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research

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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
No estudo do chalé “Canto do Sabiá”, edificado na Ilha de Mosqueiro (Belém-PA) no início do século 20, apresentam-se diretrizes de intervenção que valorizem a técnica da taipa-de-mão, visando à continuidade da tradição construtiva local.

english
In the research of cottage Canto do Sabiá’s, built in Mosqueiro’s island in the beginning of 20thcentury, we present intervention paths which valorize the technique taipa-de-mão, in order to guarantee the continuity of the local constructive tradition.

español
En este artículo se presenta la vivienda Canto do Sabiá, edificada en siglo 20 en la isla de Mosqueiro, presentamos directrices de intervención que valoricen la técnica de la taipa-de-mão, ambicionando la continuación de la tradición constructiva local.


how to quote

CARVALHO, Ronaldo Marques de; MIRANDA, Cybelle Salvador ; SOUZA, José Antonio da Silva; MACÊDO, Alcebíades Negrão; BESSA, Brena Tavares. A preservação do “saber fazer”. A taipa-de-mão do “Canto do Sabiá”. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 179.06, Vitruvius, maio 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.179/5533>.

No Brasil, mais precisamente no Pará, a capital Belém e cidades próximas apresentam diversas edificações que possuem suas estruturas de paredes construídas em Taipa de Mão, vertente da técnica da taipa mais utilizada na região.

Assim, destacamos a Taipa de Mão como uma manifestação cultural no que diz respeito ao aspecto tecnológico do ‘saber fazer’ como patrimônio imaterial, reforçando os laços que ligam o Pará a Portugal. Para isso, apresentamos a residência “Canto do Sabiá” como estudo de caso, entendida como representante de um estilo – o estilo eclético, utilizado nos chalés do início do século 20 em Belém e arredores – e representante de uma técnica – a Taipa de Mão.

Localizada na Rua Nossa Senhora do Ó, no bairro da Vila na Ilha de Mosqueiro, encontramos a chácara ‘Canto do Sabiá’:

“A edificação principal enquadra-se nas características de um chalet urbano, típico do período eclético, construído entre os anos vinte e trinta do século 20, com volumetria mais requintada, acentuada pela movimentação dos telhados; liberto dos limites do terreno, [...] podendo ser encontrado em várias regiões européias da Alemanha, Baviera, Alta Normandia e Alsácia” (1).

A Ilha de Mosqueiro, com área aproximada de 220 km, teve como primeiros habitantes os índios Tupinambás, mantendo-se pouco ocupada até o final do século 19, quando sua população não ultrapassava 500 habitantes. De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta uma população residente estimada em aproximadamente 27.000 habitantes (2).

A partir do início do século 20, Mosqueiro foi ‘descoberta’ como balneário, primeiramente pelos estrangeiros que ali se refugiavam nos finais de semana, em geral, alemães, ingleses e franceses. No sentido Vila-Baía do Sol, diversas praias foram descobertas, de modo que o interesse por Mosqueiro aumentou com o passar dos anos. Destacam-se em sua arquitetura as residências tipo chalé, em sua maioria edificadas em madeira, elevadas do solo, sendo que o chalé objeto deste estudo apresenta como peculiaridade a técnica construtiva em taipa de mão, em especial por utilizá-la em paredes exteriores. Deste modo, o “Canto do Sabiá” é um exemplar icônico, manifestação da arquitetura eclética que então se expandia pela capital paraense. Inspirados nos chalés encontrados na Europa, os da orla preservam ainda parte de sua estrutura original, apesar de muitos outros já terem desaparecido.

Chalé Restaurante Bela Época, 2010
Foto Fortunato Neto

Chalé Sissi, 2010
Foto Fortunato Neto

Chalé Porto Arthur, 2010
Foto Fortunato Neto

A taipa como técnica construtiva

“À esta [residência em estilo colonial], são acrescentados, primeiro o terraço ao lado da cozinha e a duas varandas laterais. Posteriormente, foram construídos os banheiros, a despensa, a torre com a caixa d’água e o porão; todos estes ambientes são de tabique, mesma técnica construtiva da antiga casa” (3).

A técnica construtiva predominante no “Canto do Sabiá” é a taipa de mão, ou tabique. A edificação pré-existente, de características coloniais, era de tabique, e os acréscimos mantiveram a mesma técnica. Reside na técnica construtiva a peculiaridade deste exemplar da arquitetura paraense implantada na ilha de Mosqueiro, o qual emprega o material mais comum nas construções brasileiras até o início do século 20 – a terra:

“Por arquitectura em terra entende-se toda e qualquer construção edificada em terra crua, ou seja, todas as construções que utilizem a terra como matéria-prima sem alteração das suas características mineralógicas” (4).

Existem diversos modos de se construir com a terra, de acordo com o tipo de terra disponível. Por ser um material natural, reciclável, ecológico e sustentável, a terra possibilita uma diversidade de aplicações, desde a habitação vernácula, até palácios e fortificações (5).

As tradições vernáculas perpetuam-se nas comunidades nas quais são utilizadas, por não utilizarem produtos manufaturados ou instrumentos mecanizados (6). A função de taipeiro é um processo de aprendizagem entre gerações: tutelado pela influência paterna, o ofício do passado é passado como técnica construtiva. No litoral alentejano, a técnica da taipa surge em virtude dos atributos da terra e dos conhecimentos construtivos locais (7). A existência da argila na composição dos solos permite usar a terra para construir, já que ela é o elemento que estabelece a ligação entre os grãos de areia, mantendo-os unidos, formando um conjunto sólido e coeso (8).

Ao longo de todo continente americano observa-se a presença de patrimônio edificado em terra em adobe, taipa ou tabique e suas variantes regionais – pau-a-pique e taipa de sopapo, no Brasil. Surgem em solo brasileiro fortificações em taipa de pilão ao longo do litoral, mas também em centros históricos de cidades, como em Salvador – Bahia (9).

Taipa é todo sistema construtivo em que se emprega, na confecção de fechamentos, a terra umedecida ou molhada, sem a mesma ter sofrido nenhuma espécie de beneficiamento anterior. Dentre os tipos de taipa, destacamos a Taipa de Mão, de Sebe, ou Sopapo (10). O termo ‘taipa’ tem uma dualidade terminológica no Norte e no Sul de Portugal. No Norte o termo ‘taipa’ refere-se à taipa de fasquio, enquanto no Sul de Portugal, o termo refere-se à técnica construtiva de terra comprimida com o maço ou pilão (11).

Duas técnicas são as mais utilizadas no Brasil, a taipa de pilão e a taipa de mão. A primeira é caracterizada como uma técnica monolítica e portante, na qual não existe separação entre o material e a técnica construtiva. Dentre as diversas técnicas incluídas nessa categoria, a taipa de pilão caracteriza-se como a terra prensada: a técnica consiste em prensar ou comprimir camadas de terra quase seca dentro de uma cofragem – os taipais.

Em Portugal, a técnica é amplamente utilizada, encontrada sobretudo em fortificações históricas do Sul, na arquitetura tradicional e pública em paredes exteriores e interiores do Alentejo, em paredes exteriores do Algarve e em alguns edifícios em áreas restritas no Centro e Norte litoral (12). A cor e qualidade da taipa variam em função das terras disponíveis - sua consistência relaciona-se com a menor ou maior percentagem de terra, cal e inertes empregados na sua composição (13).

Já o tabique se configura através de estruturas de madeira ou caniço, preenchida com terra e/ou com argamassa de cal e areia.

“No Norte de Portugal, e pertencendo à mesma família de estrutura tradicional mista do tabique, utilizava-se a taipa de fasquio, composta por madeira e argamassa de terra. Era constituída por pranchas de madeira verticais, que formavam uma estrutura com outras pranchas, pregadas da diagonal. Por último, pregavam-se as ripas horizontais, o fasquio, e colocava-se a argamassa e o reboco de terra e/ou cal. A taipa de fasquio era a técnica mais utilizada nos centros históricos do Porto e Guimarães” (14).

A Taipa de Mão é uma técnica cuja estrutura de madeira é composta de esteios cravados no solo e conectados entre si através de vigas horizontais, os baldrames, e vigas superiores, os frechais, em geral de secção quadrada, formando um sistema rígido.De fora para dentro, esse sistema é amarrado com cipó, criando-se um painel transfurado, cujos vãos quadriláteros medem de 5 a 20 centímetros de lado, que serão preenchidos com o barro. “O barro era atirado, ao mesmo tempo, por duas pessoas, uma do lado de dentro e outra pelo lado de fora. Daí a expressão de sopapo ou de tapona” (15).

Para esse barreamento, em algumas regiões, são misturados apenas terra e água, enquanto que, em outras, são adicionadas fibras vegetais, palha, esterco de gado, cal ou cimento, com a função de estabilizar a terra, diminuindo a retração e aumentando a resistência. Costa e Mesquita (16) acreditam que foi a observação do pássaro João-de-Barro, que utiliza o estrume de gado na construção do ninho, que ocasionou o uso do material nas casas de taipa, para aumentar a durabilidade das paredes e a resistência a fissuras. A mistura desse barro costuma ser feita com os pés descalços.

Já a fundação utilizada era formada pela continuidade do tronco em que era cortado o esteio, conhecido como nabo. Para retardar o apodrecimento da madeira, o nabo era crestado a fogo. Próximo ao piso, os esteios recebiam encaixes para fixação dos baldrames mais altos que o solo, para evitar a penetração da água. Sobre eles, apoiavam-se os barrotes de sustentação dos assoalhados, o piso comumente empregado neste tipo de técnica (17).

Estrutura de madeira para execução da Taipa de mão
Imagem divulgação [PISANI, 2004, p. 14]

A espessura da parede varia entre 15 e 20 centímetros, e o tempo de secagem da mesma é de aproximadamente um mês antes de receber os revestimentos (18).

A parede de Taipa de Mão deve ser revestida, para proteção contra as intempéries. Enquanto os beirais resguardam as partes superiores, o revestimento em argamassa protege o restante. A argamassa de revestimento é composta pela mesma terra da taipa, misturada por vezes com esterco fresco e areia. Com o mínimo de três demãos, paulatinamente a terra e o esterco são adicionados em menor quantidade, até que na última demão há o predomínio da areia e a adição da cal (19).

Segundo Nelson Pôrto Ribeiro, referindo-se ao contexto do Espírito Santo, mas que pode ser estendido às demais províncias brasileiras do século 19,

“As práticas construtivas empregadas nesses povoados denotam não apenas uma carência de material artesanal de qualidade para a construção civil, mas em especial a ausência de uma mão de obra especializada que possibilitasse técnicas mais elaboradas, pois se sabe que a arquitetura de terra é fundamentalmente vernácula e exige consideravelmente menos mão de obra qualificada do que a arquitetura de pedra e cal ou de tijolos cerâmicos. Foi esta a técnica por excelência utilizada nos primeiros tempos da colonização, porque permitia envolver a população em mutirão” (20).

A Taipa-de-Mão é uma manifestação dos saberes e técnicas empregadas na construção de edificações residenciais em muitas regiões do país. Conhecer e perpetuar a técnica e o “saber fazer” é uma forma de preservá-la, como parte do patrimônio imaterial ou intangível brasileiro e mundial.

A técnica de enchimento, com terra de recobrimento (tabique de terra)
Foto divulgação [FERNANDES, 2006, p. 23]

Assim, o Patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível pode ser compreendido a partir da dimensão que ele tem de acordo com as visões de mundo das sociedades humanas. Essas formas de celebrações, transmissão de saberes e conhecimento fazem parte das nossas identidades comuns, no sentido do pertencimento correspondente à “alma dos povos”, conjugando memórias que fortalecem os vínculos identitários. Por mais que o mundo globalizado tenda a homogeneizar e massificar os costumes, a identificação e preservação do Patrimônio Imaterial são de fundamental importância para que isso não ocorra. Segundo a “Convenção sobre a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível ou Imaterial”, de 2003, este é conceituado como as

“práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural” (21).

Nos séculos 18 e 19, associou-se Patrimônio Cultural a objetos representativos da nacionalidade, como monumentos, edifícios e outras formas de expressão. Essa valorização aos aspectos materiais da cultura expandiu-se para o campo da imaterialidade, as ações cotidianas. O princípio da conservação das tradições culturais populares privilegiaria a percepção, a perpetuação das práticas e suas transformações, já que a cultura é dinâmica, incorpora significados ao longo do tempo – uma ressignificação que contribui para a valoração dos bens culturais. Assim, o estudo científico das técnicas tradicionais contribui para garantir sua continuidade e aperfeiçoamento.

O “Canto do Sabiá”

A propriedade foi adquirida em 1933 pelo alemão Carl Ferdnand Johannes Fechter, para o uso de residência de veraneio da sua família. Até o presente ano, o terreno havia tido diversos donos. Quando de sua compra, a propriedade possuía uma construção residencial com características tipicamente coloniais, a qual foi modificada pelo novo proprietário (22).

Planta-baixa da residência “Canto do Sabiá”
Imagem divulgação [Adaptado de FARO & SILVA, 2000]

O Sr. Fechter nasceu na cidade de Erfurt, capital da Turíngia, na Alemanha. Chegou a Belém nos idos de 1908 para trabalhar na empresa Berringer & Cia. Na segunda metade do século 19, teve início no Norte do país a exploração da borracha, um produto que mudaria drasticamente a economia na Amazônia. No período de apogeu da borracha, entre os anos de 1880 a 1912, Belém passou por grandes transformações em seus costumes e em sua estrutura urbana, atraindo grande número de pessoas para a região amazônica, principalmente nordestinos e estrangeiros.

A chegada de estrangeiros trouxe grandes transformações tecnológicas, devido ao conhecimento que estes introduziram em nossa sociedade, contribuindo para que as mudanças fossem processadas no cenário urbano, onde dominava ainda a maneira de construir do estilo colonial.

A residência “Canto do Sabiá” adquiriu nova forma a partir de acréscimos feitos à construção pré-existente pela família proprietária, para proporcionar maior conforto aos moradores, e pela utilização de materiais típicos da época, à maneira eclética de construir. Em 1941, houve um acréscimo importante à residência: o proprietário adquiriu os terrenos confinantes ao seu e construiu jardins em forma de terraços com escadarias para acesso à praia do Bispo.

Imagem 8

A residência recebeu ainda traços da arquitetura alemã, em razão da origem da família.

“as janelas receberam vidros coloridos e os vãos em arcos pleno e abatido, ganharam vedações em madeira e folhas almofadadas e com venezianas fixas. Nas fachadas foram acrescentadas sacadas com guarda-corpo em balaústres, marcações em argamassa semelhantes aos tramos do enxaimel alemão” (23).

Desde a Antiguidade, os povos da Europa utilizavam-se da madeira em suas construções. Na Alemanha, inicialmente, predominavam duas técnicas: a do blocausse e a do enxaimel. Porém, o blocausse – técnica que consiste em toras de madeira falquejadas colocadas umas sobre as outras encaixadas nas extremidades com a parede oposta – utilizava-se largamente da madeira.

A escassez da mesma, paulatinamente, fez com que se desse preferência ao enxaimel. A estrutura de enxaimel consiste em uma trama de madeira aparelhada com peças verticais, horizontais e diagonais, onde as paredes se transformam em estruturas encaixadas entre si. Esses tramos são, posteriormente, preenchidos com taipa, tijolo, adobe ou pedra (24). Os elementos constituintes são os seguintes:

“Em sua forma mais comum, a parede de enxaimel é contida por um baldrame, um frechal e dois cunhais (ou dois esteios principais, em se tratando de paredes internas). Nesse requadro estão encaixados os esteios secundários que definem os vãos, limitados horizontalmente, por verga e peitoril. Nos tramos fechados aparece o Mittelriegel que chamamos de peitoril ou verga conforme se situe abaixo ou acima da linha média das janelas. As paredes internas são marcadas externamente por esteios principais, mais robustos que os secundários. Nos tramos extremos de cada pano de parede aparecem escoras encaixadas entre o baldrame e o frechal. Quando os panos são muito grandes, pode aparecer uma escora intermediária” (25).

Contudo, no “Canto do Sabiá”, a técnica empregada foi a taipa-de-mão de origem portuguesa, sendo acrescentados nas fachadas alguns relevos em massa, pintados na cor branca, que lembram as marcações do enxaimel, apenas como recurso estético.

Materiais e métodos - subsídios para estudos de conservação e restauração

O estado atual de conservação do imóvel apresenta um acentuado processo de visível degradação. Externamente, observamos que na fachada voltada à Praia do Bispo – fachada 2 – as paredes apresentam a tinta descascada e vários pontos de umidade. Além disso, o crescimento de vegetação, nas paredes da pequena torre que a casa possui, é evidente, além de pontos de umidade acentuada.

Fachada 2, com sinais de umidade, 2011
Foto Fortunato Neto

Torre com sinais de umidade e vegetação crescente, 2011
Foto Fortunato Neto

Outro ponto a ser evidenciado é a uma série de extensas rachaduras que as paredes externas apresentam. Essas rachaduras, em alguns pontos, ocasionaram o desprendimento do “reboco” da parede, fazendo com que a estrutura em madeira da taipa se tornasse visível, bem como as peças de madeira apresentam perdas em função do contato permanente com a água.

Taipa de mão aparente, 2011
Foto Fortunato Neto

Na foto abaixo, trecho inferior da parede da fachada 2, na direção da cozinha, foram coletados fragmentos, os quais foram objeto de análise DRX para obtenção da caracterização da composição da argamassa.

Rachaduras na parede, 2011
Foto Fortunato Neto

As análises de DRX foram realizadas no difratômetro de raios-X do modelo X´Pert Pro MPD (PW 3040/60) PANalytical, com goniômetro PW3050/60(θ-θ) e com tubo de raios-X cerâmico de anodo de Cu (Kα1= 1,540598 Å) modelo PW3373/00, foco fino longo, filtro Kβ de Ni, detector X’Celerator RTMS (Real Time MultipleScanning) no modo scanning e com active length 2,122º. Foram usadas as seguintes condições instrumentais: Varredura 4° a 75° 2θ, 40 kV, 30 mA, passo 0,02° em 2θ e tempo/passo de 20 s, fenda fixa 1/4° e anti-espalhamento 1/2°, máscara 10 mm, movimento da amostra spinning, com 1 rps.

Difração de raio-x da coleta de fragmentos da parede da habitação “Canto do Sabiá”
Imagem divulgação [Análise realizada no Laboratório de Materiais do IFPA]

O resultado registrou a presença de Quartzo (SiO2), argila caulinítica (Al2Si2O5(OH)4) e argila com composição sílico aluminosa (SiO2Al2O3FeO3).

Na fachada 4, voltada para a Rua N. Sra. Do Ó, encontra-se em melhor estado de conservação, presume-se que em razão da manutenção dos moradores, por se tratar da fachada voltada para a rua.

Fachada 4, 2011
Foto Fortunato Neto

A fachada 3 também se encontra bastante degradada. Nela podemos observar algumas das rachaduras mencionadas, além do crescimento da vegetação ao longo da parede da entrada de serviço, que se desenvolve até atingir a torre.

Fachada 3 com rachaduras e vegetação crescente, 2011
Foto Fortunato Neto

Com relação à cobertura, esta aparenta integridade nos revestimentos em telhas, notando-se, porém, perdas no forro dos beirais, bem como a presença de pontos de umidade no interior da edificação, denotando vazamento em trechos da mesma.

Bay-window e forro do beiral quebrado, na fachada 4, 2011
Foto Fortunato Neto

Considerações finais

Riegl, que entende o monumento como “o suporte opaco de valores históricos transitivos e conflituais” (26) define valor histórico e valor artístico: por valor histórico entende o que foi e já não é mais, “não poderá jamais se reproduzir” e constitui um elo de uma cadeia de desenvolvimento. Toda etapa supõe um antecedente. Acresce que é preciso limitar nossa atenção aos testemunhos que podem representar etapas particularmente marcantes da evolução de um ramo da atividade humana. No caso, a casa de taipa tem valor histórico, principalmente para a história da técnica.

Todo monumento é ao mesmo tempo histórico e artístico. “Se não existe valor de arte eterno, mas somente valor relativo, moderno, o valor de arte de um monumento não é mais um valor de rememoração, mas um valor atual” (27). Trata-se de um valor prático e flutuante e se opõe ao valor histórico de rememoração do passado do monumento. Assim, Riegl conclui que não se pode falar de monumentos artísticos e históricos, apenas de monumentos históricos. Portanto, a instância histórica se sobrepõe à artística na valorização e preservação de um monumento. Porém acrescenta que nem todos os testemunhos possuem valor histórico; exemplo são as ruínas, os pergaminhos amarelados pelo tempo – estes provocam interesse pelo “valor de rememoração”, que “não está vinculado à obra em seu estado original, mas à representação do tempo decorrido desde a sua criação, denunciado aos nossos olhos pelas marcadas de sua idade” (28).

Conclui-se, portanto, que só existe valor de contemporaneidade quando o passado tem algo a dizer ao presente, como afirma Benjamin em ‘Escavar e lembrar’, advertindo que é preciso “assinalar no terreno de hoje o lugar no qual é conservado o antigo” (29).

O valor de antiguidade refere-se ao monumento de aspecto não moderno. Não se refere, porém, a seu valor artístico. Opõe-se ao valor de contemporaneidade, pois reside na imperfeição das obras, em sua falta de integridade, na dissolução de formas e cores. Ao valorizar o aspecto de antigo, deve-se considerar nas intervenções restaurativas o emprego de técnicas de pintura que empreguem materiais próximos ou compatíveis com aqueles aplicados anteriormente no imóvel, e que contribuem para seu aspecto atual.

A lei estética exige que as obras novas sejam acabadas e fechadas, enquanto as antigas demonstrem sinais de degradação; “na obra recentemente realizada, os traços de degradação (degradação precoce) nos incomodam tanto quanto os sinais de uma criação recente (restaurações visíveis) numa obra antiga” (30).

A lei do movimento cíclico, que produz a verdadeira satisfação estética produzida por monumentos antigos, exige que esses não sejam fixados pela conservação, mas submissos ao fluxo incessante da mudança. Deve ser evitada a intervenção arbitrária da mão do homem sobre o estado do monumento: “não é necessário adicionar nem substituir o que foi alterado ao longo dos anos sob a ação das forças naturais, tampouco suprimir os acréscimos que alteram a forma original” (31). Nota-se claramente que o bem em estudo configura-se em sua unidade como o resultado as fusões efetuadas ao longo do tempo, dos acréscimos, devendo ter preservada sua materialidade através da recuperação das paredes executadas em taipa, sendo um dos poucos exemplares a ter sua caixa externa construída em taipa de mão, o que em si causa a sua fragilidade.

O valor histórico – ou valor documental – é maior quanto mais puramente se revela o estado original e acabado do monumento; para ele as alterações e degradações são perturbadoras. Portanto, para obras não excepcionais, o que vale, segundo o pensamento de Riegl, é o valor de antiguidade, pelo apelo ao sentimento e ao gosto da população em geral. Isso pode ser averiguado através de um estudo de percepção empregando, por exemplo, o método etnográfico.

Por outro lado, a preservação da edificação residencial em estudo permite-nos refazer a trajetória da ocupação do Distrito de Mosqueiro, identificando seus primeiros usuários, bem como caracterizar esteticamente a tendência a tipos da arquitetura europeia de origem alemã na formação da paisagem local, seja pelos chalés em madeira, seja pelo chalé em arquitetura de terra com sistema construtivo taipa, proporcionando uma indicação de temática que poderá vir a ser explorada no inventário das residências da ilha no início do século 20.

Este patrimônio arquitetônico de valor singular na arquitetura paraense aponta para a reprodução de um gosto europeu não lusitano na confecção da moradia, que se pode visualizar em algumas tipologias da cidade de Belém continental, com emprego de tecnologias plenamente adequadas a nossa realidade, como a taipa e a estrutura de madeira.

notas

1
FARO, Maria Claudia da Silva; SILVA, Ruth Helena Almeida da. A influência da imigração alemã na arquitetura eclética em Mosqueiro: o caso “Canto do Sabiá”. Trabalho final de graduação (Arquitetura e Urbanismo). Belém, Universidade Federal do Pará, 2000, p. 59-60.

2
IBGE.Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=137&z=t&o=7&i=P>. Acesso em: 03 out. 2012.

3
FARO, Maria Claudia da Silva; SILVA, Ruth Helena Almeida da. Op. cit., p. 45.

4
FERNANDES, Maria. Técnicas de construção em terra. In JORGE, Felipe. Terra: forma de construir – arquitectura, antropologia, arqueologia – 10° Mesa-Redonda de Primavera. Lisboa, Argumentum, 2006, p. 20.

5
CORREIA, Mariana. Universalidade e diversidade da arquitectura de terra. In JORGE, Felipe. Terra: Forma de Construir – Arquitectura, antropologia, arqueologia – 10° Mesa-Redonda de Primavera. Lisboa, Argumentum, 2006, p. 12.

6
Idem, ibidem, p. 16.

7
PEREIRA, Catarina Saraiva. Taipeiros, construção com terra e relação com a natureza. In JORGE, Felipe. Op. cit.

8
ROCHA, Miguel. A terra na arquitectura. In JORGE, Felipe. Op. cit., p. 29.

9
CORREIA, Mariana. Universalidade e diversidade da arquitectura de terra. In JORGE, Felipe. Op. cit., p. 17.

10
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C.; Dicionário da arquitetura brasileira. São Paulo, Edart, 1972.

11
CORREIA, Mariana. Taipa no Alentejo. Lisboa, Argumentum, 2000.

12
PEREIRA, Catarina Saraiva. Taipeiros, construção com Terra e relação com a Natureza. In JORGE, Felipe. Op. cit., p. 20-21.

13
GOMES, Rosa Varela. Arquitectura civil e militar de taipa, no Barlavento Algarvio (séculos XII-XIII) In JORGE, Felipe. Op. cit., p. 132.

14
CORREIA, Mariana. Op. cit., p. 31.

15
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Op. cit., p. 439.

16
INO, Akemi; LOPES, Wilza Gomes Reis. Aspectos construtivos da taipa de mão. <www.habitat.arq.una.py/ambitos/tyh/cct/crh_cct_0087.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2012.

17
PISANI, Maria Augusta Justi. Taipas: a arquitetura de terra. Revista Sinergia, v. 5, n. 1, p. 09-15. São Paulo, 2004, p. 13.

18
Idem, ibidem, p. 15.

19
CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Op. cit.

20
PESSOTTI, Luciene; RIBEIRO, Nelson Pôrto (orgs.). A construção da cidade portuguesa na América. Rio de Janeiro, PoD, 2011, p. 126.

21
PELEGRINI, Sandra; FUNARI, Pedro Paulo. O que é patrimônio cultural imaterial. Coleção Primeiros Passos n. 331. São Paulo, Brasiliense, 2008, p. 46.

22
FARO, Maria Claudia da Silva; SILVA, Ruth Helena Almeida da. Op. cit., p. 45.

23
Idem, ibidem, p. 34.

24
OLIVEIRA, Daniel Schommer de. Resgate de técnicas construtivas mais sustentáveis: análise e descrição do sistema enxaimel. Trabalho final de graduação (Engenharia Civil). Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011, p. 19.

25
Idem, ibidem, p. 22.

26
RIEGL, Aloïs. O Culto moderno dos monumentos – sua essência e sua gênese. Tradução Elaine Ribeiro Peixoto e Albertina Vicentine. Goiânia, Editora da UCG, 2006, p. 14-15.

27
Idem, ibidem, p. 48.

28
Idem, ibidem, p. 50.

29
BENJAMIN, Walter. Escavar e lembrar. Obras Escolhidas, v. 2. São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 239.

30
RIEGL, Aloïs. Op. cit., p. 71-72.

31
Idem, ibidem, p. 73.

sobre os autores

Ronaldo Nonato Ferreira Marques de Carvalho é arquiteto e urbanista, mestre em arquitetura pelo PROARQ/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutor em Engenharia de Recursos Naturais (PRODERNA/UFPA). Professor Associado I na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (UFPA) e pesquisador associado ao Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (FAU-UFPA).

Cybelle Salvador Miranda é arquiteta e urbanista, mestre em planejamento do desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (UFPA) e doutora em Antropologia (UFPA). Professor Adjunto IV do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFPA). Coordena o Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural.

José Antonio da Silva Souza é engenheiro químico, doutor em Engenharia de Recursos Naturais, Professor do PRODERNA/UFPA.

Alcebíades Negrão Macêdo é engenheiro civil, doutor, professor do PRODERNA/UFPA e Diretor do Instituto de Tecnologia (UFPA).

Brena Tavares Bessa é graduada em Arquitetura e Urbanismo (FAU/UFPA), Mestranda no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFPA).

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