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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo faz uma análise crítica do Tropical Hotel Santarém, que pode ser considerado uma “pérola” moderna na Amazônia, discutindo o valor da obra e do seu autor, bem como as intervenções físicas e o estado atual de conservação do edifício.

english
This article aims to make a critical analysis of the Tropical Hotel Santarém, which can be considered a modern “pearl” in the Amazon, discussing the value of the work and its author, as well as physical interventions and the current condition of the build

español
El artículo tiene como objetivo hacer un análisis crítico de la Tropical Hotel Santarém, que se puede considerar una perla moderno en el Amazonas, discutiendo el valor de la obra y su autor, las intervenciones físicas y la condición actual del edificio.


how to quote

PAIVA, Ricardo Alexandre. Tropical Hotel Santarém, de Arnaldo Furquim Paoliello. Uma “pérola” moderna na Amazônia. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 175.03, Vitruvius, dez. 2014 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.175/5378>.

Cartão Postal do Tropical Hotel de Santarém PA, 1976
Foto divulgação [Blog de Ignácio Ubirajara Bentes de Sousa Neto]

O presente artigo tem como objetivo documentar e resgatar a memória do Tropical Hotel de Santarém, no Pará, um empreendimento da Companhia Tropical de Hotéis, subsidiária da Varig, enfatizando também a relação da empresa com a arquitetura moderna no Norte e Nordeste.

O Tropical Hotel de Santarém (1973), construído no oeste da Pará, no interior da Floresta Amazônica é um exemplo emblemático do desígnio da arquitetura moderna no processo de modernização de regiões longínquas do Brasil.

O Hotel foi projetado pelo arquiteto paulista Arnaldo Furquim Paoliello (1927), formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, representante da geração de arquitetos modernos paulistas com forte atuação a partir da década de 1950, com formação e atuação notadamente modernas. A relevância do artigo se sustenta na necessidade de compreensão dos desdobramentos da arquitetura moderna brasileira no panorama de Integração Amazônica e modernização da Região Norte, assim como no imperativo de iluminar episódios da arquitetura moderna brasileira pouco tratados pela historiografia, tanto em relação à obra, como ao autor do projeto.

Sendo assim, pretende-se efetuar uma análise crítica do Tropical Hotel Santarém, que pode ser considerado uma pérola moderna na Amazônia, discutindo o valor da obra e do seu autor, bem como as intervenções físicas e o estado atual de conservação do edifício.

A Companhia Tropical de Hotéis-Varig e a arquitetura moderna

Ao longo da década de 1960 e 1970, a Companhia Tropical de Hotéis (1), subsidiária da Varig, cumpriu um papel importante na consolidação da empresa aérea, considerada à época como a mais importante do Brasil. A companhia favorecia sobremaneira a viabilização da rede aeroviária brasileira, uma vez que construía meios de hospedagens para abrigar a tripulação da empresa em serviço, em lugares estratégicos e longínquos, criando hotéis que eram também em si, um atrativo. A iniciativa privada da Varig, que recebia incentivos fiscais e financeiros do governo, se alinhava ao projeto de poder da ditadura militar, que preconizava a ideologia de um Brasil grande, moderno e integrado.

Este período testemunha também o início dos incentivos financeiros e fiscais do Governo direcionados para o turismo, que através da Embratur “credenciou a Companhia Tropical de Hotéis a receber investimentos fiscais para a construção de Hotéis, conforme o Decreto 62.006 de 1967 – que regulamenta os incentivos ao turismo” (2).

A construção de hotéis pela Varig, seguia uma tendência mundial em associar meios de hospedagem a transporte aéreo, a exemplo das grandes empresas internacionais de aviação, como fez a Air France com a rede de hotéis Méditerranée, só para citar um exemplo.

A princípio, a Companhia passou a arrendar hotéis já construídos, como foi o caso do Hotel da Bahia, em Salvador e o Hotel Internacional dos Reis Magos em Natal, ambos com feições notadamente modernistas e projetados por arquitetos de formação moderna.

O Hotel Internacional dos Reis Magos (3), inaugurado em 1965, foi arrendado durante 15 anos pela Companhia e constitui importante exemplar da arquitetura moderna potiguar. O projeto original foi elaborado por uma equipe de arquitetos pernambucanos, composta por Waldecy Pinto, Antônio Didier e Renato Torres.

O Hotel da Bahia (1947-52), de autoria de Diógenes Rebouças, em parceria com Paulo Antunes Ribeiro constitui um exemplo emblemático de arquitetura moderna hoteleira. “Em 1963, o Hotel, que até então era administrado diretamente pelo Governo do Estado, passa a ser operado pela Companhia Tropical de Hotéis, que posteriormente adquire o seu controle acionário” (4).

A Companhia Tropical de Hotéis-Varig, além de arrendar hotéis já existentes, passou a contratar projetos e construir hotéis em diversas cidades do Brasil, consoante os interesses privados da empresa e os interesses públicos do Governo Militar.

Dentre os projetos executados, o do Tropical Hotel Tambaú (1966-1970) em João Pessoa PB é um dos que mais se destaca. Projetado pelo arquiteto carioca Sérgio Bernardes (1919-2002), o Tambaú constitui um dos edifícios modernos mais significativos da capital paraibana, seja pela a sua importância urbanística, acentuando o processo de ocupação da orla e da porção leste da cidade, iniciada na década de 1950; seja pelo ineditismo e originalidade da sua forma, relacionada também à sua implantação: um círculo localizado no vértice do encontro entre duas praias. Assim como no de Santarém, conforme será visto a seguir, a construção do Tropical Hotel Tambaú tem articulações e subsídios do governo militar, e compõe, juntamente com obras de infraestrutura (BR-230 e o Anel do Brejo), estratégias de modernização e início de políticas de turismo como fator de desenvolvimento e integração nacional (5).

Sérgio Bernardes recebeu igualmente a encomenda de projetar o Tropical Hotel de Manaus (1963-70). Tratava-se de um ideia bastante original e alinhada ao seu espírito visionário, qual seja, criar um espaço com microclima controlável, incluindo a fauna e a flora da Floresta Amazônica às margens do Rio Negro, próximo ao seu encontro com o Rio Solimões e aproximadamente a 10 Km de Manaus.

“A primeira ideia consistia em um domo geodésico com 300 m de diâmetro, cobrindo as áreas necessárias para instalação hoteleira. Na segunda proposta, ele foi substituído por uma saia de vidro – sustentada por cabos e treliças de aço – que abrangeria a mesma área. Seu anel de sustentação seria fixado na coluna central de circulação a 60 m de altura, nível do primeiro piso de apartamentos” (6).

As duas propostas supracitadas não foram executadas e, em substituição, foi construído um edifício com características mais tradicionais, assim como o Tropical Hotel das Cataratas em Foz do Iguaçu, o primeiro da série. O Tropical Hotel de Manaus, ainda hoje em funcionamento e sob a direção da rede constitui um dos meios de hospedagem mais conhecidos da Região Norte.

O Hotel Tropical de Recife foi outro projeto solicitado ao arquiteto Sérgio Bernardes que não foi construído e, assim como o de Manaus, apresentava uma proposta bastante inovadora. O ineditismo se traduzia, a priori, na implantação, ao propor um edifício inserido na água do mar a fim de preservar os coqueiros existentes na faixa de areia da Praia de Boa Viagem. Além da implantação, cabe destacar a forma inusitada do hotel que se desenvolvia em torno de um eixo circular que estruturava os pavimentos (forma helicoidal) (7).

Em todos os projetos de Bernardes para a rede de hotéis Tropical, prevalece um desenvolvimento circular e radial na solução espacial, funcional, técnica e formal dos edifícios, além de um apelo icônico em relação à paisagem natural e construída.

É interessante notar a contribuição da arquitetura moderna brasileira à tipologia de hotéis, não exclusivamente as soluções consagradas nos grandes centros urbanos e nas regiões francamente mais desenvolvidas, mas também nos lugares marginais que, marcados por certas idiossincrasias, passaram a ser pretextos para expressar soluções distintas e representar a diversidade da arquitetura moderna brasileira. Indiscutivelmente, a Companhia Tropical de Hotéis colaborou para o desígnio de modernização de vários rincões do Brasil continental, sobretudo no Norte e Nordeste do Brasil, como o Tropical Hotel de Santarém.

O arquiteto Arnaldo Furquim Paoliello

O Tropical Hotel Santarém foi projetado por Arnaldo Furquim Paoliello (1927), arquiteto formado na FAU Mackenzie, onde ingressou em 1946 e se graduou em 1950. A princípio, a formação era de engenheiro-arquiteto e no segundo ano, o curso passou por uma reforma, mudando o período de graduação de seis para cinco anos, convertendo-se na Faculdade de Arquitetura do Instituto Mackenzie, a primeira escola de arquitetura do Estado de São Paulo.

A turma de Paoliello contou com futuros importantes arquitetos paulistas, como Rodolpho Ortenblad Filho, Roberto Cláudio dos Santos Aflalo e Carlos Cerqueira Lemos, à época em que a FAU Mackenzie era dirigida pelo arquiteto Cristiano Stockler das Neves, um dos fundadores.

Em entrevista à Sabrina Souza Bom Pereira e Abilio Guerra, o arquiteto Rodolpho Ortenblad Filho relata a experiência do curso, citando o protagonismo de Arnaldo Paoliello:

"Entrei em 1947 e me formei em 1950. A minha turma já era maior, com dezenove alunos, da qual fazia parte gente muito competente, que se realizou bem na profissão. Eu era colega de Roberto Aflafo, um excelente designer de móveis, fundador da loja Branco e Preto com Miguel Forte e Jacob Ruchti; eram também da minha turma o Arnaldo Paoliello, até hoje um arquiteto muito competente, e o Carlos Lemos, hoje professor da USP, que adotou a carreira de pesquisador da história da arquitetura colonial brasileira" (8).

Turma de formandos do Curso de Arquitetura da Faculdade Mackenzie de 1950. Arnaldo Furquim Paoliello é 4º agachado (da esquerda para a direita)
Arquivo pessoal Rodolpho Ortenblad Filho [PEREIRA e GUERRA, 2011]

O arquiteto era representante da geração de arquitetos modernos paulistas com forte atuação a partir da década de 1950, com significativos projetos construídos em São Paulo e publicados sobretudo na revista Acrópole.

Em 1950, logo após a formatura, fundou a construtora Paoliello S/A, da qual foi presidente até o ano de 1966 e onde realizou cerca de 350 projetos (200 efetivamente construídas) dos mais variados programas arquitetônicos.

Arnaldo Paoliello teve importante atuação no IAB-SP, sendo vice-presidente nos biênios 1964-65, quando o presidente era Alberto Rubens Botti e 1966-67, na presidência de Julio José Franco Neves. À época, foi diretor da Planesa – Companhia de Planejamento e Habitação, que se especializou em pré-fabricação de conjuntos habitacionais pelo Sistema Financeiro de Habitação (BNH) entre 1964 e 1970.

No período compreendido entre 1966 e 1971, o arquiteto foi sócio-diretor da Neves & Paoliello S.C. Ltda, onde desenvolveu, em parceria com o arquiteto Júlio Neves, diversos projetos de arquitetura e planejamento urbano. A dissolução da sociedade se deu em razão de Júlio Neves ter assumido o cargo de presidente da Caixa Econômica Federal.

O próprio arquiteto divide a sua atuação em quatro períodos, em função dos tipos de projetos, a saber:

“1° Período (1950-1965) – dedicado principalmente ao aprendizado das técnicas construtivas, industrialização da construção, participando ativamente do acompanhamento das obras, principalmente as de caráter mais artesanal. [...]

2° Período (1966-1971) – tendo deixado de participar da direção e supervisão técnica das obras, dedicou-se a planos de maior envergadura, tanto na área de projetos arquitetônicos de diversos tipos, como na área de planejamento urbano e regional, tendo se tornado especialista na matéria. Associou-se neste período ao Arq. Júlio Neves tendo sido constituído o escritório NEVES & PAOLIELLO S.C. LTDA. [...]

3° Período (1972-1986) – salientamos a atividade hoteleira no período de 1972 a 1986, quando foram projetados cerca de 20 hotéis e centros turísticos no Brasil e no Exterior. [...]

4° Período (1987-até hoje) – está havendo uma abertura de grandes condomínios fechados, alavancados por centros de lazer e de comércio de conveniências, muitas vezes até com campos de golfe, no qual o nosso escritório tem tido participação significativa” (9).

Em 1971, correspondente ao terceiro período supracitado, o arquiteto foi convidado por Adolpho Lindemberg, que por sua vez foi solicitado pela Companhia Tropical de Hotéis para projetar o Tropical Hotel de Manaus, em substituição a Sérgio Bernardes.

Desde então, a Companhia Tropical Hotéis realizou uma série de encomendas ao arquiteto, que fundou e dirigiu o Departamento de Engenharia de Hotéis da Construtora Adolpho Lindenberg entre 1971 e 1973, sendo responsável por uma equipe de 30 profissionais e gerenciando a parte técnica dos projetos, obras e a infraestrutura (do mobiliário ao paisagismo) dos hotéis a serem implantados pela Varig. Arnaldo Paoliello participou dos estudos de implantação de 10 unidades hoteleiras: Gramado RS, Brasília DF, Rio de Janeiro RJ, Ouro Preto MG, Guarapari ES, Porto Seguro BA, Recife PE, Manaus AM (10), Boa Vista RO e finalmente Santarém PA.

O Hotel Tropical Santarém: uma “pérola” moderna na Amazônia

O Tropical Hotel foi inaugurado em 1973 em Santarém (11), cidade considerada, historicamente, um importante entreposto comercial no oeste do Pará, nas margens da via fluvial do Rio Amazonas, no meio do caminho entre as duas principais metrópoles da Região Norte: Belém e Manaus; e localizada na confluência das águas barrentas do Amazonas e azuis cristalinas do Rio Tapajós, justificando o título da cidade como a “Pérola do Tapajós”.

O hotel constituía, à época, um importante empreendimento para a modernização da cidade, além do fato de funcionar como um dos agentes do incremento do turismo da Região Norte, pois deveria servir ao esforço do governo militar de suscitar a “Integração Amazônica” por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – Sudam. A agência deveria estabelecer estratégias geopolíticas de articulação da região à dinâmica econômica nacional, por intermédio da construção de estradas, da modernização das infraestruturas aeroportuárias e dos incentivos fiscais (12).

A localização estratégica de Santarém nas rotas fluviais na Amazônia e mais recentemente, nas rotas aéreas, firmando a sua centralidade em relação ao oeste do Pará, acendeu desde a década de 1970 a aspiração de emancipação do suposto Estado do Tapajós em relação ao do Pará, sendo Santarém a capital.

Segundo Paoliello (13), à época em que trabalhou no projeto do Hotel, havia um desejo por parte do então Ministro dos Transportes do Governo Médici, Mário Andreazza, de construir uma rodovia conectando Brasília a Santarém com o intuito de facilitar a exportação de gado do Centro-Oeste a partir do porto de Santarém. A construção do Hotel se insere, portanto, em um contexto mais amplo de modernização, conforme a citação abaixo:

“Este projeto encontra justificativa, pois a cidade Santarém que hoje possui cerca de 70.000 habitantes, sendo a maior cidade do Pará depois da Capital, e está crescendo a uma taxa demográfica de 10% ao ano, devendo com os grandes investimentos federais, estaduais e municipais que atualmente se fazem, como: o maior porto fluvial da bacia Amazônica, obras de saneamento básico, estrada Cuiabá-Santarém, usina hidroelétrica de Curuá-Una e os consequentes reflexos na área da iniciativa privada; se tornar, pala a sua estratégica situação geográfica, um grande centro exportador de riquezas da região, principalmente minerais” (14).

A construção do Tropical Hotel de Santarém corroborou para o projeto político-ideológico por parte do governo federal, através da “Integração Amazônica” e das elites locais, que buscavam legitimar o movimento de emancipação por intermédios de símbolos urbanos, se valendo da modernidade arquitetônica que o Hotel expressava. É importante ressaltar que estava prevista a construção de um cassino nas dependências do empreendimento, na esperança que os jogos de azar fossem liberados, constituindo assim um atrativo para turistas nacionais e internacionais, fato que não se concretizou. Para incrementar ainda mais o fluxo de turistas no hotel, a Companhia pensou em uma rota de house boats, que transitariam entre Belém, Santarém e Manaus, articulando a cadeia de hotéis nas três cidades.

No contexto urbano de Santarém, o Tropical Hotel era (e ainda é) um dos edifícios mais icônicos, status adquirido simbolicamente por representar a modernização e contribuir para criar uma nova centralidade na cidade, reforçada pela proximidade do hotel com o início da Rodovia Santarém-Cuiabá (BR-163).

Outro aspecto de inserção urbana digno de ser ressaltado se refere à previsão de construção de um Parque Municipal, que estava em fase de anteprojeto pelo arquiteto Arnaldo Paoliello à época da construção do Hotel. O “Parque Tropical” se estenderia dos jardins do Hotel até a área marginal do Rio Tapajós e possibilitaria também a conexão com um departamento náutico, uma complementação de áreas de lazer que seriam disponibilizadas aos hóspedes, com “pesca, passeios de lanchas e barcos, [...] loja para venda de souvenirs, material de artesanato local, material de pesca, esportes náuticos, bar, salas de estar e terraços em deck debruçados sobre o rio, garagem de barcos e pontão de embarque” (15). Entretanto, é importante salientar que nem o Parque, nem o Departamento Náutico foram realizados.

Tropical Hotel de Santarém, implantação. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

O primeiro estudo concebido por Arnaldo Paoliello para o Hotel previa um programa para setenta unidades de hospedagem, estimativa feita em função da população de Santarém. Uma vez submetido ao presidente da Varig, Erick de Carvalho e ao próprio Presidente Médici, o programa de necessidades do empreendimento expandiu para 120 quartos. Destes, o General exigia a inclusão de uma suíte presidencial e a cessão de 30 unidades destinadas ao uso dos membros do governo federal. O arquiteto atendeu às demandas da Varig e do Presidente da República, embora considerasse o porte do hotel desproporcional em relação à localização e à condição urbana de Santarém no início da década de 1970.

A segunda versão do projeto foi construída em pouco mais de um ano, por operários, na sua maioria advinda de Brasília, depois da dispensa dos candangos, provocada em muitos casos pelo já avançado estágio de construção da capital federal.

A implantação é bem marcante, seja pela rampa, quase um viaduto, que dá acesso ao Hotel e abriga as funções variadas de comércio e serviços voltadas para a avenida, seja pela sua disposição, solta em meio a uma grande quadra, impondo-se em relação ao entorno, marcado por uma estrutura fundiária mais tradicional.

Tropical Hotel de Santarém, perspectiva do conjunto. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

Do ponto de vista arquitetônico, o edifício se sobressai não somente pela monumentalidade da sua implantação, visível nas dimensões generosas da edificação (20 mil m²), mas também pela diversidade de usos coletivos que abrigava, qualificando-o como um edifício híbrido. O programa de necessidades era bem diverso e incluía “uma confortável suíte presidencial, conjunto de lojas, cinema, amplo salão de convenções dotado das mais modernas técnicas, piscinas, boate, salão de jogos, fisioterapia, departamento médico etc.” (16).

Cartão Postal do Tropical Hotel de Santarém PA, 1976
Foto divulgação [Blog de Ignácio Ubirajara Bentes de Sousa Neto]

O programa se distribuía ao longo dos cinco níveis, sendo: o térreo, no plano da Av. Mendonça Furtado, dedicado aos usos coletivos, com previsão de 20 lojas abrigadas pela rampa que dá acesso ao lobby do hotel, estacionamento para 100 veículos, acesso ao cinema, setor de serviço (portaria, casa de máquinas, almoxarifados, lavanderia etc) e as redes de tubulação; em um pavimento intermediário (mezanino), localizavam-se áreas administrativas e de apoios aos funcionários e das áreas de lazer; no nível da recepção, acessado pela rampa havia estacionamento para 20 automóveis, o lobby e recepção do hotel e áreas de uso comum como bar nobre, estar, restaurante, salão de convenções para 300 pessoas e ainda uma boate com entrada para o público externo; nos três últimos andares se localizam as unidades de hospedagem. A qualidade espacial do Hotel está relacionada em grande medida à variação de níveis e pés-direitos.

A racionalidade da obra se materializa na regularidade modular dos elementos da estrutura em função das unidades habitacionais, expressa, por seu turno, na solução espacial, funcional e formal do edifício, que se desenvolve de forma levemente curvilínea e se debruça para a área de lazer do complexo, também com traços característicos do modernismo, conforme atesta o próprio arquiteto ao afirmar que o empreendimento “é de estilo moderno, formando um semicírculo voltado para o Rio Tapajós, numa concepção que visou, principalmente, a aproveitar a colina de oito metros em que se situa” (17).

Tropical Hotel de Santarém, planta do nível do lobby. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

Tropical Hotel de Santarém, planta do pavimento tipo. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

Além das preocupações com o contexto da paisagem, note-se que o projeto era sensível às especificidade locais, pois

“utilizou técnica artesanal da região, aproveitando as condições de mão-de-obra local. Dotados de todo o conforto moderno, seus 120 apartamentos têm acabamento de material simples em sua decoração foram utilizados móveis típicos da região, redes, madeiras regionais, couro, cortinas e tapetes com fibras locais” (18).

Tropical Hotel de Santarém, corte e detalhe do corte. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

Formalmente, a harmonia da curva é quebrada com o volume da circulação vertical e a marquise que protege o acesso ao hotel. Na parte posterior, voltada para o rio, destaca-se outra marquise, que funciona também como terraço, e uma grande pérgula. A linha dominante da composição é horizontal, mas é contrastada com empenas verticais (19) que possuem um perfil ligeiramente inclinado, com uma base maior e diminuindo na medida em que se verticaliza, conforme confirma o arquiteto.

“A estrutura de concreto é totalmente modulada e se previu, através de colunas com perfis bem marcantes e cobertura de telhas meio tubo de fibro-cimento, dar uma personalidade ao conjunto, que se desenvolve de forma contínua e em diversos níveis, descortinando-se ângulos imprevistos e paisagens bastante agradáveis com interpenetração de jardins e terraços, rampas e vegetação tropical que se misturam com a arquitetura dando a ambientação que a disposição privilegiada do terreno oferece” (20).

Tropical Hotel de Santarém, perspectiva da área de lazer. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

É importante destacar a qualidade dos profissionais envolvidos no projeto, como o arquiteto Hideo Hashimoto, coordenador e colaborador do projeto de arquitetura; o paisagista Ney Dutra Ururahy (21), com forte influência de Burle Marx, conforme pode ser verificado no desenho geométrico dos jardins do Tropical Hotel de Santarém; O engenheiro Adolfo Veirano Jr., responsável pelo cálculo estrutural; a Sra. Graziella Pires Paoliello, esposa do arquiteto, que juntamente com Sra. Myriam Pettinati Mauad e Arnaldo Paoliello foram responsáveis pela arquitetura de interiores e decoração.

Tropical Hotel de Santarém, perspectiva do lobby. Arquiteto Arnaldo Paoliello
Desenho original do projeto [PAOLIELLO, 1973]

Interferências na obra: à guisa de conclusão

Com base na pesquisa (em estágio inicial) empreendida pelo autor sobre a relação entre a arquitetura moderna e o turismo, o trabalho buscou registrar aspectos gerais de projetos de hotéis modernos no Norte e Nordeste da Rede Tropical de Hotéis-Varig e especificamente o caso do Tropical Hotel de Santarém, onde se constata que até então não existiam referências sobre este importante edifício, nem mesmo da atuação e contribuição do arquiteto paulista Arnaldo Furquim Paoliello à arquitetura hoteleira de feição modernista. A relevância do trabalho se sustenta na possibilidade de chamar a atenção para a necessidade de documentação e preservação desta “pérola” moderna na Amazônia, como forma de valorização do criador (arquiteto) e da criatura(obra).

Atualmente, o edifício ainda funciona como hotel, depois de um tempo sem uso, em função do processo de desarticulação e falência da Companhia Tropical e da Varig. Após negociações, o hotel foi adquirido pelo Sr. Paulo Barrudada na década de 2000, justificando a sua atual denominação de Barrudada Tropical Hotel.

O atual hotel passou por reformas internas, com mudanças de revestimentos em geral e nos banheiros e atualização de mobiliário dos quartos e demais ambientes, que não comprometeram a aparência original do projeto. Mais recentemente, a construção de uma coberta metálica em forma abobadada sobre o terraço que se debruça para o jardim pode ser considerada a intervenção mais nociva e desrespeitosa em relação à linguagem moderna do edifício.

Atual Barrudada Tropical Hotel, área de lazer, Santarém PA
Foto divulgação [website do hotel]

De modo geral, a manutenção atual do uso hoteleiro garante ao edifício uma certa longevidade, e adaptação às demandas contemporâneas, que se justificam pela qualidade do projeto. Em relação aos usos coletivos previstos, como as lojas e outros serviços, verifica-se que não houve uma ocupação conforme foi concebido. Caso se consolidasse, poderia valorizar sobremaneira o espaço público da avenida na qual está implantado.

Ainda que estas interferências no edifício e desdobramentos contrários ao projeto tenham ocorrido, o Hotel continua sendo um dos edifícios mais significativos da cidade de Santarém, que depois de quarenta anos passados desde a construção do Hotel, sofreu transformações urbanas relevantes, embora permaneça o desejo de criação do Estado do Tapajós.

Atual Barrudada Tropical Hotel, vista aérea, Santarém PA
Foto divulgação [website do hotel]

Enfim, a carência de estudos sistemáticos sobre esta temática demonstra a importância da pesquisa sobre o Tropical Hotel de Santarém e do seu autor, pois pretende, mediante a documentação deste acervo, contribuir para a sua valorização, conservação e preservação. O trabalho, ao registrar este legado, almeja ainda colaborar para a produção de conhecimento sobre a cidade e a arquitetura no Norte e Nordeste do Brasil.

notas

NE – O presente artigo é uma revisão do artigo homônimo que foi apresentado e publicado originalmente nos anais do V Docomomo N/NE, realizado em novembro de 2014 em Fortaleza.

NA – Agradeço Guilherme Paoliello, arquiteto e filho do autor do Tropical Hotel Santarém e, especialmente, ao Arquiteto Arnaldo Furquim Paoliello, por viabilizar a produção deste artigo por meio da disponibilização da documentação de valor inestimável do Tropical Hotel de Santarém (currículo, memorial, desenhos, plantas, etc) e pela entrevista lúcida e afetuosa concedida ao autor.

1
A companhia foi fundada em 1959, a princípio como Realtur S/A Hotelaria, ligada a Real S/A Transportes Aéreos e teve como o primeiro da rede o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, no Paraná, marco da hotelaria no Brasil e em 1967 passou a se chamar Companhia Tropical Hotel.

2
JORNAL DO BRASIL. Varig incentiva o turismo: Hotel Tropical. Rio de Janeiro, 17 abr. 1968, p. 5.

3
“O complexo contava com 63 apartamentos, 01 suíte presidencial, recepção, salões nobres, elevadores, parque aquático, sauna, playground, restaurante, estacionamento com aproximadamente 50 vagas, boite, salão de beleza, áreas de lazer, lojas de artesanato, serviço médico, saguão abrigado para embarque e desembarque (sob pilotis)”. TRIGUEIRO, Edja; DANTAS, George; NASCIMENTO, José Clewton do; LIMA, Luiza; PEREIRA, Marizo Vitor; VELOSO, Maisa; VIEIRA, Natália Miranda. O Hotel Internacional Reis Magos e sua importância histórica, simbólica e arquitetônica. Natal, CT DA UFRN, 2014, p. 8. Disponível em <http://www.mprn.mp.br/controle/file/Estudo%20sobre%20Hotel%20Reis%20Magos.pdf>

4
A qualidade do projeto lhe rendeu a participação na revista L’Architecture d’Aujourd’Hui, n. 27, de dezembro de 1949. Cf. ANDRADE JUNIOR, Nivaldo Vieira de; LEAL, João Legal . Arquitetura moderna e reciclagem de patrimônio edificado: a contribuição baiana de Diógenes Rebouças. In: 7º Seminário Docomomo Brasil, 2007, Porto Alegre. Anais do 7º Seminário Docomomo Brasil. Porto Alegre, Propar-UFRGS, 2007. v. 1, p. 15.

5
TINEM, Nelci; ROCHA, Germana Costa. Nexos tectônicos na arquitetura do Hotel Tambaú. In: 10º Seminário Docomomo Brasil, 2013, Curitiba. Anais do 10º Seminário Docomomo Brasil. Curitiba, UFPR, 2013.

6
BACKHEUSER, João Pedro. Sérgio Bernardes: sob o signo da aventura e do humanismo. Projeto Design, São Paulo, n. 270, ago. 2002, p. 25.

7
VIEIRA, Monica Paciello. Sergio Bernardes: arquitetura como experimentação. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Proarq FAU UFRJ, 2006.

8
PEREIRA, Sabrina Souza Bom; GUERRA, Abilio. Rodolpho Ortenblad Filho. A arquitetura moderna paulista olhando para Wright e Neutra. Entrevista, São Paulo, ano 12, n. 048.01, Vitruvius, out. 2011 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/11048/4083>.

9
PAOLIELLO, Arnaldo Furquim. Currículum Vitae Arnaldo Furquim Paoliello, São Paulo, 2004 (mimeo).

10
O arquiteto foi responsável pelo projeto da garagem de barcos do Tropical Hotel Manaus, tendo se recusado a fazer o projeto arquitônico do complexo, justificando não se alinhar à linhas tradicionais demandadas (neocolonial) pela Companhia.

11
Estavam presentes na inauguração “o Ministro Marcus Vinicius Pratini de Morais; o ministro interino da fazenda, José Flávio Pécora; o diretor-geral do Departamento nacional de Vias Navegáveis, comandante Zaven Boghossian, representando o Ministro dos transportes; o presidente da EMBRATUR, Paulo Protásio; o presidente da Cernal, Brigadeiro Evidio Caldas Sanctus; o Deputado Antônio Amaral, representando o Governador do Pará; o prefeito de Santarém, Everaldo de Sousa Martins, Osvaldo Pierucetti; e outras autoridades civis e militares, além da Varig e da Cia. Tropical de Hotéis”. JORNAL DO BRASIL. Tropical Varig abre hotel de categoria em Santarém. Rio de Janeiro, 31 jul. 1973, p. 8.

12
ANDRADE, Terence Keller; TAVARES, Maria Goretti. O projeto de integração Amazônica visto pela turistificação dos lugares. Confins, Paris, v. 14, p. 1-1, 2012.

13
Entrevista do Arquiteto Arnaldo Furquim Paoliello concedida ao autor em 23 de setembro de 2014.

14
PAOLIELLO, Arnaldo Furquim. Memorial descritivo Tropical Hotel de Santarém, São Paulo, 1973 (mimeo), p. 3 e 4.

15
Idem, ibidem, p. 3.

16
JORNAL DO BRASIL. Tropical Varig abre hotel de categoria em Santarém. Rio de Janeiro, 31 jul. 1973, p. 8.

17
Idem.

18
Idem.

19
Esta solução remete, inconscientemente ou não, à solução do Tropical Hotel Tambaú.

20
PAOLIELLO, Arnaldo Furquim. Memorial descritivo Tropical Hotel de Santarém, São Paulo, 1973 (mimeo), p. 3.

21
“Já durante a intensa produção do movimento moderno, apresentou em seus projetos uma forte referência de Roberto Burle Marx e das curvas características de Oscar Niemeyer. A tendência modernista é um aspecto característico nos projetos do paisagista Ney Ururahy e estes revelam a influência concreta do paisagista Roberto Burle Marx, principalmente a composição de jardins utilizando formas livres, rítmicas e sinuosas; e a utilização e valorização da flora local e nacional”. MALUF, Carmem Silvia; TOSTA, Janaína de Melo; PARREIRA, Vanessa Silveira; GARCIA, Mariana Ferreira Martins; MENEZES, Mariana Santos. Caracterização da produção do paisagista Ney Ururahy. In: Anais do 8º Seminário Docomomo Brasil – Cidade moderna e contemporânea: Síntese e paradoxo das artes. Rio de Janeiro, 2009, p. 6.

sobre o autor

Ricardo Alexandre Paiva é arquiteto (UFC, 1997), mestre (2005) e doutor (2011) em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. É Professor Adjunto de Projeto Arquitetônico do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará. Coordena o LOCAU (Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização-DAU-UFC).

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