao deu prioridade às condições para que atividades terciárias se concretizassem, com arquitetura adequada a esses usos. Atividades culturais e turismo, com a construção do Museu Guggenheim em Abandoibarra foram um meio para a transformação, expandindo atividades econômicas.
A intervenção em Abandoibarra era uma entre outras, estratégica e sincronicamente articuladas em escalas de âmbito metropolitano e regional, articuladas por um Plano de mobilidade que inclui a expansão das linhas intermunicipais de Metrô e transporte ferroviário, convertendo-a em instrumento para transformar vasta superfície, dependente de complexa agenda, incluindo o desenvolvimento induzido.
No início dos anos noventa, pôs-se em marcha a reconversão da área portuária estendida ao longo da orla do Nervión, tendo Abandoibarra como intervenção emblemática, por seu esvaziamento pós-industrial e proximidade ao Casco Histórico. A área portuária esvaziada fora atingida pela transformação logística dos processos de estocagem inutilizando antigos galpões, substituídos pela economia de espaço da containerização. A operação contou com a liberação de terrenos pertencentes ao governo central, cedidos ao município e disponibilizando 35 ha para intervenções geridas pelo poder público (12).
Combatendo a inércia conservadora que adiava as intervenções, ao crer que se poderia reconstituir o tecido industrial corroído pela crise e mercados globais que solaparam a atividade siderúrgica primaz, o acirramento da crise impulsionou o Plano Territorial Parcial - PTP e o Plano Geral de Ordenação Urbana – PGOU. O objetivo era reocupar vazios urbanos e reconectar áreas abandonadas, devido ao desaparecimento de atividades industriais tradicionais e mudança nas condições de operação do porto. A ocupação futura de Abandoibarra deveria contar com usos de oportunidade redefinindo significados, tais como uso residencial, e ainda usos culturais e serviços.
A integração de níveis e construção de consenso, visando alcançar intervenção urbanística e planejamento regional, em áreas estratégicas de oportunidade, fundamenta um plano de escala ampla que também é estratégico e cuja metodologia envolve as relações dependentes entre sociedade, território e natureza, definindo níveis territoriais de intervenção como produto de uma ação processual, de diagnóstico aberto e em contínua elaboração. Compreende-se o território como o produto de uma ação que se vai moldando processualmente, resultado da incidência de agentes diversos no espaço. O território que se transforma é, nessa acepção, também um resultado do processo e não uma estrutura estática, definindo-se como mediação da atividade produtiva e de determinações históricas. Plano marcado pela flexibilidade, consenso e dialogismo, técnico e político ao mesmo tempo, ordenador e, entretanto, aberto à definição de usos e atividades compatíveis com as necessidades históricas urgentes.
Consultores internacionais, como a Andersen Consulting foram acionados para elaborar o “Plan Estratégico para la Revitalización de Bilbao Metropolitano”, à época prática corrente, resultando em metas de curto, médio e longo prazo (13). Estas fixaram diretrizes gerais para abordar temas críticos e estabelecer critérios gerais, enfrentar o desenvolvimento induzido vinculado ao território e decisões de ordem socioterritorial, exigidos pelos níveis regional e metropolitano (14).
Investimento em recursos humanos, alcançar uma metrópole de serviços em uma moderna região industrial, mobilidade e acessibilidade, regeneração urbana e meio-ambiental, centralidade cultural, gestão coordenada das administrações pública e setor privado caracterizaram a trama de enunciados, geradora do aporte teórico que conduziria o planejamento e ordenação racional do território. A definição desses temas implicava na necessidade de infraestruturas e intervenções e projetos para oferecer aos temas soluções espaciais.
A abordagem vinculava desde o início a organização espacial e o Projeto ao cumprimento da agenda, a fim de elevar a empregabilidade e o equilíbrio sócio-territorial esgarçado pela então crise. A transformação de Bilbao apoiou-se na formulação de uma trama conceitual com vários cenários, presentes e futuros.
Tal como Quine revelou como capacidade de previsão da linguagem (15), o projeto é também complexo enunciado de possíveis – projetos físicos, programas econômicos e sociais, medidas gestoras e campanhas cívicas. A concretização da agenda foi reconhecidamente um esforço de reestruturação topológica em várias escalas, e soluções para o problema da mobilidade, informação e telecomunicações, um gesto para estabelecer a dependência espacial e um futuro para cidade e região metropolitana.
A dependência espacial pressupõe que plano e projeto urbano não sejam um desenho simplista, mas meio do desenvolvimento sócio-territorial e evidência da indissociabilidade entre fluxos (movimento e circulação, de pessoas, bens e informação) e fixos – arquitetura, (16), atividades e espaços. O Projeto Urbano de Abandoibarra estabelece esta dependência, procurando regulação estrutural do tecido urbano (17) intervindo em uma superfície e buscando, apesar das externalidades, efeito socioeconômico positivo.
Projetos Urbanos muitas vezes não deveriam assim denominar-se, pois legitimam tão somente voluntarismo, fadados a não deixar os gabinetes em que são concebidas por seus efeitos questionáveis. Geram equívocos e deseconomia, canalizando investimentos públicos a obras cujo retorno está longe de configurar bom resultado – ao que Esteban (18) denomina a “banalização dos projetos urbanos”. Este fenômeno conta entre suas causas com a fragmentação e isolamento de intervenções pontuais desvinculadas de planos de escala mais ampla, desligadas de programas de atuação sinérgicas, relacionando níveis territoriais, escalas e formas de gestão.
Nestes tempos de crise, países que investiram vultosos recursos em obras de grande porte vêm questionando essas intervenções, a exemplo da “Cidade da Ciência e Cultura”, projeto do arquiteto norte-americano Peter Eisenman. As obras iniciaram em 2001, tendo sido parcialmente inauguradas em 11 de janeiro de 2011; trata-se de complexo arquitetônico multifuncional para atividades culturais e lazer, localizado na periferia de Santiago de Compostela, Galicia, Espanha. Hoje, as obras, se não paralisadas, seguem completando-se com intensidade aquém da esperada, sob a contestação do investimento, e das decisões técnico-políticas.
A autonomia do complexo, concebido como intervenção única pautada pelo discurso legitimador de réplica do sucesso do Museu Guggenheim Bilbao expõe a fragilidade da proposta. A diferença com Abandoibarra, cujos efeitos de expansão da mobilidade e conectividade se multiplicam em várias escalas, é criar vizinhanças e heterogeneidade espacial, superando a simples contiguidade. Este Plano inclui peças urbanas em território de alcance metropolitano, expandindo a mobilidade e a diversificação de modais, permitindo a correlação de variáveis pela incorporação de conteúdos objetivos ao projeto.
A Estatística Espacial calcula relações entre variáveis e espaço por indicadores como Índice de Moran, sendo possível propor 20 (vinte) possibilidades de cálculo (19). Um Projeto Urbano é também ação propositiva de soluções possíveis, e atendimento a demandas objetivas; no entanto, o desenho que cria dependência espacial é uma decisão crítica e valorativa, prevendo efeitos a partir do que espera alcançar. Pode-se escolher entre projetos distintos, em situações similares. Quanto mais conectividade e relações entre espaço e variáveis um Projeto Urbano determinar, transformará a realidade mais decisiva e intensamente.
A dependência é fruto de incidência espacial de atividades novas, mas o PU de Abandoibarra não obedeceu aos ímpetos do mercado imobiliário que desejava ocupá-lo o mais intensamente possível com torres corporativas. As decisões foram flexibilizadas durante o debate entre atores históricos e forças sociais; seu desenho é resultado desse diálogo, e o reconhecimento rigoroso de demandas. Caso se estabelecesse o equívoco, ambiental e socioeconômico de apostar em atividades terciárias desmedidas, um desequilíbrio seria desencadeado, criando assimetrias e infortúnio, da mesma forma como se bombeássemos água contaminada, como relatou Snow para Londres... Dependência espacial positiva depende desse diálogo, das forças sociais e equilíbrio dos conteúdos objetivos incidentes, bem como valores interpostos ao Projeto Urbano. Melhor enfrentar o território metropolitano e abranger escala ampla, do que apostar na congestão terciária de Abandoibarra.
Embora a relação entre espaço urbano projetado e fluxos socioeconômicos seja objeto de interesse, demonstrando que o projeto urbano é criação de dependência espacial, essa boa integração mediante o desenho urbano, integrador de múltiplas escalas depende também da singularidade de seu desenho. Pode-se criar dependência espacial positiva mediante um desenho e resultados, demonstrando que a autonomia da forma apartada de conteúdos objetivos não é capaz de defini-la: “La vinculación con la planificación económica se concretaria en la necesidad de otorgar referéncias espaciales a la misma, desde el convencimiento de su capacidad de intervención dirigida a corregir procesos y dinámicas territoriales espontáneas” (20). A dependência espacial negativa também é possível, visível por efeitos inusitados e impactos indesejáveis.
Em meados dos anos oitenta do século XX, Bilbao e área metropolitana (mais de 30 municípios) conformavam zona industrial em declínio, com 26% de desemprego, e patente fragmentação do tecido urbano, com extensas áreas ociosas inaptas ao abrigo de serviços. O diagnóstico equivocado que retardou os trabalhos de regeneração urbana se fez sentir, segundo Rodríguez (21), pela prioridade de políticas macroeconômicas desvinculadas de políticas territoriais. A superação do tratamento setorial permitiu avançar integrando níveis institucionais, configurando novo universo de premissas, reunindo enfoques sobre vários problemas territoriais e complexa trama de intenções e meios.
O objetivo de elevar o emprego e atividades terciárias de turismo e cultura estabeleceu os conteúdos empíricos de estímulo ao Projeto Urbano e intervenções na Área Metropolitana. A intensidade desses conteúdos somente seria regulada pelo diálogo com a sociedade e a mediação de estudos rigorosos advindos de instrumentos estatísticos.
Os resultados positivos das intervenções foram acompanhados por consistente aumento do PIB, cujos índices se mantêm em patamares estáveis desde 2006, conforme evidenciam as tabelas:
Evolução anual PIB País Basco / Evolução anual PIB per capita País Basco. Fonte: http://www.dadosmacro.com
Em 1994 a taxa de desemprego no País Basco atingiu 24,9% e em Vizcaya (província em que se localiza Bilbao) 26% (22); em 2007 a percentagem era de 3,3% no País, chegando hoje em plena crise a 12%, frente aos 26% experimentados em toda Espanha. O evidente protagonismo das atividades terciárias se revela em 2010, refletindo-se nos níveis de emprego concentrando 52% do total, distribuídos em 64,6% de estabelecimentos, levando a região a ter a maior renda per capita da Espanha e melhores IDH do mundo (23). Embora essas atividades tenham se elevado, não foram resultado de investimentos desequilibrados em atividades equivocadas, compondo com outras, tais como a indústria, que foi recompondo paulatinamente seu papel.
Contrariando crenças, experiências como Bilbao fragilizam a ideia corrente de que planejar estrategicamente é realizar intervenções pontuais, sugerindo a revisão desse paradigma, questionando a finalidade exclusiva de transformação da imagem das cidades ao qualificar uma de suas partes. O plano articulador de escalas estendeu a essa ampla superfície a potencialidade de agregar dependência espacial de múltiplas variáveis, sem fragilizar uma das partes pela excessiva concentração de usos ou seu esvaziamento.
Considerações finais
A questão de como o projeto arquitetônico e em especial, o projeto urbano propõe um espaço capaz de transformar a realidade socioterritorial, em um dado momento da história, modificando índices agregados a uma superfície foi abordada, e levanta um conjunto de perspectivas para uma teoria do espaço e de sua linguagem, considerando que este se relaciona a determinações objetivas. O espaço, conforme considerações apresentadas, é heterogêneo, complexo, multidirecional e agrega atributos vários de forma sincrônica, e tem a capacidade, conforme sua organização, de modificar índices e situações, o que o torna um meio para previsão de futuras condições reais. O projeto urbano como linguagem tem capacidade de predizer situações futuras frente às pré-existências, articulando sincronicamente vários índices e constituindo uma trama que carrega significado, trama que é construção de um amplo domínio de possibilidades. O projeto, em sua natureza de articulação complexa e previsão comprova sua natureza de ciência, pois como Quine enuncia, as determinações objetivas se encontram nas tramas da linguagem, assim como se encontram na trama projetual. Da mesma maneira que uma teoria científica tem um centro semântico que coincide com a objetividade e que faz parte de uma trama formal que é a própria expressão da teoria, um projeto arquitetônico e urbano é também uma forma complexa que abriga um centro de relações e indicadores, que determinam sua relação com o mundo objetivo. Para além dessa relação objetiva, o projeto, assim como as tramas de linguagem, carrega o sentido por intermédio de uma formalização, e tais formalizações são construções abertas: trata-se de possíveis, da mesma forma como Quine enunciou.
O debate que o artigo instaura é que há instrumentos e meios para demonstrar que as propriedades fundamentais do espaço incidem sobre a determinação de relações e vizinhanças, conectividade e articulação de dados objetivos, tais como índices econômicos e outros, como os exemplos anteriores demonstram. Esses resultados vêm sendo evidenciados pelas ciências que ao admitirem como objeto o território e suas relações múltiplas e multidirecionais, procuram instrumentos, tais como índices estatísticos e matrizes de adjacência, para manipular e identificar a vinculação entre espaço e objetividade. Tais instrumentos analisam para compreender a rede de relações e sentido que o projeto arquitetônico e urbano apresenta e cria em sincronia – o que se desmembra para conhecer é integrado espacialmente pelo projeto, para produzir conhecimento arquitetônico e urbanístico. No entanto, a aplicação desses instrumentos científicos vem gerando uma técnica reprodutível: e uma especialização e reprodução da linguagem capaz de uma matematização espacial. Tais instrumentos são importantes, como meios para um método científico constituído e aceito, mas limitam-se a suas possibilidades analíticas e de linguagem.
A comparação com ciências que se utilizam do princípio da autocorrelação ou dependência espacial leva a compreender outros campos de conhecimento além da arquitetura e urbanismo que lidam com a incidência de uma variável condicionada pela localização. Embora essas ciências partam de situações espaciais e as desmembrem analítica e numericamente para compreender a objetividade inerente, e apesar de deixarem patente a existência de correspondências numéricas e espaciais, esse movimento constitui em uma sintaxe definida, que não comparece como solução aos problemas detectados por suas análises. Esse jogo de linguagem estabelecido entre indicadores e matrizes funciona como uma forte estrutura de diagnóstico e não de criação, ou solução.
Embora essas estratégias possam traduzir e auxiliar a compreender uma espacialidade complexa na forma de índices, matrizes e grafos, e essas linguagens sejam estruturalmente similares, e todas elas tenham capacidade de captar a objetividade, preservando a ambição científica, essa similitude não quer dizer que a linguagem possa traduzir diretamente a realidade, como Quine afirma, sendo necessária a construção de estruturações complexas que possam carregá-la, construção essa que cabe ao especialista. No caso da arquitetura e urbanismo, cabe ao arquiteto a enunciação própria de uma linguagem capaz de expressar espacialidade e complexidade, e esta é o projeto. Arquitetos e urbanistas propõem constantemente a autocorrelação espacial, e múltiplas possibilidades desta, tantas forem as possibilidades espaciais, pois a qualidade específica do projeto, de suas arquiteturas, atividades e usos apresentados e conexões, é a matéria propriamente da criação da dependência espacial, e se quisessem, poderiam transformar e confrontar seus projetos na expressão sígnica de que tais ciências se utilizam – a matriz de conectividade e grafos. No âmbito das ciências discutidas, qualquer alteração de diagnóstico revela diferentes e possíveis relações entre objetividade e espaço. No entanto, todo projeto é também um grafo e uma matriz, ou poderia ser expresso por esses meios. Entretanto, como Quine enunciou também, a produção de conhecimento utiliza a separação analítica, que é importante; mas a realidade complexa é unificada, e precisa de um sistema de representação que unifique também o que foi separado. O projeto como representação do espaço criado contém todas as determinações e relações expressas por grafos e matrizes, mas a explicitação de sua complexidade pode passar pelos instrumentais propostos por ciências tais como aquelas descritas. Se, para Quine as linguagens analítica e sintética em uma trama histórica e pragmática coincidem, o projeto arquitetônico e urbano é um meio de demonstração disso, e as demais ciências apresentadas são instrumentos que, por intertextualidade e deslocamento entre linguagens, falam de situações parciais que o projeto contem, em sua unidade propositiva.
As ciências da dependência espacial ajudam a demonstrar que como instrumentos analíticos fragmentados e parciais, enquanto linguagem, partem do espaço, o analisam e não são capazes de gerar respostas e proposições espaciais: partem do espaço, mas não têm respostas espaciais.
O projeto arquitetônico e urbano, por sua vez, é um instrumento analítico e sintético ao mesmo tempo, partindo das pré-existências espaciais para transformá-las efetivamente, criando a dependência e autocorrelação e modificando efetivamente a realidade, e dando a esta novos rumos. É linguagem articuladora por excelência, pois a partir de sua especificidade, unifica as determinações objetivas e sua expressão, não desmembra a intervenção objetiva e a espacialidade que a determina: parte do espaço e a ele retorna.
notas
1
GUERRA, Isabel. Tensões do Urbanismo Quotidiano. In PORTAS, N., DOMINGUES, A., e CABRAL, J. Políticas urbanas – tendências, estratégias e oportunidades. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
2
ASCHER, François. Novos princípios do urbanismo. Tradução de Nadia Somekh. São Paulo, Romano Guerra, 2010.
3
ABASCAL, Eunice Helena S.; ABASCAL BILBAO, Carlos . Arquitetura e ciência. Dependência espacial, projeto e objetividade. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 162.04, Vitruvius, nov. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.162/4971>.
4
Idem, ibidem.
5
2004, apud SOMEKH, Nadia; CAMPOS NETO, Candido Malta. Desenvolvimento local e projetos urbanos. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 059.01, Vitruvius, abr. 2005 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.059/470>.
6
ESTEBAN, Marisol. Bilbao, luces y sombras del titánio. El proceso de regeneración del Bilbao Metropolitano. Bilbao, Servicio Editorial de la Universidad del País Vasco (UPV), 2000.
7
ASCHER, François. Op. cit.
8
RODRÌGUEZ, Arantxa S. Conferencia de Arantxa Rodríguez: Reinventar la ciudad. Paradojas de la urbanización neo-liberal. Disponível em <http://ayp.unia.es/index.php?option=com_content&task=view&id=73>, acessado em 24 de maio de 2013.
9
BORJA, Jordì. La ciudad conquistada. Madrid, Alianza Editorial, 2003; GALIANA, Luis; VINUESA, Julio (org.). Teoría y práctica para uma ordenación racional del territorio. Madrid, Editorial Síntesis, 2006, p. 26.
10
NOVICK, Alicia. Proyectos urbanos y otras historias. Buenos Aires. Sociedad Central de Arquitectos, 2012; RODRÌGUEZ, Arantxa S. Op. cit.
11
ABASCAL, Eunice Helena S. A recuperação de Bilbao como processo dinâmico e polifônico. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2004.
12
RODRIGUEZ, Arantxa; ABRAMO, Pedro. Urbanismo, cultura e governança na regeneração de Bilbao. In: COELHO, Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo, Iluminuras, 2008.
13
SERRA, Elías Más. Plan Estratégico o para un discurso?: El caso de Bilbao Metrolitano. In: Revista electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. Depósito Legal: B. 21.741-98 Vol. XIV, núm. 328, 1 de julio de 2010.
14
ABASCAL, Eunice Helena S. Op. cit.
15
ABASCAL, Eunice Helena S.; ABASCAL BILBAO, Carlos . Espaço, totalidade e sentido. A linguagem que representa e apresenta a objetividade. Arquitextos, São Paulo, ano 14, n. 163.04, Vitruvius, dez. 2013 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/14.163/4995>.
16
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
17
RODRIGUEZ, Arantxa; ABRAMO, Pedro. Op. cit.
18
ESTEBAN, Marisol. Op. cit.
19
ABASCAL, Eunice Helena S.; BILBAO, Carlos Abascal. Arquitetura e ciência. Dependência espacial, projeto e objetividade (op. cit.).
20
GALIANA, Luis; VINUESA, Julio (org.). Op. cit, p. 26.
21
RODRÌGUEZ, Arantxa S. Op. cit.
22
EUSTAT, Tasas de actividad, ocupación y paro de la población de 16 y más años en la C.A. de Euskadi por nivel de instrucción, trimestre, tasa, territorio y periodo. Disponível em <http://www.eustat.es/idioma_c/indice.html#axzz2ULpsoeut>, acessado em 24 de maio de 2013.
23
Idem, ibidem.
sobre os autores
Eunice Helena S. Abascal. Arquiteta e urbanista, professora da área de História e Teoria da Arquitetura da FAU Mackenzie, docente do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Coordenadora do PPGAU UPM.
Carlos Abascal Bilbao. Arquiteto e Urbanista, Mestre em Ciências Sociais pela Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais (FESP) da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.